quinta-feira, 4 de junho de 2015

PODER SOBERANO & ECONOMIA DE MERCADO: A oligarquia financeira e midiática e o furto da democracia



    Foto: Prof. Luiz Gonzaga Belluzzo
Ricardo Machado – Luiz Gonzaga Belluzzo analisa a atual conjuntura brasileira e debate como o neoliberalismo se apropriou do Estado
De poucas mas contundentes palavras, o professor Luiz Gonzaga Belluzzo é muito direto ao analisar a atual conjuntura econômica e política do Brasil. Tem um jeito calmo de falar, mas é firme nas análises. “O neoliberalismo não é a advocacia da supremacia do mercado, não é a postulação da supremacia do mercado, mas, ao contrário, é a ocupação do lugar do Estado para que se possa governar a partir das regras da concorrência. É a isso que estamos assistindo”, dispara, em entrevista por telefone à IHU On-Line. Para ele, a “exclusão não é mais um fenômeno do capitalismo periférico, mas um fenômeno do capitalismo central, levantando problema para vícios como o desemprego dos jovens, o desemprego estrutural causado pela transformação tecnológica, a resistência daqueles que, na verdade, conseguem ter maior apropriação da riqueza e do poder”, avalia.
“O Estado nacional está sendo devastado pelo despotismo da economia, ou melhor, do despotismo daquilo que se imagina que seja a economia”, descreve Belluzzo. Na opinião do professor, a despeito da ausência de uma tradição democrática mais contundente no Brasil, há uma crise global mais ampla, “onde a democracia não é uma democracia, é uma oligarquia financeira e midiática que manda no mundo”, frisa. Frente a este cenário, o pesquisador argumenta que há, para além de todas as complexidades, uma espécie de ódio de classe, cujos odiados são os pobres. “Em geral, os mais bem postos, os ricos, não veem as pessoas. Eles começaram a ver. As pessoas começaram a aparecer nos aeroportos, nos supermercados e à medida que elas começaram a aparecer se tornaram repulsivas”, critica.
Luiz Gonzaga Belluzzo é graduado em Direito pela Universidade de São Paulo – USP, mestre em Economia Industrial pelo Instituto Latino-Americano de Planificação-Cepal e doutor em Economia pela Universidade de Campinas – Unicamp. Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e, atualmente, é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. É autor, entre outros, de O capital e suas metamorfoses (São Paulo: Unesp, 2013), Os antecedentes da tormenta: origens da crise global (Campinas: Facamp, 2009) e de Temporalidade da Riqueza – Teoria da Dinâmica e Financeirização do Capitalismo (Campinas: Oficinas Gráficas da UNICAMP, 2000). Depois da Queda (BELLUZZO, Luiz Gonzaga e ALMEIDA, Júlio Gomes de. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002).
IHU On-Line – Frente a atual crise econômica, há alternativas que derivam de uma perspectiva não alinhada ao modo capitalista dominante na atualidade?
Luiz Gonzaga Belluzzo – Essa é uma questão que exige muita investigação porque se imaginarmos que houvesse uma alternativa ao capitalismo, devemos considerar autores como Wolfgang Streeck  — ele escreveu um livro chamado Tempo Comprado – A crise adiada do capitalismo democrático (Coimbra: Actual, 2013) — ou como István Mészáros . Quando o Marx  falou na superação do capitalismo, ele se referiu a uma transfiguração interna que propõe a superação como uma possibilidade, mas não como um desfecho inevitável. Socialismo ou barbárie, ele proclamou. O que está acontecendo hoje no mundo inteiro revela que a economia capitalista está atormentada cada vez mais por contradições internas que sugerem algumas soluções de ultrapassagem, que não encontram forças sociais e políticas capazes de levar adiante um processo de transformação.
Em sua configuração atual, o capitalismo global parece incapaz de incluir a sociedade em seu movimento. O capitalismo colocou um espartilho na sociedade e empurrou muita gente para fora do jogo. A exclusão não é mais um fenômeno do capitalismo periférico, mas um fenômeno do capitalismo central, como o desemprego dos jovens, o desemprego estrutural causado pela transformação tecnológica que não encontram solução diante da resistência daqueles que se apropriam das engrenagens da riqueza e do poder. Isso tudo cria um clima muito grave e não pode ser tratado de maneira abstrata. É preciso que se aglutinem as forças sociais capazes de levar adiante esta transformação. Obviamente não se vai reinventar o socialismo soviético, uma experiência histórica desastrada e cruel, não seria desejável. Então é preciso encontrar um novo caminho, chamado por Marx de democratização radical da sociedade. Não consigo vislumbrar um encadeamento de forças capazes de fazer isso.
Vamos tomar o exemplo da política econômica brasileira, a do ajuste fiscal. O que ela revela?
As forças que elegeram a Dilma são as mais vulneradas pelo ajuste fiscal. A tentativa de se fazer um ajuste fiscal de cima para baixo não vai funcionar porque a presidente não tomou em conta aqueles que a elegeram. É o vezo tecnocrático.
Voltamos ao capitalismo. “Salvar o capitalismo” é uma missão que já foi atribuída a Keynes , o que é uma impropriedade, porque ele não queria salvar nada, senão conduzir a sociedade à boa vida, como mostram os biógrafos dele. Estou escrevendo um livro sobre ele chamado “Keynes além da economia”, para mostrar que ele tinha uma visão muito mais profunda e ampla da sociedade do que os economistas tentam fazer crer com o propósito de transformá-lo no idiota dos déficits orçamentários e da política fiscal.

