sexta-feira, 22 de junho de 2012

TEMPO DE TRABALHO DO MOTORISTA PROFISSIONAL




LEI DO MOTORISTA PROFISSIONAL: TEMPO DE TRABALHO, TEMPOS DE DESCANSO E TEMPO DE DIREÇÃO

José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva[1]

1 Introdução

O objetivo principal deste pequeno artigo é a investigação sobre o tempo de trabalho do motorista profissional, no que diz respeito a sua limitação e sua relação direta com a proteção à saúde dos trabalhadores, no contexto da Lei n. 12.619, de 28 de abril de 2012, editada com o escopo de regulamentar o exercício da profissão de motorista.

Necessário lembrar que a referida lei é oriunda de inúmeros projetos que tramitaram durante vários anos no Congresso Nacional. Chamo a atenção para o fato de que dois dos PLs mais citados não tiveram suas principais propostas contempladas na novel legislação. O PL n. 1.113, do longínquo ano de 1988, que visava regulamentar a profissão de motorista de transportes coletivos urbanos e interurbanos, estipulava um piso salarial de 8 (oito) salários mínimos para a categoria (art. 2º), a jornada de trabalho de seis horas para o labor em turnos interruptos de revezamento, considerando como tempo de trabalho todo o tempo em que o motorista estivesse à disposição do empregador, ainda que não o fosse na direção do veículo (art. 3º e parágrafo único), ademais de proibir terminantemente a prorrogação da jornada de trabalho noturno (art. 5º). A justificativa principal era o alardeado índice de acidentes de trânsito e as exorbitantes cargas horárias dos motoristas, que lhes proporcionavam, já àquela época, um elevado desgaste físico e mental. Por sua vez, o PL n. 99, de 2007, previa a percepção de adicional de penosidade correspondente a, no mínimo, 30% da remuneração mensal (art. 3º), diante das condições reconhecidamente penosas e estressantes do exercício dessa profissão. Bem se vê que estas propostas não vingaram.

Sem embargo, mister concentrar o foco no que disciplinou a lei. Pois bem, como se sabe, a Lei n. 12.619 tem como objetivo central o de regular e disciplinar a jornada de trabalho e o tempo de direção do motorista profissional. De modo que estes são os dois aspectos principais da lei: 1º) a jornada de trabalho, com a preocupação de definir o tempo de trabalho efetivo, limitado pelos tempos de descanso, para os motoristas empregados; e 2º) o tempo de direção, estabelecendo-se um limite geral, tanto para os empregados quanto para os motoristas autônomos, porquanto previsto para integrar o CTB – Código de Trânsito Brasileiro –, não a CLT.

Destarte, a destinação das normas “trabalhistas” acabou restrita aos motoristas empregados, e apenas no transporte rodoviário de passageiros e de cargas, consoante a regra do art. 1º, parágrafo único, da lei. Isso porque os incisos III e IV dessa regra foram vetados, de modo que, a princípio, as normas que tratam de tempo de trabalho e descanso não se aplicam a motoristas que se ativam em outras categorias econômicas, como motoristas de ambulâncias (e de qualquer ente público), de entregas no comércio etc., tampouco a operadores de trator de roda, de esteira ou misto, como previa o texto vetado. Quando muito, de acordo com o objeto central da lei, será possível aplicar tais normas por analogia, dependendo da situação concreta.

Enfim, a lei prevê, em seu art. 2º, um rol de direitos dos motoristas profissionais. Além dos direitos sociais e de seguridade social, previstos nos arts. 6º a 11 – especialmente no art. 7º – e 194 a 204 da Constituição da República, um elenco de direitos específicos, destacando-se, para os fins deste artigo, o direito ao controle fidedigno da jornada de trabalho e do tempo de direção. Daí porque o controle do tempo de trabalho do motorista passa de direito – e obrigação – do empregador a direito fundamental do motorista profissional empregado. E não é qualquer controle, mas um que seja fidedigno, digno de fé, fiel, exato.

Quais seriam esses meios de controle? É o que pretendo analisar após essa breve introdução.

2 Os meios de controle da jornada do motorista

Antes de responder à questão formulada anteriormente – na qual se coloca a questão da validade do tacógrafo como meio de controle de jornada –, necessário apontar o motivo pelo qual a lei exige um controle rígido, fidedigno, do tempo de trabalho do motorista.

Como seria de intuir – se alguns dos PLs não o enfatizassem –, a finalidade social da lei é oferecer proteção aos trabalhadores – e por extensão a toda a população – contra a quantidade excessiva de acidentes de trânsito e do trabalho. Não se deve olvidar que todo acidente de trânsito envolvendo veículos no transporte rodoviário de passageiros ou de cargas – em regra, ônibus e caminhões –, normalmente, caracteriza-se também como um acidente do trabalho, pois envolve o motorista profissional que está a conduzir o veículo.

Em verdade, temos uma chaga social a ser estancada (ou fechada) quando o assunto é acidente de trânsito e do trabalho. Basta recordar que em 2008 houve no Brasil 428.970 acidentes de trânsito, com 38.273 mortes[2]. Ademais, considerando-se o NTEP – Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário –, houve no Brasil, em 2008, 755.980 acidentes do trabalho (como gênero), dos quais apenas 551.023 com CAT emitida. Destes, 27.456 aconteceram apenas no transporte coletivo de passageiros e no transporte de cargas[3]. Isso é assustador!

