SUCESSO RENOVADO, XI ELAT, EM MEDELLIN
(Colômbia)

A Professora Ellen Mara Ferraz Hazan em sua intervenção discorre sobre a temática: “TERCEIRIZAÇÃO, UM FENÔMENO OFENSIVO, DANOSO e ILEGAL”.
CONGRESSO
INTERNACIONAL DA ALAL NA COLÔMBIA, MEDELLIN
SUCESSO RENOVADO: Terminou
em 08.11.2013 o XI ELAT – Encontro Latino-Americano de Advogados Laboralistas
realizado na Colômbia, Medellin, com a participação de representações de
diversos países, não só da América-Latina, mas também dos EUA e União Européia.
O evento teve cunho social e multidiciplinário com a participação de advogados, magistrados do trabalho, professores, dirigentes sindicais, discutindo o Mundo do Trabalho frente à Crise Econômica e a Carta Sócio Laboral da ALAL que objetiva a construção de uma sociedade planetária de inclusão social, num mundo novo sem fronteiras e de direitos recíprocos assegurados através de uma legislação supra-nacional tutelando patamares civilizatórios de direitos que assegurem a efetividade da dignidade humana.
Leia mais.
TERCEIRIZAÇÃO
UM FENÔMENO OFENSIVO, DANOSO e ILEGAL.
Ellen Mara Ferraz Hazan. [1] (2013).
“...Tapas os caminhos que vão dar na
casa,
Cobres os vidros das janelas
Recolhes os cães para a cozinha
Soltas os lobos que saltas as
cancelas...
(Sophia de Mello)
Sumário: Introdução; O nosso legado em relação à terceirização; Aspectos
gerais sobre a terceirização; A degradação do valor do trabalho pela
terceirização; Apontamentos sobre a terceirização no setor privado brasileiro. Terceirizações tidas como lícitas pelo poder
judiciário brasileiro; Efeitos jurídicos da terceirização; Apontamentos sobre a
terceirização na administração pública brasileira; Algumas repercussões sociais
da terceirização na administração pública brasileira; Debates sobre o Projeto
de Lei 4330 que tramita no Congresso Nacional brasileiro; Direitos Sociais x
terceirização; Alguns aspectos da terceirização na Colômbia; Conclusão.
Introdução.
O sistema capitalista, ao surgir,
trouxe consigo algumas contradições. Duas delas merecem um maior destaque neste
esboço. A primeira decorre de sua própria eficiência:
“Com o passar do tempo, a
produção pode superar o consumo, e os lucros acumulados já não podem ser
reinvestidos – o que os leva para o mundo dos papéis” ( Márcio Túlio Viana –
Ltr julho/99).
A segunda vem para servir de antídoto ou de amortecedor contra sua lógica de exploração máxima: a formação de um proletariado que, aglomerado no mesmo local de trabalho, unifica-se e luta, coletivamente contra esta exploração.
Em relação a esta segunda
contradição, a necessidade de grandes fábricas, com muitos trabalhadores ali
lotados para a produção da “mais valia” (que se comunicavam na alegria e na
desesperança), assim como a ameaça realizada pela existência de outro sistema
que lhe contrapunha, o socialismo, fez surgir um modelo de capitalismo voltado
para concessões – “Concedem-se os anéis
para não se perder os dedos” (ditado popular).
Tal modelo pressupunha um Estado
regulador voltado para as questões sociais, conhecido como o Estado do
bem-estar social. Enquanto isto, o sistema continuava crescendo sem superar o
consumo – ou seja, continuava acumulando, especialmente porque neste modelo,
para vender, bastava produzir – produção
em massa e consumo em massa.
Durante este período, sob a égide do
Estado do bem-estar social, o sistema capitalista tratou de transformar a
máxima política dos trabalhadores voltada para a conquista do socialismo, em
uma máxima voltada para o sindicalismo de resultados.
O mundo assistiu, então, a cooptação
dos trabalhadores e de suas organizações pelo sistema capitalista,
consubstanciado no abandono da luta política pelo socialismo ou outro modelo,
para abraçar o sistema capitalista voltado para a exploração com concessões
sociais.
Ser explorado pela classe capitalista
já não era mais o problema central dos trabalhadores, mas, sim, ser explorado
com resguardo de direitos básicos como a saúde, a segurança, a remuneração
necessária ao consumo básico.
É a conhecida terceira via onde o
sistema capitalista deixa de ser questionado para ser adaptado. A tese da reforma sobrepõe a da revolução.
Cai o muro de Berlim.
A principal fonte material do direito
do trabalho se enfraquece!
Esta lógica permanece até que aflora,
no sistema, sua contradição vinculada à eficiência do modelo onde a produção
supera o consumo.
Ressurge a outra contradição posta,
vez que a mesma fábrica que reúne os trabalhadores também os une na luta e o
resultado é o aumento dos custos.
Temos, assim, a retração do consumo e
a luta do operariado pela manutenção e crescimento de seus direitos.
O Estado perde a força e a renda, os
sindicatos param de obter conquistas. Esta nova fase faz com que a perda do
poder aquisitivo dos trabalhadores se aprofunde ainda mais, a retração do
consumo se concretize, formando um círculo vicioso.
As duas contradições,
então, necessitam ser resolvidas.
O sistema capitalista,
lembramos, não está mais em xeque, mas, sim, em crise – os primeiros sinais
surgiram no final da década de 60 e se explicitaram com a crise do petróleo em
1972/1973.
Necessário, então, a
construção de um novo modelo para o capitalismo: Surge o modelo do “pensamento
único”, onde o sistema pretende retornar, desta feita mais tranquilo, para sua
vertente liberal.
Uma das soluções foi expandir o
mercado. Imprescindível, então, a queda das barreiras nacionais, especialmente
dos países periféricos – surge a “globalização da economia”.
Na área das finanças, dentro desta
mesma lógica com as novas tecnologias, especialmente a da informática,
possibilita-se a criação de um mercado acionário, sem fronteiras e operando em
“tempo real”.
No mundo do trabalho era necessário
reinventar os modos de produzir e de trabalhar para continuar o processo de
acumulação, forçando a classe trabalhadora a produzir mais, ganhando menos.
O modelo da “empresa enxuta” se faz
presente e se impõe. O ideal deixa de ser o de dominar diretamente toda a
cadeia produtiva.
- Eliminam-se os estoques, as
esperas, não mais se produz em massa, mas sim, por encomenda;
- reduzem-se progressiva e
rapidamente os custos, seja através do desemprego estrutural ou da
automatização;
- reorganizam-se em redes de empresas
(terceiras), jogando para estas tudo
o que lhes parece descartável, até mesmo a mão-de-obra.
Ao contrário do que pode parecer,
este novo modelo não fica menor ou com menos poder, seja em termos econômicos
ou de controle da cadeia produtiva. Pelo contrário, a redução é só física –
aparente - especialmente porque as
empresas terceiras, ditas “menores”, e que são as prestadoras de serviços,
pertencem às tomadoras vez que dependentes daquela e totalmente submetidas a
ela para a sobrevivência ou mesmo existência.
A concorrência no topo faz com que as
grandes empresas se unam, em fusões, incorporações, oligopólios e impérios,
transferindo para as terceiras o trabalho produtivo.
A concorrência na base - entre as terceiras - acirra-se, e muitas se matam para ganhar os
contratos. Para vender, já não é mais
preciso tão somente produzir – é preciso
produção diversificada e barata.
Para produzir barato, é necessária
uma mão-de-obra barata, direitos flexíveis, sindicatos afetuosos e políticas
fiscais favoráveis.
Invertido fica, então, o movimento
entre produção e consumo da fase anterior.
A produção deixa de ser em massa e
passa a ser variada e variável para nichos de consumidores.
O cálculo dos custos, antes realizado
pela projeção do lucro e fixação do preço passa a ser realizado pela estimativa
do preço possível. Assim, fixa-se o lucro desejado e cortam-se os custos.
No interior da fábrica, a inversão se dá da mesma
forma.
Desaparecem os estoques – cada empresa pede à terceira
exatamente o que precisa.
O emprego direto desaparece.
Os custos da mão-de-obra
são reduzidos e a produtividade crescente: a busca da qualidade total não tem
FIM.
