domingo, 19 de maio de 2013

SEM FRONTEIRAS, Evento de cunho social discute em Cuba o Mundo do Trabalho, numa perspectiva de inclusão social

 
 
SEM FRONTEIRAS

Professor Pedro Mahin Araujo Trindade da UNB participa de evento internacional da ALAL em Cuba, Havana.

RENOVADO SUCESSO

O Evento realizado pela ALAL e diversas entidades parceiras em Cuba, Havana, de 27 a 29 de março de 2013, atingiu todas as expectativas, com o comparecimento de representações de diversos países, América-Latina, EUA, União Européia.

 A UNB – Universidade Nacional de Brasília, participou do evento, enviando representação de elevadíssima capacidade técnica, intelectual e de visão social larga, pela prevalência do social num mundo novo de inclusão social e dentre os expositores, destacamos a brilhante exposição do Professor Pedro Mahin Araujo Trindade que discorreu sobre a temática, “Entre Ficção e Realidade: O internacionalismo operário no contexto do regime de acumulação predominantemente financeira”

Leia a íntegra da palestra:



Entre Ficção e Realidade

O internacionalismo operário no contexto do regime de acumulação predominantemente financeira

Pedro Mahin Araujo Trindade[i]

1. Introdução

A gravidade e a amplitude da crise financeira de 2008 lançaram novas luzes sobre um fenômeno que vinha de se desenvolvendo de forma mais acentuada, pelo menos, desde o início da década de 1980: a financeirização econômica[ii]. Com efeito, a crise financeira tem dado ensejo a reflexões sobre as vias possíveis para a transformação social, política e econômica.

O trabalho compõe o rol de dimensões diretamente afetadas pelo fenômeno da financeirização, havendo, no Brasil, uma vasta literatura a respeito. Esta, porém, trata, em geral, dos efeitos colaterais da financeirização sobre o mundo do trabalho – entre os quais se destacam a reestruturação produtiva e a modificação da própria organização do trabalho. Ainda é tímida, porém, a discussão em torno do motor dessas transformações: a emergência e a consolidação de um regime de acumulação predominantemente financeira, e das formas de direcioná-las no sentido da valorização do trabalho e do trabalhador.

Historicamente, a valorização jurídica, política, social e econômica do trabalho e do trabalhador tem sido promovida, predominantemente, pelo movimento coletivo laboral, cuja institucionalização resultou nos sindicatos. Entretanto, também essas organizações foram severamente afetadas pelas transformações experimentadas pelo mundo do trabalho como um todo. As mudanças na organização do trabalho e da produção impuseram a adoção de novas morfologias de relações laborais[iii] – em geral, flexibilizadoras e precarizantes –, que, a um só tempo, dispersam as diversas subjetividades individuais e fragmentam as subjetividades coletivas.

Para Alain Tourraine[iv], a desestruturação dos atores sociais, como os sindicatos, ante a dissociação entre a economia globalizada e os conflitos sociais e ações políticas, presentes apenas no plano nacional, aconselharia a sua substituição por atores morais, porta-vozes dos direitos humanos[v], com a absorção do movimento de trabalhadores por estes últimos.

Diante desse contexto, faz-se necessário definir a extensão dos impactos da financeirização da economia sobre o mundo do trabalho e, mais especificamente, sobre a atuação sindical. A partir daí, questiona-se se, de fato, no contexto de um regime de acumulação financeirizada, os sindicatos perdem a sua importância e capacidade de ação, ou se permanecem como organizações aptas a promover a valorização do trabalho e a elevação dos padrões de proteção ao trabalhador.

2. O projeto neoliberal: fundamentos político-econômicos para a emergência e consolidação do regime de acumulação predominantemente financeira

                       O projeto neoliberal pode ser interpretado como um projeto utópico voltado à reorganização do capitalismo internacional, que passou por graves abalos sobretudo a partir do final da década de 1960; ou como um projeto político cuja pretensão é o restabelecimento das condições necessárias para a acumulação do capital e a restauração do poder econômico das classes dominantes. Como sugere David Harvey, ao final, o segundo objetivo acabou por prevalecer[vi].

As reformas estatais e as transformações das relações internacionais promovidas após a Segunda Guerra Mundial buscavam prevenir o retorno às condições econômicas e geopolíticas que deram ensejo à crise do capitalismo de 1930 e que levaram à eclosão da Grande Guerra. Nesse sentido, “para assegurar a paz e a tranquilidade domésticas, foi necessária a construção de um compromisso entre capital e trabalho”[vii], o qual incluía não só a busca pelo pleno emprego, pelo crescimento econômico e pelo bem-estar dos cidadãos, como também a possibilidade de intervenção estatal nos mercados – ou, mesmo, a substituição destes pelo próprio Estado – para alcançar esses fins[viii].

Esse compromisso encontrou eco no modelo fordista de produção. Para François Chesnais[ix],

Segundo a nossa compreensão da acumulação fordista (que não é, evidentemente, igual à de um regulacionista “ortodoxo”), três séries de formas institucionais parecem ter sido particularmente “essenciais”, em sua capacidade de assegurar, durante 25 anos (aproximadamente de 1950 a 1975), a estabilidade e expansão da acumulação capitalista.

Os primeiros são os que permitiram gerir, no sentido do crescimento, uma das consequências mais centrais da acumulação capitalista: ter feito do trabalho assalariado a forma absolutamente predominante de inserção social e de acesso à renda. Até o começo da década de 1970, o sistema soube gerar, por meio dos elementos constitutivos da relação salarial fordista, um nível de emprego assalariado suficientemente alto e suficientemente bem pago para preencher as condições de estabilidade social e, ao mesmo tempo, criar os traços necessários à produção de massa (isto é, para assegurar o “fechamento macroeconômico”). Os segundos são os que criaram, a nível monetário e financeiro, um ambiente monetário internacional estável. Este era baseado em taxas de câmbio fixas entre moedas soberanas em seu mercado interno, mas estava marcado também por instituições e mecanismos que criavam um grau significativo de subordinação das finanças às necessidades da indústria (Gonenç, 1993). Mas o mais importante era a existência de Estados dotados de instituições suficientemente fortes para impor ao capital privado disposições de todo tipo e disciplinar o seu funcionamento, e dispondo de recursos que lhes permitiam, tanto suprir as deficiências setoriais do investimento privado, como fortalecer a demanda.

 Entretanto, já em meados da década de 1960, o modelo fordista começou a revelar seus limites. Os níveis de desemprego e de inflação elevaram-se, ao mesmo tempo em que as taxas de lucro das empresas caíram drasticamente. Como noticia David Harvey[x]:

 
o período de 1965 a 1973 tornou cada vez mais evidente a incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as contradições inerentes ao capitalismo. Na superfície, essas dificuldades podem ser melhor apreendidas por uma palavra: rigidez. Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes. Havia problemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho (especialmente no chamado setor “monopolista”). E toda tentativa de superar esses problemas de rigidez encontrava a força aparentemente invencível do poder profundamente entrincheirado da classe trabalhadora – o que explica as ondas de greve e os problemas trabalhistas do período 1968-1972.