Como se não bastasse, numa investigação levada a efeito por ocasião de minha tese de doutorado, pude verificar, no confronto dos dados estatísticos do NTEP com os de jornada de trabalho, que a taxa de adoecimentos ocupacionais no setor de transportes é a mais alta de todos os setores da economia brasileira. É impressionante a quantidade de doenças não declaradas nos transportes, pois que foram 4.408 casos no transporte rodoviário coletivo de passageiros municipal e em região metropolitana, 1.036 neste mesmo transporte, porém intermunicipal, interestadual e internacional, e assustadores 4.430 casos no transporte rodoviário de cargas. A soma destas três atividades registra um total de 9.874 casos, equivalente a 95,6% do total do setor de transporte terrestre, que inclui o metroferroviário e o dutoviário, entre outros. Daí que a taxa de doenças não notificadas para cada 100.000 trabalhadores nos transportes foi de 754,11, sem dúvida alguma a mais alta de todos os setores das atividades econômicas, conforme pesquisa já mencionada, ainda inédita no Brasil.  

Talvez isso tenha ocorrido por causa das excessivas jornadas de trabalho neste setor, pois todas as estatísticas revelam que o setor dos transportes é aonde se tem as maiores jornadas de trabalho no Brasil. Assim que em 2007 a jornada semanal média neste setor foi de 46,2 horas, não se olvidando que no grande setor dos serviços pelo menos 29,7%, em média, trabalham mais de 44 horas por semana. Não obstante, as jornadas no setor dos serviços é muito variável, com jornadas inclusive legais muito inferiores a 44 horas semanais. Por isso se pode presumir que nos transportes há muito mais que 30% dos trabalhadores se ativando em mais de 48 horas semanais. Há um estudo no qual se demonstra que a jornada média dos trabalhadores do setor de transportes era, em 2003, de 47,1 horas por semana, no Brasil. Ademais, que a jornada média dos motoristas de caminhão era de 52,6 horas semanais, naquele mesmo ano[4]. Evidente que isso pode contribuir para o surgimento de tantas e tantas doenças ocupacionais – como de fato tem ocorrido – neste setor.

 Para encerrar esse quadro alarmante, de se enfatizar que o setor dos transportes apresenta a maior taxa de mortalidade derivada de acidentes do trabalho, no Brasil. Com esse quadro, não há como negar que os motoristas têm mesmo um direito fundamental à limitação de seu tempo de trabalho, com meios de controle idôneos.

 Quais seriam esses meios dignos de fé? O art. 2º, inciso V, da lei em comento disciplina que o empregador – o destinatário principal da norma – tem a obrigação legal de exercer tal controle, podendo valer-se de anotação em diário de bordo, papeleta ou ficha de trabalho externo, nos termos do § 3º do art. 74 da CLT, ou de meios eletrônicos idôneos instalados nos veículos.

 Em relação ao diário de bordo – que se for anotado sem imposições do empregador ou aproveitamento do empregado, é um dos meios mais eficazes do referido controle –, de se ressalvar que ele não será considerado para efeito de controle do tempo de direção, diante do veto ao art. 67-B que seria acrescido ao CTB. As razões do veto são importantes, porque embora a lei, nesse passo – para efeito de fiscalização do trânsito –, atribua a responsabilidade do controle do tempo de direção ao motorista, não poderia possibilitar a manipulação desse controle, o que poderia ocorrer com a possibilidade de anotação do referido tempo em diário de bordo, onde normalmente se procede a simples registros manuais (ou manuscritos), o que não traria segurança ao motorista e dificultaria a fiscalização. Mutatis mutandis, o diário de bordo é um dos meios de prova de que o motorista poderá valer-se em eventual ação trabalhista, até porque registra o tempo anterior à partida e posterior à chegada da viagem – necessário para tantas atividades, como conferência do estado do veículo, da carga etc. –, mas não será o único meio de prova. Assim que o motorista, que normalmente viaja sozinho ou apenas com passageiros, teve facilitada sua carga probatória, levando-se em conta o princípio da aptidão para a prova, podendo valer-se de qualquer dos meios indicados pela lei, bem como de outros, como a prova testemunhal e o tacógrafo.

 Essa é a grande questão: a validade do tacógrafo como meio de controle da jornada de trabalho. Do quanto expendido no parágrafo anterior resta evidente que o tacógrafo – obrigatório nas situações descritas no art. 105, inciso II, do CTB –, como equipamento registrador instantâneo inalterável não somente de velocidade, mas também de tempo de direção, deve passar a ser considerado como meio idôneo de controle de jornada do motorista, durante o trajeto ou viagem. Até porque há uma implicação direta entre tempo de direção e tempo de descansos intra e entre jornadas, como se verá mais adiante. Daí porque ouso afirmar que o E. TST, na esteira de sua jurisprudência afirmativa dos direitos fundamentais dos trabalhadores, relacionados ao tempo de trabalho, irá rever ou até cancelar a OJ n. 332 da SBDI-I, segundo a qual o tacógrafo, por si só, não é meio idôneo de controle de jornada. Insisto, os registros de tal equipamento devem ser considerados, pelo menos, como prova do gozo efetivo dos tempos de descanso enfatizados pela novel legislação.

 Agora, sem dúvida, a grande alteração que essa regra comentada provoca é a pertinente à doravante inaplicabilidade da regra do art. 62, inciso I, da CLT aos motoristas implicados. A partir da vigência da lei não há mais o menor cabimento dessa exceção aos motoristas profissionais, ainda que viajem sozinhos, mesmo que em viagens de longa distância, diante do imperativo de controle fidedigno, sem qualquer ressalva, do tempo de trabalho e dos tempos de descanso de tais profissionais.