O perfil da
classe operária também se modifica.
Surge um pequeno núcleo de trabalhadores de quem se exige maior
qualificação, polivalência e mobilidade funcional e geográfica, com disposição
para horas-extras e, principalmente, que se sintam parte da empresa
(parceiros).
Os trabalhadores lotados em atividades consideradas “meio”, além de tidos
como menos qualificados, ficam fora da empresa tomadora e são colocados como
terceiros, em trabalho subordinado, precarizado e em tempo integral, com grande
rotatividade e salários baixos, sem qualquer perspectiva de carreira
ascendente.
Com a empregabilidade e o temor do desemprego eles se submetem a tudo.
Surge um grupo de trabalhadores tidos como eventuais, que laboram a prazo
ou a tempo parcial. Quase sempre são colocados como desqualificados e,
portanto, transitam entre o desemprego e o emprego precário.
A precarização do trabalho e o
desemprego passam a ser uma constante tida como necessária para sustentação do
modelo.
A lógica torna-se ainda mais cruel.
Os lucros continuam intocáveis.
É essa a realidade que o
sistema capitalista, no modelo neoliberal está impondo ao mundo, mesmo nos
países não considerados periféricos.
O ataque é global e a
intenção é transformar os trabalhadores em mercadorias, em “res”.
A facilidade encontrada
pelo sistema capitalista para implantar seus objetivos natos (liberalismo) se
dá, também, em razão do desaparecimento da força coletiva da classe
trabalhadora. Os movimentos sociais, sindicais, que se contrapõe à acumulação
capitalista se fragilizaram no Estado Social, na medida em que abandonaram seus
objetivos históricos, adaptando-se ao capitalismo.
Em consequência a matéria
prima da construção e da manutenção dos direitos sociais se enfraquece o que
leva a possibilidade de o capital atacar o direito do trabalho, com discursos
de “modernidade” em prol do econômico.
Surge a teoria da
flexibilização dos direitos sociais.
Simultaneamente o capital
ataca o que ainda resta das organizações sindicais, esfacelando a possibilidade
de coalização; criminalizando os movimentos sindicais e; retirando dos
dirigentes suas garantias.
O ataque aos direitos
sociais, dentre eles as garantias sindicais e sociais se torna global.
O nosso legado em relação à terceirização.
A terceirização, fenômeno econômico
imposto pelos meios de acumulação capitalista aos trabalhadores, veio sendo
debatido pelos cantos e recantos do mundo, especialmente brasileiros, como um
“mal necessário” frente a um suposto “mal maior”, que seria a não mais
existência de empregos ou a possibilidade da economia mundial não se sustentar.
A
precarização e a flexibilização dos direitos sociais, retirando-lhes a
efetividade (jogando-os no lixo), passaram a ser supostamente compreendias como
normais no meio jurídico, o que nos incomoda, e muito!
Não
entendemos como normal esse método de acumulação capitalista e sim como ilegal,
ofensivo, danoso, imundo frente aos direitos humanos e sociais conquistados
pela classe que vive do trabalho e frente à ordem econômica ditada pelas Cartas
Constitucionais vigentes, inclusive a brasileira.
Não
obstante, esse fenômeno segue sendo utilizado em larga escala, até mesmo com o
aval dos Tribunais Trabalhistas, como o brasileiro Tribunal Superior do
Trabalho onde, através de Súmula, a de número 331, claramente privilegia o
econômico em detrimento do social.
Entre o lucro e as pessoas, os
judiciários têm assumido a defesa do lucro, pelo menos por enquanto.
O certo é que esses entendimentos
jurisprudenciais que autorizam, mesmo contra os comandos maiores das
Constituições, a terceirização como legal, arromba a porta para o capital
neoliberal transformar o trabalho humano em mercadoria, como se vê não só da
leitura do Projeto de Lei 4330 que tramita no Congresso Nacional Brasileiro,
mas principalmente das práticas atuais do sistema econômico em relação à classe
trabalhadora brasileira e mundial.
E, qual a
razão deste aval dos Tribunais Trabalhistas a essa figura ilegal? E como fica
esse aval frente ao PL 4330 que está tramitando no Congresso Nacional
Brasileiro com sérios riscos de ser aprovado?
Enfim, como
ficam os trabalhadores, o direito do trabalho e a Cartas Constitucionais que
dão valor fundamental ao trabalho e à dignidade humana frente a esse fenômeno
que é contrário aos ditames da Organização Internacional do Trabalho e dos
Países que adotaram o modelo de Estado Democrático de Direito?
São esses
questionamentos que nos desafiam e que merecem nossa elaboração.
Necessitamos
dar uma maior contribuição, não só teórica vez que operários do direito. Lutar
contra esse absurdo antissocial, antijurídico, considerando-o crime contra a
humanidade é o mínimo que podemos fazer.
Para que
dúvidas não pairem sobre o que pretendemos alertar, nossa luta não deve ser
somente contra o fenômeno da terceirização nesse ou naquele país. Nossa luta é
contra a terceirização, exigindo a bilateralidade contratual e a efetivação dos
direitos sociais.
Não podemos
cair na armadilha que achamos estar armada para a manutenção do fenômeno
terceirização. Legislar autorizando esse fenômeno será um suicídio. O fenômeno
é proibido pelas nossas leis e não devemos autoriza-lo através de Lei
específica ou mesmo de qualquer outro instrumento normativo.
Nossa luta
não pode ser para minimizar os efeitos da terceirização. Nossa luta é para
fazer valer a proibição desse tipo de exploração que transforma o ser humano
trabalhador em mercadoria.
Acredito que esse seja o nosso
legado.
Aspectos
gerais sobre a terceirização.
A palavra “terceirização” é tida como
neologismo, ou seja, uma palavra inventada.
Na Europa
ela é rotulada como subcontratação, reconcentração, focalização ou
descentralização.
Essas
denominações utilizadas pelos países centrais deixa clara a intenção de
precarização do contrato bilateral de emprego (subcontratação) estabelecendo
relações trilaterais e, ainda, com descentralização de atividades empresarias
(reconcentração, focalização, descentralização).
Já a palavra “terceirização”,
utilizada na Brasil, deixa às escondidas a real intenção deste fenômeno
capitalista que tem vindo, para a mídia, como uma “moderna necessidade
empresarial de concentrar-se em seu negocio principal”.
As empresas tomadoras, ditas
modernas, na terceirização deixam de ter relação com seu produto, passam a ser
gestora da exploração do trabalho para a geração de lucro e sua atividade fim,
ou seu negocio principal rentável, passa a ser o comércio de gente.
Nesse comércio de gente, a mais-valia
decorrente da exploração do trabalho humano se multiplica. Não é mais o produto
que vai gerar lucro, mas o comércio de trabalhadores, de seres humanos.
Não temos dúvidas de que esse
agenciamento de trabalho humano, apelidado de “shopping center fabril” por SOUTO
MAIOR, Jorge Luiz, o ser humano trabalhador passa ser oferecido como mercadoria
e dele, do seu trabalho, se extrai uma segunda mais-valia e outras tantas,
dependendo da quantidade de agenciadores de mão-de-obra envolvidos.
Oferecendo o ser humano como
mercadoria e para que “essa” conceda, a todas as agenciadoras (supostas
empresas) lucro (mais-valia), se faz necessário o aviltamento dos direitos
sociais.
Desta forma a terceirização tem como
objetivo transformar o “negócio principal” de as empresas, para obtenção de
melhores lucros, na exploração do trabalho como mercadoria e não mais na
produção de produtos e, para que os lucros cresçam se faz necessário, na visão
destes criminosos, a redução de salários, a precarização das condições de
trabalho, a fragilização do trabalhador na sua condição de individuo e de
coletividade, enfim, impossibilitando qualquer construção de consciência do
trabalhador em torno da exploração que poderia lhe conduzir às praticas,
indispensáveis, como à explicitação do conflito de classes, para reduzir o
poder do capital.
Por essas razões é que entendemos que
a terceirização, além de ser contrária as legislações nacional e internacional,
deve ser tipificada como crime contra a humanidade, na medida em que desvincula
o capital do trabalho, inviabilizando não só o conflito ou o antagonismo de
classe, mas principalmente o reconhecimento dos trabalhadores enquanto classe,
colocando o ser humano trabalhador na condição de mercadoria, coisa, “res”.
