José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva[1]
1 Introdução
O
objetivo principal deste pequeno artigo é a investigação sobre o tempo de trabalho do motorista
profissional, no que diz respeito a sua limitação e sua relação direta com
a proteção à saúde dos trabalhadores, no contexto da Lei n. 12.619, de 28 de
abril de 2012, editada com o escopo de regulamentar o exercício da profissão de
motorista.
Necessário
lembrar que a referida lei é oriunda de inúmeros projetos que tramitaram durante
vários anos no Congresso Nacional. Chamo a atenção para o fato de que dois dos
PLs mais citados não tiveram suas principais propostas contempladas na novel
legislação. O PL n. 1.113, do longínquo ano de 1988, que visava regulamentar a
profissão de motorista de transportes coletivos urbanos e interurbanos, estipulava
um piso salarial de 8 (oito) salários mínimos para a categoria (art. 2º), a
jornada de trabalho de seis horas para o labor em turnos interruptos de
revezamento, considerando como tempo de
trabalho todo o tempo em que o motorista estivesse à disposição do
empregador, ainda que não o fosse na direção do veículo (art. 3º e parágrafo
único), ademais de proibir terminantemente a prorrogação da jornada de trabalho
noturno (art. 5º). A justificativa principal era o alardeado índice de
acidentes de trânsito e as exorbitantes cargas horárias dos motoristas, que
lhes proporcionavam, já àquela época, um elevado desgaste físico e mental. Por
sua vez, o PL n. 99, de 2007, previa a percepção de adicional de penosidade
correspondente a, no mínimo, 30% da remuneração mensal (art. 3º), diante das
condições reconhecidamente penosas e estressantes do exercício dessa profissão.
Bem se vê que estas propostas não vingaram.
Sem
embargo, mister concentrar o foco no que disciplinou a lei. Pois bem, como se
sabe, a Lei n. 12.619 tem como objetivo central o de regular e disciplinar a jornada de trabalho e o tempo de direção do
motorista profissional. De modo que estes são os dois aspectos principais
da lei: 1º) a jornada de trabalho, com
a preocupação de definir o tempo de trabalho efetivo, limitado pelos tempos de
descanso, para os motoristas empregados; e 2º) o tempo de direção, estabelecendo-se um limite geral, tanto para os
empregados quanto para os motoristas autônomos, porquanto previsto para
integrar o CTB – Código de Trânsito Brasileiro –, não a CLT.
Destarte,
a destinação das normas “trabalhistas” acabou restrita aos motoristas
empregados, e apenas no transporte
rodoviário de passageiros e de cargas, consoante a regra do art. 1º, parágrafo
único, da lei. Isso porque os incisos III e IV dessa regra foram vetados, de
modo que, a princípio, as normas que tratam de tempo de trabalho e descanso não
se aplicam a motoristas que se ativam em outras categorias econômicas, como
motoristas de ambulâncias (e de qualquer ente público), de entregas no comércio
etc., tampouco a operadores de trator de roda, de esteira ou misto, como previa
o texto vetado. Quando muito, de acordo com o objeto central da lei, será
possível aplicar tais normas por analogia, dependendo da situação concreta.
Enfim,
a lei prevê, em seu art. 2º, um rol de
direitos dos motoristas profissionais. Além dos direitos sociais e de
seguridade social, previstos nos arts. 6º a 11 – especialmente no art. 7º – e
194 a 204 da Constituição da República, um elenco de direitos específicos,
destacando-se, para os fins deste artigo, o direito ao controle fidedigno
da jornada de trabalho e do tempo de direção. Daí porque o controle do tempo de
trabalho do motorista passa de direito – e obrigação – do empregador a direito fundamental do motorista
profissional empregado. E não é qualquer controle, mas um que seja fidedigno, digno
de fé, fiel, exato.
Quais
seriam esses meios de controle? É o que pretendo analisar após essa breve
introdução.
