domingo, 28 de abril de 2013

DEBATE & OPINIÃO: A PEC 3 É AMEAÇA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES DA REPÚBLICA??



DEBATE & OPINIÃO: A PEC 3 É AMEAÇA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES DA REPÚBLICA??

Tramita no Congresso Nacional proposta de emenda constitucional número 33 (conhecida como PEC 33), protocolada em 2011 pelo deputado federal Nazareno Fontelles (PT-PI), pretendendo impor limites ao poder do Supremo Tribunal Federal, cabendo ao Congresso Nacional ter a última palavra sobre mudanças na Constituição. Ponderam os parlamentares defensores da proposta que o STF tem invadido área de competência legislativa, o que conflita com liberdade e autonomia dos poderes.

Pontos  principais da PEC
A PEC modifica três artigos da Constituição e estabelece que:
- passam a ser necessários os votos de quatro quintos dos membros dos tribunais para que uma lei seja considerada inconstitucional. No caso do Supremo, seriam necessários os votos de nove dos 11 ministros (em vez de seis, como atualmente).
- em ações que questionam a legalidade de emendas à Constituição Federal, a decisão do Supremo não será mais definitiva. Depois do julgamento pelo STF, o Congresso terá de dizer se concorda ou não com a decisão. Se discordar, o assunto será submetido a plebiscito.
- fica transferido do Supremo para o Congresso a aprovação de súmulas vinculantes. Esse mecanismo obriga juízes de todos os tribunais a seguirem um único entendimento acerca de normas cuja interpretação seja objeto de controvérsia no Judiciário. A aprovação de uma súmula pelo Congresso dependeria do voto favorável de pelo menos 257 deputados e 41 senadores.


 

 

OPINIÃO.

O debate sobre o assunto está aberto....
O Dr. Marcelo Chalreo, advogado no Rio de Janeiro, Conselheiro e  Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, e Membro Integrante da Diretoria Brasileira da ALAL – Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas (www.alal.com.br) manifesta sua  opinião, na rede JUTRA:

 “O assunto é bastante interessante e, como em geral ocorre com ' coisas ' desse tipo, onde se estabelece meios e modos de mais e mais democratizar decisões e apreciações judiciárias, particularmente quando submetidas ao STF, são taxadas ( essas iniciativas ) como antidemocráticas e totalitárias. Na minha opinião, tal como exposto no artigo abaixo, há muitos elementos bem oportunos e instigantes na proposição ( PEC 33 ) e devem merecer uma análise mais 

criteriosa e menos preconceituosa. As ideias contidas na PEC merecem um debate sério e propositivo, não suas preliminares desqualificações. Sugiro que as entidades da advocacia se debrucem sobre o tema com acuro, acho que há avanços na proposição parlamentar em discussão”.

Leia mais.
A PEC 3 É AMEAÇA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES DA REPÚBLICA??

 (Quase) em defesa da PEC nº 33: as curiosas relações entre os poderes da República, a mídia e um ilustre penetra

(*) Reginaldo Melhado

27/04/2013 14:39:25

A votação inicial da proposta de emenda constitucional que submete ao Congresso Nacional algumas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) gerou virulenta reação dos meios de comunicação. Juízes manifestaram-se em notas oficiais, sustentando que a emenda violaria o princípio da separação dos poderes e amordaçaria o judiciário. Os meios de comunicação apressaram-se em ver na aprovação da PEC uma espécie de reação emulatória: a revanche do parlamento contra a condenação de parlamentares no famoso processo do mensalão. Totalitarismo, tirania, repristinação da ditadura do Estado Novo. Falou-se o diabo.

Diante dessa estridência toda, e já sabedor de que nem tudo que se vê nos jornais e na TV traduz a realidade, resolvi dar uma olhada na tal PEC nº 33/2011. Qual não foi minha surpresa ao ver que muitos juristas e magistrados talvez nem mesmo tenham lido a proposta, que parece bastante razoável e deveria ser debatida seriamente, sem preconceitos. Se fosse dado a este escrivinhador bissexto votar, como membro do que já se chamou de centro de picaretagem – o excelso parlamento brasileiro –, ele não aprovaria a emenda, pois ela, com o perdão do lugar comum, talvez seja pior do que o soneto. Mas a proposta não tem nada de antidemocrático, não ofende a separação dos Poderes, não macula o STF e nem tem qualquer relação, direta ou indireta, com os processos criminais que passam na televisão. Ao diante, algumas impressões sobre seus três núcleos.

1. A emenda institui quórum qualificado para a declaração de inconstitucionalidade pelos tribunais. Com a PEC nº 33, seriam necessários quatro quintos dos membros da Corte. Hoje, a Carta impõe apenas a maioria absoluta. No Supremo, a declaração de inconstitucionalidade de uma lei pode ser decidida por seis a cinco. No controle concentrado de constitucionalidade, isso significa, por exemplo, que uma emenda constitucional aprovada por três quintos dos votos dos deputados e senadores cai por terra com o voto de um juiz (ou seis juízes, se se quiser). O atual sistema, portanto, deveria mesmo ser aprimorado. Quatro quintos talvez seja muito (não no STF, mas nos tribunais ou nos seus órgãos especiais). Mas a maioria absoluta, no STF, é questionável.

2. A proposta de emenda constitucional também trata da súmula vinculante. Estabelece que só depois de aprovação pelo Congresso Nacional ela entra em vigor. Aqui se levantam vozes vociferadoras: estaria o parlamento interferindo na atividade jurisdicional, conspurcando o princípio da separação dos Poderes da República! Com todo respeito, não há nada disso.