 

Assim, a rigidez do modelo fordista e das políticas keynesianas tornava-os ineficazes para solucionar a crise que se delineava e, da mesma forma, as “alternativas” apresentadas pela esquerda europeia não foram muito além de soluções tradicionais que, no início dos anos 1970, já se haviam provado inconsistentes em relação às demandas do capital. O debate polarizava-se, então, entre aqueles que defendiam o reforço de políticas social-democráticas e planifiadoras e aqueles que advogavam pelo restabelecimento da liberdade plena dos mercados e do poder econômico. Ao final, os interesses das corporações e dos mercados acabaram por prevalecer[xi].

Nesse contexto, David Harvey[xii] identifica ameaças de ordem política e econômica ao domínio das elites. De um lado, o descontentamento e a comunhão dos movimentos sociais urbanos e de trabalhadores em muitos dos países de capitalismo avançado pareciam indicar a emergência de uma alternativa socialista ao compromisso fordista assumido entre capital e trabalho[xiii], o qual garantira o sucesso da acumulação do capital no período subsequente à Segunda Guerra Mundial.

Por outro lado, esse compromisso implicava restrições ao poder econômico das classes dominantes e assegurava uma participação significativa da classe trabalhadora na divisão das riquezas produzidas pelo capital. Enquanto o crescimento econômica seguia intenso, entre 1950 e 1975, tal “acordo” não parecia incomodar as elites. Contudo, com a crise iniciada na década de 1970, as classes dominantes foram desestabilizadas pela ameaça de redução de seus rendimentos.

Daí afirmar-se que “a neoliberalização foi, desde o princípio, um projeto para restaurar o poder das classes dominantes”[xiv].

Sucede que, como registram Gérard Duménil e Dominique Lévy[xv],

 
No capitalismo, a propriedade dos meios de produção define de maneira inequívoca a classe dominante, mas essa propriedade se manifesta sob diferentes formas institucionais, que se modificam ao longo do tempo. Originalmente, referia-se à propriedade individual e familiar das empresas, cuja gestão estava sob controle direto dos proprietários. Essa relação de propriedade evoluiu até a propriedade financeira das sociedades (quer dizer, exercida por intermédio da posse de títulos), em que o poder dos proprietários se concentra nas instituições financeiras. Essas instituições cristalizam os interesses de grupos mais ou menos amplos (como faz uma holding financeira) ou coletivos (como um banco central).
 

Ou seja, a própria noção de “classe dominante” torna-se nebulosa, pois não mais reflete uma configuração social estável[xvi]. “Embora a neoliberalização tenha se realizado como forma de restaurar o poder da classe dominante, ela não significou, necessariamente, a restauração do poder econômico para as mesmas pessoas”[xvii]. Há, no entanto, uma característica principal que pode identificá-la: a propriedade e a gestão de empresas capitalistas (papéis que se encontram fundidos pelas stock options[xviii], as quais asseguram aos gestores das empresas a propriedade de títulos como forma de remuneração)[xix].

Ao mesmo tempo, verificou-se a emergência de diversos tipos de fundos de investimento (fundos de pensão, fundos de mútuo e fundos de hedge) – denominados investidores institucionais –, que reúnem investidores minoritários para o fim de obtenção de maiores benefícios de escala. Esses investidores institucionais transformaram-se, nas últimas décadas do século XX, nos principais proprietários das grandes empresas em todo o mundo[xx].

Trata-se, porém, de uma nova modalidade de propriedade capitalista, denominada propriedade patrimonial[xxi], cuja figura principal é a do proprietário-acionista, situado numa posição de exterioridade em relação à produção e detentor dos meios de influir na repartição da riqueza material gerada pelo empreendimento, sem qualquer compromisso com o consumo, com a criação de riquezas ou com o aumento da capacidade produtiva do trabalho. Desse modo, o capital financeiro deixa de ser unicamente portador de juros para se tornar, também, portador de direitos de propriedade[xxii].

Catherine Sauviat[xxiii] descreve essa relação de exterioridade do proprietário-acionista em relação à “economia real” e ao mundo do trabalho:


O aumento de poder desses atores financeiros também transformou a relação de forças entre o capital e o trabalho; seu poder disciplinador, como acionistas, é exercido, de fato, mais sobre os assalariados do que sobre os dirigentes. Eles são, com efeito, portadores de novas normas para as empresas, e até para o grupo inteiro, por causa da definição geral e da legitimação da criação de valor que conseguiram impor, representada pelo excedente bursátil e pela exigência de uma norma de rentabilidade financeira como unidade de medida universal em escala mundial, a tal ponto que o tema da criação de valor pelo acionista se tornou a retórica administrativa dominante dos anos 90, com efeitos práticos reais sobre a gestão dos recursos tecnológicos, de P&D, humanos e industriais no seio das empresas. Como consequência, esse regime de crescimento patrimonial, comandado não só pelo lucro no sentido mais amplo do termo, mas também pela busca do ‘valor acionário’, é marcado por um posicionamento particularmente antagônico do capital em relação ao trabalho, mais forte ainda que no fordismo, de maneira que este pode aparecer retrospectivamente como um ‘bom capitalismo.

 
Dessa forma, portanto, a maximização do valor acionário dos títulos das empresas, e não a maximização da produtividade do trabalho, tornou-se o motor da atividade econômica, inclusive porque a remuneração de seus gestores passou a depender do desempenho financeiro da empresa no mercado bursátil[xxiv]. “Houve, inquestionavelmente, uma transferência de poder da produção para o mundo da finança”[xxv], em escala global. Ou seja, “fundamentalmente, o neoliberalismo corresponde à reafirmação do poder da finança depois de um período de perda de hegemonia”, como testemunham Gérard Duménil e Dominique Lévy[xxvi].

Para tanto, foram implementadas medidas estruturais, como a desregulamentação monetária e financeira, a descompartimentalização dos mercados financeiros nacionais e a desintermediação. Segundo François Chesnais[xxvii]:

 
Classicamente, os autores distinguem três elementos constitutivos na implementação da mundialização financeira: a desregulamentação ou liberalização monetária e financeira, a descompartimentalização dos mercados financeiros nacionais e a desintermediação, a saber, a abertura das operações de empréstimos, antes reservadas aos bancos, a todo tipo de investidor institucional. (...) Há uma interação e um encadeamento profundo entre os três processos. A mundialização financeira remete tanto à “descompartimentalização” interna entre diferentes funções financeiras e diferentes tipos de mercados (de câmbio, de crédito, de ações e obrigações) quanto à interpenetração externa dos mercados monetários e financeiros nacionais e sua integração nos mercados mundializados. A descompartimentalização externa se apóia sucessivamente na liberalização dos mercados de câmbio, na abertura do mercado de títulos públicos aos operadores estrangeiros e na abertura da Bolsa às empresas estrangeiras. A descompartimentalização interna abriu caminho para uma des(especialização) progressiva dos bancos em nome da concorrência e da liberdade de empreendimento. É o terceiro “D”, a “desintermediação”, que permite às instituições financeiras não bancárias ter acesso aos mercados como emprestadoras. Foram elas que tiveram um crescimento particularmente espetacular desde o início da desregulamentação financeira. Enfim, o movimento de liberalização e descompartimentalização foi igualmente marcado pela criação de numerosas formas novas de aplicação da liquidez financeira (o que se chama de novos produtos financeiros), à medida que a remoção das regulamentações e controles nacionais anteriores abriu caminho para as “inovações financeiras”.