E nem se suponha que existem meios de
terceirizar sem precarizar os direitos sociais da classe que vive do trabalho.
Como nos ensina VIANA, Marcio Túlio, “terceirização que não precariza é uma
contradição em seus próprios termos”, especialmente em razão de esta
desumanizar o trabalhador levando o direito a lhe oferecer em troca de seu
trabalho e de sua dignidade, apenas uma compensação financeira.
Não temos dúvida que a terceirização
representa a estratégia do capital de destruir a classe trabalhadora para se
servir do trabalhador individualizado como coisa, em regime de alta exploração.
Maurício Godinho Delgado assim define
a terceirização:
“Para o Direito do Trabalho,
terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de
trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal
fenômeno, insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços
sem que se estenda a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados
com uma entidade interveniente.” (Delgado, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho, 2 ed.
rev. atual., São Paulo:LTr, 1999. p. 274)
Afirmam os doutrinadores que tal fenômeno merece ser analisado com
reservas, na medida em que insere, artificialmente, um modelo trilateral na
relação jurídica, distanciando-se, pois, da concepção bilateral que é própria
da relação de emprego.
O lamentável fenômeno da
terceirização, apesar de contundente, é recente. Temos considerado tal fenômeno
como a estratégia de o capital resolver uma de suas contradições: produzir sem
unir a classe trabalhadora.
Como destacado, existem várias
denominações para esse fenômeno capitalista como “triangulação”,
“subcontratação”, “terceirização”, “outsourcing”, “descentralização”,
“desverticalização” dentre outros, porém, como se pode constatar, qualquer que
seja a denominação utilizada, vem acompanhada de destruição, seja de direitos
sociais, seja da dignidade do ser humano trabalhador.
Dois têm sido os métodos de
terceirização utilizados a partir de meados do século XX:
- o primeiro, quando a empresa passa
para outras empresas suas etapas de produção;
- o segundo quando a empresa traz,
para dentro de sua produção, os trabalhadores alheios.
O primeiro modelo lança para fora da empresa etapas inteiras do seu ciclo produtivo,
fragmentando não só a produção, mas também os trabalhadores de forma objetiva.
Alguns autores afirmam que essa forma
de descentralização da produção “outsourcing” não gera problemas jurídicos,
econômicos ou sociais por serem as empresas terceiras formalmente constituídas
e por assumirem, plenamente, as obrigações trabalhistas de seus próprios
trabalhadores. Ousamos discordar de tal entendimento, especialmente em razão de
que através deste modelo, o que a grande empresa não pode fazer a pequena faz
por ela, como nos alerta VIANA, Márcio Túlio:
“ ... é verdade que a
precariedade tende a aumentar na medida em que se avança pelas malhas da rede.
E isso não só porque as parceiras costumam ser mais frágeis, como porque são
menos visíveis – a tal ponte que às vezes se escondem num fundo de quintal.
Nesse caso, então, o que a grande
empresa não pode fazer, a pequena faz por ela: paga pouco, sonega direitos, usa
máquinas velhas, ignora as normas de prevenção. E assim, pode cobrar menos
dinheiro pelas peças que fabrica, o que às vezes é condição de sua própria
sobrevivência – já que trava uma guerra moral com as suas concorrentes...”
(Terceirizando o Direito: novos enfoques sobre o PL 4330 pag. 2)
Acrescentamos ainda, que além de
essas pequenas empresas não terem condições econômicas de suportarem passivos
trabalhistas, elas desaparecem sem pagar os direitos de seus empregados,
deixando-os em situação de penúria.
Soma-se a tal questão, que poderia
ser resolvida pela aplicação da responsabilidade solidária entre a tomadora e
as prestadoras, o que não ocorre na linha de atuação de nossos tribunais, a
fragmentação objetiva dos trabalhadores o que lhes impossibilita a união e a
luta, solidária, por melhores condições de vida e trabalho.
É, como alertamos, a destruição de
uma das fontes materiais do direito do trabalho.
O segundo modelo fragmenta diretamente os trabalhadores, desta feita de forma
subjetiva, opondo trabalhadores diretos aos terceirizados e vice versa.
A grande estratégia do capital que
está sendo levada à cabo com a terceirização é poder produzir sem reunir os
trabalhadores e, na eventualidade de ter que reuni-los, reunir sem unir.
Essa forma destrói qualquer elemento
coletivo e de solidariedade entre os trabalhadores, transformando-os em
concorrentes, em inimigos: O trabalhador da tomadora, aceita reduzir seus
direitos para não perder seu emprego para o terceirizado e este, para poder se
mostrar melhor ao patrão, aceita trabalhar mais ganhando menos, na tentativa de
um dia ser empregado da empresa tomadora.
Além desse aspecto, temos a fragmentação
sindical dos trabalhadores que lhe impossibilita a unidade, a solidariedade e a
coletividade.
A degradação do valor
do trabalho pela terceirização.
A questão vinculada ao trabalho
humano, seu sentido ético, seu significado social, seu valor, sua finalidade,
desde tempos imemoriais vem instigando estudos, pesquisas, pronunciamentos,
reflexões e isso não só por juristas,
mas também por filósofos, religiosos, sociólogos, economias, dentre outros.
Não obstante a polêmica que esse
assunto enseja, é certo que o trabalho do homem sempre foi visto à luz de pelo
menos dois enfoques diversos e que se apresentam contraditórios.
Um, concebe o
trabalho como fonte de libertação, fator de cultura, progresso, realização
pessoal, além de instrumento de paz social, de bem estar coletivo e dominação
racional do universo, sempre na linha do Gênesis:
“... Multiplicai-vos,
frutificai-vos e enchei a terra e sujeitai-a e dominai sobre os peixes do mar e
sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem sobre a terra”. (
Gen. 1,28).
Nesta concepção, o trabalho dá ao
homem inegável dignidade, vez que o coloca como administrador de todo o orbe,
dando a ele evidente privilégio em relação aos demais seres do planeta, pois
apenas o ser humano pode realizar trabalho com discernimento e liberdade,
transformando o planeta em riquezas úteis.
Outro concebe
o trabalho como uma punição, uma expiação, um fardo ou castigo imposto ao homem
decaído, como forma de puni-lo por seus erros e desobediência:
“.. porquanto deste ouvido à voz
de tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei dizendo: não comerás dela, maldita é a terra por causa
de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida; com trabalho penoso
tirarás dela o alimento todos os dias de tua vida. Produzir-te-á abrolhos e
espinhos e nutrir-te-ás com as ervas do campo; comerás o pão com o suor da tua
fronte”( Gen. 3,17-19).
Apesar da aparente divergência entre
esses dois enfoques, se pensarmos bem, eles não se contradizem nem mesmo na
perspectiva do Evangelho.
Para este, Evangelho, o trabalho é
castigo, sim, mas purificante, libertador, ungido de dignidade. Uma espécie de
cadinho da alma pelo qual se afugenta o ócio se exercita a criatividade e se
fertiliza a solidariedade entre os homens, num câmbio permanente de bens e
serviços.
É
bom lembrar, também, que o homem trabalha desde que foi criado, segundo a
Bíblia, antes mesmo de haver, supostamente, desobedecido ao criador ...
“.. tomou pois o senhor Deus o
homem e o colocou no jardim do éden para cultivá-lo e guarda-lo”( Gen. 2,15).
Segundo alguns autores a diferença
esta em que, antes do homem ter obedecido a mulher, o trabalho era alegre e sem
fadigas, tornando-se penoso somente após a desobediência de Adão e Eva.
Ousamos aqui mencionar o evangelho
vez que a maioria de nós, latino americanos, desde criança ouvimos essas
estórias e delas tiramos alguns sentimentos e valores, como a culpa, o medo, o
moral a ética e outros.
Isso significa que independente da
condição intelectual e religiosa de cada um de nós, todos ou quase todos, fomos
moldados e contaminados por essa estória. Ela ficou no nosso inconsciente.
Dai a importância do trabalho para o
ser humano e sua dignidade!
