segunda-feira, 11 de maio de 2015

NEM QUE A VACA TUSSA & MINIREFORMA DA PREVIDÊNCIA : O Procurador do Trabalho Sandro Sardá comenta a aprovação das duas MP 664 e 665 pelo parlamento brasileiro, como de retrocesso social






ENTREVISTA – Minirreforma da previdência – Impactos das MPVs 664 e 665/14.





















Sandro Eduardo Sardá, Procurador do Trabalho em SC, Coordenador Nacional do Projeto de Adequação das Condições de Trabalho em Frigoríficos


Perguntas – Entrevista – Jornal da Anamt

As alterações contidas nas MPs 664/14 e 665/14 constituem um retrocesso social nas políticas previdenciárias e de saúde ?


Sandro Eduardo Sardá: As alterações promovidas representam o maior retrocesso social em políticas de seguridade social das últimas décadas.  Nem mesmo a criação do fator previdenciário pela Lei nº 9.786/99 representou tamanha precarização. Por meio de medidas provisórias foram suprimidos direitos  incorporados ao patrimônio jurídico dos trabalhadores, desde a década de 70, violando o princípio constitucional da vedação de retrocesso social, da proporcionalidade, da igualdade, dentre outros. Um exemplo sintomático do conteúdo geral da minirreforma da previdência, versa sobre a pensão por morte. Em 1979 a legislação exigia 12 meses de carência (Decreto nº 83.080/79). A partir de 1992 foi dispensada a carência (Decreto nº 611/92). A MP 664 prevê 24 meses de carência, portanto, o dobro do previsto em 79.  São mais de 4 décadas de retrocesso social. O pior é que as alterações afetam diretamente populações vulneráveis em razão de adoecimento, desemprego involuntário e morte em ente familiar. O INSS estima que a renda média dos benefícios concedidos no Brasil gira em torno de R$ 950 reais. São portanto os doentes, os pobres e os desempregados desta país que vão pagar a conta do ajuste fiscal. Ressalto que não há nenhuma distorção a ser corrigida, trata-se da mera supressão de direitos fundamentais. 

Como estas medidas afetam a saúde dos trabalhadores ?


A saúde tem como fatores condicionantes e determinantes a alimentação, a moradia, o trabalho a renda, a educação, o lazer, o transporte, a previdência social, o acesso a bens e serviços essenciais, dentre outros (art. 3º da Lei n° 8.080/90). Evidentemente que a retirada de direitos fundamentais previstos em políticas públicas previdenciárias e de proteção ao desemprego afeta de forma negativa e substancial a saúde dos trabalhadores. Importante ressaltar que o Brasil, apesar de ser a 7ª maior econômica do planeta,  apresenta preocupantes níveis de desenvolvimento econômica e social (IDH), fato que  tendem a ser agravar ainda mais com estas medidas. 

A MP 664/14 estabeleceu que o auxílio- doença somente será concedido após o 30º dia de afastamento. No modelo anterior o prazo era de 15 dias. Qual o impacto desta alteração ?