 Como ficam as cláusulas convencionais e as anotações apostas nas CTPSs dos empregados. Pelo princípio da irretroatividade da lei, um direito fundamental esculpido no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República, terão validade até o dia anterior à vigência da nova lei. A partir desta, não mais, o que significa que a partir daí todos os empregadores terão a obrigação de controlar a jornada de seus empregados, e de modo digno de fé. Se isso implica em maior custo, de se recordar do conceito ínsito ao próprio empregador, a pessoa que assume os riscos da atividade econômica (art. 2º da CLT).
3 A jornada de trabalho do motorista profissional

Resta saber, portanto, qual é a jornada de trabalho prevista para o motorista profissional na lei que veio regulamentar sua atividade.
O art. 235-C, acrescido à Consolidação pela Lei n. 12.619, não traz, nesse ponto, grandes novidades, pois a jornada de trabalho será a prevista na CR – Constituição da República – ou nos instrumentos convencionais da categoria.

Com efeito, os limites constitucionais de tempo de trabalho não poderiam mesmo ser contrariados. De sorte que, em regra, os motoristas não podem trabalhar mais de oito horas diárias ou quarenta e quatro horas semanais em turnos fixos, tampouco mais de seis horas diárias quando do labor em regime de turnos interruptos de revezamento, nos moldes do art. 7º, incisos XIII e XIV, da CR/88. A exceção fica por conta de acordos e convenções coletivas de trabalho, como ressalvado nas próprias normas ora comentadas, as quais podem prever a compensação de horários ou até mesmo a redução dessas jornadas de trabalho.

Exatamente nesse ponto surge a primeira inconstitucionalidade da lei, pois a regra do § 1º do art. 235-C admite a prorrogação da jornada de trabalho em até duas horas extraordinárias. É certo que o caput e o § 1º do art. 59 da CLT também disciplinam a contratação de até duas horas suplementares, as quais devem ser pagas com, pelo menos, 50% a mais do que o valor da hora normal (art. 7º, inciso XVI, da CR). No entanto, essa regra não foi recepcionada pela Constituição da República, como adverte a boa doutrina. Não há espaço, assim, para a exigência de horas superiores ao mínimo legal dos trabalhadores brasileiros, urbanos ou rurais, de modo habitual, prática que implica em afronta manifesta à norma constitucional de limitação do tempo de trabalho. A única maneira de se prorrogar diariamente a jornada de trabalho, autorizada pela própria Constituição, é a faculdade de compensação de horários, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Neste sentido, Vantuil Abdala[5], em artigo doutrinário intitulado “Horas Extras Habituais – Nunca Mais”, para quem a Constituição de 1988 não permite a contratação de horas suplementares “habituais”, conforme previa o art. 59 da CLT. Assevera o autor que
[…] quando o empregador celebra com o empregado um contrato para a realização de horas extras, permanentemente, a duração normal do trabalho já não é mais de oito horas. A jornada normal passa a ser de nove ou dez horas, conforme o número de horas extras pactuadas.

A respeito da contratação de até duas horas suplementares diárias prevista no art. 59 da CLT, Godinho Delgado[6] explica que antes da Constituição de 1988 havia uma distinção doutrinária entre “jornada suplementar extraordinária” e “jornada meramente suplementar”. A primeira equivaleria àquela prorrogação caracterizada como não ordinária, fora do comum, excepcional, anormal, que corresponderia àquelas prorrogações excepcionais aventadas pelo art. 61 da CLT. A jornada meramente suplementar equivaleria àquela prorrogação caracterizada como incremento regular, comum, rotineiro, normal, pactuado no contexto do contrato de trabalho, que corresponderia a duas modalidades de prorrogações: a “sobrejornada” por acordo bilateral escrito de prorrogação ou por instrumento coletivo (art. 59, caput, da CLT) e a “sobrejornada” por acordo de compensação (art. 59, § 2º, da CLT). Prossegue anotando que, não obstante, a Constituição de 1988, ao normatizar o tema, referiu-se apenas a dois tipos de “sobrejornada”: a suplementar por acordo de compensação (art. 7º, XIII) e a “sobrejornada” extraordinária (art. 7º, XVI). Não mencionou a Constituição a jornada meramente suplementar por acordo bilateral ou coletivo, sendo que “esta omissão constitucional tem conduzido à ponderação de que a nova Carta Magna pretendeu restringir a situações estritamente excepcionais, no país, a prática lícita de prestação de efetivas horas extras”. Noutras palavras, as horas suplementares “habituais” configurariam irregularidade laboral, “à luz de tal leitura da Carta de 1988”.
                             Com efeito, esta norma que previa a prorrogação contratual da jornada de trabalho – caput do art. 59 da CLT – não foi acolhida pela Constituição vigente, até porque existe um limite máximo de 44 horas semanais, ainda que em cômputo anual (banco de horas). De modo que os trabalhadores brasileiros, inclusive os motoristas profissionais, têm um direito fundamental à não prestação de horas extras ordinariamente, o que, aliás, representaria um contrassenso. Poder-se-ia aplicar ao caso, por analogia, a Súmula 199, item I, do C. TST, de modo a considerar nula a contratação de até duas horas extras pelo motorista profissional. Assim, o valor que fosse ajustado para tanto apenas remuneraria a jornada normal, caso em que seriam devidas as duas horas extras, com adicional de, no mínimo, 50%, diante da inconstitucionalidade da regra do § 1º do art. 235-C.