 

Essas medidas foram favorecidas pelo momento político e econômico pelo qual passavam os países centrais do capitalismo nas décadas de 1960 e 1970.

Com efeito, em maio de 1979, Margaret Tatcher ascendeu ao poder, na Inglaterra, com a proposta de reformar a economia britânica, sobretudo com o abandono das políticas keynesianas. Isso incluía o confronto com os sindicatos e com todas as formas de solidariedade social que implicassem o comprometimento da flexibilidade competitiva da economia inglesa. Em suma, “todas as formas de solidariedade social deveriam ser dissolvidas em favor do individualismo, da propriedade privada, da responsabilidade pessoal e dos valores da família”[xxviii].

Por seu turno, em outubro de 1979, Paul Volcker, Presidente do Banco Central dos Estados Unidos da América (US Federal Reserve Bank), promoveu mudanças na política monetária norteamericana – também abandonando as políticas monetária e fiscal keynesianas –, a fim de conter a inflação, a despeito de quaisquer consequências que isso pudesse ter para o emprego[xxix]. Ao lado das políticas monetárias, Paul Volcker capitaneou, já sob a presidência de Ronald Reagan, o movimento de desregulamentação de inúmeros setores da economia.

Trata-se, em suma, de um “processo de reorganização do capital e de seus sistema ideológico e político de dominação”, refletido no “advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal”[xxx].

Segundo o diagnóstico de Dominique Plihon[xxxi],

 
O objetivo era reconsiderar o compromisso entre capital e trabalho, fundado sobre a divisão negociada dos ganhos de produtividade, assim como o papel ativo das políticas públicas, que haviam prevalecido na fase fordista do capitalismo e reduzido provisoriamente o poder da finança.

 
Sobre esses fundamentos, então, sedimentaram-se as condições necessárias para a consolidação do regime de acumulação financeira – que, porém, manteve intacto o modo de produção capitalista[xxxii] –, o qual viria a afetar de forma drástica o mundo do trabalho e, especificamente, as organizações coletivas de trabalhadores.


3. Entre ficção e realidade: os tensionamentos entre a acumulação financeira e a produção material de riqueza e os impactos sobre o mundo do trabalho

 As finanças – entendidas como o capital que “busca ‘fazer dinheiro’ sem sair da esfera financeira, sob a forma de juros de empréstimos, de dividendos e de outros pagamentos recebidos a título de posse de ações e, enfim, de lucros nascidos de especulação bem-sucedida”[xxxiii] – obedecem a um regramento e a uma dinâmica próprios e relativamente destacados da “economia real”[xxxiv].

Diz-se relativamente porque, embora situado numa posição de exterioridade em relação à produção de riqueza material e, aparentemente, desinteressado desta[xxxv], o capital financeiro não lhe é de todo indiferente. Os capitais retidos pelos mercados financeiros são, originalmente, gerados no setor produtivo, onde são criados o valor e os rendimentos fundamentais (salários e lucros)[xxxvi]. Com efeito, consoante informa François Chesnais[xxxvii]:

 
A autonomia do setor financeiro nunca pode ser senão uma autonomia relativa. Os capitais que se valorizam na esfera financeira nasceram – continuam nascendo – no setor produtivo. Eles começam por tomar a forma, seja de lucros (lucros não reinvestidos na produção e não consumidos, parcela dos lucros cedida ao capital de empréstimo, sob forma de juros); salários ou rendimentos de camponeses ou artesãos, os quais depois foram objeto de retenções por via fiscal, ou sofreram a forma de agiotagem moderna dos “créditos ao consumidor”; por fim, depois de quarenta anos, salários diferidos guardados nos fundos privados de aposentadoria, mas cuja natureza se modifica ao entrarem na esfera financeira, tornando-se massas em busca da rentabilidade máxima. A esfera financeira alimenta-se da riqueza criada pelo investimento e pela mobilização de uma força de trabalho de múltiplos níveis de qualificação. Ela mesma não cria nada. Representa a arena onde se joga o jogo de soma zero: o que alguém ganha dentro do circuito fechado do sistema financeiro, outro perde. Usando uma expressão de P. Salama e J. Valier (1991): “o ‘milagre da multiplicação dos pães’ não passa de miragem”.

 Ou seja, “Somente depois de ocorrer essa transferência é que têm lugar, dentro do circuito fechado da esfera financeira, vários processos de valorização, em boa parte fictícios, que inflam ainda mais o montante nominal dos ativos financeiros”[xxxviii].

Entretanto, com essa migração dos recursos industriais, observa-se uma redução substancial e constante da parcela dos lucros retida para fins de reinvestimento na produção, ao passo que, concomitantemente, tem aumentado a fatia dos lucros pagos aos proprietários-acionistas sob a forma de dividendos. Assim sendo, as finanças acabam por forçar as empresas a gerarem lucros às custas da estagnação e da redução da parcela dos rendimentos destinada aos salários e demais benefícios aos trabalhadores[xxxix].

Ainda, a priorização do valor acionário das empresas, em detrimento da maximização da produtividade do trabalho, afeta indiretamente a sua política industrial, ensejando a reengenharia das cadeias produtivas, sobretudo mediante a terceirização e a subcontratação. O resultado inafastável dessas medidas é a precarização das condições de trabalho dos trabalhadores[xl].

Tem-se, dessa maneira, que o setor produtivo possui meios eficazes de fazer o peso da transferência de recursos para a esfera financeira incidir sobre a massa assalariada, sobretudo pela via da desregulamentação e da flexibilização de direitos trabalhistas[xli]. Segundo François Chesnais[xlii]:


a mobilidade do capital permite que as empresas obriguem os países a alinharem suas legislações trabalhistas e de proteção social àquelas do Estado onde forem mais favoráveis a elas (isto é, onde a proteção for mais fraca). Essa mobilidade tende necessariamente a limitar a eficácia de medidas como redução do tempo de trabalho, se não puderem ser impostas às empresas por toda parte – ou, pelo menos, nos principais países – onde estas sejam suscetíveis de se localizarem.

 Com efeito, a materialização do regime de acumulação toma a forma de normas, hábitos, leis, redes de regulamentação que garantem a unidade desse processo[xliii]. É precisamente esse o alerta formulado por Ricardo Antunes, ao dizer que “os capitais globais estão exigindo também o desmonte da legislação social protetora do trabalho”[xliv]. E, continua,

 
flexibilizar a legislação social do trabalho significa – e não é possível ter nenhuma ilusão sobre isso – aumentar ainda mais os mecanismos de extração do sobretrabalho, ampliar as formas de precarização e destruição dos direitos sociais arduamente conquistados pela classe trabalhadora, desde o início da Revolução Industrial, na Inglaterra, e especialmente pós-1930, quando se toma o exemplo brasileiro[xlv].

 
Dessa forma, os efeitos da financeirização da economia sobre o mundo do trabalho se espraiam, inclusive, por sobre aquelas pequenas e médias empresas que se encontram à margem dos mercados financeiros, para sempre excluídas dessa ilha de fantasia e de ficção científica, onde somas inimagináveis de dinheiro se produzem e reproduzem a partir do nada.

