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Mundo do trabalho precisa ser transformado
Congresso Internacional discutiu trabalho, direito e saúde
Por ACS/C.R. em
28/08/2014
Temas como perícia judicial, processos na
área de saúde e trabalho, saúde mental e precarização do trabalho foram
discutidos durante o II Congresso Internacional de Ciências do Trabalho,
Meio-Ambiente, Direito e Saúde. Os debates mostraram que o trabalho precisa ser
transformado, o sujeito coletivo valorizado e o trabalhador reconhecido.
O evento, organizado pela Fundacentro, pela
Associacion Latinoamericana de Abogados Laboralistas - Alal e pelo Ministério
Público do Trabalho – MPT, foi realizado entre os dias 19 e 22 de agosto na
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP.
Na abertura, o vice–presidente da Alal, Luiz
Salvador, denunciou os problemas vivenciados pelos trabalhadores e a necessidade
de busca de um ambiente de trabalho livre de risco e adoecimento ocupacional.
“No Brasil temos uma legislação muito boa. O problema é que não há efetividade.
Está acontecendo um assassínio coletivo doloso, ainda que seja dolo
eventual.”
Já o presidente da Alal, Luis Enrique
Ramirez, classificou as mortes ocorridas no trabalho de “genocídio da classe da
trabalhadora”. Ele criticou ainda a visão de que não existe modelo alternativo
ao capitalismo e que o adoecimento e acidentes são o preço a se pagar pelo
progresso. Os trabalhadores, ao sair para ganhar vida, não podem perdê-la.
“Este encontro ímpar fornecerá a nós todos,
preocupados com o genocídio dos trabalhadores, ótimos resultados”, completou
Célia Regina Camachi Stander, vice-procuradora chefe do MPT – 2ª Região.
Conferências
Na conferência de abertura, o jurista Dalmo
Dallari, professor emérito da USP, falou sobre a democratização do Judiciário.
Para tanto, fez um percurso histórico a partir da criação da constituição
escrita na Filadélfia, nos Estados Unidos, e a Constituição da Revolução
Francesa, no século XVIII.
Após a Primeira Guerra Mundial, há mudanças
na concepção dos direitos e é criada a Organização Internacional do Trabalho –
OIT. Outro marco é a criação da Organização das Nações Unidas – ONU depois da
Segunda Guerra.
Na avaliação de Dallari, o Brasil foi
fortemente influenciado pelo modelo francês, inclusive na organização dos
poderes, e a Constituição de 1988 trouxe inovações significativas.
O encerramento do evento também trouxe outra
importante conferência, proferida pelo ministro do Tribunal Superior do Trabalho
– TST, Cláudio Brandão. Ele buscou falar sobre os problemas, avanços e
progressos na área de saúde e trabalho. “O trabalho não pode ser fator de
sofrimento. De que maneira o elemento trabalho contribui para o adoecimento? Há
uma relação direta entre trabalho e saúde”, defendeu.
O ministro apontou problemas como as metas
abusivas, competitividade e assédio moral organizacional. Também buscou
apresentar os artigos constitucionais e leis que confirmam a saúde como direito
fundamental. A Constituição é base para os fundamentos do direito ao trabalho de
forma inclusiva, reconhecendo que o trabalhador é uma pessoa. Assim há uma
potencialidade transformadora.
Segundo Brandão, não é possível atuar
somente no reparatório. Há o dever de se dar efetividade ao que está na
legislação e fazer com que o “dever ser” da norma se torne o “ser da realidade
social”.
A saúde como direito fundamental é um
avanço, mas a baixa efetividade é um retrocesso. “Temos que entender que a
Constituição não é enfeite, é a nossa vida que ali está”, conclui o ministro
Cláudio Brandão.
Debates
O Congresso contou ainda com outras seis
palestras e seis mesas de debates, cada uma com três expositores. Especialistas
das áreas de saúde, jurídica e da comunicação debateram a perícia na Justiça do
Trabalho, a saúde do trabalhador e controle social, os impactos econômicos e
sociais de grandes projetos na Amazônia, a judicialização das políticas públicas
de Saúde e Previdência, a inversão do ônus da prova e o direito penal
trabalhista.
“Nós acertamos em escolher os temas e os
palestrantes. O debate suscitado pelos participantes foi muito importante. O
evento foi uma prova de que os saberes de todos os lados são fundamentais para
construir uma nova forma de ver o trabalho em todos os seus aspectos”, afirma a
pesquisadora da Fundacentro, Maria Maeno, uma das organizadoras do evento, em
conjunto com as tecnologistas Daniela Sanches e Cristiane Queiroz.
O presidente da Alal, Luis Enrique Ramirez,
também apresentou durante o Congresso a Carta Sociolaboral Latino-americana, que
propõe um novo modelo de relações de trabalho visando à proteção da pessoa que
trabalha. “Queremos colocar a dignidade do trabalhador no centro da cena e
transformar a realidade para construir uma sociedade com justiça social”,
conclui Ramirez.
A Carta defende que os trabalhadores devem
impulsionar o processo de integração regional e que seja estabelecido um patamar
comum de direitos e garantias.
