Terceirizando o Direito: novos
enfoques sobre o PL no. 4330
(*) Marcio Tulio Viana
1. Uma explicação
Como sabemos, foi a fábrica, basicamente, quem agregou os trabalhadores, viabilizando o sindicato; e foi o sindicato quem forjou – direta ou indiretamente - o Direito do Trabalho, opondo-se aos excessos do sistema.
A primeira forma evoluiu em meados do século XX, na indústria de automóveis, e hoje, como sabemos, espalha-se por todos os lugares. Já a segunda faz sucesso há menos tempo, embora tenha origens ainda mais remotas: na Grécia antiga, por exemplo, era comum alugar escravos para os proprietários das minas.
2. O digno e o indigno nas duas formas de terceirizar
Ora, ao pagar um preço menor, a grande empresa, naturalmente, faz-se cúmplice das práticas salariais aviltantes da pequena. E esse aviltamento, imposto indiretamente pela primeira, pode se tornar verdadeira condição de sobrevivência da segunda, que trava uma luta de morte com outras candidatas a parceiras.
De todo modo, como dizíamos, esse modo de organizar a empresa – considerado em si mesmo - nada tem de particularmente degradante. Por mais que seja recorrente, a precariedade é circunstancial. E a situação pode até se inverter, como acontece ou acontecia (só para citar um exemplo famoso) na chamada “Terceira Itália”[3].
Mas não é só. Como dizíamos, essa prática opõe trabalhadores a trabalhadores, degradando o próprio grupo, enquanto classe. O terceirizado ambiciona o cargo do efetivo; o efetivo teme se tornar terceirizado. Um despreza ou inveja o outro; ao menos em potência, disputam este bem valioso e escasso que é o emprego mais seguro. Assim - e de um modo mais intenso do que nunca - a empresa consegue externalizar para dentro da classe operária a própria lógica da concorrência.
Nesse novo contexto, sua (re)construção passa a ser resultado não apenas do jogo de forças entre o capital e o trabalho, mas também de práticas isoladas de atores de ocasião, sem maiores compromissos com o que possa acontecer. Aliás, num tempo como o de hoje, parece que tudo pode acontecer: para o bem e para o mal, as idéias correm livres, leves e soltas.
Assim, em certo sentido, é a própria produção do Direito que se terceiriza: entram em cena personagens de outras histórias, sem vínculos com a classe trabalhadora e sem responder sequer a necessidades da classe empresarial. E ele se terceiriza também no sentido de que o virus da peste passa a contaminá-lo por inteiro.
A primeira é pontual: diz respeito ao critério (atropelado pelo projeto) que limita as terceirizações às atividades-meio (salvo o caso do trabalho temporário).
O aspecto mais criticado diz respeito às dúvidas que podem surgir, num caso ou noutro, para enquadrar a atividade no “meio” ou no “fim". No entanto, os casos de dúvida não parecem ser tão freqüentes. Afinal, a atividade é fim quando se relaciona em linha reta não só com o objeto da atividade empresarial, mas com a própria causa que deu origem à empresa – seja ela fabricar relógios ou divulgar conhecimento. Pode-se dizer, por exemplo, que o fim principal de uma escola é o ensino; que o ensino depende basicamente dos professores; e que a atividade da secretaria viabiliza a atividade dos professores.
De todo modo, para os casos de fronteira, há uma solução bem simples. Basta aplicar o princípio da interpretação mais favorável ao trabalhador, o que significará concluir - sempre ou quase sempre - que a atividade é fim. Aliás, talvez fosse o caso de se positivar esse princípio, inserindo-o explicitamente na Súmula.
A segunda questão diz respeito às vítimas da terceirização.
Até onde se pode ver, esse cenário, realmente, é quase certo. Só uma espécie de milagre o afastaria. E os efeitos para os terceirizados seriam provavelmente catastróficos.
Mas as vítimas não seriam apenas eles, por mais numerosos que fossem. Seriam também os outros, os remanescentes, pois aumentaria a pressão geral, para baixo, sobre os salários e condições de trabalho – potencializando a competição e o medo.