2 Os meios de controle da jornada
do motorista
Antes
de responder à questão formulada anteriormente – na qual se coloca a questão da
validade do tacógrafo como meio de controle de jornada –, necessário apontar o
motivo pelo qual a lei exige um controle rígido, fidedigno, do tempo de
trabalho do motorista.
Como
seria de intuir – se alguns dos PLs não o enfatizassem –, a finalidade social da lei é oferecer proteção aos trabalhadores – e
por extensão a toda a população – contra a quantidade excessiva de acidentes de
trânsito e do trabalho. Não se deve olvidar que todo acidente de trânsito
envolvendo veículos no transporte rodoviário de passageiros ou de cargas – em
regra, ônibus e caminhões –, normalmente, caracteriza-se também como um
acidente do trabalho, pois envolve o motorista profissional que está a conduzir
o veículo.
Em
verdade, temos uma chaga social a ser estancada (ou fechada) quando o assunto é
acidente de trânsito e do trabalho. Basta recordar que em 2008 houve no Brasil
428.970 acidentes de trânsito, com 38.273 mortes[2].
Ademais, considerando-se o NTEP – Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário –,
houve no Brasil, em 2008, 755.980 acidentes do trabalho (como gênero), dos
quais apenas 551.023 com CAT emitida. Destes, 27.456 aconteceram apenas no
transporte coletivo de passageiros e no transporte de cargas[3].
Isso é assustador!
Como
se não bastasse, numa investigação levada a efeito por ocasião de minha tese de
doutorado, pude verificar, no confronto dos dados estatísticos do NTEP com os
de jornada de trabalho, que a taxa de adoecimentos ocupacionais no setor de
transportes é a mais alta de todos os setores da economia brasileira. É impressionante a quantidade de doenças não
declaradas nos transportes, pois que foram 4.408 casos no transporte
rodoviário coletivo de passageiros municipal e em região metropolitana, 1.036
neste mesmo transporte, porém intermunicipal, interestadual e internacional, e
assustadores 4.430 casos no transporte rodoviário de cargas. A soma destas três
atividades registra um total de 9.874 casos, equivalente a 95,6% do total do setor de transporte terrestre, que inclui o
metroferroviário e o dutoviário, entre outros. Daí que a taxa de doenças não notificadas para cada 100.000 trabalhadores nos
transportes foi de 754,11, sem dúvida alguma a mais alta de todos os
setores das atividades econômicas, conforme pesquisa já mencionada, ainda
inédita no Brasil.
Talvez isso tenha ocorrido por
causa das excessivas jornadas de trabalho neste setor, pois todas as
estatísticas revelam que o setor dos transportes é aonde se tem as maiores
jornadas de trabalho no Brasil. Assim que em 2007 a jornada semanal média neste
setor foi de 46,2 horas, não se olvidando que no grande setor dos serviços pelo
menos 29,7%, em média, trabalham mais de 44 horas por semana. Não obstante, as
jornadas no setor dos serviços é muito variável, com jornadas inclusive legais
muito inferiores a 44 horas semanais. Por isso se pode presumir que nos transportes
há muito mais que 30% dos trabalhadores se ativando em mais de 48 horas
semanais. Há um estudo no qual se demonstra que a jornada média dos
trabalhadores do setor de transportes era, em 2003, de 47,1 horas por semana, no
Brasil. Ademais, que a jornada média dos motoristas de caminhão era de 52,6
horas semanais, naquele mesmo ano[4].
Evidente que isso pode contribuir para o surgimento de tantas e tantas doenças
ocupacionais – como de fato tem ocorrido – neste setor.
Resta
saber, portanto, qual é a jornada de trabalho prevista para o motorista profissional
na lei que veio regulamentar sua atividade.
O
art. 235-C, acrescido à Consolidação pela Lei n. 12.619, não traz, nesse ponto,
grandes novidades, pois a jornada de trabalho será a prevista na CR –
Constituição da República – ou nos instrumentos convencionais da categoria.
