Tentativa de burlar direitos trabalhistas se manteve no decurso da
história. Entrevista especial com Graça Druck
“O que os deputados defensores do
PL 4330 não dizem é que liberar a terceirização vai inverter completamente a
relação, pois poderá atingir não os atuais estimados 17%, mas 80 ou 90% dos
trabalhadores brasileiros”, adverte a socióloga.
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fmauriciograbois.org.br
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Depois da aprovação do PL 4330
na Câmara dos Deputados, no início do mês, no dia 16-04-2015, o Supremo Tribunal
Federal – STF decidiu o futuro do Direito Administrativo e da Administração
Pública Brasileira, autorizando que a gestão de serviços
públicos, a exemplo da administração de escolas públicas, universidades
estatais, hospitais, museus, poderá ser administrada por associações e
fundações privadas qualificadas como “organizações sociais”. A decisão está
sendo criticada, inclusive no âmbito acadêmico, já que a partir da normativa do
STF, as universidades federais
não precisam mais realizar concurso público para contratar novos professores.
Entre os pesquisadores contrários à medida, Graça
Druck explica que, nas áreas em que a gestão dos serviços
públicos já vem sendo feita pelas Organizações Sociais,
como na área da saúde, as pesquisas “têm mostrado o quanto esse tipo de
contrato precariza o trabalho e leva à perda de qualidade nos serviços
prestados à sociedade”. Conforme a medida for estendida às universidades,
pontua, “isto vai levar ao fim dos concursos públicos
para professores e funcionários técnico-administrativos. Os resultados serão
catastróficos para o ensino, a pesquisa e a extensão produzidos nas
universidades. Atualmente, só é possível produzir conhecimento na universidade
quando há dedicação exclusiva dos professores da carreira, que têm estabilidade
para desenvolver as pesquisas. Com o fim dos concursos e da carreira, ficarão
professores das organizações sociais, com contratos por tempo determinado, sem
qualquer vínculo com o funcionalismo público. Será uma forma de intermediação
de mão de obra precarizada”. E enfatiza: “Isto representa um golpe
na educação pública do país, num contexto em que a ‘palavra de
ordem’ do atual governo é ‘Pátria Educadora’”.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU
On-Line por e-mail, Graça Druck faz uma
análise histórica do surgimento da CLT e explica que,
embora ela tenha representado, à época de seu surgimento, uma “estratégia
política e ideológica de Getúlio Vargas”, ela
“incorporou um conjunto de direitos sociais e trabalhistas reivindicados pela
classe trabalhadora”. Contudo, pontua, “estudos mostram, desde aquele momento,
que a reação do empresariado brasileiro foi a de não aceitar, não aplicar, de
burlar e condenar o enrijecimento dessa legislação”. Esse comportamento,
esclarece, “que se manteve no decurso da história” não é diferente do que
“estamos presenciando no Congresso Nacional, com a votação do PL
4330, no STF com a liberação da terceirização no serviço
público, nas ‘101 propostas de modernização trabalhista’ da CNI,
cuja principal ‘proposta’ é estabelecer o ‘negociado sobre o legislado’, ou
seja, o fim da CLT”.
Graça Druck
é doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Campinas – Unicamp,
com pós-doutorado na Universidade de Paris XIII,
França. Leciona Sociologia na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Federal da Bahia.
Confira a entrevista.
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boitempoeditorial.com.br
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IHU On-Line - Depois de 10
anos de tramitação do PL 4330 na Câmara, em que contexto histórico, político e
social se dá aprovação do PL na Câmara dos Deputados? Quais são, na sua
avaliação, as motivações que levaram a essa aprovação?
Graça Druck -
Estamos vivendo um contexto político muito difícil e, depois do golpe
de 64 e do período da ditadura militar, penso que o atual
momento é um dos mais perigosos para a democracia brasileira e para o conjunto
dos trabalhadores, pois estamos diante de um movimento ou de uma “onda”
extremamente conservadora, que ameaça direitos, conquistas e avanços sociais,
procurando golpear instituições típicas da democracia, desmoralizando-as e
desrespeitando-as. Exemplo disso é o próprio Congresso Nacional, onde foi
votado o PL 4330. Um Congresso de maioria conservadora, cujos deputados votam
sem conhecer e outros defendem, de forma cínica, a mando dos empresários que
financiaram sua eleição, que o PL 4330 vai
“legalizar” ou “garantir” direitos para 12 milhões de trabalhadores
terceirizados hoje no país.