De fato, num contexto assim, de autêntica e generalizada marchandage, qual sentido assumiria, por exemplo, o princípio da proteção? E quais outras criaturas estranhas não entrariam depois por essa grande porta? Como fazer valer a CLT, se até uma pequena lei, saída da cartola de alguns mágicos, for capaz de desafiar e até de ridicularizar a própria essência do Direito do Trabalho? Qual seria a postura dos novos juízes, ao aplicar as antigas normas, se até mesmo o trabalho indigno se naturaliza, a ponto de se tornar uma lei? Como evitar novas investidas aviltantes se o Direito do Trabalho, em última análise, está todo impregnado e deturpado pela idéia da terceirização?
São coisas para se pensar. De todo modo, nem tudo está perdido. Ainda que o projeto venha a ser aprovado, será sempre possível arguir sua inconstitucionalidade, ou no mínimo reinventar um sentido (positivo) para as palavras – não apenas negativas, mas sem nexo – do legislador.
[1] Cf. a propósito BIAVASCHI, Magda. Direito do Trabalho no Brasil: 1930-1942. São Paulo: LTr.
Esse breve texto aborda o PL n. 4330 sob aspectos menos explorados.
Mas também usa partes do artigo “A
terceirização revisitada: algumas críticas e sugestões para um novo tratamento
da matéria” (publicado na Revista do TST,
vol. 78, n. 4, outubro-dezembro 2012), onde o leitor, se quiser, poderá conhecer melhor certas colocações do
autor.
2. Superando a contradição
Desde as suas origens, o
capitalismo vem tentando superar uma contradição que ele mesmo criou: a de ter
de reunir para produzir, sem poder
evitar os efeitos unificantes dessa
reunião.
Como sabemos, foi a fábrica, basicamente, quem agregou os trabalhadores, viabilizando o sindicato; e foi o sindicato quem forjou – direta ou indiretamente - o Direito do Trabalho, opondo-se aos excessos do sistema.
Mesmo em países como o Brasil, a
pressão existiu[1]; e ainda
que menos forte, foi levada em conta. Além disso, mesmo as normas que trouxemos
da Europa chegaram banhadas de sangue. Assim, de um modo ou de outro, o
sindicato esteve sempre presente – não importa aonde ou quando.
E a construção do Direito não se
deu, é claro, de uma só vez, nem apenas formalmente.
Ao longo dos tempos, a pressão operária não só continuou a produzi-lo, como lhe
deu mais efetividade – embora sempre desafiada e precária.
Hoje, essa contradição parece
estar sendo superada, e uma das razões
mais importantes é exatamente a terceirização. E isso é fácil de ver, se
analisarmos as suas duas espécies.
É que, em nosso país, a palavra
“terceirização” tem sido usada em dois sentidos, ou para duas situações
diferentes: a) quando a empresa externaliza suas etapas de produção; b) quando
a empresa internaliza trabalhadores alheios.
A primeira forma evoluiu em meados do século XX, na indústria de automóveis, e hoje, como sabemos, espalha-se por todos os lugares. Já a segunda faz sucesso há menos tempo, embora tenha origens ainda mais remotas: na Grécia antiga, por exemplo, era comum alugar escravos para os proprietários das minas.
Enquanto a primeira forma de
terceirizar – ao lançar para fora etapas
do ciclo produtivo - fragmenta objetivamente
os trabalhadores, a segunda os divide também subjetivamente, opondo terceirizados a empregados
comuns.
Assim, pelo menos em termos de
tendência, já se pode falar em produzir sem reunir, e até mesmo em reunir sem unir. Os trabalhadores estão
menos juntos nos dois sentidos – físico e emocional ou psíquico.
E a consequência se faz presente
no Direito. Suas fontes materiais vão se tornando menos fortes, e isso quando
não muda o conteúdo de suas próprias matérias.
Em outras palavras: depois de
expropriar os trabalhadores dos modos de produzir suas vidas, o capital os expropria
dos meios de produzir suas leis.
Antes, a mesma fábrica – grande,
vertical, homogeneizadora – que explorava os homens também lhes permitia,
paradoxalmente, reduzir a exploração. Se de um lado dividia o trabalho, ao
mesmo tempo somava os trabalhadores.