A proposta está coerente com o que muitos juristas sempre sustentaram (inclusive os juízes da AMB, Ajufe e Anamatra): na realidade, é a súmula vinculante quem viola a separação dos poderes, amesquinhando o Legislativo: ela tem caráter normativo e não jurisdicional. Embora se refira à validade, interpretação e eficácia de normas jurídicas, a súmula vinculante caracteriza-se pela abstratividade, generalidade, imperatividade e coercibilidade. Do ponto de vista ontológico, ela não tem natureza jurisdicional. A súmula vinculante é norma jurídica, pois produz efeitos erga ominis ("eficácia contra todos e efeito vinculante"). Melhor seria acabar com ela. Dificultar sua aprovação não resolve o problema, mas a PEC cria modelo insinuante. Infundir a legitimação do parlamento (mesmo o congresso-picareta) na aprovação da súmula vinculante talvez corrija o pecado original (no sentido de que o STF legisla, não sendo poder legislativo). A proposta, aliás, devolve ao palco da política a aprovação por decurso de prazo: não sendo apreciada pelo Congresso, em 90 dias, a súmula vinculante entraria em vigor, sem mais delongas nem milongas.

3. O ponto mais polêmico são as decisões do STF nas ações diretas de inconstitucionalidade: a PEC também aqui cria um modelo curioso e sugestivo, que nada tem de autoritário e haveria de ser ponderado de forma judiciosa. Ela estabelece que a decisão declaratória de inconstitucionalidade do STF deve ser submetida de imediato à chancela do Congresso. Se o parlamento (por 3/5 dos seus votos, em reunião unicameral) se manifestar contra a decisão do STF, a matéria então seria submetida à consulta popular. O eleitor, o povo, apareceria na cena política. Novamente, aqui, bradam os juristas e jornalistas contra esse suposto ataque à independência e à autonomia do Judiciário.

De novo, também nesse ponto, a reflexão carece de análise crítica e profunda. Do ponto de vista da filosofia jurídica, a proposta remete a uma discussão instigante: a natureza da decisão do STF na declaração de inconstitucionalidade da lei. Para Hans Kelsen – jurista insuspeito de militar a favor da esquerda totalitária e corrupta –, o tribunal constitucional não exerce jurisdição, em sentido técnico, ou ontológico, ao declarar a lei inconstitucional. Ele atua como "legislador negativo". Tanto que, para o filósofo austríaco – pai do positivismo jurídico –, o Tribunal Constitucional sequer integra o Poder Judiciário e é formado por representantes da sociedade. Esse conceito, que não é defendido apenas por Kelsen, influenciou o que muita gente chama de "modelo europeu" (segundo o qual, a decisão da corte constitucional não é declaratória e sim constitutiva. A lei tem vigência plena até ser considerada inconstitucional, com efeitos ex nunc).

Com efeito, ao ser a matéria "devolvida" ao Congresso, não há conflito entre poderes, e tampouco intervenção de um na esfera de domínio do outro. Na realidade, o modelo criado na PEC nº 33 cria um sistema original, distinto dos paradigmas norte-americano, europeu ou francês. Montesquieu provavelmente se retorceu no túmulo, ao saber dessa ideia do legislador negativo devolver a bola para o legislador positivo. Entretanto, se o problema é pensado sob a ótica do sistema jurídico europeu, é o STF quem, ao declarar a inconstitucionalidade da lei, refoge às suas funções típicas de jurisdição e invade competência alheia. É o judiciário interferindo no legislativo. A proposta de emenda constitucional cria uma ferramenta curiosa e democrática de solução de eventual confronto entre os dois poderes, ao remeter a questão à consulta do eleitor: a catálise da soberania popular. Enquanto Montesquieu torceria o nariz, Locke e Rousseau bateriam palmas.

Os juristas conservadores, não. Um deles, aliás, chegou a sustentar que o povo não deve se intrometer em discussões sobre a inconstitucionalidade das leis, por ser um problema de higidez da tecnicalidade. Como se o sistema de direito positivo fosse algo estranho ao mundo real, asséptico, infenso às inflexões políticas. Como se a constituição não fosse um documento político. Como se na festa dos juristas a consulta popular fosse um penetra, sempre obliterado na relação dos convidados ao debate. Dos argumentos contrários à proposta, esse é sem dúvida o mais simplista e condenável.

Como se vê, não há na PEC nº 33 algo de totalitário, invasivo, canhestro. Não é um projeto maravilhoso, mas sua originalidade e a relevância do tema sugerem que ele não deveria ser discutido com tamanha superficialidade. Parodiando Dworkin, as pessoas deveriam falar de direito seriamente. Ou, agora parodiando Habermas, o processo comunicativo haveria de ser sincero e honesto.

De novo, cabe sublinhar: o autor destes mal traçados rabiscos eletrônicos não emprestaria seu apoio às ideias da PEC nº 33. Não sem antes um profundo diálogo democrático e um sério aperfeiçoamento. Mas a maneira como o projeto e seu debate foram banidos peremptoriamente pelos meios de comunicação revela como a mídia se tornou um poder visceralmente totalitário e monolítico, para a infelicidade da nossa claudicante construção democrática.

(*) Reginaldo Melhado é Doutor em Teoria Geral e Filosofia do Direito (Universidade de Barcelona/USP), professor da Universidade Estadual de Londrina e juiz titular d 6ª Vara do Trabalho de Londrina.



 

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