STF
Gilmar Mendes trava decisão sobre doações privadas,
que fica para o pós-eleições
Ministro do Supremo pediu vista
em abril de ação da OAB que tenta barrar financiamento de campanha por
empresas. Organizações avaliam se tratar de protelação para que Congresso
garanta manutenção do jogo
por
Hylda Cavalcanti, da RBA
Ministro do Supremo pediu vista em abril de ação da
OAB que tenta barrar financiamento de campanha por empresas. Organizações
avaliam se tratar de protelação para que Congresso garanta manutenção do jogo
Nelson Jr./STF

Em público, Mendes reclamou de
associação entre eleição e morosidade. Em privado, teve reuniões com deputados
Brasília – É improvável a apreciação
breve da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.650, que avalia se é
legal ou não o financiamento privado de campanhas pelo Supremo Tribunal Federal
(STF). A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) chegou a solicitar formalmente
pressa em relação ao tema e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF),
Gilmar Mendes, que pediu vista da matéria em abril, afirmou por duas vezes que
levaria o voto ao plenário neste segundo semestre. No entanto, conforme
informações de ministros de tribunais superiores e magistrados ligados a
Mendes, as chances de a discussão ser retomada são previstas, no mínimo, para o
início de novembro, depois das eleições.
Mesmo com o assunto constantemente
abordado pela mídia e por entidades da sociedade civil, o que continua em jogo
é o intrincado relacionamento entre empresariado e políticos. A ADI
proposta pelo Conselho Federal da OAB tem, na prática, o intuito de moralizar
essas relações.
A entidade pediu ao STF que avalie a
Lei 9.504/1997 (legislação eleitoral brasileira) no item que permite às
empresas privadas fazer doações para campanhas, a partidos políticos e ao fundo
partidário. A visão da Ordem é de que o sistema atual cria uma situação
desigual ao permitir que pessoas jurídicas, que não são agentes diretos das
eleições, tenham um peso muito grande no processo, em detrimento das pessoas
físicas, que são agentes diretos da política. A OAB solicitou, ainda, que o
tribunal casse os dispositivos do texto que estabelecem um limite para as
doações feitas por pessoas físicas e que o Congresso Nacional seja instado a
editar legislação sobre o tema.
Manobras e protelação
A matéria já teve relatório favorável
do ministro relator da ADI, Luiz Fux, votos favoráveis de seis ministros e um
voto de divergência, aberto pelo ministro Teori Zavascki. Quando faltava a
posição de Gilmar Mendes, em abril, o ministro pediu vista, interrompendo o
julgamento. Embora não tenha dado entrevista à RBA, Mendes disse,
durante participação num evento do Judiciário, que não "é justo ser
acusado de fazer manobras para tentar adiar a decisão com o gesto", para
favorecer a tese das doações, sobretudo porque a campanha está em plena
realização. "É uma irresponsabilidade ficarem fazendo esse tipo de
piada", observou.
As críticas ao fato de o ministro
Gilmar Mendes ter segurado a matéria partiram, principalmente, das entidades
que têm realizado manifestações pela realização de uma reforma política no país
o quanto antes. Dão conta de que o magistrado tenta, com a iniciativa de
protelar a questão, aguardar alguma posição relacionada a matéria legislativa
pelo Congresso Nacional, em atendimento a pedido feito a ele por alguns
deputados e senadores, dentre os quais o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha
(RJ) – neste caso, a proposta seria de favorecer a manutenção do sistema atual,
com forte peso das doações feitas por pessoas jurídicas.
Em maio passado, voltou a ser formado
um movimento entre parlamentares para idas ao STF em busca de conversas com
Gilmar Mendes. O que se comenta em alguns gabinetes de lideranças na Câmara é
que a preocupação se deu diante da possibilidade de que, a poucos meses do
início das eleições, alguma decisão dos ministros despertasse um clima
acalorado que pudesse levar a questionamentos ou mesmo interrompesse previsões
de financiamento nas eleições.
Eduardo Cunha, que além de líder é um
dos políticos que tem a missão dentro do PMDB de receber doações que são
rateadas entre os demais candidatos, não foi pessoalmente a nenhum desses
encontros. Contudo, teria enviado intermediários, de acordo com um deputado da
mesma legenda, segundo o qual “houve preocupação latente em relação a isso,
sobretudo por parte do PMDB, PP e DEM”. Procurado, Cunha não retornou aos
contatos da RBA.
“O principal problema em relação a isso
é o sistema político. Nosso sistema eleitoral é insustentável, baseado no abuso
do poder econômico. Não podemos falar de impunidade, porque muitas coisas estão
feitas de acordo com a lei. Há coisas que são toleradas e até estimuladas pela
legislação eleitoral. Daí a necessidade de mudança”, diz o juiz Marlon Reis,
autor do projeto que resultou na Lei da Ficha Limpa e que lançou recentemente
livro sobre as complexas relações entre políticos e financiadores.
Os pedidos para que o ministro
apresente logo o voto foram reforçados por meio de uma petição apresentada pelo
presidente da OAB, Vinícius Furtado, no final de junho, ao relator da ADI no
Supremo, ministro Luiz Fux. No documento, Furtado Coelho, em nome da entidade,
pede para que Fux use a função de relator para pressionar por celeridade no
julgamento.
Marcus Vinícius Furtado Coelho destacou
que o sistema de financiamento privado cria desigualdades no processo eleitoral
e afasta os que não têm como buscar recursos para campanhas. Isso transforma as
desigualdades econômicas em desigualdades políticas, atrapalhando a democracia.