Hoje, a fábrica se dissolve,
dissolvendo ao mesmo tempo os encontros e as identidades. Mesmo quando o
trabalho se recompõe, os trabalhadores se dividem, pelo menos do ponto de vista
da luta coletiva.
Desse modo, mais do que uma
técnica de organizar a empresa, ou do que
uma forma mais ágil de produzir,
ou do que um artifício para reduzir os custos, a terceirização (sobretudo em sua
segunda forma) é uma estratégia de poder.
Ela enfraquece, corrompe e –
tendencialmente – até elimina o sindicato, pelo menos enquanto inventor e
sancionador do Direito; e assim, por extensão, também enfraquece, corrompe e
(no limite) pode até eliminar o próprio Direito,
pelo menos enquanto meio de redistribuir riquezas.[2]
Aliás, é ela própria – mesmo
limitada pela jurisprudência – quem aumena os riscos de aprovação desse
projeto. A simples existência dele já é
um sinal do quanto a terceirização tem fragilizado o sindicato e pervertido
corações e mentes.
No entanto, há um ponto
importante que às vezes passa despercebido: quando se trata da dignidade do trabalhador, no sentido
mais profundo da expressão, as duas formas de terceirizar geram efeitos distintos.
É o que tentaremos mostrar a
seguir.
2. O digno e o indigno nas duas formas de terceirizar
Em si mesma, a primeira espécie
de terceirização – que faz a empresa se
organizar em rede - não é mais aviltante
do que qualquer outra forma de trabalho por conta alheia. Afinal, não faz
diferença trabalhar para quem fabrica parafusos ou para quem se serve deles para
montar geladeiras.
Vista essa mesma questão sob o
ângulo da empresa, não há diferença de fundo entre dois industriais de uma
cidade, cada qual especializado num certo tipo de relógio – de pulso ou de
parede, por exemplo – e entre dois outros, cada qual produzindo uma parte do
mesmo tipo de relógio – seja a pulseira,
o mecanismo ou o vidro. Aliás, nas atividades mais complexas – como na indústria de aviões – chega a
ser quase impensável a produção inteira,
a cargo de um único fabricante.
É verdade que a precariedade tende
a aumentar na medida em que se avança pelas malhas da rede. E isso não só
porque as parceiras costumam ser cada
mais frágeis, como porque são menos visíveis – a tal ponto que as situadas nas últimas malhas
se escondem, às vezes, num fundo de quintal.
Nesse caso, então, o que a grande
empresa não pode fazer, a pequena faz por ela: paga pouco, sonega direitos, usa
máquinas velhas, ignora as normas de
prevenção. E tudo isso, naturalmente, barateia os contratos: a pequena passa a
ter condições de cobrar da grande um preço menor pelas peças que fabrica.
Ora, ao pagar um preço menor, a grande empresa, naturalmente, faz-se cúmplice das práticas salariais aviltantes da pequena. E esse aviltamento, imposto indiretamente pela primeira, pode se tornar verdadeira condição de sobrevivência da segunda, que trava uma luta de morte com outras candidatas a parceiras.
De todo modo, como dizíamos, esse modo de organizar a empresa – considerado em si mesmo - nada tem de particularmente degradante. Por mais que seja recorrente, a precariedade é circunstancial. E a situação pode até se inverter, como acontece ou acontecia (só para citar um exemplo famoso) na chamada “Terceira Itália”[3].
Por isso mesmo – e pelo menos do
ponto de vista do homem trabalhador - seus eventuais efeitos perversos podem ser resolvidos. Basta aplicarmos à hipótese o art.
2º §2º da CLT, que trata do grupo econômico, elastecendo o conceito e
concluindo pela existência do empregador
único.
Já na segunda forma de
terceirizar, como dizíamos, as coisas são bem diferentes. O que se produz,
aqui, não são parafusos ou geladeiras, mas
o próprio trabalhador. Ele se
coisifica da maneira mais completa possível.
