DEBATE & OPINIÃO: A PEC 3 É AMEAÇA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES DA REPÚBLICA??
Tramita no Congresso Nacional proposta de
emenda constitucional número 33 (conhecida como PEC 33), protocolada em 2011
pelo deputado federal Nazareno Fontelles (PT-PI), pretendendo impor limites ao
poder do Supremo Tribunal Federal, cabendo ao Congresso Nacional ter a última
palavra sobre mudanças na Constituição. Ponderam os parlamentares defensores da
proposta que o STF tem invadido área de competência legislativa, o que conflita
com liberdade e autonomia dos poderes.
Pontos principais da PEC
A PEC modifica três artigos da Constituição e estabelece que:
- passam a ser necessários os votos de quatro quintos dos membros dos tribunais para que uma lei seja considerada inconstitucional. No caso do Supremo, seriam necessários os votos de nove dos 11 ministros (em vez de seis, como atualmente).
- em ações que questionam a legalidade de emendas à Constituição Federal, a decisão do Supremo não será mais definitiva. Depois do julgamento pelo STF, o Congresso terá de dizer se concorda ou não com a decisão. Se discordar, o assunto será submetido a plebiscito.
- fica transferido do Supremo para o Congresso a aprovação de súmulas vinculantes. Esse mecanismo obriga juízes de todos os tribunais a seguirem um único entendimento acerca de normas cuja interpretação seja objeto de controvérsia no Judiciário. A aprovação de uma súmula pelo Congresso dependeria do voto favorável de pelo menos 257 deputados e 41 senadores.
A PEC modifica três artigos da Constituição e estabelece que:
- passam a ser necessários os votos de quatro quintos dos membros dos tribunais para que uma lei seja considerada inconstitucional. No caso do Supremo, seriam necessários os votos de nove dos 11 ministros (em vez de seis, como atualmente).
- em ações que questionam a legalidade de emendas à Constituição Federal, a decisão do Supremo não será mais definitiva. Depois do julgamento pelo STF, o Congresso terá de dizer se concorda ou não com a decisão. Se discordar, o assunto será submetido a plebiscito.
- fica transferido do Supremo para o Congresso a aprovação de súmulas vinculantes. Esse mecanismo obriga juízes de todos os tribunais a seguirem um único entendimento acerca de normas cuja interpretação seja objeto de controvérsia no Judiciário. A aprovação de uma súmula pelo Congresso dependeria do voto favorável de pelo menos 257 deputados e 41 senadores.
OPINIÃO.
O
debate sobre o assunto está aberto....
O
Dr. Marcelo Chalreo, advogado no Rio de Janeiro, Conselheiro e Presidente da Comissão de Direitos Humanos da
OAB-RJ, e Membro Integrante da Diretoria Brasileira da ALAL – Associação Latino-Americana
de Advogados Laboralistas (www.alal.com.br)
manifesta sua opinião, na rede JUTRA:
criteriosa
e menos preconceituosa. As ideias contidas na PEC merecem um debate sério e
propositivo, não suas preliminares desqualificações. Sugiro que as entidades da
advocacia se debrucem sobre o tema com acuro, acho que há avanços na proposição
parlamentar em discussão”.
Leia mais.
A PEC 3 É
AMEAÇA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES DA REPÚBLICA??
(Quase) em
defesa da PEC nº 33: as curiosas relações entre os poderes da República, a
mídia e um ilustre penetra
(*) Reginaldo Melhado
27/04/2013 14:39:25
A votação inicial
da proposta de emenda constitucional que submete ao Congresso Nacional algumas
decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) gerou virulenta reação dos meios de
comunicação. Juízes manifestaram-se em notas oficiais, sustentando que a emenda
violaria o princípio da separação dos poderes e amordaçaria o judiciário. Os
meios de comunicação apressaram-se em ver na aprovação da PEC uma espécie de
reação emulatória: a revanche do parlamento contra a condenação de
parlamentares no famoso processo do mensalão. Totalitarismo, tirania,
repristinação da ditadura do Estado Novo. Falou-se o diabo.