A tendência é que os empregados acometidos de patologias voltem ao trabalho ainda sem o reestabelecimento pleno da capacidade laboral, com quadro de cronificação das doenças, principalmente em relação aos distúrbios osteomusculares e transtornos mentais, com prejuízos irreparáveis à saúde dos trabalhadores, à previdência e ao sistema único de saúde. De outro lado, o art. 118 da Lei nº 8.2113/91 estabelece como requisito para a implementação da estabilidade acidentária, a concessão de auxílio-doença, que agora somente será devido após 30 dias. Isto quer dizer que retirou-se dos trabalhadores o direito a estabilidade acidentária após 15 dias de afastamento. Neste cenário, ampliar-se-ão as demissões discriminatórias de empregados adoentados. Da mesma forma, diversas convenções e acordo coletivos preveem a estabilidade no emprego, após o recebimento do auxílio-doença, mesmo que de natureza não-acidentária. Com a MP 664, todas estas estabilidades, que tutelam o direito ao trabalho dos empregados acometidos de patologias, exigirão afastamentos superiores a 30 dias. A majoração do prazo também afeta negativamente as notificações de doenças ocupacionais, com tendência de ampliação do preocupante quadro de subnotificação. A Organização Mundial de Saúde estima que, na América Latina, somente cerca de 4% das doenças ocupacionais são notificadas. A partir da Lei nº 11.430/06, que institui o nexo técnico epidemiológico, verificou-se uma tendência de ampliação das notificações, quadro de tende a retroceder com a atual MP 664/14. Apesar das graves deficiências verificadas nas atuais perícias do INSS, notadamente em relação ao estabelecimento do nexo causal e avaliação da incapacidade, a qualidade das medidas de atenção à saúde tendem a se precarizar ainda mais com a concessão do auxílio doença somente após o 30º dia de afastamento. A mudança em comento também afeta negativamente o modelo baseado no FAP, RAT/SAT. Interessante notar que o FAP/RAT, em razão de baixas alíquotas, dentre outros fatores, não representou uma expressiva e adequada forma de tributação das empresas que mais geram adoecimentos. O instituto nem sequer foi aprimorado e já está a sendo precarizado. Mas no Brasil, como diria o poeta: “aqui tudo é construção e já é ruína”. Em resumo: a concessão de auxílio doença somente após 30 dias - que a princípio seria uma medida que onera as empresas que mais geram adoecimentos ocupacionais - na prática trata-se de um profundo retrocesso social em relação a proteção da saúde dos trabalhadores. 

A medida provisória 664/14 autoriza a realização de perícias previdenciárias pelas empresas ? 


Exatamente. Mediante termos de cooperação ou convênios as empresas estão autorizadas a realizar perícias de natureza previdenciária, seja por meio da contratação de empresas especializadas ou por médicos diretamente contratados. A medida provisória também procedeu a retirada do termo “exclusivamente” da Lei nº 10.876/04 que dispõe sobre a carreira de medico da previdência social. Assim, a partir de 30/12/14, tanto os médicos das empresas quanto os do INSS tem atribuição para realizar a atividades como a  emissão de  parecer conclusivo quanto à capacidade laboral e nexo causal para fins previdenciários; inspeção de ambientes de trabalho para fins previdenciários; caracterização da invalidez para benefícios previdenciários e assistenciais. A realização de perícias previdenciárias é atividade típica de Estado insuscetível de delegação. A previsão causa absoluta estranheza uma vez que na grande maioria dos casos as empresas não procedem a devida adequação do seu meio ambiente de trabalho,  lesionam empregados em larga escala, e ainda estão autorizadas para atestar se os seus empregados estão incapacitados e se há nexo causal. A Constituição Federal não adotou o princípio de “botar a galinha para cuidar do galinheiro”, muito pelo contrário prevê a proteção á saúde, ao meio ambiente, ao trabalho decente e a vida digna. Das diversas inconstitucionalidades formais e materiais existentes nas MPs 664 e 665/14, esta é, sem sombra de dúvida, a mais flagrante violação ao ordenamento jurídico constitucional. Interessante notar que este modelo já foi adotado pelo Brasil na década de 90 e foi suprimido por, ao mesmo tempo, gerar danos aos empregados e ampliar os custos com benefícios, conforme apontado em relatório do TCU. A privatização das perícias tendo a gerar graves distorções e inclusive ampliar, em muito, as possibilidades de fraude. O curioso é que o governo alega que as medidas visam corrigir distorções. A análise profunda e técnica do conteúdo das MPVs 664 e 665, revela que o argumento do Executivo Federal é evidentemente falacioso.

Como ficou a situação das pensões por morte e do seguro-desemprego ?


Para pensão por morte foi criado um período de carência excessivo. Além da carência,  foi previsto a exigência de 24 meses de casamento ou união estável. A medida é inconstitucional, por criar casamentos e uniões de primeira e segunda categoria. Já a previsão de limitação das pensões por morte em razão da expectativa de vida é uma espécie de fator previdenciário às avessas. O fator previdenciário nem sequer foi extinto e já estão criando uma outra espécie. Outro ponto importante é  valor da pensão por morte que foi alterado e agora será de 50%, acrescido de 10% por dependentes. Na prática, cerca de 90% a 95% das pensões por morte serão de 1 salário mínimo. Em relação ao seguro desemprego, com as alterações somente 45% das rescisões sem justa causa terão cobertura social. Estudos apontam que a ausência de proteção social nas situações de desemprego gera prejuízos na formação profissional dos trabalhadores e de seus familiares, círculo vicioso de empobrecimento e precarização. A redução dos gastos com o seguro desemprego deve observar o modelo constitucional e, portanto, passa pela regulamentação do art. 7º, I da CF (vedação da demissão arbitrária, nos moldes da Convenção 158 da OIT) e do art. 139 da CF (tributação complementar de empresas com alta rotatividade).