Ora, esse número foi estimado por alguns estudos
(do Dieese e CUT), nos segmentos
formais da economia. Não estão incluídos aí os que estão sem contrato e sem
carteira, ou seja, sem qualquer proteção trabalhista. O que os deputados
defensores do PL 4330 não
dizem é que a liberação da terceirização vai inverter completamente a relação,
pois poderá atingir não os atuais estimados 17%, mas 80 ou 90% dos
trabalhadores brasileiros. O que explica a aprovação agora, depois de várias
tentativas sem sucesso, especialmente nos últimos dois anos, por conta das
lutas e campanhas levadas por um conjunto de instituições da sociedade
(sindicatos, centrais, direito do trabalho, juristas, advogados, pesquisadores,
etc.), é essa conjuntura desfavorável e a nova composição do Congresso
Nacional, que reflete a onda conservadora.
IHU On-Line - Como chegamos a esse
momento? O que está acontecendo no Brasil, que viabilizou a aprovação do PL num
governo que tem, teoricamente, como pano de fundo, pautas dos trabalhadores,
como o nome do partido sugere?
Graça Druck - O
governo atual de Dilma Rousseff, que venceu
as eleições, contou com o apoio de amplos segmentos dos trabalhadores
brasileiros e de suas principais organizações políticas. Mas também foi fruto
de alianças partidárias, a chamada base aliada, cujos acordos refletem uma
postura conservadora, expressa na formação do novo ministério. Considero que a
composição do governo já anunciava o que hoje está se presenciando: a defesa de
um ajuste fiscal
pela presidente e seus apoiadores como única alternativa para fazer frente a um
novo quadro da economia internacional, que tem freado o crescimento econômico.
Neste plano, penso que os governos do PT fizeram uma
opção e se tornaram reféns de uma inexorabilidade da globalização e da
financeirização econômica, sem buscar romper com a inserção subordinada do país
nesse processo.
Ao mesmo tempo, o PT perdeu base
social, se distanciou dos trabalhadores, foi envolvido em processos
desgastantes, como o chamado “mensalão” e, mais recentemente, o caso
da Petrobras. Isto se refletiu sobre o tamanho das bancadas no
Congresso. Vivemos uma situação de grande fragilidade do governo e do partido
da presidente, onde se evidenciam conflitos internos e com a sociedade
organizada, a exemplo da Central Única dos Trabalhadores,
que não pode mais manter uma defesa cega do governo Dilma,
sem criticar o ajuste fiscal e as medidas que implicam perda de direitos — como
as medidas provisórias 664 e 665,
que alteram as regras da concessão de benefícios previdenciários e trabalhistas,
entre eles a concessão do seguro-desemprego. É um quadro difícil e com muitas
contradições, idas e vindas, avanços e retrocessos num curto espaço de tempo,
vide o que ainda está ocorrendo na votação das emendas do PL
4330.
"Os
governos do PT fizeram uma opção e se tornaram reféns de uma inexorabilidade
da globalização e da financeirização econômica, sem buscar romper com a
inserção subordinada do país nesse processo"
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IHU On-Line - O que a aprovação do
PL 4330 na Câmara dos Deputados indica sobre quais serão os rumos do trabalho
no Brasil?
Graça Druck - Veja,
a aprovação do PL 4330 gerou uma repercussão que não era
esperada. Canalizou as atenções dos mais diferentes segmentos da sociedade.
Virou pauta central de toda a imprensa. E o mais importante, gerou muita
resistência, crítica e mobilização. As manifestações,
inclusive com paralisações, do dia 15 de abril em todo o país conseguiram
impactar o Congresso, que não conseguiu dar continuidade à votação das emendas.
Há deputados que mudaram sua votação. Há partidos que recuaram de suas
posições.