Já para os economistas, o trabalho
está ligado intimamente com a utilidade do trabalho realizado, pelo que deverá
ele se prestar para satisfazer solicitações humanas, atender ao que o homem
precisa para manter-se, sobreviver.
Em economia, então, o trabalho do
homem deve traduzir um resultado útil, prático, ou seja, utilidade econômica, e só!
Dai afirmar-se que: O trabalho é toda energia humana que, em
consórcio com os demais fatores de produção – natureza e capital – é empregado
com finalidade lucrativa.
Para a filosofia, como a atividade
humana é muito ampla, extensa, multifacetada, rica de manifestações e de
singularidades desenvolvendo-se numa simbiose complexa, harmônica o trabalho
pode ser considerado castigo, pena, fardo, encargo; ou privilégio,
dignificação, instrumento de transformação útil de riquezas do planeta; ou
ainda, fator de redenção humana.
O que existe
de comum para a filosofia é que o trabalho é toda atividade realizada em
proveito do homem. É todo empenho de energia humana voltado para acudir a
realização de um fim de interesse do homem. ( Johannes Haessle).
Para os juristas, o trabalho do qual
se ocupa a normatividade, é o que é realizado de forma voluntária e consciente
pelo homem, colimando um fim socialmente útil.
Assim, para o direito, o trabalho
precisa ter um conteúdo lícito, uma dimensão ética, já que não é um fim em si
mesmo, pois carrega uma hipoteca social, que é o atendimento de necessidades
humanas. Por consequência, há de ser valorável e socialmente proveitoso. Não
necessariamente produtivo, economicamente falando.
Ademais, o direito também se ocupa
com o trabalho subordinado, ou seja, aquele em que alguém coloca suas energias
em favor de outra pessoa, trabalhando sob as ordens dela e para o
enriquecimento dela.
Todos esses
conceitos sobre o trabalho, fez com que a humanidade enfrentasse várias
revoluções e, pelo menos duas guerras mundiais para que se estabelecesse a
proibição da visão liberal do trabalho como mercadoria, como coisa.
Para os liberais o Estado
existe para a proteção da sociedade que, por sua vez, é franqueada à iniciativa
individual. O Estado se afasta das relações obrigacionais e no âmbito político,
os fins ou o sentido e os valores da Constituição não tem valor ou peso.
Ideologicamente, a sociedade liberal se considera superior ao
Estado.
Destaca Jorge Luiz Souto Maior no texto Direito
social, Direito do Trabalho e Direitos Humanos, citando François Ewald que:
“ ...os postulados básicos de um direito na ordem liberal são:
“ a) a preocupação
com o próximo decorre de um dever moral: tornar esse dever em uma obrigação
jurídica elimina a moral que deve existir como essência da coesão social;
b) todo direito obrigacional
emana de um contrato: a sociedade não deve obrigação a seus membros; só se
reclama um direito em face de outro com quem se vincule pela via de um
contrato;
c) a desigualdade social é
conseqüência da economia (e a igualdade também): quando o direito procura
diminuir a desigualdade acaba acirrando a guerra entre ricos e pobres (ricos,
obrigados à benevolência buscam eliminar o peso do custo de tal obrigação;
pobres, com direitos, tornam-se violentos);
d) a fraternidade é um
conceito vago que não pode ser definido em termos obrigacionais;
e) o direito só tem sentido
para constituir a liberdade nas relações intersubjetivas, pressupondo a
igualdade (a ordem jurídica tem a função de impedir os obstáculos à liberdade);
f) o direito não pode obrigar
alguém a fazer o bem à outra pessoa;
g) em uma sociedade
constituída segundo o princípio da liberdade, a pobreza não fornece direitos,
ela confere deveres.”
Em razão destes
postulados, é certo para o modelo liberal que os riscos a que se sujeitam os
trabalhadores num ambiente de trabalho não poderiam ser imputados a quem os subordina
e mesmo à sociedade. Na lição do mesmo autor:
“
... as incertezas da vida e os seus
riscos, afinal, dizia-se, atingem a todos igualmente. Não sendo trabalho, pois,
de atributo de uma certa classe de homens. Assim, cabe a cada um ganhar sua
segurança no exercício pleno da liberdade.
...
Assim, riqueza e pobreza têm a
mesma origem, a liberdade. O pobre poderia ser rico pela mesma virtude que fez
a riqueza o rico.”
Daí a
máxima liberal de dar a cada um o que é seu:
Ao pobre, a pobreza. Ao rico, a riqueza.
A crise social
haveria, pois, de se desenvolver nesse contexto social, jurídico, técnico e
econômico. E se desenvolveu.
A oposição entre o
operário e a empresa mais se acentuou, ao passo que as condições de trabalho
mais se tornaram deprimentes, o desemprego campeava, os acidentes de trabalho
faziam estatísticas e a massa de trabalhadores parecia tornar-se fisicamente
degenerada.
Tudo isso resultou
no aparecimento de certa força de resistência da classe operária que se foi
concentrando à medida em que as fábricas se expandiam.
As condições de vida
uniformizadas a um nível tão ínfimo, mesmo assim criaram certos liames de
solidariedade grupal que se fortaleceram ao embate do sofrimento e se
intensificaram com a luta aberta que se instalou contra o grupo empresarial.
E a consciência de
classe que se revelou através das primeiras coalizões e, pouco mais tarde,
através de movimentos sindicais propriamente ditos, cuja primeira fase
correspondem às sociedades secretas de resistência que a história dos países
europeus - especialmente a França - e da América do Norte, registraram.
Esta coesão da
classe operária, que se tornou mais estreita à medida que se fortificaram os
grupos, pelo número e pela consciência grupal, pode ser vista como o impulso
inicial para o surgimento do Direito do Trabalho, porque somente daí é que
partiram realmente as reivindicações.
Como saliente Jorge
Luiz Souto Maior,
“ Foi a partir das diversas tensões da
sociedade industrial em formação, no âmbito mundial, com todos os seus efeitos
reais, guerras, greves, revoltas, reivindicações, mortes, mutilações, que se
necessitou sair do modelo político liberal para se chegar ao Estado Social, ou
Estado Providência, ou, ainda, Estado do Bem-Estar Social.
As diversas nações do mundo, vale lembrar, passaram
longo tempo discutindo os problemas gerados pelo advento do modelo capitalista
de produção com tendências a atingir uma escala mundial, desenvolvido à base do
modelo jurídico pós-revolução francesa.
Desde o início do século IXX, alguns pensadores já
expunham suas preocupações com este problema; mas, somente em 1889 ele começou
a ser tratado com maior intensidade, quando o governo suíço propôs a realização de uma Conferência
Diplomática em Berne, para fixar bases de um acordo internacional sobre o
trabalho das fábricas....
...
Novos congressos foram realizados em 1908; 1910 e
1912, mas, durante todo este tempo, praticamente, nada se realizou em termos de
regulação do trabalho, até que, em 1914, adveio a primeira guerra mundial.
A guerra gerou, por conseqüência, a suspensão das
reuniões; porém, por outro lado, fez com que a preocupação com a questão social
começasse a ser levada um pouco mais a sério. Não foi por acaso, portanto, que
ao final da guerra, no documento que lhe pôs fim, o Tratado de Versalhes,
acabou proclamando a necessidade de se preocupar com a questão trabalhista,
criando um organismo internacional (OIT), para desenvolvimento da legislação do
trabalho, e fixando uma série de princípios gerais (Capitant, p.34) destinados
a servir de diretiva para a legislação.
...
Não foi por acaso, portanto, que na Parte XIII, do
Tratado de Versalhes, de 28 de junho de 1919, art. 427, foram expressos os
princípios que deveriam reger a normatização das relações de trabalho pelo
mundo, merecendo destaque o contido no inciso I do referido artigo: o trabalho não
deve ser considerado como simples mercadoria ou artigo de comércio, mas como
colaboração livre e eficaz na produção de riquezas.
Afirma ainda o mesmo
autor que tal questão não foi levada a sério por muitos países e que isto,
consideradas as proporções,
“... acabou motivando o surgimento da segunda guerra
mundial. Resultado: em 30 de maio, de 1946, após a segunda guerra, a OIT foi
elevada a órgão permanente da ONU, reforçando a preocupação com a distribuição
de renda e com a fixação de condições dignas e igualitárias de trabalho por
todo o mundo.”