 Agora, a grande novidade da lei foi a de prever a exclusão, na consideração do tempo de trabalho efetivo, não apenas dos intervalos para refeição, repouso e descanso, mas também do tempo de espera, em conformidade com o § 2º do artigo estudado. E, mais adiante, a disciplina específica desse tempo de espera, nos §§ 8º e 9º deste mesmo dispositivo legal. Sobre esse tema comentarei mais adiante.

Quanto aos intervalos intra e entre jornadas não houve novidade, pois o § 3º deste artigo prevê um intervalo intrajornada mínimo de uma hora para refeição, um repouso diário de onze horas a cada 24 horas e um descanso semanal de 35 horas (24 horas do descanso mais 11 horas do repouso diário). As regras são equivalentes às constantes dos arts. 66, 67 e 71 da CLT. No entanto, penso que por se tratar de uma legislação especial e por falta de ressalva expressa nela, não se aplica ao motorista profissional a regra do art. 71, § 1º, da CLT, de modo que mesmo na jornada de seis horas, se for o caso, o motorista terá direito ao intervalo intrajornada de uma hora.

No tocante às horas extras, terão de ser pagas com o adicional mínimo de 50% previsto na Constituição da República, se norma convencional mais benéfica não for pactuada (§ 4º). O adicional noturno será de no mínimo 20%, tendo em vista que o § 5º determinou a aplicação do art. 73 da CLT ao trabalho noturno do motorista profissional. Assim, não poderá haver discussão sobre a aplicação da redução fictícia da hora de trabalho noturno e da sua prorrogação a este empregado, nos exatos contornos dos §§ 1º e 5º do citado art. 73.

Enfim, o § 6º autoriza a compensação de horários de trabalho, tal como já previa a norma constitucional e o § 2º do art. 59 da CLT. Embora a norma não seja expressa, penso que o malsinado banco de horas estará autorizado, desde que previsto em norma coletiva[7]. Aqui uma boa novidade da lei: a exigência de instrumentos de natureza coletiva para a referida compensação, como expressamente exige o dispositivo analisado.

4 O tempo de espera

Como já afirmado, os §§ 8º e 9º do art. 235-C disciplinam o instituto do tempo de espera, uma péssima novidade no sistema jurídico pátrio.

A justificativa para tamanha novidade é a de que os países da Comunidade Européia, o Chile e os Estados Unidos, dentre outros, já contam com normas desse jaez há muito tempo, levando em consideração as condições especiais em que o serviço do motorista profissional é prestado.

É bem verdade que isso ocorre. Na normativa comunitária, o art. 2.1 da Diretiva 93/104/CEE, sobre ordenação do tempo de trabalho, já definia, desde 1993, que por tempo de trabalho se entenderá “todo o período durante o qual o trabalhador permaneça no trabalho, à disposição do empregador e no exercício de sua atividade ou de suas funções, em conformidade com as legislações e/ou práticas nacionais”. A redação é idêntica à do art. 2.1 da Diretiva 2003/88/CE. Assim, a doutrina e a jurisprudência européias passaram a ter a difícil tarefa de definir tempo de trabalho efetivo, em contraposição aos tempos de descanso.

Francisco Trillo[8] aponta que a definição de tempo de trabalho realizada pelo legislador comunitário envolve um problema de interpretação do art. 2.1 da Diretiva 2003/88/CE. É possível uma interpretação “copulativa” e outra “disjuntiva dos requisitos de tal definição”. Em continuação, ele observa que a problemática “que encerra a interpretação do conceito sobre tempo de trabalho (artigo 2.1) deve ser relacionada com dois aspectos”:
1º) a possível confusão entre tempos de trabalho, tempos de não trabalho e tempos de vida do trabalhador (repouso, lazer, desenvolvimento da personalidade) – a se fazer uma interpretação copulativa deste artigo, exigindo-se que o trabalhador se encontre no centro de trabalho, à disposição do empregador e, ademais disso, no exercício de suas atividades ou funções; ou, pelo menos, exigindo-se que esteja à disposição do empregador no centro de trabalho, ou em seu posto de trabalho; por isso as legislações passaram a prever “tempos de espera, de disponibilidade, de plantão”, em conformidade “com a era das novas tecnologias, telecomunicações e flexibilidade empresarial”;

 2º) as repercussões econômicas da interpretação jurisprudencial do conceito de tempo de trabalho – isso porque, a se exigir o cumprimento da jornada máxima de trabalho semanal de 48 horas, incluídas as horas extraordinárias, a consequência seria a necessidade de novas contratações nalguns setores econômicos, sendo que alguns Estados afirmam não poder assumir esse custo, principalmente no setor da saúde.

Daí a dificuldade de se definir, com clareza, o que se entende por tempo de trabalho efetivo, instituto previsto expressamente no art. 34 do ET – Estatuto dos Trabalhadores – espanhol. Investigando esta matéria, García Ninet[9] observa que a filosofia inspiradora das disposições do ET é a de evitar que a redução da jornada implique também redução da produtividade dos trabalhadores, pelo que se pretendeu restringir ao máximo, no cômputo da jornada, os tempos não dedicados ao trabalho efetivo, eliminando-se, assim, uma série de presunções que consistiam em considerar como tempo efetivo de trabalho determinados períodos nos quais não havia uma autêntica produtividade para o empregador, ainda que o trabalhador estivesse em seu lugar de trabalho, ou a ele se dirigindo ou ainda dele saindo.