Está ocorrendo uma certa disputa entre a Câmara e
o Senado, entre o próprio PMDB. Há ainda um processo
de negociação com o governo que, diga-se de passagem, desnudou — através da
proposta do Ministro da Fazenda para que as empresas contratantes pagassem
diretamente os encargos trabalhistas ao governo, para que não perdesse
arrecadação — o quanto a terceirização é sonegadora dos direitos dos trabalhadores. Pois bem, considerando que
após a votação na Câmara ainda vai ao Senado, cujo presidente afirmou que a
terceirização que retira direitos não passa naquela casa, e vai para a presidente
da República, que pode vetar o projeto, ainda não está definido o quadro. Se as
mobilizações continuarem podem ainda impedir que o centro do PL
4330 seja aprovado.
IHU On-Line - A terceirização é um
fenômeno mundial?
Graça Druck - Sim.
Na forma como vem se desenvolvendo é parte da reestruturação produtiva e da
toyotização como forma de gestão do trabalho, onde as redes de
subcontratação/terceirização são elemento central, embora existam
especificidades em cada país, por conta da força do movimento sindical e das
formas de regulação do Estado. Num quadro em que a economia está comandada pela
lógica financeira sustentada no curtíssimo prazo, as empresas buscam garantir
seus altos lucros, exigindo e transferindo aos
trabalhadores a pressão pela maximização do tempo, pelas altas taxas de
produtividade, pela redução dos custos com o trabalho e pela “volatilidade” nas
formas de inserção e de contratos. É o que sintetiza a terceirização, que como nenhuma outra
modalidade de gestão, garante e efetiva esta “urgência produtiva” determinada
pelo processo de financeirização ao qual estão
subordinados todos os setores de atividade, já que são também agentes e sócios
acionistas do capital financeiro.
IHU On-Line - A sua tese de
doutorado, defendida em 1995 e publicada em livro em 1999, já chamava atenção
para o processo de terceirização no mercado de trabalho e teve como título
“Terceirização: (Des)Fordizando a Fábrica”. Que análise faz do processo de
terceirização no Brasil nesses últimos 20 anos? O que mudou no mercado de
trabalho ao longo desse tempo, considerando a ampliação da terceirização?
Graça Druck - Este
livro analisou resultados de uma pesquisa realizada no Polo
Petroquímico de Camaçari, que cobriu o universo das fábricas no
início dos anos 1990, onde a terceirização já era uma realidade. Dez anos
depois (2005), realizamos outra pesquisa no Polo, cujos
resultados foram publicados no livro A Perda da Razão Social do
Trabalho: terceirização e precarização, pela Boitempo, organizado por
mim e por Tânia Franco. Nesse período já se constatava um crescimento
vertiginoso da terceirização na indústria petroquímica,
atingindo setores nucleares das fábricas, a exemplo da manutenção e mesmo
operação, o que mudava eram as novas formas utilizadas: cooperativas,
pejotização, ONGs, “empresa filhote”.
Os diversos setores pesquisados nos anos 2000 —
bancários, call centers, petroquímico, petroleiro, construção civil, além das
empresas estatais ou privatizadas de energia elétrica, comunicações e dos
serviços públicos de saúde e educação — revelam, além das estatísticas que
indicam o crescimento da terceirização, as múltiplas formas de precarização dos
trabalhadores terceirizados em todas estas atividades: nos tipos de contrato,
na remuneração, nas condições de trabalho e de saúde e na representação
sindical. Retratam uma evolução que eu caracterizo como uma epidemia
da terceirização, no quadro de uma precarização social do trabalho que atinge todas as
atividades e todos os segmentos de trabalhadores, mesmo que de forma
hierarquizada.
Todas as pesquisas mostram o binômio
indissociável entre terceirização e precarização, pois ela — a terceirização —
é a principal forma de flexibilizar e precarizar o trabalho hoje. E observe que
este crescimento ocorre num quadro de regulamentação através do Enunciado 331
que proíbe a terceirização na atividade-fim, um limite que não impediu a
epidemia. Imagine agora se aprovado na íntegra a essência do PL
4330, que libera totalmente a terceirização.
IHU On-Line - Já é possível
vislumbrar se com a aprovação da lei da terceirização haverá impactos para a
CLT? Que impactos seriam esses?