Ocorreu, em seguida,
o que conhecemos como fenômeno da constitucionalização dos direitos sociais, a
exemplo do que havia ocorrido no México e na Alemanha em 1917.
Um novo modelo
jurídico vem a se estabelecer – O Estado do Bem-Estar Social.
O Estado, então,
passa a intervir nas relações contratuais (o que era inadmissível frente aos
pressupostos liberais), e passa a se comprometer com a sociedade como o
implementador da satisfação dos novos interesses do capital, passando até mesmo
a ser sujeito passivo obrigado a efetivá-los.
Na esfera jurídica,
o Estado deixou de ser um mero legitimador dos interesses dos dominantes e
transfigurou-se em Estado Social – no prisma do direito.
Para se fazer uma
análise entre os pressupostos do liberalismo e os do Estado Social, destaca-se,
na visão de Jorge Luiz Souto Maior, que este novo modelo diferiu-se,
“... fundamentalmente, do antigo em um aspecto: o da solidariedade
social, que deixou o campo da moral para se integrar à ordem jurídica.
Passou-se a reconhecer que do vínculo social advinha à responsabilidade de uns
para com os outros, cabendo ao Estado a promoção de todos os valores que
preservavam a vida, na sua inteireza, independente da condição econômica ou da
sorte de cada um. A solidariedade, no sentido da preocupação de uns com a
situação social e econômica de outros, deixou o campo da moral e passou a se
integrar à ordem jurídica. A solidariedade foi integrada, assim, ao campo da
responsabilidade e esta não foi mais uma responsabilidade civil e sim social,
juridicamente exigível, sem necessidade de integração, a uma dada relação
jurídica, dos elementos liberais, tais como a culpa e os limites estritos de um
contrato (analisado do ponto de vista formal).
No contexto da produção capitalista, que permitiu a
utilização do trabalho humano de outrem para geração de riquezas, aqueles que
se beneficiaram do sistema, ou melhor, que acumularam riquezas em função do
trabalho alheio, na ótica do direito social, tinham, naturalmente, uma
responsabilidade redobrada, sendo que o primeiro modo concreto de cumpri-la era
respeitando os direitos daqueles que, com seu trabalho, alimentavam sua
atividade econômica.
Desse modo, nada foi mais agressivo à ordem jurídica
do Direito Social que o desrespeito aos direitos dos trabalhadores.” autor e ob
cit).
Por essas
razões é que, analisando o fenômeno capitalista liberal da terceirização,
concluímos que ele aponta para a vontade de o capital restabelecer os primados
legais de um Estado Liberal, onde as relações contratuais se regem
exclusivamente pela vontade das partes, individualmente consideradas, sem
interveniência do Estado, transformando o trabalho humano em mercadoria.
Assim o
produto do capital passa a ser o trabalho, como mercadoria. Tal fenômeno retira
dos seres humanos, por vontade dos seres jurídicos (pessoa jurídica) o valor
social e de dignidade que o trabalho conquistou depois de tanta luta e tantas
guerras.
Como destaca
DELGADO, Maurício Godinho, ao tratar dos “Direitos Fundamentais na Relação de
Trabalho, no livro, Direitos Humanos: Essência do Direito do Trabalho”:
“ Direitos fundamentais e
Constituição.
Embora o fenômeno da
constitucionalização do Direito do Trabalho tenha se iniciado ao final da
segunda década do século XX, será apenas após a Segunda Guerra Mundial, com as
novas constituições democráticas da França, Alemanha e Itália (e, décadas
depois, Portugal e Espanha), que a noção de direitos fundamentais do trabalho
solidificou-se na seara constitucional. Tais Cartas Magnas relativamente
recentes é que não somente ampliaram a inserção de regras trabalhistas em seu
interior, como também, - e principalmente – consagraram princípios de direta ou
indireta vinculação com a questão trabalhista.
Neste plano, por exemplo, o
princípio da dignidade da pessoa humana – com necessária dimensão social, da
qual é o trabalho seu mais relevante aspecto -, ao lado do princípio da
subordinação da propriedade à sua função socioambiental, além do princípio da
valorização do trabalho e, em especial, do emprego, todos expressam o ponto
maior de afirmação alcançado pelo Direito do Trabalho na evolução
constitucional dos últimos séculos.
No Brasil este ápice de afirmação
constitucional, encontra-se na Carta de 1988, como se sabe. Ali todos estes
princípios, a par de outros também relevantes, espraiam-se pelo corpo
constitucional, conferindo uma das marcas mais distintas de tal constituição
perante as demais já existentes na história do país.
Na verdade, são quatro os
princípios constitucionais afirmativos do trabalho na ordem jurídico-cultural
brasileira: o da valorização do trabalho, em especial do emprego; o da justiça
social; o da submissão da propriedade à sua função sócio-ambiental; o princípio
da dignidade da pessoa humana...”
POIS BEM, a
Carta Brasileira de 1988 em seu Título I, como já ressaltado, “ Dos princípios
fundamentais”, aponta a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa (art. 1º. Incisos III e IV).
Ainda neste título, o art. 3º. Afirma
que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I.-
construir uma sociedade livre, justa e solidária; II- garantir o
desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV- promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação.
Por sua vez o enquadramento do
Direito do Trabalho como direito social está aposto no art. 6º da CR/88 e, o
art. 7º concretiza os inúmeros direitos sociais humanos do trabalho ali
descritos.
E não é só, a Constituição de 1988,
ao tratar da “ Ordem Econômica e Financeira” e dos “ Princípios Gerais da
Atividade Econômica (Titulo VII, Capítulo I, art. 170), destaca que a tal
atividade e até mesmo a ordem econômica está “ fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa”.
As palavras: fundamento e valorização
estão apostas não sem motivo no texto constitucional que trata da ordem
econômica, como se verifica da determinante constitucional que afirma que a
mesma “..tem por fim assegurar a todos
existência digne e isto, conforme os ditames da justiça social, mediante a
observação dos seguintes princípios”..:
- soberania nacional
-
propriedade privada
- função
social da propriedade;
- livre
concorrência
- defesa do
consumidor
- defesa do
meio ambiente
- redução
das desigualdades regionais e sociais
- busca do
pleno emprego
-tratamento
favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis
brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Destaca-se ainda que a nossa Carta ao
tratar da “Ordem Social” reafirma que a
“ ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar
e a justiça sociais – art. 193 da CR/88).
Assim não há como negar que o
trabalho adquiriu, na Constituição de 1988 brasileira o status de objetivo e
finalidade de tais ordens concretas da vida humana e comunitária, como afirma
DELGADO, ob cit.
Mas devemos questionar: toda esta
valorização do trabalho/emprego diz respeito a qualquer trabalho? A qualquer
custo social? O trabalho precário o informal estariam protegidos pela nossa
Carta? O trabalho terceirizado está autorizado?
E uma pergunta
a mais: Em razão desses postulados, que proíbem a terceirização, por qual razão
ela hoje grassa pelas terras brasileiras?
O certo é
que o fenômeno da terceirização frente aos direitos humanos sociais dos
trabalhadores, faz com que a mesma desapareça até mesmo em razão de que, quando
tratamos de direitos humanos e sociais não é o direito que deve correr atrás do
fato, mas sim esse que deve se submeter ao direito.
Em assim não
o fazendo destrói-se os valores sociais e humanos para fazer viver e sobreviver
os valores do mercado e nós, seres humanos, seguimos degradados e rebaixados à
condição de coisa, exercendo nossa paciência até que, quem sabe, a situação
mude.
Para usar da
minha máxima sinceridade e me socorrendo dos ensinamentos do mestre SARAMAGO, José,
afirmo que estou cansada de ter paciência. Muitas revoluções se perderam por
demasiada paciência. Não temos que ter nada contra a esperança, mas
ultimamente, prefiro a impaciência. “Já é tempo de que ela se note no mundo
para que alguma coisa aprendam aqueles que preferem que nos alimentemos de
esperanças ou de utopias.” (JUTRA- A Esperança e a Impaciência).
Apontamentos sobre a
terceirização no setor privado brasileiro.