Por isso, o art. 34.5 do ET estipula que “o tempo de trabalho se computará de modo que tanto ao começo como ao final da jornada diária o trabalhador se encontre em seu posto de trabalho”, de modo que há uma clara preferência do legislador espanhol pelos aspectos permanência no lugar de trabalho e exercício efetivo das atividades ou funções do trabalhador, e não tanto pelo aspecto de encontrar-se à disposição do empregador.

 E há, ainda, na legislação especial, previsão expressa de que os tempos de mera presença não sejam considerados como tempo de efetivo trabalho. O Real Decreto n. 1561/1995, disciplinando critérios especiais para o cálculo da jornada dos trabalhadores de determinados setores de atividade e trabalhos específicos, faz distinção entre trabalho efetivo e tempo de presença do trabalhador, como resulta da simples leitura do seu art. 8º, relativamente aos setores de transporte e de trabalho no mar. De acordo com tal dispositivo, como tempo de trabalho efetivo se considera “aquele no qual o trabalhador se encontre à disposição do empregador e no exercício de sua atividade, realizando as funções próprias da condução do veículo ou meio de transporte ou outros trabalhos durante o tempo de circulação dos mesmos”, considerando como tal também os “trabalhos auxiliares que se efetuem em relação com o veículo ou meio de transporte, seus passageiros ou sua carga”, ainda que não esclareça referidos trabalhos auxiliares. Por outra parte, disciplina que por tempo de presença se considera “aquele no qual o trabalhador se encontre à disposição do empregador sem prestar trabalho efetivo, por razões de espera, expectativas, serviços de plantão, viagens sem serviço, avarias, refeições em rota ou outras similares”.

 A diferencia é significativa, pois que o limite de 40 horas semanais da legislação espanhola se aplica exclusivamente ao tempo de trabalho efetivo, de modo que o tempo de mera presença não é computado para o cálculo da jornada, tampouco para efeito do limite de horas extraordinárias, em conformidade com o art. 8.2, nos setores de transporte e trabalho no mar. De outra banda, o art. 8.3 estabelece um limite de 20 horas semanais, em média, num período de referência de um mês, para os tempos de presença, dentre os quais o tempo de espera.

Ocorre que esse limite não foi previsto na legislação brasileira. E esse não é o único pecado da norma que cria em terras brasileiras o instituto do tempo de espera, como se verá na sequência.

Inicialmente, de se observar que o tempo de espera se aplica apenas ao motorista profissional que trabalha no transporte rodoviário de cargas, pois corresponde ao tempo de espera para carga ou descarga do veículo no embarcador ou destinatário, ou para fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias, nos exatos termos do § 8º do art. 235-C. De acordo com essa regra, esse tempo de espera, que ultrapassa a jornada normal de trabalho, não será computado como tempo de trabalho extraordinário. No entanto, as horas relativas ao tal tempo de espera deverão ser indenizadas tomando por base o valor do salário-hora normal, ao qual deve ser acrescido um adicional de 30%.

As incongruências da lei saltam aos olhos: 1ª) se é tempo que excede a jornada normal, só pode ser hora extra; 2ª) se é hora extra, não pode ser indenizada; 3ª) o adicional das horas extras não pode, jamais, ser inferior ao de 50%; 4ª) a própria lei previu que o tempo de reserva (§ 6º do art. 235-E) terá caráter salarial, pois será “remunerado” – e não indenizado – à razão de 30% da hora normal[10]; 5ª) o tempo de reserva não é considerado tempo de trabalho ou à disposição do empregador, como se verá mais adiante.

O que se tem, portanto, é uma dupla inconstitucionalidade, diante da violação manifesta do art. 7º, incisos XIII e XVI, da CR. O primeiro destes dispositivos fixa um limite intransponível de 44 horas semanais, ainda que em cômputo anual (banco de horas), pois de todos conhecidos os efeitos deletérios do excesso de trabalho no organismo humano. O segundo, um adicional mínimo de 50% para as horas extras, uma das causas de tantos acidentes do trabalho e, sobretudo, de adoecimentos ocupacionais.

Demais, no sistema jurídico brasileiro há uma regra geral que não pode ser olvidada por nenhuma legislação especial, a do art. 4º da CLT. Esta norma considera “como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada”. Aqui se fez, portanto, uma clara opção pelo critério “sujeição do poder de disposição do empregador”, não sendo necessário que o trabalhador esteja no exercício efetivo de sua atividade e tampouco que esteja no centro de trabalho. De modo que se o trabalhador se encontra no lugar de trabalho apenas aguardando ordens, como nos casos dos plantões de presença física, há que se considerá-lo em trabalho efetivo. E, ainda que não esteja no lugar de trabalho, porém se constate que está à disposição do empregador, deve-se considerar que também se encontra em efetivo trabalho, por ficção legal.

Com efeito, Godinho Delgado[11] assevera que a ordem jurídica brasileira opta pelo critério do tempo à disposição como regra estândar de cômputo de jornada de trabalho, com base no art. 4º da CLT. E ressalta que o tempo à disposição do empregador no centro de trabalho não significa que o trabalhador tenha que estar, necessariamente, no lugar de trabalho, vale dizer, em seu posto, pois é bastante que o trabalhador esteja no centro aonde normalmente executa suas funções. Exemplifica-se com o que se passa nas minas, nas quais o centro de trabalho está situado na sede da mina, aonde se apresentam os trabalhadores diariamente, ao passo que o local de trabalho, muitas vezes, localiza-se a longa distância, no fundo da própria mina (art. 294 da CLT)[12].