IHU On-Line – O que se pode esperar de uma política econômica sustentada na opinião de agências internacionais de riscos que, meses antes do Lehman Brothers  quebrar, avaliaram o banco com a melhor nota AAA?
Luiz Gonzaga Belluzzo – As ideias dominantes são as ideias da classe dominante. Isso se transformou em um instrumento poderoso de persuasão e não somente as agências de risco, mas também as auditorias, estão sendo avaliadas negativamente, sobretudo as que têm a obrigação de dar transparência às empresas, aos balanços, aos negócios. Ao contrário, elas contribuem para ocultar. As agências de risco são estelionatárias, não têm nenhuma legitimidade, no entanto o que se observa é que os pigmeus ou gigantes do mercado ameaçam com essa redução da nota do Brasil, com a perda do grau de investimento. Isso é uma forma de constranger os países, assim como foi feito no passado de outra maneira, como na Crise de 1930, durante o final do século XIX início do século XX, feito pelos Money Doctors , agora é feito através das agências de risco que são essas auditorias que fazem as maiores falcatruas, mas são consideradas guardiãs da transparência e da moralidade.
O que se tem hoje é uma supremacia exercida também por intermédio dos meios de comunicação, totalmente submetidos a este tipo de perspectiva e isso acaba, por exemplo, na difusão de boatos como os de que a Dilma faria um “sequestro da poupança”. Isso é terrorismo. Não tem pé nem cabeça, é uma coisa criminosa, mas isso é feito de dentro do mercado por um sujeito que se diz funcionário de um banco e as pessoas acreditam. Então vivemos em uma sociedade de massas tecnológica que se comunica através dos whats apps da vida, difundindo uma interpretação das coisas do mundo que revela “o medo da verdade”, como dizia o filósofo Theodor Adorno, medo de um certo grupo que envolve os mercados financeiros, a grande imprensa internacional.