A Consolidação das Leis do Trabalho
Brasileira (CLT) elencou, originalmente, apenas duas figuras que se
consubstanciam na subcontratação de mão-de-obra, quais sejam a empreitada e
subempreitada (art. 455), incorporando também a pequena empreitada (art. 652,
alínea “a”, inciso III). Destarte, tem-se que, à época da elaboração da
Consolidação das Leis do Trabalho, década de 40, a terceirização não se
apresentava com a dimensão que possui hodiernamente. Com efeito, naquela época,
conforme assevera Maurício Godinho Delgado (Ob. cit., p. 375) “sequer merecia
qualquer epíteto designativo especial”.
No final da década de 60 do século
XX, surge no segmento público brasileiro referência normativa à terceirização.
O Decreto-lei nº 200/67, em seu art. 10, fixava os parâmetros deste fenômeno,
autorizando-o apenas ao setor público: administração direta e indireta.
Na década de 70 do século XX, a Lei
nº 6.019/74 fixou a figura do trabalhador temporário. Elasteceu-se pois, o
âmbito da terceirização, na medida em que a mesma passou a contaminar, também,
o setor privado.
Em 1983, a Lei nº 7102 estipulou a
terceirização nos serviços de vigilância bancária. Cumpre destacar que, ao
contrário da Lei 6019/74, esta seria efetuada em caráter permanente.
A Lei nº 8949/94 acrescentou o
parágrafo único ao art. 442 da CLT, introduzindo nova hipótese de
terceirização, qual seja a fórmula cooperada. Com efeito, o cooperativismo
trabalhista demonstrou que tal dispositivo legal possibilitou e legitimou o
surgimento de inúmeras fraudes que têm como finalidade surrupiar direitos
trabalhistas dos obreiros ditos cooperados.
Sabe-se que o direito objetivo, norma
vigente numa determinada sociedade em época específica, desenvolve-se com menor
velocidade do que as relações sociais que pretende regular. Destarte, o setor
privado, ao longo das últimas três décadas, incorporou crescentemente a prática
da terceirização da força de trabalho, “independentemente da existência de
texto legal autorizativo da exceção ao modelo empregatício clássico” (Maurício Godinho,
Ob. cit. , p. 375).
Neste diapasão, Maurício Godinho
Delgado conclui:
“Uma
singularidade desse desafio crescente reside no fato de que o fenômeno
terceirizante tem-se desenvolvido e alargado sem merecer, ao longo dos anos,
cuidadoso esforço de normatização pelo legislador pátrio. Isso significa que o
fenômeno terceirizante tem evoluído, em boa medida, à margem da normatividade
heterônoma estatal, como um processo algo informal, situado fora dos traços
gerais fixados pelo Direito do Trabalho do país. Trata-se de exemplo marcante
de divórcio da ordem jurídica perante os novos textos sociais, sem que se
assista a esforço legiferante consistente para se sanar tal defasagem
jurídica.” (Ob. cit., p. 376-377)
Consequentemente foram os
Tribunais Trabalhistas que examinaram os crescentes casos que envolviam a
terceirização. Com o intuito de unificar o entendimento jurisprudencial sobre a
matéria, o TST editou o Enunciado 331, que revisou o Enunciado 256:
“331 - I - A contratação
de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo
diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário
(Lei nº 6.019, de 3.1.74). II - A contratação irregular de trabalhador, através
de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da
Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da
Constituição Federal).
III - Não forma vínculo
de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº
7102/83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados
ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a
subordinação direta.
IV - O inadimplemento das
obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade
subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, inclusive quanto
aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das
empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que este hajam
participado da relação processual e constem também do título executivo judicial
(art. 71 da Lei 8.666/93) (Alterado pela Res. N. 96, 11/09/00, DJ. 19.09.00).
O enunciado 331 do TST acolheu a
vedação constitucional de contratação de servidores públicos sem o concurso
público, fortalecendo sobremaneira a descentralização administrativa.
Por outro lado, o referido enunciado,
hoje súmula, apresenta-se como uma tentativa de se conferir legitimidade à
terceirização, na medida em que constrói a distinção entre as lícitas e as
ilícitas e autoriza sua prática mesmo sem previsão legal. Tal distinção
funda-se nos frágeis conceitos de atividade-meio e atividade-fim do tomador de
serviços.
Finalmente, foi estabelecida a
responsabilidade solidária do tomador na hipótese de inadimplemento por parte
do empregador. Tal fato simplesmente corrobora a legitimação artificial de tal
fenômeno, na medida em que representa uma “contrapartida” (qual seja a
responsabilidade objetiva do tomador), devida em virtude da fragilização dos
direitos trabalhistas dos empregados terceirizados.
Terceirizações tidas como lícitas pelo judiciário
brasileiro.
Como já destacado, todos os tipos de
terceirização, seja interna ou externa são ilícitas frente aos comandos
nacionais e internacionais vinculados aos direitos humanos, até mesmo em razão
de tal fenômeno transformar o trabalho humano em mercadoria.
É interessante notar que a máxima
jurídica de que o “direito corre atrás do fato social” está sendo utilizada de
forma generalizada e inconcebível dentro das teorias jurídicas. E isso porque,
quando se trata de direitos humanos e sociais, é o fato que deve obedecer ao
direito e não o contrário. Aceitar essa inversão significa que a qualquer
momento estaremos dando validade jurídica à escravidão se ela se mostrar um
fato viável ou necessário à economia capitalista.
Não obstante, o poder judiciário,
fazendo coro com o sistema capitalista, deliberou pela inversão dessa máxima,
legitimando o fenômeno ilegal da terceirização.
A primeira hipótese de terceirização dita
como lícita pelo judiciário brasileiro abarca as situações empresariais que
autorizam a contratação de trabalho temporário: Leis nºs 6019/74 e 7102/83 -
trabalho temporário e serviço especializado de vigilância, respectivamente.
Lamentavelmente, o direito objetivo
foi contaminado pelo fenômeno da terceirização. Registre-se que tais diplomas
legislativos importam em flagrante fragilização dos direitos duramente
conquistados pela classe trabalhadora.
Destaque-se, outrossim, o fato de que
o TST elasteceu sua interpretação quanto à licitude da terceirização relativa
aos serviços especializados de vigilância, na medida em que a permite para
outras empresas além das bancárias.
Com efeito, o TST ampliou a hipótese
legal, que se restringia apenas ao segmento bancário. O legislador incorporou esta alteração, por
meio das alterações sofridas pela Lei nº 7102/83, e pela de nº 8863/94.
Também foi “agraciado” pela
jurisprudência do TST o setor empresarial que envolve a exploração dos serviço
de conservação e limpeza. Em que pese ser de conhecimento notório o fato de que
tais empresas não respeitam a legislação trabalhista pátria, as mesmas
receberam o benefício da licitude de seus “serviços” prestados por parte do
TST.
É flagrante a artificialidade, bem
como fragilidade da construção jurisprudencial que pretende separar a licitude
da ilicitude baseando-se apenas na suposta dualidade entre a atividade meio e a
fim e sem considerar a definição, legal, de grupo econômico contido no § 2º do
art. 2º da CLT e a subordinação estrutural, inconteste, das terceiras à empresa
tomadora.
Sobre a conceituação de
atividades-fim e atividades-meio, Maurício Godinho assim afirma:
“Atividades-fim podem ser
conceituadas como a funções e tarefas empresariais que se ajustam ao núcleo da
dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência dessa
dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e
classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades
nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador dos
serviços.
Por outro lado, atividades-meio são aquelas funções e tarefas
empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do
tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para
a definição do seu pertencimento no contexto empresarial e econômico mais
amplo. São, portanto, atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial
do tomador dos serviços.” (Ob. cit., p. 385-386)
Legitimou-se, pois, doutrinária e
jurisprudencialmente, o fenômeno da terceirização. Cumpre destacar que os
serviços terceirizados encontram-se espalhados pelos mais diversos leques
econômicos, tais como transporte, alimentação, conservação, custódia, operação
de elevadores e tantos outros.
O TST entendeu por caracterizar como
ilícitas as terceirizações onde se apresentasse manifesta a presença da
pessoalidade, bem como da subordinação direta e fixou como ilícitas as
restantes formas de subordinação, impondo-se, pois, a configuração do liame
empregatício.