Por adquirir uma segunda natureza
– a de coisa – esse homem pouco se identifica com o outro - o empregado da tomadora - mesmo estando ao seu
lado. À maneira dos antigos escravos ou das vacas de uma fazenda, ele tem a sua
marca, o seu estigma.
Assim, pode ser negociado como um cacho de bananas e largado
sem cerimônia num ou noutro galpão. E não apenas é descascado de sua condição humana, como também está sujeito, por
isso mesmo, a ser jogado no lixo com muito mais naturalidade.
Esse homem-coisa se sente
diminuído aos seus próprios olhos, pois
não é – sequer minimamente – dono de seu destino. E se é verdade que num
caso ou noutro pode acabar se acostumando, é difícil saber o que seria mais
trágico.
É verdade que o empregado comum também
tem traços de mercadoria. Mas pelo menos lhe perguntam para quem quer
trabalhar, não costumam despejá-lo em qualquer lugar e exploram a sua energia em razão do que ela
produz. Não o alugam como faz um sitiante, quando o vizinho precisa de seu
trator; não ganham dinheiro negociando o seu corpo, como age
o cafetão com as mulheres da vida. E isso faz toda a diferença.
Embora a empresa que cede o
trabalhador não possa legalmente lhe cobrar qualquer taxa, [4] é
evidente que lhe cobra, ao encurtar seu salário. Aliás, não fosse assim, seria inviável
terceirizar. É exatamente essa diferença que explica o processo, em termos
econômicos.
Mas não é só. Como dizíamos, essa prática opõe trabalhadores a trabalhadores, degradando o próprio grupo, enquanto classe. O terceirizado ambiciona o cargo do efetivo; o efetivo teme se tornar terceirizado. Um despreza ou inveja o outro; ao menos em potência, disputam este bem valioso e escasso que é o emprego mais seguro. Assim - e de um modo mais intenso do que nunca - a empresa consegue externalizar para dentro da classe operária a própria lógica da concorrência.
Pois bem. Vimos que os efeitos
perversos da primeira forma de terceirizar - ou ao menos os que afetam
diretamente o trabalhador – podem ser neutralizados pela lei. No caso,
especialmente o art. 2º § 2º da CLT.
Já os da segunda, não. A menos, é
claro, que decidamos impedi-la – e isso poderia ser feito mesmo sem lei, já que
se trata de um trabalho indigno, e a Constituição assegura exatamente o
contrário disso. Ou lembrar da vedação do princípio do retrocesso, tão bem
exposto por Daniela Muradas.[5]
Não sendo assim, porém, não há
como atacar a raiz do problema. Os efeitos perversos – ou os mais perversos - estão sempre presentes, seja o que for que
façamos. É impossível evitar sua natureza coisificante.
A indignidade compõe a própria essência dessa espécie de
terceirização. Dai por quê (pelo menos
nesse sentido) ela sempre precariza – seja qual for o salário ou a condição de
saúde do trabalhador.
E a mesma conclusão serve para a
fraude. Em geral, usamos essa palavra apenas
quando a empresa burla a norma. Mas a grande
fraude, na verdade, é a própria terceirização. Como já
adiantamos, e veremos melhor adiante, ela degrada não só os terceirizados, e nem mesmo apenas os trabalhadores em geral, mas o Direito do Trabalho como um todo.
Nesse sentido, falar em “terceirização fraudulenta” chega a ser redundante.
Por tudo isso, se não se quer proibir
essa terceirização, o que se pode combater, basicamente, é apenas o salário menor, as condições ambientais piores ou a representação sindical mais frágil.
É isso o que faz – de forma
importante, é claro - a Súmula no. 331
do TST, especialmente ao reduzir as hipóteses de terceirização e (desse modo) o número de suas vítimas. Mas não
é o que faz o PL n. 4330, ou pelo
menos não é o que seus apoiadores pretendem fazer.
Não custa insistir que mesmo com
os atuais critérios persistem a indignidade e a fraude, além de uma
discriminação tão grande, e ao mesmo tempo tão naturalizada, que a respiramos
sem sentir, como fazemos com o ar. Mas sem
aqueles critérios, naturalmente, a situação se agravaria muito mais.