Não bastasse isso, a força e a autonomia relativa das finanças deixaram pouca margem de manobra para soluções reformistas, às quais o capital poderá escapar facilmente, em virtude de sua ampla mobilidade[xlvi].

Cumpre, todavia, anotar que, conforme ressalva Colin Crouch[xlvii], na prática, essa tendência não é de todo precisa, admitindo uma importante ressalva. Segundo o autor, os investimentos realizados em determinada rede, seja numa unidade de produção, de distribuição ou, mesmo, num fornecedor, não são facilmente transferidos para outra. Isso porque as companhias transnacionais praticam os chamados investimentos irrecurperáveis e, para deslocá-los de um país para outro, elas precisam ter a segurança de que, na nova planta, os benefícios auferidos serão suficientes para compensar as perdas envolvidas em tal operação e, ainda, gerar lucros.

Entretanto, mesmo nessa hipótese, alerta o autor[xlviii], não há uma preferência sistemática pelo país menos custoso: as estratégias empresariais de instalação em um novo mercado não atendem, necessariamente, à lógica do menor custo. Por exemplo, a qualidade mais elevada do produto ou serviço pode demandar empregados também mais qualificados, mais bem remunerados e sujeitos a melhores condições de trabalho, de modo que não necessariamente o investimento mais barato será o mais adequado à estratégia comercial da empresa.

Percebe-se que a crise experimentada pelo capital, na década de 1970, bem como as respostas que lhe foram oferecidas, cuja expressão maior, hoje se vê, foi justamente a financeirização da economia, têm provocado profundas mutações no mundo do trabalho[xlix], o qual inclui, hoje:


o proletariado precarizado, o subproletariado moderno, part time, o novo proletariado dos McDonald’s, os trabalhadores hifenizados de que falou Baynon, os trabalhadores terceirizados e precarizados das empresas liofilizadas de que falou Juan José Castillo, os trabalhadores assalariados da chamada “economia informal”, que muitas vezes são indiretamente subordinados ao capital, além dos trabalhadores desempregados, expulsos do processo produtivo e do mercado de trabalho pela reestruturação do capital e que hipertrofiam o exército industrial de reserva, na fase de expansão do desemprego estrutural[l].


A nova morfologia do trabalho revela-se, portanto, sob uma roupagem multifacetada em níveis diversos[li].

Entretanto, apesar de efetivamente enfraquecido, na medida em que “o modo de produção dominante mostra à luz do dia, de forma cotidiana, sua incapacidade para gerir a existência do trabalho assalariado como forma predominante de inserção social e de acesso à renda”[lii], o trabalho não perdeu a sua centralidade nesse novo estágio do capitalismo global.

 
4. Sindicalismo e acumulação financeira: o novo internacionalismo operário
 

Os efeitos desse novo regime de acumulação predominantemente financeira sobre o sindicalismo são evidentes: redução sensível das taxas de sindicalização; enfraquecimento da influência política dos sindicatos; incapacidade estrutural dos sindicatos de responderem à mobilidade geográfica e financeira do capital; pane na veiculação dos valores tradicionais da classe trabalhadora; dificuldade em compor a força viva dos novos movimentos sociais[liii]. Como mencionado na introdução deste artigo, as mudanças decorrentes da financeirização da economia, a um só tempo, dispersam as diversas subjetividades individuais e fragmentam as subjetividades coletivas.

Isso, porém, não pode ser tomado como uma consequência incontornável desse novo contexto de acumulação capitalista. Segundo defendem Christian Levesque e Gregor Murray[liv], o impacto real da mundialização sobre os sindicatos varia conforme a sua capacidade de mobilizar seus recursos de poder – que, em plena mutação, devem ser revisitados para, então, serem atualizados e renovados, possibilitando a modificação dos termos da relação entre os sindicatos e os demais atores sociais, notadamente as empresas e os Estados[lv] – e o próprio contexto em que são mobilizados.

Para aqueles autores, a renovação do poder sindical repousa sobre o tripé: capacidade estratégica, solidariedade interna e solidariedade externa[lvi].

A capacidade estratégica diz com a habilidade dos sindicatos de formular e transmitir sua própria agenda, ou seja, valores, interesses e objetivos, os quais incluem não apenas as demandas coletivas, mas também seus projetos e perspectivas de mundo. Por sua vez, a solidariedade interna designa os mecanismos concebidos para assegurar a democracia e a coesão entre os trabalhadores. Finalmente, a solidariedade externa refere-se à capacidade dos sindicatos de trabalhar ao lado da comunidade e construir mecanismos de coordenação tanto horizontal quanto vertical no seio do próprio sindicato, com outras organizações sindicais e movimentos sociais[lvii].

A importância do primeiro ponto do apoio daquele tripé, sobretudo num contexto de emergência de um regime de acumulação predominantemente financeira é patente. Como bem pontuam Levesque e Murray, a necessidade de oferecer alternativas de mundo inovadoras e convincentes é uma característica fundamental do sindicalismo, e é acentuada em virtude da aparente homogeneidade do veículo competitivo e financeiro hoje em marcha[lviii].

Trata-se, portanto, de promover uma atuação sindical propositiva, de formular posições sindicais autônomas, que reflitam as necessidades dos trabalhadores no ambiente de trabalho e suas aspirações quanto à qualidade de seus empregos[lix], sob pena de, em não o fazendo, os sindicatos submeterem-se aos interesses da empresa, os quais, como visto, vão de encontro aos interesses da classe trabalhadora.

Nesses termos, uma posição proativa, fundada numa agenda autônoma, democraticamente construída, é condição necessária para negociar, em contrapartida pela – ou em substituição à – introdução de novos sistemas produtivos e de organização do trabalho, garantias e proteções eficazes contra a externalização da produção e contra as despedidas arbitrárias[lx].

Outrossim, como já mencionado, as transformações estruturais no mercado de trabalho (promovidas, em grande medida, pelas finanças) produzem novas fontes de divisão entre os trabalhadores, apresentando um novo e grave desafio para o sindicalismo, na medida em que tais divisões reforçam as diferenças entre os assalariados e fragmentam a sua identidade coletiva, tanto intra quanto inter sindicatos.

Para contornar esse problema, o desenvolvimento da solidariedade, interna e externa, entre os trabalhadores e entre estes e a sociedade, e o engajamento na concretização de um projeto comum, de uma alternativa de mundo, pode revelar a trilha a seguir.

Nesse sentido, Boaventura de Souza Santos e Hermes Augusto Costa[lxi] propõem um “novo sindicalismo social”,


em que as articulações entre as temáticas de interesse laboral/sindical e as temáticas de outros grupos sociais se combinam e, portanto, em que se defende uma interligação entre distintos atores da emancipação social. Neste registro incluem-se: ações de luta em torno da força de trabalho assalariada, para não exigir apenas melhores salários mas um maior controle sobre o processo produtivo, os investimentos, as novas tecnologias, as relocalizações da produção, a subcontratação e as políticas de educação e formação; ações de luta contra relações e métodos de trabalho hierárquicos, autoritários e tecnocráticos e em favor de práticas social e ambientalmente úteis, da redução do horário de trabalho ou da partilha do trabalho doméstico; lutas pela contínua transformação de todas as estruturas e relações sociais; a promoção de distintas articulações e formas de diálogo com outros movimentos e comunidades não sindicalizados (movimentos de igrejas, mulheres, ecológicos, direitos humanos, paz); a promoção da democracia de base e o encorajamento de relações horizontais diretas tanto entre trabalhadores como entre trabalhadores e outras forças sociais democráticas/populares etc.