Efeitos jurídicos da
terceirização
Não podemos deixar de destacar o
contexto onde emerge a terceirização, qual seja a crescente precarização dos
direitos trabalhistas e a subordinação das terceiras às tomadoras de serviços.
Neste diapasão, é de se atentar para
o fato de que, na terceirização, trata-se “do contraponto entre um empregador
aparente versus empregador oculto que
essa figura tende a propiciar (e do corretivo jurídico aplicável a tais
situações, ou seja, o reconhecimento do vínculo com o empregador oculto)”
(Maurício Godinho, Ob. cit. p. 384).
Por outro lado, devem ser
resguardados os direitos dos trabalhadores, minimizando a precarização, na
impossibilidade de fazer os nossos tribunais entenderem que a terceirização é
sempre ilícita. Neste sentido, reconhecemos que o TST, por meio do Enunciado
331, fez sua “mea culpa” ao estabelecer a hipótese de responsabilidade objetiva
subsidiária da empresa tomadora do serviço.
Mas tal reconhecimento não basta!
A isonomia em relação aos
trabalhadores terceirizados, por via da fixação do salário eqüitativo e demais
direitos, deve ser reconhecida.
A primeira consequência que advém da
terceirização considerada ilícita decorre da configuração do liame empregatício
entre a empresa tomadora e o trabalhador terceirizado. Com efeito, havendo
subordinação, deve ser reconhecido o vínculo empregatício. Trata-se, pois, da
terceirização ilícita.
No caso das terceirizações lícitas, o
vínculo trilateral é mantido, restando válida a relação jurídica existente
entre o trabalhador e a empresa terceirizante.
Com relação ao salário equitativo,
merece ser destacado o tratamento isonômico entre o trabalhador terceirizado e
os da empresa tomadora de serviços. Com efeito, a Lei nº 6019/74 garante em seu
art. 12 remuneração equivalente à percebida pelos empregados da mesma categoria
da empresa tomadora ou cliente, calculada à base horária. Desta forma, o
tratamento isonômico, notadamente o de aspecto salarial, é plenamente aplicável
às situações que envolvam o trabalhador temporário. Mas até agora os tribunais
não aplicam tal dispositivo e isso, sem qualquer fundamento.
Maurício Godinho Delgado atenta para
o fato de que, não se podendo negar a terceirização lícita, deve-se mitigar a
fragilização dos direitos trabalhistas:
“Em segundo lugar, a fórmula terceirizante, se não
acompanhada do remédio jurídico da comunicação remuneratória, transforma-se em
mero veículo discriminação e aviltamento do valor da força de trabalho,
rebaixando drasticamente o já modesto padrão civilizatório alcançado no mercado
de trabalho do país. Reduzir a terceirização a um simples mecanismo de
tangenciamento da aplicação da legislação é suprimir o que pode haver de
tecnologicamente válido em tal forma de gestão trabalhista, colocando-a contra
a essência do Direito do Trabalho, enquanto ramo jurídico finalisticamente
dirigido ao aperfeiçoamento das relações de trabalho na sociedade
contemporânea”. (Ob. Cit. P. 389-390)
O salário eqüitativo serve como
medida pela qual se pode garantir aos trabalhadores terceirizados tratamento
igualitário em relação aos que trabalham na empresa tomadora de serviços. Com
efeito, conjugando-se o conjunto normativo pátrio, bem como os princípios que
regem o direito do trabalho, resta forçoso o reconhecimento de tratamento
isonômico entre os trabalhadores terceirizados e os das tomadoras de serviço, e
isto não só em relação ao salário, mas também a todos os demais direitos
advindos da lei e das normas coletivas aplicáveis.
Deve-se atentar para o fato de que a
isonomia não pode ser reduzida apenas às matérias salariais.
O Direito do Trabalho, como ramo
autônomo da ordem jurídica pátria, é informado pelo princípio da proteção ao
trabalhador. Tal princípio permeia toda a legislação laboral, culminando nas
regras de proteção à segurança, saúde e higiene do obreiro e ao direito de
organização sindical.
É entendimento decorrente do
princípio da não discriminação que resta assegurado ao trabalhador terceirizado
a proteção jurídica à sua saúde como também aos direitos sindicais previstos em
nossa legislação além, é claro, do direito de proteção à sua saúde física e
mental.
Quanto a questão da saúde, Sebastião
Geraldo de Oliveira em seu livro “Proteção jurídica à saúde do trabalhador”
1998, elenca como formas de proteção a eliminação dos riscos do trabalho:
redução da jornada noturna;
proibição do labor
extraordinário;
evitar o trabalho monótono e
repetitivo;
conscientização do obreiro dos
riscos inerentes à sua atividade laboral, dentre outros.
Neste diapasão, convém destacar o
verdadeiro direito à saúde cujo titular é o trabalhador. A flexibilização de
direitos, juntamente com a instabilidade no emprego, agravam a situação dos
trabalhadores terceirizados, pois os mesmos nem sempre recebem da empresa
tomadora os cuidados indispensáveis à manutenção de sua integridade física.
Sebastião Geraldo de Oliveira destaca
o equívoco da monetização do risco, que se materializa na estipulação legal dos
adicionais salariais devidos em virtude da prestação dos serviços em condições
gravosas à saúde do trabalhador. Também se materializa nas hipóteses de
aposentadorias especiais, que são precoces, pois o labor ocorre em condições
manifestamente adversas.
Desta feita, cabe afastar a
monetização do risco, proibindo o trabalho insalubre, perigoso, penoso. Mas
isso, nossos tribunais não querem!
Assegurar aos trabalhadores
temporários condições de trabalho isonômicas às estabelecidas para os da sua
categoria que sejam empregados da empresa tomadora significa custo para as
empresas e isso, os Tribunais não querem, pelo que estão a demonstrar.
Finalmente, cabe aos órgãos públicos
zelar pela efetividade das normas protetivas da saúde do trabalho terceirizado,
por meio de rigorosa fiscalização o que, infelizmente, não é do interesse político
do Estado.
E mais, um tribunal trabalhista, que
deveria ter visão social do direito e não econômica; - que deveria cumprir os
mandamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana, do valor social da
livre iniciativa, da erradicação da pobreza; - que só existe ou se justifica
sua existência, para não permitir que qualquer lei ou norma venha para reduzir
os direitos conquistados pela classe do trabalho (princípio do não retrocesso
social – art. 7º da CR/88);- que não está no mundo do direito para defender a
vontade empresarial, quando se posiciona se prestando à defesa da terceirização
valorizando o econômico em detrimento do social, envergonha o direito, não dá
efetividade à Constituição e, nos envergonha, ou pelo menos deveria nos
envergonhar!
É tão grave o papel que desempenha o
TST no aspecto da aceitação da terceirização que não conseguimos explica-lo!
Podemos apenas perguntar:
- Seriam, paranoicamente pensando,
seus membros agentes do capitalismo selvagem dentro dos muros do judiciário?
- Seriam, na posição freudiana, seus
componentes, vítimas de delírio, esquizofrenia ou mesmo da psicopatia?
- Seriam apenas, seus membros,
neuróticos ingênuos?
Não temos condições técnicas de
aferir a verdade, nem pela utilização do princípio da racionalidade, porém,
podemos aferir que a Súmula 331 autorizou o capital a se utilizar de uma figura
proibida pela Carta de 1988 que macula não só as relações de trabalho, mas a
dignidade do ser humano trabalhador e o valor social da livre iniciativa.
Com que propósito? Não sabemos!
O que sabemos, hoje, é que 19 dos
atuais 26 ministros do TST se manifestaram, publicamente, contrários ao Projeto
de Lei 4330 da autoria do deputado, eleito (pasmemo-nos) Sandro Mabel em franca
defesa da Súmula 331, no tom das opções do “menos cruel”.
É claro que devemos somar nossas
forças com as desses 19 ministros, na luta contra a aprovação do PL 4330,
porém, não podemos dizer que a rejeição desse Projeto de Lei seria uma vitória
do direito e da Justiça enquanto não combatermos a terceirização que está
autorizada pela Súmula 331 em medida que ela agride os mais básicos preceitos
jurídicos vinculados às relações humanas e os nossos mais caros valores
constitucionais.