3. Terceirizando o próprio Direito
Ao longo de sucessivas décadas, o
Direito do Trabalho foi se construindo em torno de um projeto. No limite, a idéia era fazer de todo homem um empregado e
de todo empregado um consumidor – redistribuindo rendas e realimentando o ciclo
produtivo.
Hoje, o Direito do Trabalho sofre
fortes pressões contrárias, inclusive
ideológicas; e tende a ser – como acontece com outros ramos jurídicos – muito mais
reativo, pragmático, circunstancial. Em tempos de poucos sonhos e bandeiras, o
seu projeto entra em crise, o que o faz ser questionado por dentro.
Nesse novo contexto, sua (re)construção passa a ser resultado não apenas do jogo de forças entre o capital e o trabalho, mas também de práticas isoladas de atores de ocasião, sem maiores compromissos com o que possa acontecer. Aliás, num tempo como o de hoje, parece que tudo pode acontecer: para o bem e para o mal, as idéias correm livres, leves e soltas.
Nesse sentido, observa com razão Mauricio
Godinho Delgado[6] que o
País vai bem, em ambiente de quase pleno emprego; e não há nada – nem mesmo no
plano econômico – que explique minimamente o PL no. 4330.
Assim, em certo sentido, é a própria produção do Direito que se terceiriza: entram em cena personagens de outras histórias, sem vínculos com a classe trabalhadora e sem responder sequer a necessidades da classe empresarial. E ele se terceiriza também no sentido de que o virus da peste passa a contaminá-lo por inteiro.
Ora, como sabemos, o PL no. 4330 vem
sendo alvo de muitas críticas, que
transitam da questão do trabalho digno[7] às
dificuldades de ordem processual, sobretudo na execução[8]. E
essas críticas partem de várias frentes, reunindo sindicalistas, juízes,
procuradores, auditores fiscais, advogados, professores e outros representantes
da sociedade. [9]
Sem prejuízo dessas críticas e
das que já fizemos, vejamos mais duas últimas
observações.
A primeira é pontual: diz respeito ao critério (atropelado pelo projeto) que limita as terceirizações às atividades-meio (salvo o caso do trabalho temporário).
Como sabemos, sempre houve
críticas a essa distinção. E o projeto parece aproveitá-las, para estender as
terceirizações também às atividades-fim.
O aspecto mais criticado diz respeito às dúvidas que podem surgir, num caso ou noutro, para enquadrar a atividade no “meio” ou no “fim". No entanto, os casos de dúvida não parecem ser tão freqüentes. Afinal, a atividade é fim quando se relaciona em linha reta não só com o objeto da atividade empresarial, mas com a própria causa que deu origem à empresa – seja ela fabricar relógios ou divulgar conhecimento. Pode-se dizer, por exemplo, que o fim principal de uma escola é o ensino; que o ensino depende basicamente dos professores; e que a atividade da secretaria viabiliza a atividade dos professores.
De todo modo, para os casos de fronteira, há uma solução bem simples. Basta aplicar o princípio da interpretação mais favorável ao trabalhador, o que significará concluir - sempre ou quase sempre - que a atividade é fim. Aliás, talvez fosse o caso de se positivar esse princípio, inserindo-o explicitamente na Súmula.
A segunda questão diz respeito às vítimas da terceirização.
À primeira vista, o grande ou
maior problema do projeto seria quantitativo.
Tudo indica que haveria uma transformação massiva de empregados comuns em
terceirizados, como se o mundo do trabalho fosse invadido pelo virus da peste.
Até onde se pode ver, esse cenário, realmente, é quase certo. Só uma espécie de milagre o afastaria. E os efeitos para os terceirizados seriam provavelmente catastróficos.
Mas as vítimas não seriam apenas eles, por mais numerosos que fossem. Seriam também os outros, os remanescentes, pois aumentaria a pressão geral, para baixo, sobre os salários e condições de trabalho – potencializando a competição e o medo.
Mais ainda do que isso, porém, e
como já dizíamos, todo o Direito do
Trabalho sofreria um abalo.