Com
efeito, os limites constitucionais de tempo de trabalho não poderiam mesmo ser
contrariados. De sorte que, em regra, os motoristas não podem trabalhar mais de
oito horas diárias ou quarenta e quatro horas semanais em turnos fixos,
tampouco mais de seis horas diárias quando do labor em regime de turnos
interruptos de revezamento, nos moldes do art. 7º, incisos XIII e XIV, da
CR/88. A exceção fica por conta de acordos e convenções coletivas de trabalho,
como ressalvado nas próprias normas ora comentadas, as quais podem prever a
compensação de horários ou até mesmo a redução dessas jornadas de trabalho.
Exatamente
nesse ponto surge a primeira inconstitucionalidade
da lei, pois a regra do § 1º do art. 235-C admite a prorrogação da jornada
de trabalho em até duas horas extraordinárias. É certo que o caput e o § 1º do art. 59 da CLT também
disciplinam a contratação de até duas horas suplementares, as quais devem ser
pagas com, pelo menos, 50% a mais do que o valor da hora normal (art. 7º,
inciso XVI, da CR). No entanto, essa
regra não foi recepcionada pela Constituição da República, como adverte a
boa doutrina. Não há espaço, assim, para a exigência de horas superiores ao
mínimo legal dos trabalhadores brasileiros, urbanos ou rurais, de modo
habitual, prática que implica em afronta manifesta à norma constitucional de
limitação do tempo de trabalho. A única maneira de se prorrogar diariamente a
jornada de trabalho, autorizada pela própria Constituição, é a faculdade de
compensação de horários, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Neste sentido, Vantuil Abdala[5],
em artigo doutrinário intitulado “Horas Extras Habituais – Nunca Mais”, para
quem a Constituição de 1988 não permite a contratação de horas suplementares
“habituais”, conforme previa o art. 59 da CLT. Assevera o autor que
[…]
quando o empregador celebra com o empregado um contrato para a realização de
horas extras, permanentemente, a duração normal do trabalho já não é mais de
oito horas. A jornada normal passa a ser de nove ou dez horas, conforme o
número de horas extras pactuadas.
A respeito da contratação de até
duas horas suplementares diárias prevista no art. 59 da CLT, Godinho Delgado[6]
explica que antes da Constituição de 1988 havia uma distinção doutrinária entre
“jornada suplementar extraordinária” e “jornada meramente suplementar”. A
primeira equivaleria àquela prorrogação caracterizada como não ordinária, fora
do comum, excepcional, anormal, que corresponderia àquelas prorrogações
excepcionais aventadas pelo art. 61 da CLT. A jornada meramente suplementar equivaleria
àquela prorrogação caracterizada como incremento regular, comum, rotineiro,
normal, pactuado no contexto do contrato de trabalho, que corresponderia a duas
modalidades de prorrogações: a “sobrejornada” por acordo bilateral escrito de
prorrogação ou por instrumento coletivo (art. 59, caput, da CLT) e a “sobrejornada” por acordo de compensação (art.
59, § 2º, da CLT). Prossegue anotando que, não obstante, a Constituição de 1988,
ao normatizar o tema, referiu-se apenas a dois tipos de “sobrejornada”: a
suplementar por acordo de compensação (art. 7º, XIII) e a “sobrejornada”
extraordinária (art. 7º, XVI). Não mencionou a Constituição a jornada meramente
suplementar por acordo bilateral ou coletivo, sendo que “esta omissão
constitucional tem conduzido à ponderação de que a nova Carta Magna pretendeu
restringir a situações estritamente excepcionais, no país, a prática lícita de
prestação de efetivas horas extras”. Noutras palavras, as horas suplementares
“habituais” configurariam irregularidade laboral, “à luz de tal leitura da
Carta de 1988”.