Perícia
A perícia na Justiça do Trabalho, além de
ser tema de uma das mesas, permeou diversas discussões. Para a desembargadora do
TRT da 12ª Região – Santa Catarina, Viviane Colucci, há necessidade de a perícia
ser realizada por vários profissionais da saúde.
A desembargadora apontou os fundamentos que
a perícia deve adotar. Por exemplo, a dimensão metaindividual, a superação do
modelo do ato inseguro, os fatores multicausais, a vistoria no local de
trabalho, a adoção do modelo biopsicossocial para avaliação da incapacidade, a
adoção da metodologia do Nexo Técnico Epidemiológico e a avaliação da existência
da contribuição ocupacional.
Outro ponto importante é que identificados
os riscos pela prova pericial, é possível uma reorganização do ambiente de
trabalho e que o trabalhador não retorne ao local que causou o adoecimento.
“A perícia devia se deter na escuta. O
perito não pode se contentar com a descrição das empresas. Deve perguntar ao
trabalhador, porque o trabalho real é muito diferente de qualquer documento
declaratório da empresa. Mesmo em loco é difícil detectar a forma de gestão, o
controle do trabalho”, avaliou Maeno.
Também se deve sempre perguntar: Como é o
local de trabalho? Como é a organização do trabalho? Para tanto, é preciso
avaliar as formas de avaliação e controle, pressão por produtividade, metas de
produção, ritmo de trabalho, jornada, sempre ouvindo o trabalhador.
“É fundamental termos o espírito de
investigação. Todas essas questões devem ser consideradas pelo perito, mas
raramente vemos nos laudos periciais”, completou a médica da Fundacentro.
Precarização
A precarização do trabalho foi outro tema
que apareceu em diferentes apresentações. A psicóloga e professora da PUC-SP,
Renata Paparelli, relatou o caso dos trabalhadores de telemarketing que não têm
direito de ir ao banheiro quando se deseja, “um atentado à condição de sujeito
das pessoas.” Não se respeita o limite subjetivo dos trabalhadores.
A gestão flexível inspirada no toyotismo
traz formas mais sutis de controle do trabalhador, que trabalha em equipe, em
grupo, por meta. Segundo a psicóloga, parece, de fora, um controle menos
intenso, mas não é. Assim se passa da obediência requerida ao trabalhador pelo
fordismo/taylorismo para a necessidade de adesão, o “saber ser” para dar conta
das metas e todas as exigências.
A questão da precariedade está diretamente
ligada ao cenário de adoecimentos mentais relacionados ao trabalho. A psiquiatra
e professora aposentada da USP, Edith Seligmann-Silva, apontou como fontes
laborais do desgaste mental o ambiente químico, físico e biológico; a
administração e organização do trabalho; as inadequações em relações sociais de
trabalho e formas de gestão dos tempos, atividades e pessoas; atividades de
trabalho físico e mental (cognitivo e afetivo) em desacordo com as
características e necessidades humanas.
Para a psiquiatra, o termo desgaste parece
ser uma opção conceitual integradora. Ela falou sobre alguns problemas como o
estresse crônico, que gera alterações permanentes. Por exemplo, a hipertensão
arterial pode ser causada pelo excesso de controle e repressão vivenciados pelo
trabalhador.
Também há uma dominação pelo medo no mundo
do trabalho e as precarizações das relações de trabalho, da própria cultura e da
política na avaliação da professora da USP.
A precariedade também pode ser expressa por
meio das diferentes estatísticas apresentadas ao longo do Congresso. A
professora universitária de Cuba e secretária geral da Alal, Lídia Guevara,
afirmou que 5 milhões de acidentes de trabalho ocorrem por ano na América
Latina. São 36 acidentes de trabalho por minuto, e 300 trabalhadores mortos por
dia.
Transformação
O juiz do trabalho da 15ª Região, Jorge Luiz
Souto Maior, em sua palestra, levantou algumas questões a serem pensadas nesse
cenário de precariedade, quando falou sobre o desafio do controle social, que
tem dificuldade em existir na prática.
Quando se criou a OIT, estabeleceu-se o
princípio de que trabalho humano não é mercadoria. Assim há necessidade de se
estabelecer limites para a relação capital e trabalho, visando à proteção
humana.
O enfrentamento à precariedade passa pela
coletividade e em acreditar no sujeito histórico construtor de mundo. Mas há
dificuldades para isso. “É perigoso falar em nós. É uma coisa ultrapassada. Nada
como uma selfie, um empowerment, uma autoajuda. No máximo uma
colaboração onde sua singularidade tem que sucumbir”, lista de forma crítica a
pesquisadora e professora do Centro Universitário Estácio da Bahia, Petilda
Vazquez.
Mais a frente defende: “Eu já disse, insisto
e repito. Homens e mulheres não são suportes, são realizadores e construtores.
Paulo Freire nos lembra disso. Meu encantamento é pelos sujeitos instituidores e
não pelas instituições.”
Nesse sentido, o controle social precisa ser
feito a partir da voz do sujeito que demanda, não como dimensão de força
jurídica de uma instituição. Também é preciso que haja solidariedade para a
constituição de um sujeito coletivo no mundo do trabalho.