 Nem se objete que a parte final desta norma ressalva exatamente o caso de haver “disposição especial expressamente consignada”, pois esta se refere a situações de não-trabalho, como o tempo de sobreaviso e o tempo de prontidão. Trata-se de disposições específicas para o pessoal do transporte ferroviário, que, porém, têm sido aplicadas largamente na jurisprudência a outros casos similares. De acordo com o § 2º do art. 244 da CLT, considera-se em regime de “sobreaviso” o empregado efetivo que permaneça em seu próprio lar, “aguardando a qualquer momento a chamada para o serviço”, sendo que cada escala de “sobreaviso” será, no máximo, de 24 horas. As horas de “sobreaviso”, para todos os efeitos, “serão computadas à razão de 1/3 (um terço) do salário normal”. Já o tempo de “prontidão” é previsto no § 3º deste artigo, sendo o tempo em que o ferroviário permanece nas dependências da Estrada aguardando ordens. As horas de “prontidão” serão computadas, para todos os efeitos, à razão de 2/3 do salário-hora normal.

 Observa Godinho Delgado[13] que a lei criou uma noção intermediária entre o tempo de trabalho ou à disposição e o tempo de descanso, de modo que o trabalhador tem sua disponibilidade pessoal relativamente restringida – pois deve permanecer em seu lar, aguardando o chamado para o serviço –, porém não está efetivamente trabalhando, o que faz com que a consequência contratual não seja plena. Agora, por ser esta situação menos restritiva que a relativa ao tempo à disposição no centro de trabalho, a ordem jurídica brasileira lhe confere menor peso jurídico. E ressalta que, inclusive, a restrição pessoal nas horas de “sobreaviso” é muito menor que a ocorrida nas horas de “prontidão”, pois naquelas o trabalhador permanece em seu lar, não tendo que deslocar-se até o estabelecimento ou suas cercanias.

 É evidente a disparidade de situação, especialmente do tempo de sobreaviso, com o tempo de espera. Neste o motorista profissional está inteiramente à disposição do empregador, principalmente no descarregamento da carga e durante a fiscalização da mercadoria, pois continua sendo o responsável pela guarda do veículo. É, portanto, mais do que tempo à disposição, é tempo de trabalho efetivo, para os padrões da normativa brasileira.

 Não vejo, portanto, como estas normas possam sobreviver no sistema jurídico pátrio, no qual a Norma Fundamental prevê expressamente limites de jornada de trabalho, havendo, portanto, um direito humano fundamental dos motoristas profissionais à observância dos referidos limites.

4 As viagens de longa distância

Apenas breves considerações sobre as viagens de longa distância, diante do objeto restrito deste estudo.

Diferentemente do tempo de espera, a disciplina das viagens de longa distância – pelo menos a norma do art. 235-D da CLT – se aplica tanto ao transporte de cargas quanto ao transporte de passageiros. As chamadas viagens de longa distância são consideradas aquelas em que o motorista permanece fora da base da empresa, seja a matriz, seja a filial, e de sua residência, por mais de 24 horas, em conformidade com o referido art. 235-D.

Nesse ponto começa a interconexão entre tempo de trabalho e tempo de direção, pois o limite máximo de tempo em que o motorista profissional pode conduzir o veículo pelas rodovias passa a exercer inconcussa influência no tempo de trabalho desse trabalhador. É dizer, como o motorista não pode dirigir mais do que o tempo de direção permitido pela lei, isso implica em que, atingido esse limite, o condutor terá que, necessariamente, estacionar o veículo e usufruir o intervalo mínimo para recuperação das condições ideais ao retorno da direção. De se recordar que o tempo máximo de direção se aplica tanto aos empregados quanto aos motoristas autônomos, considerando-se que previsto no art. 67-A do CTB, como já mencionado. Portanto, trata-se de norma imperativa e que deve ser observada rigorosamente.

 Pois bem, sendo assim, o motorista profissional que se ativa em viagens de longa distância tem direito aos seguintes períodos de descanso:

 1º) um intervalo mínimo de 30 minutos a cada 4 horas de tempo ininterrupto de direção – de se observar que esse intervalo pode ser fracionado, desde que fracionado também o tempo de direção, ou seja, desde que o motorista não conduza o veículo por quatro horas ininterruptas[14]; demais, conquanto a lei não seja expressa, esse intervalo de 30 minutos se aplica também para os motoristas que se ativam em viagens de “curta” distância[15], porquanto o tempo máximo de direção é instituto destinado a todos os motoristas profissionais, inclusive os autônomos, nos moldes do art. 67-A e § 1º do CTB;

 2º) um intervalo de uma hora para refeição – que pode ou não coincidir com o intervalo de descanso da direção, e penso que este tempo mínimo se aplica também ao trabalho em regime de turnos interruptos de revezamento, como já enfatizado;

 3º) um repouso diário de 11 horas – e com o veículo estacionado, salvo na hipótese de direção em dupla de motoristas, preconizada no § 6º do art. 235-E, quando os motoristas se revezam na direção do veículo.