Com efeito, esta norma que previa a
prorrogação contratual da jornada de trabalho – caput do art. 59 da CLT – não foi acolhida pela Constituição
vigente, até porque existe um limite
máximo de 44 horas semanais, ainda que em cômputo anual (banco de horas). De
modo que os trabalhadores brasileiros, inclusive os motoristas profissionais,
têm um direito fundamental à não prestação de horas extras ordinariamente, o
que, aliás, representaria um contrassenso. Poder-se-ia aplicar ao caso, por
analogia, a Súmula 199, item I, do C. TST, de modo a considerar nula a
contratação de até duas horas extras pelo motorista profissional. Assim, o
valor que fosse ajustado para tanto apenas remuneraria a jornada normal, caso
em que seriam devidas as duas horas extras, com adicional de, no mínimo, 50%,
diante da inconstitucionalidade da regra
do § 1º do art. 235-C.
Agora,
a grande novidade da lei foi a de prever
a exclusão, na consideração do tempo de trabalho efetivo, não apenas dos intervalos
para refeição, repouso e descanso, mas também do tempo de espera, em conformidade com o § 2º do artigo estudado. E,
mais adiante, a disciplina específica desse tempo de espera, nos §§ 8º e 9º deste
mesmo dispositivo legal. Sobre esse tema comentarei mais adiante.
Quanto
aos intervalos intra e entre jornadas não houve novidade, pois o § 3º deste
artigo prevê um intervalo intrajornada mínimo
de uma hora para refeição, um repouso diário de onze horas a cada 24 horas e um
descanso semanal de 35 horas (24 horas do descanso mais 11 horas do repouso
diário). As regras são equivalentes às constantes dos arts. 66, 67 e 71 da CLT.
No entanto, penso que por se tratar de uma legislação especial e por falta de
ressalva expressa nela, não se aplica ao motorista profissional a regra do art.
71, § 1º, da CLT, de modo que mesmo na jornada de seis horas, se for o caso, o
motorista terá direito ao intervalo intrajornada de uma hora.
No
tocante às horas extras, terão de ser pagas com o adicional mínimo de 50%
previsto na Constituição da República, se norma convencional mais benéfica não
for pactuada (§ 4º). O adicional noturno será de no mínimo 20%, tendo em vista
que o § 5º determinou a aplicação do art. 73 da CLT ao trabalho noturno do
motorista profissional. Assim, não poderá haver discussão sobre a aplicação da
redução fictícia da hora de trabalho noturno e da sua prorrogação a este
empregado, nos exatos contornos dos §§ 1º e 5º do citado art. 73.
Enfim,
o § 6º autoriza a compensação de horários de trabalho, tal como já previa a
norma constitucional e o § 2º do art. 59 da CLT. Embora a norma não seja
expressa, penso que o malsinado banco de horas estará autorizado, desde que
previsto em norma coletiva[7].
Aqui uma boa novidade da lei: a exigência de instrumentos de natureza coletiva
para a referida compensação, como expressamente exige o dispositivo analisado.
4 O tempo de espera
Como
já afirmado, os §§ 8º e 9º do art. 235-C disciplinam o instituto do tempo de espera, uma péssima novidade no
sistema jurídico pátrio.
A
justificativa para tamanha novidade é a de que os países da Comunidade Européia,
o Chile e os Estados Unidos, dentre outros, já contam com normas desse jaez há
muito tempo, levando em consideração as condições especiais em que o serviço do
motorista profissional é prestado.
É
bem verdade que isso ocorre. Na normativa comunitária, o art. 2.1 da Diretiva
93/104/CEE, sobre ordenação do tempo de trabalho, já definia, desde 1993, que
por tempo de trabalho se entenderá
“todo o período durante o qual o trabalhador permaneça no trabalho, à
disposição do empregador e no exercício de sua atividade ou de suas funções, em
conformidade com as legislações e/ou práticas nacionais”. A redação é idêntica
à do art. 2.1 da Diretiva 2003/88/CE. Assim, a doutrina e a jurisprudência européias
passaram a ter a difícil tarefa de definir tempo
de trabalho efetivo, em contraposição aos tempos de descanso.