 Isso não significa, porém, a absorção do movimento de trabalhadores por uma pauta social mais ampla e genérica, o que, a rigor, poderia levar a uma fragilização ainda mais aguda da representatividade e da capacidade de ação dos sindicatos, pois o mundo do trabalho possui características que lhe são particulares e demandam uma reflexão específica.

Ao contrário, embora se reconheça a importância e a necessidade de articulação dos sindicatos com movimentos sociais mais abrangentes, como o movimento feminista, o movimento pela afirmação da identidade sexual e de proteção ao meio ambiente, o movimento de trabalhadores deve preservar sua autonomia e independência em relação aquelas outras pautas, sem descurar, no entanto, da realidade do sindicalismo nesse novo estágio do capitalismo global, capitaneado pelo regime de acumulação predominantemente financeira, que exige uma integração da consciência operária com a consciência da cidadania[lxii].

O grande desafio, nesse contexto, é a expansão do sindicalismo social para o âmbito global, naquilo que se tem cunhado de “sindicalismo de movimento social global”[lxiii]. De forma bastante lúcida, Boaventura de Souza Santos e Hermes Augusto Costa[lxiv] descrevem esse processo:


A relação entre globalização e trabalho constitui um dos debates mais recorrentes e recentes em redor das possibilidades emancipatórias do internacionalismo operário. Perante os múltiplos impactos desestruturadores sobre a esfera laboral provocados pelo (in)evitável fenômeno da globalização da economia – tais como a destruição do equilíbrio entre produção e reprodução da força de trabalho, a desregulamentação dos mercados de trabalho, o aumento do desemprego e da insegurança no emprego, o deslocamento dos processos produtivos, a crise do sindicalismo e do poder negocial dos sindicatos, ect. (…) –, intensificaram-se os estudos sobre as estratégias de resistência e as respostas do movimento operário. É certo, como afirma Munck (1999: 20), que “o reconhecimento do processo e impacto da globalização não conduz automaticamente a um novo internacionalismo operário”. Porém, a globalização permite que as forças emancipatórias tenham uma visão de conjunto do mundo, adquiram uma compreensão das conexões entre “civilização” e “barbarismo” e aspirem à construção de estratégias orientadas para uma civilização da sociedade global (…). Pelo fato de realçar a crise do movimento operário, a globalização “força a uma reconsideração das questões da identidade sindical e dos termos de inclusão e exclusão” (DeMartino, 1999: 84) e fornece motivos para que, diante do cerco dos direitos sindicais, se procure fazer algo, reagindo de forma organizada e responsavelmente coletiva (…).

 
Com efeito, como verificado por Manuel Castells, “embora o capital flua com liberdade nos circuitos eletrônicos das redes financeiras globais, o trabalho ainda é muito delimitado (e continuará assim no futuro previsível) por instituições, culturas, fronteiras, polícia e xenofobia[lxv].

Todavia, isso não significa dizer que inexista uma tendência à crescente interdependência da força de trabalho em escala global. Ao contrário, apesar de não haver um mercado de trabalho global unificado nem, por via de consequência, uma força de trabalho global, Manuel Castells constata a existência de uma interdependência global da força de trabalho nessa economia transnacional; interdependência essa caracterizada pela segmentação hierárquica da mão-de-obra “não entre países, mas entre fronteiras”[lxvi].

Nesse sentido, são identificados três mecanismos que reforçam tal interdependência[lxvii]: o emprego global nas empresas transnacionais e suas redes internacionais coligadas; os impactos do comércio internacional sobre o emprego e as condições de trabalho; e os efeitos da concorrência global e do novo método de gerenciamento flexível sobre a força de trabalho de cada país.

Diante desse contexto, Ricardo Antunes[lxviii] sugere que, “como o capital utiliza-se desses mecanismos mundializados e dispõe de seus organismos internacionais, a luta dos trabalhadores deve ser cada vez mais caracterizada pela sua configuração também internacionalizada”. Também Christian Levesque e Gregor Murray[lxix] comungam dessa opinião, afirmando que, num contexto mundializado, é imperativo que a solidariedade externa e a coordenação entre as organizações sindicais transcendam as fronteiras nacionais.

Trata-se, aqui, não apenas de auxílio monetário unívoco, dos sindicatos mais afortunados dos países centrais para os sindicatos de países subdesenvolvidos, como tradicionalmente sói acontecer, mas, propriamente, de uma solidariedade multidirecional de apoio político e de intercâmbio de informações e de ideias entre organizações laborais ao redor do mundo[lxx].

Deve-se ter a consciência, no entanto, de que a ação operária no plano internacional, consoante os termos referidos acima, não se dá sem maiores dificuldades. Como atestam Boaventura de Souza Santos e Hermes Augusto Costa[lxxi]:

 
as formas de cooperação laboral transnacional enfrentam na atualidade dois conjuntos de obstáculos: o primeiro, prende-se com as transformações estruturais que atravessaram o próprio trabalho nas últimas décadas, decorrentes das revoluções informática e comunicacional. Embora o trabalho se tenha convertido num recurso global, não se pode falar num mercado de trabalho global, pois os mercados de trabalho são hoje mais segmentados que outrora. O segundo tem a ver com um leque variado de fatores que vão desde a tensão entre escalas de atuação laboral nacional e transnacional, ao tipo de objetivos visados por uma ação transnacional, à fraca reflexão teórica sobre o tema etc.

 
Ademais, a atuação laboral transnacional esbarra na possível incorporação de uma lógica competitiva pelas próprias entidades sindicais, na medida em que a luta por melhores condições de trabalho num determinado país pode significar a degradação dessas mesmas condições de trabalho num outro. Isso dificulta, por exemplo, a inclusão de padrões laborais mínimos em acordos de comércio internacional[lxxii].

Por sua vez, “os empregadores, receando que nivelamentos salariais e de condições de trabalho possam criar desequilíbrios nos custos de produção, privilegiam a tática de 'dividir e reinar' (…), reforçando frequentemente os mecanismos de exploração sobre a classe operária”[lxxiii].

Sucede que, não obstante todas as dificuldades inerentes a esse processo de transnacionalização do movimento operário, encontra-se já em andamento a construção do sindicalismo de movimento social global, cujas características mais proeminentes são:

 
o estabelecimento de laços regionais entre organizações sindicais de países onde os direitos laborais democráticos são negados; o internacionalismo militante orientado para a realização de boicotes e ações de pressão visando a contrariar a excessiva dependência comercial induzida pela integração dos processos econômicos; um sindicalismo genuinamente global capaz de promover uma verdadeira interiorização de uma cultura internacionalista, isto é, uma cultura por meio da qual os líderes e os membros de organizações sindicais sejam capazes de demonstrar para com as lutas das classes trabalhadoras de outros países a mesma sensibilidade que manifestam em face das lutas operárias nos seus próprios países; e uma nova política para a classe operária, isto é, uma política capaz de desafiar o modelo de globalização neoliberal que muitos sindicatos adotaram, quer pela renovação do sentido atribuído aos interesses de classe no processo de globalização, quer pelo compromisso com políticas de resistência a uma lógica de lean production global[lxxiv].