 Agora, há regras nas viagens de longa distância que se aplicam exclusivamente ao transporte de cargas, como evidencia a letra do art. 235-E da CLT. Assim que, nas viagens de mais de uma semana o motorista profissional terá direito a um descanso semanal de 36 horas por semana trabalhada ou fração, sendo que o gozo desse descanso somente poderá ocorrer no retorno do motorista à base da empresa ou a sua residência. A única exceção a esse gozo no retorno – que possibilita a desconexão com o trabalho e o contato com a família, os amigos etc. – se dá na hipótese de a empresa oferecer condições adequadas para o gozo efetivo do referido descanso – como alojamentos – no curso da viagem de longa distância, o que não é recomendável, por não possibilitar a desconexão referida.

 Sem embargo, qual é o limite de acumulação dos períodos de descanso semanal? A lei previa a possibilidade de acumulação por até 108 horas – até 3 descansos semanais –, mas, como se sabe, foi aposto veto ao § 2º do estudado art. 235-E. O fundamento do veto é inquestionável: o acúmulo do descanso semanal viola a norma do art. 7º, inciso XV, da CR, pois tal descanso, por óbvio, deve ser concedido a cada semana. Daí que não deveria ser permitido acumular os descansos por mais de duas semanas. Tanto é assim que na Espanha se permite acumular os descansos semanais em até 14 dias (art. 16 da Diretiva 2003/88/CE), embora haja outras previsões, como as dos arts. 9 e 21 do RD 1561/1995. Claro que há viagens muito longas, com duração de 30 dias ou mais, hipóteses que terão de ser disciplinadas na negociação coletiva, mas sempre de modo a prevenir danos à saúde do trabalhador, bem como ao seu direito fundamental à conciliação da vida pessoal, familiar e laboral.

 O § 3º permite o fracionamento das 36 horas do descanso semanal em dois períodos, um de 30 horas e outro de 6 horas, sendo que estas deverão ser usufruídas na mesma semana do descanso de 30 horas, e em continuidade de um período de repouso diário, dia no qual o intervalo entre jornadas deverá ser de, pelo menos, 17 horas (11 mais 6 horas).

 Enfim, nessas viagens de longa distância, se o motorista tiver a obrigação de permanência junto ao veículo durante o tempo em que este se encontrar parado, esse tempo será considerado tempo de espera, após o cumprimento da jornada normal. Igualmente, nas operações de carga ou descarga e fiscalização, o tempo que exceder a jornada normal será considerado como tempo de espera e indenizado da mesma forma como já comentado (§§ 4º e 5º), não se olvidando da inconstitucionalidade desse instituto.

 Resta uma breve análise do chamado tempo de reserva, previsto no art. 235-E, § 6º, da CLT. Esse instituto se aplica ao caso de haver revezamento de motoristas que trabalhem em dupla no mesmo veículo[16]. Nessa hipótese, o legislador considerou que o motorista que não estiver dirigindo se encontrará em repouso, mas, pelo fato de o veículo estar em movimento, esse tempo – considerado de reserva – será “remunerado” – essa é a expressão legal – à razão de 30% do valor da hora normal. Veja-se que, como já comentado, houve uma notória contradição no texto legal, pois o tempo de reserva – um minus em relação ao tempo de espera – terá natureza salarial, ao passo que o tempo de espera teria caráter indenizatório, motivo da crítica anteriormente feita.

 Enfim, ambos os motoristas em regime de revezamento têm direito a um repouso mínimo de seis horas consecutivas fora do veículo, em alojamento externo. Somente será permitida a fruição desse intervalo mínimo dentro do veículo, primeiro, se houver cabine leito; segundo, se o veículo estiver estacionado, nos exatos contornos do § 7º dessa norma.

 Há, ainda, outras regras sobre tempo de trabalho e de descanso na lei, tratando de força maior (§ 9º), tempo de permanência espontânea (§ 10), tempo de acompanhamento de veículo embarcado (§ 11), aplicação do tempo de reserva no transporte de passageiros (§ 12) – para o revezamento de motoristas de ônibus –, previsão de jornada especial de 12 x 36 horas (art. 235-F), e até possibilidade de fracionamento do intervalo intrajornada dos motoristas e cobradores no transporte coletivo de passageiros, tema que já era objeto da OJ n. 342, II, da SBDI-I do C. TST. No entanto, penso que o essencial da lei é a definição do que se entende por tempo de trabalho, tempos de descanso e tempo de direção, institutos já analisados, não com a profundidade necessária, por se tratar apenas de um artigo doutrinário, no qual coloco minhas primeiras impressões sobre a lei.

 Para finalizar, enfatizo que a finalidade principal da lei foi a de proteger o motorista profissional contra acidentes do trabalho e adoecimentos ocupacionais. Tanto é assim que a negociação coletiva, tão estimulada pela lei, não pode criar condições de trabalho que causem prejuízo à saúde e à segurança do trabalhador, como destacado no art. 235-H da CLT. Essa é a grande preocupação de toda a sociedade brasileira. Por isso, os tempos de descanso ganham muita relevância, devendo haver a observância irrestrita do intervalo entre jornadas de 11 horas, pelo que se extrai da análise do art. 67-A, §§ 3º e 5º do CTB, em conjunto com as demais normas comentadas.

 Infelizmente, a nova lei não previu um prazo de vacância razoável. Pelo contrário, até mesmo o art. 12, que determinava a vigência imediata, foi vetado, motivo pelo qual se aplica o prazo de vacatio legis do art. 1º da LINDB, de 45 dias após a publicação da lei, tempo que provavelmente não será suficiente para que os principais destinatários da norma a compreendam.