De fato, num contexto assim, de autêntica e generalizada marchandage, qual sentido assumiria, por exemplo, o princípio da proteção? E quais outras criaturas estranhas não entrariam depois por essa grande porta? Como fazer valer a CLT, se até uma pequena lei, saída da cartola de alguns mágicos, for capaz de desafiar e até de ridicularizar a própria essência do Direito do Trabalho? Qual seria a postura dos novos juízes, ao aplicar as antigas normas, se até mesmo o trabalho indigno se naturaliza, a ponto de se tornar uma lei? Como evitar novas investidas aviltantes se o Direito do Trabalho, em última análise, está todo impregnado e deturpado pela idéia da terceirização?
São coisas para se pensar. De todo modo, nem tudo está perdido. Ainda que o projeto venha a ser aprovado, será sempre possível arguir sua inconstitucionalidade, ou no mínimo reinventar um sentido (positivo) para as palavras – não apenas negativas, mas sem nexo – do legislador.
[1] Cf. a propósito BIAVASCHI, Magda. Direito do Trabalho no Brasil: 1930-1942. São Paulo: LTr.
[2] A
propósito dessa função do Direito do Trabalho, cf. DELGADO, Maurício Godinho.
Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012, passim.
[3] A expressão ganhou fama por volta dos anos 90, quando começaram a surgir no norte daquele país empresas pequenas, sofisticadas e altamente especializadas, muitas delas voltadas para a exportação, e que forneciam elementos para as grandes. No início, o fenômeno foi visto por alguns sociólogos como a antecipação de uma realidade que se tornaria globalmente presente.
[4] Essa proibição está explícita na lei do trabalho temporário.
[5] O princípio da vedação do retrocesso no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2010.
[6] Em conferência no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, dia 27 de setembro de 2013, quando foi homenageado.
[7] Nesse sentido, cf. Delgado, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo:LTr.
[8] Nesse sentido, cf. Maior, Jorge Luiz . Entrevista ao site “Ultima Instância”.
[9] Apenas para citar alguns poucos exemplos entre os mais atuantes, registrem-se os nomes dos professores Magda Biavaschi, Daniela Muradas, Dari Alves Krein, Jorge Luiz Souto Maior, Gabriela Neves Delgado, Ricardo Antunes, Graça Druck e Giovanni Alves; do advogado Luiz Salvador; dos Grijalbo Coutiinho e Paulo Schmidt; e de todos os ministros do TST que assinaram a petição ao Parlamento.
(*) Márcio Túlio Viana é graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG e doutor em Direito pela UFMG, com pós-doutorado em Pós-Doutorado, na Pós-Doutorado na Università Degli Studi Di Roma La Sapienza, UDSRLS, Itália.
[3] A expressão ganhou fama por volta dos anos 90, quando começaram a surgir no norte daquele país empresas pequenas, sofisticadas e altamente especializadas, muitas delas voltadas para a exportação, e que forneciam elementos para as grandes. No início, o fenômeno foi visto por alguns sociólogos como a antecipação de uma realidade que se tornaria globalmente presente.
[4] Essa proibição está explícita na lei do trabalho temporário.
[5] O princípio da vedação do retrocesso no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2010.
[6] Em conferência no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, dia 27 de setembro de 2013, quando foi homenageado.
[7] Nesse sentido, cf. Delgado, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo:LTr.
[8] Nesse sentido, cf. Maior, Jorge Luiz . Entrevista ao site “Ultima Instância”.
[9] Apenas para citar alguns poucos exemplos entre os mais atuantes, registrem-se os nomes dos professores Magda Biavaschi, Daniela Muradas, Dari Alves Krein, Jorge Luiz Souto Maior, Gabriela Neves Delgado, Ricardo Antunes, Graça Druck e Giovanni Alves; do advogado Luiz Salvador; dos Grijalbo Coutiinho e Paulo Schmidt; e de todos os ministros do TST que assinaram a petição ao Parlamento.
(*) Márcio Túlio Viana é graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG e doutor em Direito pela UFMG, com pós-doutorado em Pós-Doutorado, na Pós-Doutorado na Università Degli Studi Di Roma La Sapienza, UDSRLS, Itália.
Nenhum comentário:
Postar um comentário