Francisco Trillo[8]
aponta que a definição de tempo de trabalho realizada pelo legislador
comunitário envolve um problema de
interpretação do art. 2.1 da Diretiva 2003/88/CE. É possível uma
interpretação “copulativa” e outra “disjuntiva dos requisitos de tal
definição”. Em continuação, ele observa que a problemática “que encerra a
interpretação do conceito sobre tempo de trabalho (artigo 2.1) deve ser
relacionada com dois aspectos”:
1º) a possível confusão entre tempos de trabalho, tempos de não trabalho e
tempos de vida do trabalhador (repouso, lazer, desenvolvimento da
personalidade) – a se fazer uma interpretação copulativa deste artigo, exigindo-se
que o trabalhador se encontre no centro de trabalho, à disposição do empregador
e, ademais disso, no exercício de suas
atividades ou funções; ou, pelo menos, exigindo-se que esteja à disposição
do empregador no centro de trabalho, ou em seu posto de trabalho; por isso as
legislações passaram a prever “tempos de espera, de disponibilidade, de
plantão”, em conformidade “com a era das novas tecnologias, telecomunicações e
flexibilidade empresarial”;
Daí a dificuldade de se definir,
com clareza, o que se entende por tempo
de trabalho efetivo, instituto previsto expressamente no art. 34 do ET – Estatuto
dos Trabalhadores – espanhol. Investigando esta matéria, García Ninet[9]
observa que a filosofia inspiradora das disposições do ET é a de evitar que a
redução da jornada implique também redução da produtividade dos trabalhadores,
pelo que se pretendeu restringir ao máximo, no cômputo da jornada, os tempos
não dedicados ao trabalho efetivo, eliminando-se, assim, uma série de presunções
que consistiam em considerar como tempo efetivo de trabalho determinados
períodos nos quais não havia uma autêntica produtividade para o empregador,
ainda que o trabalhador estivesse em seu lugar de trabalho, ou a ele se
dirigindo ou ainda dele saindo.
Por isso, o art. 34.5 do ET
estipula que “o tempo de trabalho se computará de modo que tanto ao começo como
ao final da jornada diária o trabalhador se encontre em seu posto de trabalho”,
de modo que há uma clara preferência do legislador espanhol pelos aspectos permanência no lugar de trabalho e exercício efetivo das atividades ou funções do
trabalhador, e não tanto pelo aspecto de encontrar-se à disposição do
empregador.
Ocorre que esse limite não foi previsto na legislação brasileira. E esse não é
o único pecado da norma que cria em terras brasileiras o instituto do tempo de
espera, como se verá na sequência.
Inicialmente, de se observar que o
tempo de espera se aplica apenas ao motorista profissional que trabalha no transporte rodoviário de cargas, pois
corresponde ao tempo de espera para carga ou descarga do veículo no embarcador
ou destinatário, ou para fiscalização da mercadoria transportada em barreiras
fiscais ou alfandegárias, nos exatos termos do § 8º do art. 235-C. De acordo
com essa regra, esse tempo de espera, que ultrapassa a jornada normal de trabalho, não será computado como tempo de
trabalho extraordinário. No entanto, as horas relativas ao tal tempo de espera
deverão ser indenizadas tomando por
base o valor do salário-hora normal, ao qual deve ser acrescido um adicional de
30%.
As incongruências da lei saltam aos olhos: 1ª) se é tempo que excede a
jornada normal, só pode ser hora extra; 2ª) se é hora extra, não pode ser
indenizada; 3ª) o adicional das horas extras não pode, jamais, ser inferior ao
de 50%; 4ª) a própria lei previu que o tempo de reserva (§ 6º do art. 235-E) terá
caráter salarial, pois será “remunerado” – e não indenizado – à razão de 30% da
hora normal[10];
5ª) o tempo de reserva não é considerado tempo de trabalho ou à disposição do
empregador, como se verá mais adiante.