Graça Druck -
Considero que o principal impacto é político. Isto significa que a vitória do
empresariado neste Projeto de Lei é a
liberdade conquistada pelo capital para precarizar legalmente o trabalho, pois
o Estado passa a permitir essa situação. Ora, todas as manifestações de
empresários e de suas instituições (a CNI, as
federações estaduais, os seus representantes no Congresso Nacional, etc.)
defendem o fim da CLT, criticando-a como antiga, atrasada,
rígida e que impede a modernidade das relações trabalhistas. Leia-se: impede a
flexibilidade para o capital ou a liberdade de fazer o que quiser com os
trabalhadores, sem o limite de regulação pelo Estado, onde a “livre” negociação
entre patrões e empregados seria a solução.
Num quadro de fragilização e fragmentação dos
trabalhadores, com sindicatos fracos, sem organização ou até mesmo de fachada,
dá para entender a desfavorável relação de forças que se estabeleceria. Em
síntese, o avanço dessa ofensiva patronal pela liberação da terceirização e
contra os direitos estabelecidos pela CLT está
questionando na essência a existência do Direito do Trabalho e pode, se
vitoriosa, impor o seu fim enquanto um direito fundamental que nasceu através
do reconhecimento da assimetria e desigualdade entre capital e trabalho na
sociedade capitalista.
"Vargas conseguiu destruir os sindicatos
livres, quando impôs que os direitos definidos pela CLT só seriam válidos
para os trabalhadores cujos sindicatos fossem os oficiais, ou seja, criados
pelo governo"
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IHU On-Line - Quando surgiu a CLT,
teóricos que estudavam o mundo do trabalho a criticavam na tentativa de ampliar
direitos e reduzir a jornada. Como entender essa total reversão nos dias de
hoje, em que a defesa da CLT parece ser a única alternativa para os
trabalhadores? Nesse sentido, como vê as críticas que foram feitas à CLT à
época? Essas críticas ainda são válidas ou a CLT se transformou, de fato, no
instrumento de garantia de direitos dos trabalhadores?
Graça Druck - A
discussão e as análises sobre a CLT na sua origem
não a condenam, mas explicam que ela representou a estratégia política e
ideológica de Getúlio Vargas à época. Por um lado, ela
incorporou um conjunto de direitos sociais e trabalhistas
reivindicados pela classe trabalhadora, a exemplo do descanso semanal
remunerado, férias, 13º, estabilidade, proibição do trabalho do menor, que
foram apresentados como uma “doação” de Vargas aos trabalhadores, no contexto
de uma ideologia trabalhista ou trabalhismo construída por ele e seus
ministros.
No centro dessa ideologia, estava o não
reconhecimento de que esses direitos eram aqueles pelos quais os trabalhadores
lutavam desde o pré-1930. Daí a ideia do “mito da doação” ou o “roubo da fala”,
de que falam Angela
de Castro Gomes e Adalberto Paranhos,
estudiosos desse momento histórico, dentre outros. Por outro lado, a CLT
impôs a regulamentação dos sindicatos pelo Estado, condenando o sindicalismo
livre construído até então, e criando uma estrutura sindical incorporada ao
Estado, que os definia como “órgãos de conciliação de classe” e que passam a
funcionar como parte do aparelho estatal sob total controle do governo.
Apesar das resistências do movimento operário a
essa regulação, Vargas conseguiu destruir
os sindicatos livres, quando impôs que os direitos definidos pela CLT só seriam
válidos para os trabalhadores cujos sindicatos fossem os oficiais, ou seja,
criados pelo governo. É sobre essa questão central da CLT que a crítica dos
estudiosos e de segmentos do movimento sindical se voltou.
No que se refere ainda aos direitos
estabelecidos pela CLT, estudos mostram, desde aquele momento,
que a reação do empresariado brasileiro foi a de não aceitar, não aplicar, de
burlar e condenar o enrijecimento dessa legislação. Luiz Werneck Vianna,
outro estudioso desse processo, mostra, através de documentos das instituições
empresariais ou de declarações de empresários, que mesmo antes da CLT,
no período anterior a 1930, no debate sobre a implantação de leis trabalhistas
específicas (a exemplo do direito a férias e da proibição do trabalho do
menor), estas foram condenadas e criticadas pelo empresariado, que por muitos
anos resistiram à sua aplicação. Esse foi um comportamento que se manteve no
decurso da história no Brasil e que não difere do que hoje estamos presenciando
no Congresso Nacional, com a votação do PL 4330, no STF,
com a liberação da terceirização no serviço público, nas “101 propostas de
modernização trabalhista” da CNI, cuja principal
“proposta” é estabelecer o “negociado sobre o legislado”, ou seja, o
fim da CLT.