Diante dessa
estridência toda, e já sabedor de que nem tudo que se vê nos jornais e na TV
traduz a realidade, resolvi dar uma olhada na tal PEC nº 33/2011. Qual não foi
minha surpresa ao ver que muitos juristas e magistrados talvez nem mesmo tenham
lido a proposta, que parece bastante razoável e deveria ser debatida
seriamente, sem preconceitos. Se fosse dado a este escrivinhador bissexto
votar, como membro do que já se chamou de centro de picaretagem – o excelso
parlamento brasileiro –, ele não aprovaria a emenda, pois ela, com o perdão do
lugar comum, talvez seja pior do que o soneto. Mas a proposta não tem nada de
antidemocrático, não ofende a separação dos Poderes, não macula o STF e nem tem
qualquer relação, direta ou indireta, com os processos criminais que passam na
televisão. Ao diante, algumas impressões sobre seus três núcleos.
1. A emenda
institui quórum qualificado para a declaração de inconstitucionalidade pelos
tribunais. Com a PEC nº 33, seriam necessários quatro quintos dos membros da
Corte. Hoje, a Carta impõe apenas a maioria absoluta. No Supremo, a declaração
de inconstitucionalidade de uma lei pode ser decidida por seis a cinco. No
controle concentrado de constitucionalidade, isso significa, por exemplo, que
uma emenda constitucional aprovada por três quintos dos votos dos deputados e
senadores cai por terra com o voto de um juiz (ou seis juízes, se se quiser). O
atual sistema, portanto, deveria mesmo ser aprimorado. Quatro quintos talvez
seja muito (não no STF, mas nos tribunais ou nos seus órgãos especiais). Mas a
maioria absoluta, no STF, é questionável.
2. A proposta de
emenda constitucional também trata da súmula vinculante. Estabelece que só
depois de aprovação pelo Congresso Nacional ela entra em vigor. Aqui se
levantam vozes vociferadoras: estaria o parlamento interferindo na atividade
jurisdicional, conspurcando o princípio da separação dos Poderes da República!
Com todo respeito, não há nada disso.
A proposta está
coerente com o que muitos juristas sempre sustentaram (inclusive os juízes da
AMB, Ajufe e Anamatra): na realidade, é a súmula vinculante quem viola a
separação dos poderes, amesquinhando o Legislativo: ela tem caráter normativo e
não jurisdicional. Embora se refira à validade, interpretação e eficácia de
normas jurídicas, a súmula vinculante caracteriza-se pela abstratividade,
generalidade, imperatividade e coercibilidade. Do ponto de vista ontológico,
ela não tem natureza jurisdicional. A súmula vinculante é norma jurídica,
pois produz efeitos erga ominis ("eficácia contra todos e efeito
vinculante"). Melhor seria acabar com ela. Dificultar sua aprovação não
resolve o problema, mas a PEC cria modelo insinuante. Infundir a legitimação do
parlamento (mesmo o congresso-picareta) na aprovação da súmula vinculante
talvez corrija o pecado original (no sentido de que o STF legisla, não
sendo poder legislativo). A proposta, aliás, devolve ao palco da política a
aprovação por decurso de prazo: não sendo apreciada pelo Congresso, em 90 dias,
a súmula vinculante entraria em vigor, sem mais delongas nem milongas.
3. O ponto mais
polêmico são as decisões do STF nas ações diretas de inconstitucionalidade: a
PEC também aqui cria um modelo curioso e sugestivo, que nada tem de autoritário
e haveria de ser ponderado de forma judiciosa. Ela estabelece que a decisão
declaratória de inconstitucionalidade do STF deve ser submetida de imediato à
chancela do Congresso. Se o parlamento (por 3/5 dos seus votos, em reunião
unicameral) se manifestar contra a decisão do STF, a matéria então seria
submetida à consulta popular. O eleitor, o povo, apareceria na cena política.