O que se tem, portanto, é uma dupla inconstitucionalidade, diante
da violação manifesta do art. 7º, incisos XIII e XVI, da CR. O primeiro destes
dispositivos fixa um limite intransponível de 44 horas semanais, ainda que em
cômputo anual (banco de horas), pois de todos conhecidos os efeitos deletérios
do excesso de trabalho no organismo humano. O segundo, um adicional mínimo de
50% para as horas extras, uma das causas de tantos acidentes do trabalho e,
sobretudo, de adoecimentos ocupacionais.
Demais, no sistema jurídico
brasileiro há uma regra geral que não pode ser olvidada por nenhuma legislação
especial, a do art. 4º da CLT. Esta norma considera “como de serviço efetivo o
período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou
executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada”. Aqui se
fez, portanto, uma clara opção pelo
critério “sujeição do poder de disposição do empregador”, não sendo
necessário que o trabalhador esteja no exercício efetivo de sua atividade e
tampouco que esteja no centro de trabalho. De modo que se o trabalhador se
encontra no lugar de trabalho apenas aguardando ordens, como nos casos dos
plantões de presença física, há que se considerá-lo em trabalho efetivo. E,
ainda que não esteja no lugar de trabalho, porém se constate que está à
disposição do empregador, deve-se considerar que também se encontra em efetivo
trabalho, por ficção legal.
Com efeito, Godinho Delgado[11]
assevera
que a ordem jurídica brasileira opta pelo
critério do tempo à disposição como regra estândar de cômputo de jornada de
trabalho, com base no art. 4º da CLT. E ressalta que o tempo à disposição
do empregador no centro de trabalho não significa que o trabalhador tenha que
estar, necessariamente, no lugar de trabalho, vale dizer, em seu posto, pois é
bastante que o trabalhador esteja no centro aonde normalmente executa suas
funções. Exemplifica-se com o que se passa nas minas, nas quais o centro de
trabalho está situado na sede da mina, aonde se apresentam os trabalhadores
diariamente, ao passo que o local de trabalho, muitas vezes, localiza-se a
longa distância, no fundo da própria mina (art. 294 da CLT)[12].
4 As viagens de longa distância
Apenas breves considerações sobre
as viagens de longa distância, diante do objeto restrito deste estudo.
Diferentemente do tempo de espera,
a disciplina das viagens de longa distância – pelo menos a norma do art. 235-D
da CLT – se aplica tanto ao transporte de cargas quanto ao transporte de
passageiros. As chamadas viagens de longa distância são consideradas aquelas em
que o motorista permanece fora da base da empresa, seja a matriz, seja a
filial, e de sua residência, por mais de 24 horas, em conformidade com o
referido art. 235-D.
Nesse ponto começa a interconexão entre tempo de trabalho e
tempo de direção, pois o limite máximo de tempo em que o motorista
profissional pode conduzir o veículo pelas rodovias passa a exercer inconcussa
influência no tempo de trabalho desse trabalhador. É dizer, como o motorista
não pode dirigir mais do que o tempo de direção permitido pela lei, isso
implica em que, atingido esse limite, o condutor terá que, necessariamente, estacionar
o veículo e usufruir o intervalo mínimo para recuperação das condições ideais
ao retorno da direção. De se recordar que o
tempo máximo de direção se aplica tanto aos empregados quanto aos
motoristas autônomos, considerando-se que previsto no art. 67-A do CTB, como já
mencionado. Portanto, trata-se de norma
imperativa e que deve ser observada rigorosamente.
[1] (*) José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva é Juiz do Trabalho, Titular da 2ª Vara do Trabalho de Araraquara (SP), Juiz Convocado na 4ª Câmara do TRT de Campinas a partir de setembro de 2011, Gestor Regional do Programa de Prevenção de Acidentes do Trabalho instituído pelo TST – Tribunal Superior do Trabalho, Mestre em Direito das Obrigações pela UNESP/SP, Doutorando
(**)
Palestra proferida no V
Seminário sobre Relações
Trabalhistas no Transporte Rodoviário de Cargas, organizado pela FETCESP e sindicatos filiados, em Campinas, no dia 15 de junho de 2012, a convite do Des. Samuel Hugo
Lima, Diretor da Escola Judicial do TRT de Campinas.