 
Acredita-se que a consolidação desse novo internacionalismo operário, nos termos acima descritos, é a condição necessária para a recomposição do equilíbrio entre o capital – cada vez mais fluido, flexível – e o trabalho, ainda fortemente localizado.

Se a globalização, como diz Eros Grau[lxxv], realiza-se, antes de mais nada, como globalização financeira, a única maneira de os sindicatos atuarem, de forma eficaz, sobre essa esfera é eles também globalizarem-se, implementarem estratégias pensadas e concebidas para a dimensão transfronteiriça, respeitadas, evidentemente, as particularidades culturais de cada povo.

Destarte, ao contrário do que sugere Alain Tourraine[lxxvi], os sindicatos não só preservam sua legitimidade e capacidade de ação no sentido da revalorização do trabalho e dos trabalhadores, como se apresentam como entidades importantes, ao lado do Estado[lxxvii], para promoção do reequilíbrio das relações de poder entre capital e trabalho, mesmo no contexto de um regime de acumulação predominantemente financeira.

Em outras palavras, “ainda que nas últimas décadas se tenha tornado frequente enfatizar a ideia de crise(s) do sindicalismo, esse fato não retira de cena este ‘velho’ protagonista social e não anula o seu papel de contrapoder”[lxxviii].

5. Conclusão

Propunha-se, com este artigo científico, definir a extensão dos impactos da financeirização da economia sobre o mundo do trabalho e, mais especificamente, sobre o sindicalismo. Questionou-se, a partir daí, se, no contexto de um regime de acumulação financeirizada, os sindicatos perdem a sua importância e capacidade de ação, ou se permanecem como organizações aptas a promover a valorização do trabalho e a elevação dos padrões de proteção ao trabalhador.

Viu-se, no primeiro tópico, que o projeto neoliberal visava, desde o princípio, à restauração do poder das classes dominantes, o que foi alcançado pela financeirização da economia. Esse processo introduziu o valor acionário enquanto grandeza catalisadora da atividade econômica, em substituição à maximização da produtividade do trabalho.

A influência das finanças sobre o mundo do trabalho era inevitável. Demonstrou-se que a priorização do valor acionário das empresas, em detrimento da maximização da produtividade do trabalho, afetou indiretamente a sua política industrial, ensejando a reengenharia das cadeias produtivas, sobretudo mediante a terceirização e a subcontratação, com a consequente precarização do trabalho e do trabalhador.

E, na medida em que provocam graves modificações na própria legislação social, os efeitos da financeirização da economia sobre o mundo do trabalho se espraiam, inclusive, por sobre aquelas pequenas e médias empresas que se encontram à margem dos mercados financeiros.

Entretanto, o caráter meramente relativo da autonomia das finanças em relação à economia “real” não permitiu que o trabalho perdesse a sua centralidade nesse novo estágio do capitalismo global. Isso torna imperioso que sejam pensadas soluções para recompor o equilíbrio de poder entre o capital e o trabalho.

Com efeito, para alcançar esse mister, as fontes de poder dos sindicatos, em plena mutação, devem ser revisitadas para que, então, os sindicatos sejam atualizados e renovados, a fim de modificar os termos de sua relação com os demais atores sociais, notadamente as empresas e os Estados; renovação esta que repousa sobre o tripé da capacidade estratégica, da solidariedade interna e da solidariedade externa.

Tudo isso demanda dos sindicatos uma postura proativa, fundada numa agenda autônoma e democraticamente construída, a qual constitui a condição necessária para negociar, em contrapartida pela introdução de novos sistemas produtivos e de organização do trabalho, garantias e proteções eficazes contra a externalização da produção e contra as despedidas arbitrárias.

Exige, ademais, o desenvolvimento da solidariedade, interna e externa, entre os trabalhadores e entre estes e a sociedade, e o engajamento na concretização de um projeto comum, de uma alternativa de mundo, que reflita os anseios não só dos trabalhadores, mas de todos aqueles que se encontram às margens dos mercados financeiros.

Por fim, se a globalização efetivamente representa, antes de mais nada, uma globalização financeira, a única maneira de os sindicatos atuarem, de forma eficaz, sobre essa esfera é eles também globalizarem-se, implementarem estratégias pensadas e concebidas para a dimensão transfronteiriça, respeitadas, evidentemente, as particularidades culturais de cada povo.

Diante de todo o exposto, conclui-se que os sindicatos não só preservam sua legitimidade e capacidade de ação, mesmo no contexto de um regime de acumulação predominantemente financeira, como se apresentam como entidades importantes, ao lado do Estado, para a promoção do reequilíbrio das relações de poder entre capital e trabalho.