IHU On-Line - Que categorias ou que
perfil de trabalhadores devem ser prejudicados por conta da terceirização?
Graça Druck - Todos os trabalhadores serão prejudicados, sem exceção.
Mesmo que de forma diferenciada, como já se constata hoje. Associar os
trabalhadores terceirizados apenas aos que têm menor qualificação não
corresponde à realidade. Isso vale tanto para a indústria como para os
serviços. Isto é, há atividades complexas de manutenção, na área de tecnologia
da informação, logística, etc. que empregam trabalhadores com alta
qualificação, através de contratos de prestação de serviços, cooperativas,
consultorias. Todos sem vínculo e sem direitos. Um caso exemplar é na área de
saúde, com os médicos, enfermeiros; ou na área jurídica, no caso dos advogados.
Todos profissionais que vivem em condições extremamente precárias porque são
terceirizados, sem emprego e com jornadas de trabalho sem limites.
IHU On-Line - Alguns sociólogos
apontam para precarização da terceirização em relação às mulheres, considerando
que elas têm salários inferiores aos dos homens. Que impactos prevê em relação
ao trabalho feminino?
Graça Druck -
Considero que a terceirização precariza o trabalho dos homens e das mulheres. O
que existe é uma desigualdade estrutural entre o trabalho feminino e masculino imposto pela divisão sexual
do trabalho. Assim, as mulheres continuarão em condições mais precárias dos que
os homens, aprofundando essa situação com a liberação da terceirização.
"Todos os
trabalhadores serão prejudicados, sem exceção"
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IHU On-Line - Um dos pontos
polêmicos do PL 4330 é a permissão da terceirização na atividade-fim. A partir
disso, se aponta para a ampliação do número de trabalhadores como pessoas
jurídicas.
Graça Druck - O PL
4330 libera a terceirização para qualquer tipo de atividade, ou
seja, nenhuma diferenciação entre atividade-meio e atividade-fim, como é hoje
estabelecido pelo Enunciado 331;
isto é, qualquer atividade, inclusive aquela que é própria ou especialidade da
contratante, caindo por terra o (falso) argumento do patronato de que uma das
principais justificativas para a terceirização é a especialização ou
focalização.
Mas também libera e legaliza a cascata de
subcontratação, o que tem sido objeto de denúncia e de fiscalização do Grupo
Móvel de Erradicação do Trabalho Escravo, criado pelo
Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, formado por
auditores fiscais, procuradores do Ministério Público do Trabalho - MPT
e da Polícia Federal - PF. Pois é exatamente
através da ilimitada cadeia de subcontratação que se encontra o uso do trabalho
análogo ao escravo, conforme divulgado na imprensa e pelo MTE, para o setor
têxtil, construção civil, agronegócios, dentre outros.
Uma das principais propostas para pôr algum limite à
terceirização, defendida pela maioria dos sindicatos e agentes do direito do
trabalho — a responsabilidade solidária —, é negada pelo PL,
para as empresas contratantes, mas defende para o caso das terceiras que
subcontratarem outras empresas. Ou seja, é válida para as empresas menores e
subordinadas às contratantes que, teoricamente, estabelecem uma relação
contratual entre empresas, mas não aceita que a mesma relação contratual
realizada entre a contratante e a contratada, isto é, também entre empresas,
estabeleça a responsabilidade solidária.
Em síntese, não é só a questão da atividade-fim,
embora esta seja fundamental.
IHU On-Line - Outro ponto polêmico
acerca dos riscos da terceirização é o fim das convenções coletivas. Contudo,
no ano passado, os garis do Rio de Janeiro conseguiram um aumento salarial
histórico às margens do sindicato. Por outro lado, com a terceirização, já se
sabe que a categoria dos bancários, por exemplo, foi em certa medida
desmantelada. Que cenários vislumbra em relação às convenções coletivas?
