Ao invés de reduzir a maioridade, que tal
esterilizar mães de bandidos?
Leonardo Sakamoto
(Cuidado: post com doses de ironia. Leia com
moderação.)
Por trás de quem
mata e quem morre, há outras pessoas que sofrem junto. Quando um crime
acontece, lembramos primeiro – e com toda a razão – da dor de quem perdeu o
ente querido nas mãos de uma ação violenta, de um ato tresloucado ou
inconsequente.
Mas há duas
famílias envolvidas, sendo que a do outro lado, por ter “gerado a causa do
sofrimento” raramente é lembrada. Pelo contrário, torna-se corresponsável. E
por mais que nenhum juiz declare pena para a mãe do meliante, ela vai para o
inferno com ele.
Muitos leitores
dizem que a culpa também foi delas por terem criado seus homens assim. Bem,
talvez. Talvez não. Talvez de nossa ação e nossa inação também. Quem sabe?
Quando alguém é
preso, geralmente não segue para a cadeia sozinho pagar pelo crime que cometeu.
Vão também mães, irmãs, esposas, filhas, avós que, religiosamente, fazem filas
nas portas dos centros de detenção e presídios, ou das Fundações Casa e
similares, desde as primeiras horas nos dias de visita.
Já escrevi aqui
sobre o estranhamento de passar em frente a um Centro de Detenção Provisória.
Uma fila de lanche, bolo de fubá, pilha para o radinho, muda de roupa, pacote
de cigarros.
No final, a pena de
muitas dessas mulheres termina no dia em que seus filhos, maridos, pais, irmãos
deixam a cadeia. Quando deixam. Quando não as deixam. Quando conseguem sair,
enfim, sem carregar a cadeia dentro de si. Sendo jovens, levam por toda a vida.
E, daqui a pouco, talvez a partir dos 16.
É triste que as
mesmas filas que se formam nas portas de um depósito masculino de gente não se
formem do lado de fora dos presídios femininos. A quantidade de pais, irmãos,
maridos, filhos, avôs que vão visitar mulheres encarceradas são,
proporcionalmente, em número vergonhosamente menor do que a quantidade de
visitantes mulheres de homens encarcerados.
(Nesse meio tempo,
o telefone encurta a distância, mas nem sempre. E o peito começa a apertar
quando o número de ligações vai escasseando, a frequência diminuindo. Quando a
saudade falada já não convence. O coração fica mirradinho. Incerteza, às vezes,
é pior do que a morte, doença ruim que não é causada pelo ar ou água e sim pela
distância. Não raro os maridos de mulheres que cumprem pena encontram outras
mulheres, filhos fogem de vergonha ou de uma vida ocupada sem tempo para nada.
E muitas acabam abandonadas pelos homens de suas vidas.)
O padrão em nossa
sociedade é que mulheres sejam educadas para acompanhar e servir, entendendo
que precisam ser repostas, quando necessário.
E homens para serem
idiotas.
É doloroso viver
com uma parte de você em outro lugar. Uma perda que não se completa, sobre a
qual não se chora o luto, mas se sente a dor da distância e da saudade.
Enfim, tudo isso
para dizer que mães não deveriam ser abandonadas. Não deveriam perder seus
filhos assassinados por outros filhos que, por conta disso, também vão
abandonar suas mães. E senhoras não deveriam tomar chuva e passar frio
para visitar seus filhos.
Seus rebentos são
culpados e, por conta disso, devem pagar o débito com a sociedade. Mas, eu
que não creio em transferência de culpa, sinto uma áspera tristeza ao ver uma
enorme fila de cabelos brancos na frente de uma cadeia em um final de semana.
Quando tratei desse
assunto em outro texto por aqui, recebi uma mensagem de um leitor que cravou:
“mãe de bandido deveria ser esterilizada''.
Talvez seja essa a
saída e não a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Esterilizar
úteros que pariram criminosos de forma a interromper o terreno fértil para
crimes. Ou, talvez, se nossa ciência permitir, descobrir com cálculos precisos
os úteros ruins e impedir que deles brote algo.
Conhecendo nossa
sociedade, os úteros ruins não serão úteros ricos, que sempre tiveram
acesso a tudo e que repousam em lençóis de algodão egípcio – mesmo que de
alguns deles tenha brotado os que põem fogo em indígenas em pontos de
ônibus ou espancam pessoas em situação de rua.
Mas úteros negros e
pardos, que lavam roupa, fazem faxina e não raro criam os filhos sozinhos.
Úteros que andam de ônibus, ganham uma miséria, dividem-se entre o trabalho e a
família. E, por isso, não vivem, apenas enfileiram dias e noites, na periferia
de alguma grande cidade.
Sobre o autor
Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu
conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e
no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter
Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de
Escravidão.
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