[i] Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. Mestrando em “Direito, Estado e Constituição – Globalização, Transformação do Direito e Ordem Econômica” pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília – FD/UnB. Pós-graduando em Direito Material e Processual do Trabalho pelo Centro Universitário IESB-DF. Membro do grupo “Trabalho, Constituição e Cidadania” da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília – FD/UnB. Advogado.
[ii] Robert Guttmann, em leitura que faz de G. Epstein, define financeirização como “(...) o aumento dos motivos financeiros, mercados financeiros, atores financeiros e instituições financeiras nas operações das economias nacionais e internacionais”. G. Epstein apud Robert Guttmann. Uma Introdução ao Capitalismo Dirigido pelas Finanças. In: Revista Novos Estudos, n. 82, novembro de 2008. São Paulo, 2008, p. 12.
[iii] Como noticia Ricardo Antunes, “A década de 1980 presenciou, nos países de capitalismo avançado, profundas transformações no mundo do trabalho, nas suas formas de inserção na estrutura produtiva, nas formas de representação sindical e política. Foram tão intensas as modificações, que se pode mesmo afirmar que a classe-que-vive-do-trabalho sofreu a mais aguda crise deste século, que atingiu não só a sua materialidade, mas teve profundas repercussões na sua subjetividade e, no íntimo inter-relacionamento destes níveis, afetou a sua forma de ser”. ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 2011, p. 23.
[iv] TOURRAINE, Alain. Após a crise: a decomposição da vida social e o surgimento de atores não sociais. Petrópolis: Vozes, 2011.
[v] Ibidem, p. 13.
[vi] HARVEY, David. A Brief History of Neoliberalism. New York: Oxford University Press, 2005, p. 19.
[vii] Ibidem, p. 10 (tradução livre).
[viii] Idem. É preciso, porém, atentar para o alerta formulado por Ricardo Antunes, para quem “esse compromisso era dotado de um sentido também ilusório, visto que se por um lado sancionava uma fase da relação de forças entre capital e trabalho, por outro ele não foi a consequência de discussões em torno de uma pauta claramente estabelecida. Essas discussões ocorreram posteriormente, ‘para ocupar o ‘espaço’ aberto pelo compromisso, para gerir suas consequências e estabelecer seus detalhamentos’ (Bihr, 1991: 39-0). E tinham como elementos firmadores ou de intermediação os sindicatos e partidos políticos, como mediadores organizacionais e institucionais que se colocavam como representantes oficiais dos trabalhadores e do patronato, sendo o Estado elemento aparentemente ‘arbitral’, mas que de fato zelava pelos interesses gerais do capital, cuidando da sua implementação e aceitação pelas entidades representantes do capital e do trabalho”. ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009, p.40.
[ix] CHESNAIS, François. A Mundialização do capital. Tradução de Silvana Finzi Foá. São Paulo: Xamã, 1996, p. 300.
[x] HARVEY, David. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural.  São Paulo: Edições Loyola, 2012, p. 135.
[xi] HARVEY, David. A Brief History of Neoliberalism. New York: Oxford University Press, 2005, p. 12-13.
[xii] Ibidem, p. 14-15.
[xiii] Cf., nesse sentido, ANTUNES, Ricardo. Op. cit., p. 42-47.
[xiv] Ibidem, p. 16.
[xv] DUMÉNIL, Gérard; LÉVY, Dominique. O Neoliberalismo sob a Hegemonia Norte-Americana. In: CHESNAIS, François (Org.). A Finança Mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. Tradução de Rosa Maria Marques e Paulo Nakatani. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 87.
[xvi] HARVEY, David. Op. cit., p. 31.
[xvii] Idem (tradução livre).
[xviii] Dominique Plihon explica que stock options são “são um modo de remuneração dos dirigentes que consiste em lhes oferecer a possibilidade (opção) de comprar, no futuro, ações de sua própria empresa a um preço fixado previamente, com frequência inferior à cotação da ação no momento da assinatura do contrato. Essa técnica permite associar a remuneração dos dirigentes às performances da empresa na Bolsa: se a cotação das ações aumenta, os beneficiários das stock-options podem obter ganhos revendendo seus títulos ao novo preço. As stock-options, então, incentivam os dirigentes a se ajustar aos interesses dos acionistas, que é obter um aumento no valor de suas aplicações”. PLIHON, Dominique. As Grandes Empresas Fragilizadas pela Finança. In: CHESNAIS, François (Org.). A Finança Mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. Tradução de Rosa Maria Marques e Paulo Nakatani. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 145.
[xix] HARVEY, David. Op. cit., p. 32.
[xx] GUTTMANN, Robert. Op. cit., p. 12.
[xxi] CHESNAIS, François. O Capital Portador de Juros: acumulação, internacionalização, efeitos econômicos e políticos. In: CHESNAIS, François (Org.). A Finança Mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. Tradução de Rosa Maria Marques e Paulo Nakatani. São Paulo: Boitempo, 2005, pp. 48-50.
[xxii] SAUVIAT, Catherine. Nouveau Pouvoir Financier et Modèle d’Entreprise : une source de fragilité systémique. In: Revue de l’IRES n. 40 – 2002/3, p. 2.
[xxiii] SAUVIAT, Catherine. Os Fundos de Pensão e os Fundos Mútuos: principais atores da finança mundializada e do novo poder acionário. In: CHESNAIS, François (Org.). A Finança Mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. Tradução de Rosa Maria Marques e Paulo Nakatani. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 109-110.
[xxiv] CHESNAIS, François. Op. cit., p. 36.
[xxv] HARVEY, David. Op. cit., p. 33 (tradução livre).
[xxvi] DUMÉNIL, Gérard; LÉVY, Dominique. O Neoliberalismo sob a Hegemonia Norte-Americana. In: CHESNAIS, François (Org.). A Finança Mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. Tradução de Rosa Maria Marques e Paulo Nakatani. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 87.
[xxvii] CHESNAIS, François. Op. cit., p. 46. Cf., ainda, PLIHON, Dominique. Op. cit., p. 139-140.
[xxviii] HARVEY, David. Op. cit., p. 23 (tradução livre).
[xxix] Idem.
[xxx] ANTUNES, Ricardo. Op. cit. , p. 33.
[xxxi] PLIHON, Dominique. Op. cit., p. 133-134.
[xxxii] ANTUNES, Ricardo. Op. cit., p. 38.
[xxxiii] CHESNAIS, François. Op. cit., p. 35.
[xxxiv] Expressão empregada para contrapor-se à “economia fictícia” das finanças.
[xxxv] Na dicção de François Chesnais, “A esfera financeira representa o posto avançado do movimento de mundialização do capital, onde as operações atingem o mais alto grau de mobilidade, onde é mais gritante a defasagem entre as prioridades dos operadores e as necessidades mundiais”. CHESNAIS, François. A Mundialização do capital. Tradução de Silvana Finzi Foá. São Paulo: Xamã, 1996, p. 239.
[xxxvi] Ibidem, p. 241.
[xxxvii] Idem.
[xxxviii] Ibidem, p. 246.
[xxxix] GUTTMANN, Robert. Op. cit., p. 14.
[xl] PLIHON, Dominique. Op. cit., p. 141-142.
[xli] Como destaca José Francisco Siqueira Neto, flexibilização é um termo genérico, que compreende, também, a noção de desregulamentação. A flexibilização do trabalho consubstancia-se no conjunto de medidas destinadas a afrouxar, adaptar ou eliminar direitos trabalhistas de acordo com a realidade econômica e produtiva. Em tese, nem todo tipo de flexibilização demandaria alterações legislativas. Por seu turno, desregulamentação quer significar, propriamente, o processo mediante o qual são derrogados direitos trabalhistas, ou seja, é um tipo de flexibilização promovida por intermédio de alterações legislativas. Nesse sentido, a flexibilização admite a seguinte classificação: (i) quanto aos fins, (ii) quanto ao objeto e (iii) quanto à forma. Quanto aos fins, a flexibilidade pode ser (i) de proteção, isto é, em benefício do trabalhador, (ii) de adaptação, ou seja, adequação das normas legais rígidas a novas circunstâncias através da negociação coletiva, ou (iii) de desregulamentação, mediante a qual se procede a derrogação de benefícios trabalhistas. Quanto ao objeto, a flexibilização pode ser (i) interna, por que se modificam as condições de uma relação trabalhista preexistente, ou (ii) externa, que diz respeito ao ingresso e à saída do mercado de trabalho. Por fim, quanto à forma, a flexibilidade pode ser (i) imposta pelo empregador ou por ato unilateral do Estado, ou (ii) negociada. SIQUEIRA NETO, José Francisco. Flexibilização, Desregulamentação e Direito do Trabalho no Brasil. In: Crise e Trabalho no Brasil: modernidade ou volta ao passado? OLIVEIRA, Carlos Barbosa de; MATTOSO, Jorge Eduardo Levi (Org.). Crise e Trabalho no Brasil: modernidade ou volta ao passado? São Paulo: Scritta, 1996, pp. 334-336.
