Capitalismo à brasileira
Foto: Prof. da PUC: Luiz Felipe Pondé
A
bandeira contra a corrupção, que é legítima e anda embalando amplos setores da
classe média tradicional, parece reduzir-se somente a um subterfúgio para repor
todas as coisas naquilo que muitos julgam ser “o seu devido lugar”. No caso de
Pondé, ao que parece, o devido lugar do trabalhador é no chão de fábrica, “de
onde nunca deveria ter saído”
Por Wagner
Iglecias*
O site
Brasil247 deu uma manchete no início da tarde desta segunda-feira repercutindo
artigo publicado na Folha de
São Paulo pelo professor de Filosofia da PUC-SP Luiz Felipe Pondé,
a quem chamou de “filósofo”. Muita gente na esquerda acha que não se deve dar
publicidade, maior até do que eles já têm, aos pregadores da direita
brasileira. Afinal, um Pondé, um Villa ou um Magnoli têm muito mais espaço, na
grande imprensa brasileira, aí incluídas até mesmo as tevês públicas, que
militantes e intelectuais de esquerda. Mas enfim, vamos à vaca fria: o 247
ressaltou que Pondé escreveu o seguinte: “Temos que reconhecer: chegamos ao fim
de uma era. O PT vive seu outono. Melhor voltar para o pátio da fábrica onde
nasceu e de onde nunca deveria ter saído”.
Bem, eu não
sei se alguns polemistas da direita perceberam algum nicho de mercado (e que
baita nicho, a julgar pelas milhares de pessoas que saíram às ruas no último
dia 15) e resolveram focar-se neste público, direcionando a ele seus artigos,
livros e palestras remuneradas. E por ai ganhar a vida, o que é absolutamente
legítimo. Ou se estão realmente engajados numa campanha de deslegitimação total
do Partido dos Trabalhadores. Independentemente disto, o argumento de Pondé não
produz algo positivo quando diz que o PT nunca deveria ter saído do chão da
fábrica. Oras, em qualquer sociedade capitalista é normal que os trabalhadores
busquem se organizar para pleitear melhores condições de trabalho e de vida. E
até mesmo que anseiem chegar ao poder. Foi desta forma, por exemplo, que se
construiu o Estado de Bem Estar europeu.
O argumento de
Pondé apenas atiça o ódio que tem sido disseminado contra o petismo. E, em
sentido mais amplo, contra a mudança de posições relativas de status que os
governos petistas promoveram em nossa sociedade à medida que criaram condições
para a ascensão econômica de milhões de brasileiros pobres. É visível que a
classe média tradicional há anos anda incomodada com esse fenômeno. Sonha em
ser rica, mas vê os pobres chegando junto para dividir espaços outrora
exclusivos dela, classe média. Nutrindo verdadeira idolatria pelos EUA, ela
conhece pouquíssimo a História daquele país. E dele copia, em geral, apenas
hábitos irrelevantes ou negativos. Não é de se espantar que muita gente viaje
para Nova York, Miami, Orlando etc., se encante com a pujança da classe média
norte-americana (aí incluída uma certa classe média negra) mas na volta ao
Brasil continue querendo pagar um salário de fome para a empregada doméstica.
A bandeira
contra a corrupção, que é legítima e anda embalando amplos setores da classe
média tradicional, parece no entanto reduzir-se somente a um subterfúgio para
repudiar as mudanças que o Brasil vem passando e uma esperança de repor todas
as coisas naquilo que muitos julgam ser “o seu devido lugar”. No caso de Pondé,
ao que parece, o devido lugar do trabalhador é no chão de fábrica, “de onde
nunca deveria ter saído”.
*Wagner
Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e
Humanidades da USP.
Foto: Wagner
Moraes/CPFL Cultura



Nenhum comentário:
Postar um comentário