[2] PRATA, Marcelo
Rodrigues. Teste e programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica para
os motoristas profissionais: constitucionalidade da Lei nº 12.619/2012.
Disponível em:
[3] Anuário Estatístico
de Acidentes do Trabalho – AEAT 2008 –, do Ministério do Trabalho e Emprego e
do Ministério da Previdência Social. Disponível em:
[4] WEISHAUPT PRONI, M.
“Diferenciais da jornada de trabalho no Brasil”. In: DARI KREIN, J. et. al. (Org.). As transformações no mundo do trabalho e os diretos dos trabalhadores.
São Paulo: LTr, 2006, pp. 131-133.
[5] Apud VIANA, Márcio Túlio. Adicional de horas extras.
In: BARROS, Alice Monteiro de. (Coord.) Curso de direito do trabalho: estudos em
memória de Célio Goyatá. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: LTr, 1997, p. 110.
[6] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do
trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005, pp. 890-891.
[7] Embora não haja
súmula expressa, o E. TST tem admitido a figura do banco de horas, que é
mencionado na Súmula 85, item V, a qual admite, portanto, implicitamente este
instituto. Convém pontuar também que o referido tribunal tem admitido a chamada
semana espanhola (48 horas de trabalho numa semana e 40 horas na seguinte), de
acordo com a OJ n. 323 da SBDI-I, bem como a jornada de 12 x 36 (OJ n. 388 da
SBDI-I do C. TST), agora prevista no art. 235-F para os motoristas.
[8] TRILLO PÁRRAGA. F. J. La construcción social y
normativa del tiempo de trabajo: identidades y trayectorias laborales. Lex
Nova, Valladolid, 2010, p. 107-110.
[9] GARCÍA NINET, I. “Ordenación del tiempo de trabajo”. In: Comentarios a
las Leyes Laborales. La reforma del Estatuto de
los Trabajadores.
Tomo I, V. 2º (Dir. BORRAJO
DACRUZ, E.). Edersa, Madrid, 1994, pp. 43-45.
[10] Veja-se que a
jurisprudência tem conferido caráter salarial até mesmo a verba que tem um
escopo indenizatório, como evidencia a OJ n. 354 da SBDI-I do C. TST, que
considera de natureza salarial a hora extra do intervalo suprimido, nos moldes
do § 4º do art. 71 da CLT.
[11] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do
trabalho, pp. 840-841.
[12] O exemplo é de NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 32. ed. São Paulo: LTr, 2006, pp.
167-168.
[13] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do
trabalho, p. 845.
[14] Por exemplo, se
dirigiu por 2 horas ininterruptas, poderá descansar apenas 15 minutos.
[15] Exemplo: jornada de 9
horas diárias, mediante acordo coletivo de trabalho, caso em que o motorista
deve parar e descansar após 4 horas de direção, descansando uma hora, voltando
ao trabalho e dirigindo por mais 4 horas, quando terá de fazer nova parada, de
no mínimo 30 minutos, para cumprir a norma rígida do tempo máximo de direção, e
somente após cumprir sua última hora de trabalho.
[16] Nesse revezamento
também há de se observar o limite máximo do tempo de direção. Assim, pode-se
imaginar a seguinte situação, com dois motoristas, A e B: A dirige 4 horas, B 4
horas, A mais 4 horas e B outras quatro, atingindo-se 16 horas diárias. Como
ambos têm direito a um repouso mínimo de seis horas consecutivas fora do
veículo (§ 7º), restariam apenas 2 horas para que pudessem se revezar na
condução do veículo, conforme as jornadas pactuadas.
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