Guilherme
Boulos faz uma proposta à esquerda
Por
Boulos,
na redação de Outras Palavras: “É preciso recuperar algo que tivemos com força
na década de 1980: as ruas como espaço de transformação. Esse é nosso desafio,
para além de pensar 2016 ou 2018
Nem Lula-2018, nem novo partido. Para líder
do MTST, reconstrução exige trocar palácios pelas ruas, formular novo projeto
de país e retomar “trabalho de base”
Entrevista à Redação de Outras Palavras | Imagem: Gabriela Leite
Numa época árida, em que a esquerda
brasileira parece incapaz de produzir inovações políticas ou mesmo de se livrar
das contradições em que atolou, o MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto –
tem despontado como uma fonte singela, mas promissora, de boas surpresas. Há
dois anos, a organização voltou a mostrar que é possível mobilizar a sociedade
– em especial, os mais pobres – em favor de mudanças estruturais. Três enormes
ocupações de terrenos ociosos em São Paulo reacenderam
as chamas da Reforma Urbana e de metrópoles para todos.
Pouco depois, os sem-teto assumiriam
– em manifestações de rua sempre capazes de reunir milhares ou dezenas de
milhares de pessoas – o protesto contra deformação dos “megaeventos
esportivos”, convertidos em novo motor da especulação imobiliária. Arrancariam
da Câmara Municipal paulistana o reconhecimento do Direito à Moradia, na
formulação do novo Plano Diretor do município. Desenvolveriam uma crítica
refinada ao “Minha Casa, Minha Vida”, propondo livrá-lo do controle das
granes empreiteiras. Demonstrariam na prática que isso é possível, ao
aproveitar uma brecha do projeto para erguer,
autonomamente, um conjunto de prédios de apartamentos dignos, equipados com
serviços públicos avançados e relativamente confortáveis. Jogariam, mais
recentemente, um papel destacado na luta contra a agenda de retrocessos sociais
e políticos impulsionada pelos conservadores.
Mas até que ponto o MTST tem condições de
ir além das lutas específicas por moradia e se converter num ator político
universal – ou seja, capaz de inspirar e estabelecer diálogos com o conjunto da
sociedade? Para tentar encontrar a resposta, a redação de Outras Palavras
conversou por várias horas com Guilherme Boulos, o coordenador dos
sem-teto com mais visibilidade pública. O encontro foi o primeiro de uma série
que busca sondar caminhos para algo que nos parece cada vez mais crucial:
construir um novo projeto de país, que supere os tímidos avanços dos últimos 13
anos, agora bloqueados pela acomodação e pela recusa a enfrentar o ranger de
dentes das elites.
O resultado foi uma vasta entrevista, que
começamos a publicar abaixo, em quatro capítulos provocadores. Neles, Boulos
expõe sua visão particular sobre a conjuntura brasileira. Sua ideia de que o
período de conciliações se encerrou. Sua crítica a uma esquerda que se
institucionalizou a ponto de associar mudanças na correlação de forças na
sociedade à mera conquista de prefeituras, governos de estado ou bancadas
parlamentares. Sua aposta num programa de “reformas de base” semelhante ao que
eletrizou o país no pré-1964, mas ausente na fase de “mudanças fracas” que
marcou os governos a partir de Lula. Sua noção de que, para não sucumbir, o que
chamamos de “lulismo” precisaria reinventar-se, ingressando numa fase muito
distinta da que assumiu até agora.
Mas o coordenador do MTST vai além. Ao
propor que a chamada “esquerda” supere o que foi em sua primeira fase no
governo do Brasil, ele não se limita a formulações genéricas. Assume polêmicas.
Contesta, por exemplo, duas das visões que mais povoam as esperanças de quem se
esforça por enfrentar a ofensiva conservadora.
Para Boulos, não é hora de fundar um novo
partido – seria criação a frio, porque ainda falta a mobilização social que
permitiu, na Espanha, a emergência de um Podemos. Com a mesma convicção, recusa-se
a engrossar o coro dos que creem num sebastianismo brasileiro, num “Lula 2018”,
enxergando como grande esperança a reentronização do presidente que
supostamente encarna os sonhos perdidos. Seria requentar um café fraco, parece
pensar Boulos.
Nas duas partes finais da entrevista, surge
o que alguns julgarão mais instigante. Aparece o Boulos que analisa, além do
cenário político, a formação social do país e as teorias que podem alimentar
sua mudança. Nestas seções, o coordenador do MTST sugere, por exemplo, que é
necessário promover um encontro entre o feminismo clássico – abraçado, no
Brasil, principalmente pelas classes médias – e as mulheres lutadoras de
periferia, que conquistaram menos até o momento, mas desafiam e rechaçam, no
coditiano, as leis de ferro de um país muito machista. Ele também revela como
bebeu tanto no marxismo quanto na psicanálise, e por que acredita que Marx e
Freud encontram-se em certas esquinas – por exemplo, nas conexões entre as
teorias da alienação e o papel limitado da consciência e do discurso, na
constituição psíquica do ser humano.
Voltado, há cinco anos, a grandes temas da
globalização e das alternativas, Outras Palavras busca ligá-los cada vez mais,
numa conjuntura difícil, aos desafios brasileiros contemporâneos. A entrevista
com Boulos é parte destacada deste esforço.
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