Novamente, aqui, bradam os juristas e jornalistas contra esse suposto ataque à
independência e à autonomia do Judiciário.
De novo, também
nesse ponto, a reflexão carece de análise crítica e profunda. Do ponto de vista
da filosofia jurídica, a proposta remete a uma discussão instigante: a natureza
da decisão do STF na declaração de inconstitucionalidade da lei. Para Hans
Kelsen – jurista insuspeito de militar a favor da esquerda totalitária e
corrupta –, o tribunal constitucional não exerce jurisdição, em sentido
técnico, ou ontológico, ao declarar a lei inconstitucional. Ele atua como
"legislador negativo". Tanto que, para o filósofo austríaco – pai do
positivismo jurídico –, o Tribunal Constitucional sequer integra o Poder
Judiciário e é formado por representantes da sociedade. Esse conceito, que não
é defendido apenas por Kelsen, influenciou o que muita gente chama de
"modelo europeu" (segundo o qual, a decisão da corte constitucional
não é declaratória e sim constitutiva. A lei tem vigência plena até ser
considerada inconstitucional, com efeitos ex nunc).
Com efeito, ao ser
a matéria "devolvida" ao Congresso, não há conflito entre poderes, e
tampouco intervenção de um na esfera de domínio do outro. Na realidade, o
modelo criado na PEC nº 33 cria um sistema original, distinto dos paradigmas
norte-americano, europeu ou francês. Montesquieu provavelmente se retorceu no
túmulo, ao saber dessa ideia do legislador negativo devolver a bola para o
legislador positivo. Entretanto, se o problema é pensado sob a ótica do sistema
jurídico europeu, é o STF quem, ao declarar a inconstitucionalidade da lei,
refoge às suas funções típicas de jurisdição e invade competência alheia. É o
judiciário interferindo no legislativo. A proposta de emenda constitucional
cria uma ferramenta curiosa e democrática de solução de eventual confronto
entre os dois poderes, ao remeter a questão à consulta do eleitor: a catálise
da soberania popular. Enquanto Montesquieu torceria o nariz, Locke e Rousseau
bateriam palmas.
Os juristas
conservadores, não. Um deles, aliás, chegou a sustentar que o povo não deve se
intrometer em discussões sobre a inconstitucionalidade das leis, por ser um
problema de higidez da tecnicalidade. Como se o sistema de direito positivo
fosse algo estranho ao mundo real, asséptico, infenso às inflexões políticas.
Como se a constituição não fosse um documento político. Como se na festa dos
juristas a consulta popular fosse um penetra, sempre obliterado na relação dos
convidados ao debate. Dos argumentos contrários à proposta, esse é sem dúvida o
mais simplista e condenável.
Como se vê, não há
na PEC nº 33 algo de totalitário, invasivo, canhestro. Não é um projeto
maravilhoso, mas sua originalidade e a relevância do tema sugerem que ele não
deveria ser discutido com tamanha superficialidade. Parodiando Dworkin, as
pessoas deveriam falar de direito seriamente. Ou, agora parodiando Habermas, o
processo comunicativo haveria de ser sincero e honesto.
De novo, cabe
sublinhar: o autor destes mal traçados rabiscos eletrônicos não emprestaria seu
apoio às ideias da PEC nº 33. Não sem antes um profundo diálogo democrático e
um sério aperfeiçoamento. Mas a maneira como o projeto e seu debate foram
banidos peremptoriamente pelos meios de comunicação revela como a mídia se
tornou um poder visceralmente totalitário e monolítico, para a infelicidade da
nossa claudicante construção democrática.
(*) Reginaldo
Melhado é Doutor em Teoria Geral e Filosofia do Direito (Universidade de
Barcelona/USP), professor da Universidade Estadual de Londrina e juiz titular d
6ª Vara do Trabalho de Londrina.
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