Cumpre informar, porém, o posicionamento doutrinário em sentido contrário, segundo o qual, os vocábulos “flexibilização” e “desregulação” ou “desregulamentação”, possuem conceitualmente significados distintos, posto que a flexibilização pressupõe a capacidade de adaptação das normas trabalhistas às novas relações de trabalho e desregulação, por sua vez, pressupõe a eliminação de regras estatais trabalhistas. Segundo ensina Lygia Maria de Godoy Cavalcanti, “Verifica -se, portanto, que flexibilizar não é desregular, mas regular de modo diverso do que está regulado. Todavia, vale lembrar que, de acordo com o ‘grau’ dessa flexibilização, pode -se chegar perto da fratura da norma existente, o que resulta em ‘desregulação’, com ou se m regulação substitutiva. O outro lado dessa flexibilização e que constitui fator de risco é a flexibilização total da norma, que faz emergir uma norma mais rígida em sentido contrário, a exemplo da flexibilização da estabilidade do trabalhador, que resultou em maior rigidez do direito potestativo de despedir do empregador”. CAVALCANTI, Lygia Maria de Godoy Batista. A Flexibilização do Direito do Trabalho no Brasil. Desregulação ou Regulação Anética do Mercado? São Paulo: LTr, 2008, p. 130-132.
[xlii] CHESNAIS, François. Op. cit., p. 300.
[xliii] HARVEY, David. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural.  São Paulo: Edições Loyola, 2012, p. 117.
[xliv] ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 2011, p. 109.
[xlv] Idem.
[xlvi] CHESNAIS, François. Op. cit., p. 320-321.
[xlvii] CROUCH, Colin. La Négociation Collective et les Sociétés Transnationales dans l’Économie Mondiale: quelques considérations d’ordre théorique. In : Les Strategies Mondiales de Gestion de Capital et Réponses des Syndicats : Négociation Collective et Coopération Syndicale Internationale. Journal Internationale de Recherche Syndicale, vol. 1, nº. 2. Genebra: Bureau International du Travail, 2009, pp. 56.
[xlviii] Idem.
[xlix] ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009, p. 17.
[l] Ibidem, p. 104.
[li] ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 2011, p. 104.
[lii] CHESNAIS, François. A Mundialização do capital. Tradução de Silvana Finzi Foá. São Paulo: Xamã, 1996, p. 300.
[liii] LEVESQUE, Christian; MURRAY, Gregor. Le pouvoir syndical dans l’économie mondiale : clés de lecture pour un renouveau. In: Revue de l’IRES, vol. 1, nº. 41, 2003, p. 149.
[liv] Idem.
[lv] Como enfatizam Boaventura de Souza Santos e Hermes Augusto Costa, “Tal desafio passa pela reinvenção do movimento operário, seja através da reabilitação de velhos objetivos, seja pela proposta de novas estratégias de luta emancipatória”. SANTOS, Boaventura de Souza; COSTA, Hermes Augusto. Introdução: para ampliar o cânone do internacionalismo operário. In: SANTOS, Boaventura de Souza [Org.]. Trabalhar o Mundo: os caminhos do novo internacionalismo operário. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 22.
[lvi] LEVESQUE, Christian; MURRAY, Gregor. Op. cit., p. 150.
[lvii] Ibidem, p. 157-158.
[lviii] Ibidem, p. 158-159.
[lix] Ibidem, p. 160.
[lx] Ibidem, p. 161.
[lxi] SANTOS, Boaventura de Souza; COSTA, Hermes Augusto. Op. cit., p. 42-43.
[lxii] Ibidem, p. 43.
[lxiii] Ibidem, p. 44.
[lxiv] SANTOS, Boaventura de Souza; COSTA, Hermes Augusto. Op. cit., p. 34.
[lxv] CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 174.
[lxvi] Ibidem, p. 304.
[lxvii] Ibidem, p. 300.
[lxviii] ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009, p. 116.
[lxix] LEVESQUE, Christian; MURRAY, Gregor. Op. cit., p. 167.
[lxx] Ibidem, p. 168.
[lxxi] SANTOS, Boaventura de Souza; COSTA, Hermes Augusto. Op. cit., p. 23.
[lxxii] Ibidem, p. 25-26.
[lxxiii] Ibidem, p. 26.
[lxxiv] Ibidem, p. 44.
[lxxv] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988: interpretação crítica.13. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 53.
[lxxvi] V. p. 1-2, acima.
[lxxvii] Com efeito, o Estado possui um papel importante na regulação do mercado financeiro. Não é demais lembrar que esse mercado já foi fortemente regulado, pelo menos até a década de 1960, e, então, operava sem maiores sobressaltos. Hoje, após a fase mais grave da crise financeira de 2008, há uma forte demanda popular pela regulamentação das finanças, que, porém, tem sido recebida pelos governantes, que insistem em manter o projeto neoliberal nesse particular, com certa hesitação. Ainda assim, as finanças alcançaram um estágio em que qualquer tentativa de controle torna-se extremamente difícil, como destaca David Harvey: Os processos geográficos de acumulação do capital, por outro lado, são bem mais difusos e menos suscetíveis de decisões políticas explícitas nesses termos. A ação individual (usualmente comercial, financeira e corporativa) está em toda parte, e a forma molecular dá origem a múltiplas forças que se chocam entre si, por vezes contrariando e outras vezes reforçando certas tendências agregadas. É difícil administrar esses processos a não ser indiretamente e, mesmo assim, com frequência somente depois do fato de tendências já estabelecidas. As estruturações institucionais contidas no Estado têm, como veremos, um influente papel a desempenhar no estabelecimento do cenário da acumulação do capital. E há a parafernália monetária fiscal, bem como uma gama de modalidades fiscais e monetárias de intervenção (incluindo modelos de taxação, políticas redistributivas, o fornecimento pelo Estado de bens públicos e o planejamento direto) que situam claramente o Estado como poderoso agente econômico legitimamente constituído. Não obstante, mesmo em Estados autoritários ou em Estados apelidados de “em desenvolvimento” em virtude de suas fortes conexões internas entre as políticas estatais, os processos financeiros e o desenvolvimento industrial, verifica-se que os processos moleculares com frequência escapam ao controle. Parece difícil de antecipar, e difícil até de acompanhar, os fluxos de capital e os fluxos financeiros pelos estranhos meandros do sistema de crédito. Todo tipo de intangíveis psicológicos, como a confiança do investidor ou do consumidor, entram no quadro de forças determinantes. O melhor que se pode fazer é monitorar ansiosamente os dados depois dos eventos, na esperança de identificar tendências, prever sem garantias o que o mercado fará em seguida e aplicar algum corretivo para manter o sistema numa condição razoavelmente estável. HARVEY, David. O Novo Imperialismo. São Paulo: Edições Loyola, 2012, p. 33.
[lxxviii] SANTOS, Boaventura de Souza; COSTA, Hermes Augusto. Op. cit., p. 27.
 
Referências
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TOURRAINE, Alain. Após a crise: a decomposição da vida social e o surgimento de atores não sociais. Petrópolis: Vozes, 2011.
 
(*) Pedro Mahin Araujo Trindade é Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. Mestrando em “Direito, Estado e Constituição – Globalização, Transformação do Direito e Ordem Econômica” pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília – FD/UnB. Pós-graduando em Direito Material e Processual do Trabalho pelo Centro Universitário IESB-DF. Membro do grupo “Trabalho, Constituição e Cidadania” da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília – FD/UnB. Advogado.

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