Crise do direito do trabalho, crise no direito do
trabalho
A crise econômica de 2008 gerou efeitos
devastadores sobre distintas áreas da vida social, da cultura e do direito, em
especial do direito do trabalho. Em uma nova versão do essencialismo econômico,
a hegemonia do neoliberalismo no discurso político e midiático está produzindo,
no contexto de uma situação de excepcionalidade social, uma racionalidade
dominante que tem como característica principal a generalização da concorrência
como norma de conduta e da empresa como modelo de subjetivação. Em seu aspecto
social, esse processo implica a tendência à individualização das relações
sociais com a polarização extrema entre ricos e pobres, em detrimento das
solidariedades coletivas.
Até a chegada da Grande Crise de 2007-2008,
desenvolvia-se na Europa a aceitação, por parte das forças de privilégio
econômico e social, de um compromisso com a democracia, a participação cidadã e
a conclusão de um pacto social com as classes subalternas. Esse compromisso foi
incorporado nas constituições nacionais dos diferentes países que constituem a
Europa e foi especialmente evidente nos textos constitucionais das nações que
derrotaram o nazi-fascismo. Nesse pacto social, o trabalho ocupava uma
centralidade política, era a plataforma sobre a qual se construíam direitos
cidadãos de solidariedade e compromisso pela nivelação social realizável
gradualmente com a ajuda dos sujeitos coletivos e dos poderes públicos. Isso
não impediu a disputa daqueles que queriam modificar em seu favor o equilíbrio
de poder e, assim, assegurar a manutenção das relações assimétricas de poder
econômico, social, cultural e político frente às posições contrárias de
nivelação das mesmas ou, inversamente, tentar modificar as posições
majoritárias dos cidadãos para posições de firme nivelação social e de incisivo
controle econômico da livre iniciativa e do mercado.
Os anos 1980 e o colapso do socialismo real
não mudou formalmente esse ponto de partida, mas reformulou, explícita ou
implicitamente, os termos desse acordo: acentuação da formalização da
democracia representativa; limitação ou incapacitação do pluralismo político
através de leis eleitorais e regulamentos partidários; manipulação da opinião
pública através do controle dos meios de comunicação; fortalecimento da
violência da troca salarial através da progressiva remercantilização da relação
de trabalho e contenção da ação reformista dos sindicatos; privatização
crescente dos serviços públicos.
Com a crise que começou em 2008 e seu
agravamento em 2010 com a chamada "crise do Euro", houve um salto
qualitativo, em especial para os países do sul da Europa, fortemente
endividados, como consequência da desregulação do sistema financeiro e sua alta
toxicidade, cobertas em grande parte pela injeção de imensas somas monetárias
provenientes de fontes públicas. O salto qualitativo, ou "mudança de
época", desenrola-se com base na confrontação direta entre a racionalidade
econômica e a política neoliberal na crise e o acordo democrático em que elas
se detinham antes da crise e que as continha. O impulso auto-referencial do
capital impede de formular uma alternativa política ao mesmo, desativa um
possível pluralismo político que coloque em dúvida sua capacidade de estruturar
e organizar em uma só direção a ação dos governantes e a conduta dos governados
e conduz progressivamente a desvalorizar o pacto democrático, que permitia
ajustar a administração da realidade e do projeto social para visões diferentes
daquelas realizadas com o propósito de estimular a economia financeira global.
Esses processos atingiram em cheio o direito
do trabalho, como construção teórica e como sistema normativo. Na Espanha, as
reformas alteraram fortemente o chamado modelo democrático e constitucional das
relações de trabalho. Foi imposta uma norma de classe que se desenvolve em uma
clara direção depreciativa e degradante dos direitos individuais e coletivos
dos trabalhadores. O ensino e a produção teórica sobre o direito do trabalho
foram muito afetados por esses fatos. Uma parte da cultura jurídico-laboral
pratica a aceitação acrítica desse quadro jurídico e de sentido concreto das
decisões judiciais, sem questionar a realidade que essas dimensões demonstram,
nem questionar o ambiente legal em que elas se enquadram. Em contrapartida, o
foco de muitas contribuições doutrinárias atuais interessantes repousa preferencialmente
nos processos de criação de normas e na configuração gradual de novas práticas
e regras coletivas, criticando de forma inteligente o sentido das reformas e
sua função.
Esse é um campo de confrontação e luta
fundamental para o sindicalismo e o movimento operário: discutir a mudança em
curso da produção doutrinária e teórica sobre o direito do trabalho; colocar em
perspectiva crítica o pressuposto das abordagens desreguladoras como peças
imutáveis de uma nova circunstância à qual necessariamente deve se adaptar a
elaboração teórica do direito do trabalho. É um debate sobre os ritos e as
políticas que emolduram a produção teórica do direito do trabalho, em que está
em jogo a legitimidade e a validade das políticas neoliberais que tentam se
impor como única solução para a crise.
Tradução: Nathaniel Figueiredo
Antonio Baylos é
doutor em Direito pela Universidad Complutense de Madrid; Professor Catedrático
de Direito do Trabalho e Seguridade Social na Universidad de Castilla La Mancha
– Madrid; Diretor do Departamento de Ciência Jurídica da Facultad de Derecho y
Ciencias Sociales de Ciudad Real; Diretor do Centro Europeu e Latino-americano
para o Diálogo Social (CELDS).
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