“Pessoas jurídicas são entidades artificiais criadas pelo Direito para
facilitar o tráfego social e não cidadãos com a legítima pretensão de
participarem do processo político-eleitoral”, destaca trecho do texto
encaminhado por ele a Fux.
Preocupação parlamentar
A sugestão da OAB é que passe a ser
permitida apenas a doação por pessoas físicas, mediante limites a serem
apresentados por meio de proposta legislativa a ser apreciada e aprovada pelo
Congresso. “Para uma pessoa de rendimentos modestos, não há anormalidade na
doação de até 10% dos rendimento, mas, quando esse limite é transferido para um
bilionário, o sistema se afigura excessivamente permissivo”, acentuou Furtado
Coelho.
Em voto, o relator Luiz Fux não apenas
enfatizou que a permissão de doações de campanha propicia a interferência do
poder econômico sobre o poder político, processo que tem se aprofundado nos
últimos anos, como também apresentou dados consistentes que comprovam isso. O
ministro mostrou, no relatório, planilhas de valores gastos em campanhas no
Brasil, segundo os quais, em 2002, foram gastos R$ 798 milhões.
Já em 2012, o valor saltou a R$ 4,5
bilhões – um crescimento de 471%. Os dados apresentados pelo ministro,
resultado de pesquisa em vários órgãos oficiais, principalmente o TSE, apontam
que, na comparação com outros países, o gasto per capta do Brasil nas campanhas
supera os da França, Alemanha e Reino Unido. E, se considerada a proporção com
o Produto Interno Bruto do Brasil, o gasto com doações é maior do que o
observado nos Estados Unidos.
Luiz Fux salientou, ainda, que o valor
médio gasto por um deputado federal eleito no Brasil em 2010 chegou a R$ 1,1
milhão. De um senador, R$ 4,5 milhões. E que o financiamento das campanhas é
feito por um universo pequeno de empresas, sendo que os dez maiores doadores
correspondem a 22% do total arrecadado. “O exercício de direitos políticos é
incompatível com as contribuições políticas de pessoas jurídicas. Uma empresa
pode até defender causas políticas, como direitos humanos, mas há uma grande
distância para isso justificar sua participação no processo político,
investindo valores vultosos em campanhas”, argumentou.
Com visão mais polida em relação ao
tema, o ministro Marco Aurélio de Mello, que foi por duas vezes presidente do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), votou favorável ao pedido da ação da OAB,
mas entendeu que o financiamento de pessoas físicas pode ser feito também,
embora com restrições e critérios, uma vez que se configura “um dos meios de
cada cidadão participar da vida política”. Para Mello, ao contrário das pessoas
físicas, "não se pode acreditar no patrocínio desinteressado das pessoas
jurídicas. Deve-se evitar que a riqueza tenha o controle do processo eleitoral
em detrimento dos valores constitucionais compartilhados pela sociedade".
O ministro Ricardo Lewandowski, atual
presidente do STF (prestes a ser empossado no cargo), por sua vez, declarou que
o financiamento de partidos e campanhas por empresas privadas, do modo como é
autorizado hoje pela legislação eleitoral, fere o equilíbrio dos pleitos e
deveriam ser regido "pelo princípio de que a cada cidadão deve
corresponder a um voto, com igual peso e valor."
Aplicação da norma
O que ficou em dúvida para a conclusão
da votação, após a entrega do voto de Gilmar Mendes, é quanto ao caráter da
aplicação da norma após ser declarada a ilegalidade do financiamento privado de
campanhas.
Muitos dos ministros acreditam que a
questão deverá ficar com o Congresso Nacional, como inclusive pediu a OAB, mas
o relator da ADI, Luiz Fux, que tem o aval de outros ministros com o mesmo
pensamento, é da opinião de que o tribunal pode determinar algumas regras
temporárias até o Legislativo se manifestar sobre o caso, o que seria visto
como forma de pressionar deputados e senadores a acelerarem a tramitação e
votação da matéria legislativa.
Oficialmente, o presidente do
Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), já informou, por meio de
assessoria, que até o julgamento do STF chegar ao final não vai se manifestar a
respeito. E enquanto a discussão mostra como será quente essa briga após o
período da eleição, o financiamento privado de campanhas continua ditando as
regras dos principais candidatos nestas eleições.
“Não dá mais para falar em aguardar
para ver. Agora, é escolher bem nossos candidatos e ir à luta para fazer com
que essa prática perversa acabe de fato”, frisa o estudante de Direito da UnB e
militante do Movimento pelas Eleições Livres, Rodrigo Amaral, que já programa a
organização de uma manifestação até a sede do STF em outubro, para pedir a
continuidade do julgamento.
Os números registrados até agora pelo
TSE deixam claro que as doações estão a todo vapor, independentemente de
partidos. Este ano, as empresas que mais financiaram candidatos, não apenas à
presidência, como a governos estaduais e a vagas na Câmara e Senado, foram a
JBS Friboi, AmBev e a construtora OAS. Dentre os 11 candidatos à presidência, o
montante de financiamento privado recebido já ultrapassou R$ 30 milhões. E os
dados são referentes apenas à primeira rodada de prestação de contas
eleitorais.
“O sistema político terminou se
transformando, com o passar dos anos, na expressão das vontades e anseios do
grande empresariado, para que seus interesses sejam preservados. Desse modo,
fica difícil assegurar a democracia e manter projetos desenvolvimentistas para
o país. Está na hora dos brasileiros trabalharem para colocar um fim nessa
prática tão desproporcional”, avalia o cientista político Antonio Camaro, da
Universidade de Brasília (UnB).
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