“Revolução é mudar tudo que tem que ser
mudado. O mais importante é a justiça social – tratar todos como seres humanos”,
considera Lidia Guevara.
Ao que a fala de Edith Seligmann-Silva
complementa ao expor que é preciso “pensarmos saúde no marco da ética, da
dignidade humana, da justiça. Temos que estar todos juntos, os profissionais da
saúde, do direito, da economia.” Mais uma vez emerge a necessidade de uma
solução coletiva.
“São necessárias ações que reestabeleçam a
autonomia. Restaurar a dimensão humana no trabalho com o respeito à natureza.
Desintoxicar as mentes dominadas pelo medo. Combater a injunção vencer para sobreviver”, conclui
Seligmann-Silva.
Amazônia
Em relação às discussões sobre a Amazônia,
ficou claro que há um desconhecimento da sociedade sobre os problemas
vivenciados pela região, conforme apontou o jornalista Lúcio Flávio Pinto, único
brasileiro listado entre os 100 heróis da informação, pela organização
Repórteres Sem Fronteiras – RSF neste ano.
Lúcio Flávio criticou, por exemplo, o
subsídio estatal dado à Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Muitas dessas
histórias são relatadas na publicação alternativa Jornal Pessoal, disponíveis em
bancas de jornal no Pará ou na coleção disponível na Biblioteca da
Universidade Flórida.
Ainda na mesa sobre a Amazônia, a
pesquisadora da Fundacentro/PA, Laura Nogueira, apresentou pesquisa realizada no
Pará sobre os trabalhadores da cadeia do alumínio. “O sofrimento se manifesta em
falas que mostram medo, estresse, sentimento de injustiça, falta de
reconhecimento, desamparo, sentimento de inutilididade”. Já os terceirizados “se
sentem trabalhadores de segunda categoria”.
A gestão, por sua vez, considera que os
trabalhadores não têm cultura de segurança. “A necessidade de seu engajamento é
visto como fundamental para a segurança. Quando o acidente acontece, o
trabalhador é culpado. A maneira como é feita a gestão é punitiva e
controladora, deixa pouco espaço para autonomia e eles percebem isso como não
reconhecimento do Trabalho”, critica Nogueira.
Justiça do Trabalho
A judicialização das políticas públicas de
Saúde e Previdência foi apontada como importante para afirmar direitos àqueles
que não conseguem alcançá-los. No entanto, existe dificuldade de acesso ao
Judiciário. “Quem tem mais recursos, consegue os melhores advogados e mais
acesso aos direitos”, avalia o advogado e professor da Faculdade de Direito da
Universidade Federal do Paraná – UFPR.
Já no debate sobre a inversão do ônus da
prova, o juiz do Trabalho da 15ª Região - Araraquara, José Antonio Ribeiro,
defendeu a responsabilidade objetiva, apesar de muitos juízes aplicarem a
responsabilidade subjetiva.
“A prova em matéria de acidente do trabalho
é complexa. Dependemos dos trabalhos dos peritos, e os trabalhos periciais não
têm sido bons. Não conhecem os princípios da Justiça do Trabalho e os princípios
da inversão do ônus da prova. Muitos têm problemas técnicos”, critica
Ribeiro.
O desembargador do TRT da 9ª Região -
Paraná, Ricardo Tadeu da Fonseca, por sua vez, citou súmula sobre a
responsabilização do poluidor e que deveria ser usada para os causadores de
doenças. Também falou sobre um acórdão que fez dizendo que o item 5.13, do Anexo
II da NR-17, que veda competição
exacerbada, uso de adornos como punição e exposição pública, deve ser aplicado a
todos os trabalhadores.
Na avaliação de Fonseca, os métodos de
gestão têm sido problemáticos assim como jurisprudências que tratam assédio
moral organizacional como se fosse individual.
Já a mesa sobre direito penal trabalhista
apresentou um panorama do sistema penitenciário brasileiro. Também foi apontada
a necessidade de resignificar o direito penal do trabalho e de se superar a
individualização, a verificação simples de uso de EPI e culpabilização das
vítimas na busca das causas do acidente de trabalho.
“Defendo aqui que as consequências civis
trabalhistas e administrativas não têm bastado. Para casos graves, o remédio tem
que ser mais forte. Tratamento tem que ser repressivo do ponto de vista do MPT e
da Justiça do Trabalho”, afirma o procurador do Trabalho da PRT da 20ª Região –
Sergipe, Raymundo Lima Ribeiro Júnior.
Apresentações
É possível conferir todos os palestrantes
que participaram do II Congresso Internacional de Ciências do Trabalho,
Meio-Ambiente, Direito e Saúde: acidentes, adoecimentos e sofrimentos acessando
a página da Fundacentro, em Eventos Realizados. Nesse
mesmo link, serão disponibilizados em breve as apresentações dos palestrantes em
PDF.
Link: http://www.fundacentro.gov.br/noticias/detalhe-da-noticia/2014/8/mundo-do-trabalho-precisa-ser-transformado
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