IHU On-Line – Trata-se de um complexo sistema biopolítico?
Luiz Gonzaga Belluzzo – É o que o Foucault  explicou em O nascimento da biopolítica (Rio de Janeiro: Martins Fontes, 2008). Isso não é uma questão da supremacia do mercado, mas da forma como se governa. O neoliberalismo não é a advocacia da supremacia do mercado, não é a postulação da supremacia do mercado, mas, ao contrário, é a ocupação do lugar do Estado para que se possa governar a partir das regras da concorrência. É a isso que estamos assistindo. Um sistema, na verdade, ultradiscricionário, com o poder concentrado em poucas instâncias, com uma massa de pessoas manipulada pela opinião dominante. Em um país com as carências culturais gravíssimas como o Brasil tem, essa carência de espírito crítico afeta muito menos os desfavorecidos e muito mais os que se consideram informados e qualificados. Não vou falar cultos porque eles não sabem direito o que isso significa.

IHU On-Line – Após a reunião do Ministro Joaquim Levy com a Standard and Poors , na primeira semana de março, ele prometeu “ajustes estruturais”. De que ordem devem ser tais ajustes? Como fica o papel do Estado neste contexto?
Luiz Gonzaga Belluzzo – Esse é um exemplo claro de que ele (Joaquim Levy ) teve que ajoelhar no milho para a Standard and Poors. Isso é um clássico. Eu comentei dos Money Doctors, que eram, na verdade, emissários dos banqueiros ingleses que vinham aqui ensinar os nativos como eles deviam se comportar em relação às políticas econômicas. O Estado nacional está sendo devastado pelo despotismo da economia, ou melhor, pelo despotismo daquilo que se imagina que seja a economia. Eles operam as questões como se fosse um jogo de lego e não levam em conta a resistência das pessoas e entidades sociais, o que causa o desgaste muito grande do governo, porque o Estado se apequenou e não exerce o seu papel de mediador entre as visões e os interesses divergentes, que é sua função na democracia, e acaba servindo de instrumento para as ordens das agências de risco, que são os instrumentos que o mercado usa para “colocar ordem na casa”.
Como defende Dani Rodrik , a experiência mostra que o movimento de entrada de capitais frequentemente prejudica os países e os coloca em dificuldades. É isso que acontece sempre no Brasil, nos períodos de bonança e crescimento há a entrada de capitais que depois se transforma em uma ameaça porque a política econômica fica à mercê dos humores deles. Criam-se problemas cambiais, problemas com as taxas de juros, e não há nenhuma liberdade para se fazer a política monetária e fiscal, sem contar as facilidades de sonegar e enviar dinheiro para a Suíça. A questão do Swissleaks  tem a ver com a globalização financeira, foi isso que abriu as comportas para que a sonegação e evasão de divisas se tornasse uma prática dos ricos.
Keynes advertiu isso em seus trabalhos preparatórios à conferência de Bretton Woods.  Dizia que era preciso ter um controle muito rigoroso dos movimentos de capitais para inibir as instabilidades e as falcatruas fiscais. Por exemplo, há a ameaça de aumento da taxa de juros nos Estados Unidos, coisa que será feita com muito cuidado, porque se ela subir, os ativos dos países emergentes vão sofrer e isso significa a desvalorização do câmbio, a subida da taxa de juros para conter a saída. Mas, depois do chamado Quantitative Easing, a estrutura de ativos dos bancos americanos está povoada de títulos do governo muito valorizados e a subida imprudente dos juros vai jogar os preços para baixo. Pode ocorrer um crash e a economia americana também vai sofrer.

IHU On-Line – De que forma esta lógica coloca em causa qual é o verdadeiro poder soberano, a democracia ou a economia de mercado?
Luiz Gonzaga Belluzzo – Eu li o Yanis-Varoufakis , o ministro grego, e quando lhe perguntam sobre o déficit democrático ele solta uma gargalhada. Ele diz: “Déficit democrático? Não se tem democracia”. A democracia real supõe que os cidadãos não só elejam como também tenham participação nas decisões diretamente mediante a construção de acordos sociais. Na verdade, estamos vivendo um período, no mundo inteiro, onde a democracia não é uma democracia, é uma oligarquia financeira e midiática que manda no mundo.

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