 Haverá, portanto, um grande trabalho para a doutrina e, sobretudo, para a jurisprudência. Que estas se encontrem preparadas para o grande desafio que se apresenta. Mas não podemos nos olvidar  de que a limitação do tempo de trabalho deve ser vista não somente como uma medida de organização do trabalho, senão também – e principalmente – como uma forma eficaz de garantir a saúde do trabalhador, que é um direito humano fundamental e condição necessária para o desfrute de outros direitos fundamentais assegurados pelo positivismo estatal. Para que isto seja de fato realizado, mister que os governos e os empregadores entendam que a saúde do trabalhador é um bem jurídico imprescindível à propagada dignidade humana, estando, assim, acima dos direitos fundamentais dos empresários.
                            Mais que isso, é chegado o tempo de se lutar pela vida, todos e cada um de nós, pois é necessário trabalhar para viver, não viver para trabalhar, tampouco para morrer no trabalho.

[1] (*) José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva é Juiz do Trabalho, Titular da 2ª Vara do Trabalho de Araraquara (SP), Juiz Convocado na 4ª Câmara do TRT de Campinas a partir de setembro de 2011, Gestor Regional do Programa de Prevenção de Acidentes do Trabalho instituído pelo TST – Tribunal Superior do Trabalho, Mestre em Direito das Obrigações pela UNESP/SP, Doutorando em Direito Social pela Universidad Castilla-La Mancha (Espanha), Membro do Conselho Técnico da Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Subcomissão de Doutrina Internacional) e Professor do CAMAT Cursos Jurídicos (www.camat.com.br) em Ribeirão Preto (SP).
(**) Palestra proferida no V Seminário sobre Relações Trabalhistas no Transporte Rodoviário de Cargas, organizado pela FETCESP e sindicatos filiados, em Campinas, no dia 15 de junho de 2012, a convite do Des. Samuel Hugo Lima, Diretor da Escola Judicial do TRT de Campinas.
[2] PRATA, Marcelo Rodrigues. Teste e programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica para os motoristas profissionais: constitucionalidade da Lei nº 12.619/2012. Disponível em:
[3] Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho – AEAT 2008 –, do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério da Previdência Social. Disponível em:
. Acesso em: 14-6-2012.
[4] WEISHAUPT PRONI, M. “Diferenciais da jornada de trabalho no Brasil”. In: DARI KREIN, J. et. al. (Org.). As transformações no mundo do trabalho e os diretos dos trabalhadores. São Paulo: LTr, 2006, pp. 131-133.
[5] Apud VIANA, Márcio Túlio. Adicional de horas extras. In: BARROS, Alice Monteiro de. (Coord.) Curso de direito do trabalho: estudos em memória de Célio Goyatá. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: LTr, 1997, p. 110.
[6] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005, pp. 890-891.
[7] Embora não haja súmula expressa, o E. TST tem admitido a figura do banco de horas, que é mencionado na Súmula 85, item V, a qual admite, portanto, implicitamente este instituto. Convém pontuar também que o referido tribunal tem admitido a chamada semana espanhola (48 horas de trabalho numa semana e 40 horas na seguinte), de acordo com a OJ n. 323 da SBDI-I, bem como a jornada de 12 x 36 (OJ n. 388 da SBDI-I do C. TST), agora prevista no art. 235-F para os motoristas.
[8] TRILLO PÁRRAGA. F. J. La construcción social y normativa del tiempo de trabajo: identidades y trayectorias laborales. Lex Nova, Valladolid, 2010, p. 107-110.
[9] GARCÍA NINET, I. “Ordenación del tiempo de trabajo”. In: Comentarios a las Leyes Laborales. La reforma del Estatuto de los Trabajadores. Tomo I, V. 2º (Dir. BORRAJO DACRUZ, E.). Edersa, Madrid, 1994, pp. 43-45.
[10] Veja-se que a jurisprudência tem conferido caráter salarial até mesmo a verba que tem um escopo indenizatório, como evidencia a OJ n. 354 da SBDI-I do C. TST, que considera de natureza salarial a hora extra do intervalo suprimido, nos moldes do § 4º do art. 71 da CLT.
[11] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho, pp. 840-841.
[12] O exemplo é de NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 32. ed. São Paulo: LTr, 2006, pp. 167-168.
[13] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho, p. 845.
[14] Por exemplo, se dirigiu por 2 horas ininterruptas, poderá descansar apenas 15 minutos.
[15] Exemplo: jornada de 9 horas diárias, mediante acordo coletivo de trabalho, caso em que o motorista deve parar e descansar após 4 horas de direção, descansando uma hora, voltando ao trabalho e dirigindo por mais 4 horas, quando terá de fazer nova parada, de no mínimo 30 minutos, para cumprir a norma rígida do tempo máximo de direção, e somente após cumprir sua última hora de trabalho.
[16] Nesse revezamento também há de se observar o limite máximo do tempo de direção. Assim, pode-se imaginar a seguinte situação, com dois motoristas, A e B: A dirige 4 horas, B 4 horas, A mais 4 horas e B outras quatro, atingindo-se 16 horas diárias. Como ambos têm direito a um repouso mínimo de seis horas consecutivas fora do veículo (§ 7º), restariam apenas 2 horas para que pudessem se revezar na condução do veículo, conforme as jornadas pactuadas.


Nenhum comentário:

Postar um comentário