Graça Druck - Um
dos efeitos políticos mais importantes da
terceirização é a fragmentação dos coletivos de trabalho e a pulverização dos
sindicatos. Fraciona e discrimina, cria trabalhadores de primeira e de segunda
categoria, incentiva a concorrência entre eles e seus sindicatos. Ou seja, essa
fragilização repercutirá fortemente nas convenções coletivas, pois a força dos
trabalhadores será menor. Isto, sem dúvida, exigirá outras estratégias de
organização dos trabalhadores para além do modelo sindical existente. As
direções sindicais têm que se repensar, redefinir suas ações. Especialmente o
lugar que ocupa a negociação com os patrões. Penso que as formas mais
hegemônicas de atuação sindical, hoje, precisam ser reinventadas.
"Se as mobilizações continuarem, podem ainda
impedir que o centro do PL 4330 seja aprovado"
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IHU On-Line - Com a aprovação do PL
4330, como ficam as demais pautas acerca da redução da jornada de trabalho,
licença-maternidade de seis meses, licença-maternidade para os pais, ampliação
de direitos?
Graça Druck - Até a
aprovação final do PL 4330, ainda temos um
caminho a ser percorrido. E acho que a atuação dos sindicatos e demais
segmentos contrários precisa continuar na linha do que foi feito nas mobilizações nacionais do dia 15 de abril. Ir às ruas,
denunciar os parlamentares, paralisar as atividades, amplificar a resistência.
Isso é possível, se acreditarmos na força do movimento social e não limitarmos
a atuação através da negociação. Pois apenas negociar numa conjuntura de
ofensiva do capital e de forças de direita no país é, para dizer o mínimo,
perigoso. Por isso a mobilização é fundamental. Isso vale para a defesa de
todos os demais direitos dos trabalhadores.
IHU On-Line – Depois da aprovação
do PL 4330, como avalia a decisão do STF de liberar a terceirização nas áreas
sociais do Estado, sinalizando o fim do concurso público?
Graça Druck - Por
fim, mas não menos importante, quando ainda estava respondendo as questões
dessa entrevista, fui (fomos todos) surpreendida com a decisão do STF
que decidiu liberar a terceirização nas áreas sociais do Estado, ou seja,
permite o fim dos concursos públicos para contratação de
pessoal. Esta é uma decisão após 17 anos, quando foi movida uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade - Adin contra as Organizações
Sociais - OS no serviço público. Esta
possibilidade foi proposta quando da reforma do Estado, implementada no governo
Fernando Henrique Cardoso pelo então Ministro da
Reforma do Estado, Bresser Pereira. O uso de
OS vem ocorrendo principalmente na área de saúde, no SUS,
através de contratos de gestão em administração de hospitais, laboratórios,
cooperativas, onde o critério de avaliação é quantitativo, para medir índices
de produtividade.
Os profissionais e estudiosos da área têm
mostrado o quanto esse tipo de contrato precariza o trabalho e leva à perda de
qualidade nos serviços prestados à sociedade. No caso da educação, setor no
qual me insiro, isto vai levar ao fim dos concursos públicos para professores e funcionários
técnico-administrativos. Os resultados serão catastróficos para o ensino, a
pesquisa e a extensão produzidos nas universidades.
Atualmente, só é possível produzir conhecimento
na universidade quando há dedicação exclusiva dos professores da carreira, que
têm estabilidade para desenvolver as pesquisas. Com o fim dos concursos e da
carreira, ficarão professores das organizações sociais, com contratos por tempo
determinado, sem qualquer vínculo com o funcionalismo público. Será uma forma
de intermediação de mão de obra precarizada.
Isto representa um golpe na educação pública do
país, num contexto em que a “palavra de ordem” do atual governo é “Pátria Educadora”.
A sintonia da extrema corte (o atual STF) com o empresariado brasileiro é muito
grande e não é por acaso que a ofensiva do capital contra a CLT e na defesa da
liberação da terceirização através do PL 4330 conta com
o seu apoio, conforme demonstrado por esta decisão exatamente neste momento.
Penso que isso vai gerar uma forte mobilização, unindo os trabalhadores do
setor privado e público contra as ações que visam à precarização e à perda de
direitos. Espero que as organizações e os movimentos sociais consigam responder
a essa ofensiva. Depende de nossa vontade política.
Por Patrícia Fachin
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