Há necessidade de se buscar um outro paradigma em relação ao Ministério da Previdência e ao INSS ?.


A verdade é que o Ministério da Previdência Social e o INSS, historicamente, vem adotando reformas com a pretensão de reduzir gastos. Todavia, o fazem através da redução e precarização de direitos fundamentais e não por meio da efetivação das medidas que visam a prevenção, a promoção e a assistência à saúde dos trabalhadores, como a reabilitação profissional, as ações regressivas, perícias adequada e multiprofissionais,  vistorias nos locais de trabalho, aplicação do nexo técnico epidemiológico, dentre outras. A redução de benefícios deve ser feita pelo viés da promoção da saúde e não por meio da precarização e da retirada de direitos. Trata-se de uma lamentável cultura arraigada no seio destas instituições. Há de se buscar um outro paradigma. O Brasil, anualmente, gasta aproximadamente 4% de seu PIB em acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. No Brasil, a violência no trabalho é estruturante do modelo de socioeconômico, cabendo ao Estado adotar políticas publicas de efetivação do  trabalho decente. Todavia, atualmente, estamos a seguir o caminho completamente oposto. 

Na sua opinião, o que poderia ser feito no Brasil para termos ambientes de trabalho mais seguros e saudáveis? 


Acho que a cultura empresarial e o modelo de desenvolvimento no Brasil merecem ser revistos. O modelo baseado no consumo desenfreado e na produtividade a qualquer custo é evidentemente insustentável do ponto de visa socioambiental. Com raras exceções, não se observa nas empresas uma  adequação preocupação com a saúde, a segurança e a vida dignidade dos trabalhadores. O modelo sindical também é absolutamente inadequado e deve ser urgentemente revisto. Sob a ótica estatal, União, Estados e Municípios não adotam políticas públicas adequadas de proteção à saúde dos trabalhadores. Após 27 anos da promulgação da Constituição Federal o SUS ainda não tem uma política minimamente efetiva de prevenção, promoção e recuperação à saúde dos trabalhadores. O Ministério do Trabalho e Emprego atualmente conta com cerca de 2.700 Auditores Fiscais do Trabalho, quando deveria ter no mínimo 7.000 fiscais. A gestão e definição de prioridades do MTE também são bastante inadequadas. O INSS sequer tem políticas adequadas de reabilitação profissional. Em matéria acidentária, o Judiciário Trabalhista fixa indenizações em valores irrisórios. As perícias judiciais são, em geral, de baixa qualidade. O Ministério Público do Trabalho tem limitações de pessoal, mas também dificuldades em determinar suas prioridades. No MPT as cobranças por produtividade vem transformando promotores de justiça em “movimentadores de procedimentos”. Enfim, não é toa que o Brasil é o 4º país do mundo em acidentes fatais. O Brasil detém níveis de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais que podem facialmente ser comparados a um genocídio contra os trabalhadores. A verdade é que sequer podemos falar em acidentes no trabalho, mas sim em verdadeira violência no trabalho, pois muitas mortes e adoecimentos ocorrem em razão de uma política empresarial deliberada em não adotar medidas de proteção à saúde e segurança, mesmo diante de ostensivos agentes de risco. Isto ocorre em relação aos bancos, frigoríficos, construção civil, transportes de cargas, supermercados e atividades de atendimento hospitalar, por exemplo. O amianto que já foi banido em mais de 70 países ainda é utilizado em larga escala no Brasil. Mas temos alguns pequenos avanços. Do ponto de vista cultural, acho que a sociedade começa vagarosamente a perceber que é um péssimo negócio lesionar ou matar alguém para cortar frangos, para realizar atividades bancárias, para construir prédios e estádios de futebol ou para transportar cargas. Temos um longo e árduo caminho a trilhar. Oxalá cresçam pitangas.


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