Apontamentos sobre a
terceirização no serviço público brasileiro.
Desde o ano
de 1967, com a promulgação do DL n. 200/1967 pelo governo militar, a orientação
era e é a de implantação de modelos baseados na administração descentralizada.
Atente-se
que mesmo antes do DL 200/67, o governo militar ditatorial já estava implantando
as bases supostamente “legais”, para uma reforma administrativa que visava
descentralização das atribuições do Estado, conferindo maior autonomia às
entidades já descentralizadas, como autarquias, fundações públicas e empresas
estatais (administração pública indireta do Estado).
Não podemos
olvidar que já nesse período, 1967, se faziam presentes a possibilidade de
controle, pela chefia competente, da consecução de projetos e programas de
governo fixados para cada setor tido como especializado, trazendo as ideias de
flexibilização, eficiência e diminuição de custos, assim como um trabalho
administrativo tido como racionalizado em função da simplificação de processos,
suprimindo controles formais cujo custo era superior ao risco. (art. 10 do
DL.200/67).
A então
descentralização administrativa apontou para uma pratica interna da
administração vinculada à direção envolvendo tarefas de planejamento,
coordenação, supervisão e controle e, para uma pratica externa, onde ao
setor privado foi destinada a execução das atividades do Estado através de
contratos e concessões.
E tudo isso
com um discurso voltado para uma necessidade de concentração da administração
pública nas tarefas de direção para não permitir o crescimento da máquina
administrativa, então considerada desmesurada e absurda.
A execução
direta das tarefas e contratos administrativos passou a ser exceção. A regra,
antes exceção, passou a ser a execução indireta, mediante contrato das
atividades administrativas.
Interessante
notar que apesar dessa abertura à terceirização essa não se fez presente
naquele período, da mesma maneira que ocorreu a partir da década de 90 do
século passado. É que, naquela oportunidade não existia, como passou a ser após
a carta de 1988, exigência constitucional de prévio concurso público para a
admissão de empregados públicos (regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho
CLT).
Talvez seja
essa uma das razões de a terceirização no setor público não ter sido amplamente
adotada naquele período: não se mostrou um mecanismo necessário ou interessante
para a administração pública, ao contrário do que ocorreu após a Carta de 1988.
(art. 37,II).
Isso não quer dizer que não
ocorreram, no período, contratações diretas de empregados, sem concurso
público, ou mesmo de empresas terceirizadas para o exercício de quase todas as
atividades administrativas! A Justiça do Trabalho examinou centenas dessas
contratações, reconhecendo o vínculo e a responsabilidade do Estado nesses
casos.
Após a Carta de 1988, com a exigência
de concurso público inclusive para as empresas estatais, os governos
visualizaram tal exigência constitucional como obstáculo à contratação direta
de pessoal sem concurso e passaram a utilizar da figura da terceirização. É
interessante notar que nesse período foi iniciado, pelo governo Collor um
processo radical de redução do quadro funcional da União e a privatização das
empresas estatais.
As privatizações passaram, para o
setor privado todas as atividades então consideradas como inconvenientes à
atuação estatal. Quanto a isso, não necessitamos tecer maiores comentários além
da constatação de que o governo brasileiro passou para a iniciativa privada
todos os setores do Estado que angariavam recursos para suas atividades
principais! (as nossas empresas foram entregues, de graça, para a iniciativa
privada).
Tal processo, cumulado com a política
de restrição à realização de novos concursos públicos, fez reduzir o número de
servidores civis do Poder Executivo da União – caiu de 713 mil em 1989 para 580
mil em 1995. À imagem da União, tal procedimento foi adotado pelos Estados e
Municípios brasileiros.
Não obstante, as necessidades e
demandas sociais não se reduziram o que levou o governo a justificar a
cooptação de recursos humanos através dos chamados “meios alternativos ao
regime oficial do cargo e do emprego público”, ou seja, de forma ilegal.
Proliferaram-se em toda a
administração pública direta e indireta as contratações temporárias irregulares
para atender as necessidades permanentes da administração, assim como a contratação,
também irregular, de estagiários, de pessoas para ocuparem cargos em comissão,
dentre outros.
Foi nessa conjuntura, pensada de
forma ardil, que a terceirização passou a assumir seu papel nefasto para
inserção de trabalhadores na administração pública em quase todos os setores,
inclusive nos cargos específicos de carreira.
É bastante clara a abusividade e a
ilicitude desta política, inclusive frente a Lei 5.645/1970 que somente admitia
a terceirização em atividade de transporte, conservação, custódia, operação de
valores, limpeza e afins (art. 3º parágrafo único), o que levou o Tribunal de
Contas da União a julgar irregulares centenas de contratações.
Em razão do posicionamento do TCU, o
governo revogou o dispositivo da Lei 5.645/70 e editou o Decreto 2.271/97
instituindo limites mais “flexíveis” (atividades materiais acessórias,
instrumentais e complementares às matérias de competência legal do órgão ou
ente público contratante) à contratação de serviços (leia-se pessoas), em toda
a administração direta, autárquica e fundacional.
E tudo isso, ignorando ou fraudando a
Carta de 1988.
A partir do governo de Fernando
Henrique foi articulada a aprovação da suposta
“ reforma do aparelho do Estado”, ditada pela EC-19/1998 que tinha o
condão de aplicar um modelo de administração pública gerencial e de resultados.
Foram alterados, e de forma
inconstitucional, aproximadamente oitenta preceitos da CR/88 além da inserção
de sete novos e, a terceirização passou a ser admitida como “técnica de
contratação de serviços auxiliares e de apoio”.
Na mesma esteira do que estava
ocorrendo no setor privado, com a edição da Súmula 331 do TST, “as atividades
de apoio” e “as atividades meio”, deixaram uma larga e insolúvel área cinzenta
na definição de seus termos e limites. Tal debate se fez presente nos fazendo
deixar, para mais tarde ou para nunca mais, o debate da ilicitude da
terceirização (tanto no setor privado quando no público).
A tentativa do governo de suprimir o
regime jurídico único determinado pela Constituição (art. 39) e a busca de
reserva do direito a estabilidade apenas aos servidores estatutários (alteração
do art. 41 da CR/88) levou à publicação da Lei 9962/2000 que disciplinava a
contratação dos empregados públicos.
Não obstante o TST através da OJ
265/Sumula 390, apesar da Lei 9962/2000, continuou a considerar devida a
estabilidade aos empregados públicos das entidades da administração direta,
autárquica e fundacional, o que frustrou, em termos, os objetivos do governo.
Surge, então, o que doutrinadores chamam
de “ uma nova cultura de terceirização” (AMORIM ob cit, pag. 69):
“... Primeiramente, o fator
pragmático, decorrente das contingências impostas pela reforma constitucional
às novas admissões de servidores públicos estatutários, em forma de limitação
aos gastos com despesas de pessoal...”
(LC 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal)
... “A “eficiência”, inserida
expressamente no caput do art. 37 da Constituição, como verdadeiro princípio
propulsor da administração pública em direção à gerência de resultados,
tornou-se o dogma fundamental deste novo modelo, simbolizado, em rápida
síntese, num ideal de maximização de resultados econômicos por meio da
contenção de novas admissões de servidores e da máxima racionalização do uso de
mão-de-obra própria...”
Ficou clara
a opção, dos governos brasileiros, pela doutrina neoliberal orientada no
sentido de o administrador público dever alargar os espaços da terceirização,
incentivando a extinção de cargos públicos para as funções consideradas
auxiliares.
Nesse momento
a terceirização foi adotada inclusive em atividades centrais da competência dos
órgãos e entes públicos, como alerta DI PIETRO, Sylvia Maria Zanella, in
Parcerias na administração pública, pag. 45.
A política
de susperterceirização se fez presente, em clara reprodução do que estava e
está ocorrendo no setor privado onde as empresas brasileiras adotaram a
terceirização como meio de transformar o trabalho humano em mercadoria
descartável.
Mesmo com a declarada
inconstitucionalidade da EC-19 pelo STF, a terceirização possibilitou a
contratação de servidores públicos, mascarados de empregados terceirizados, sem
concurso público e para o enriquecimento do setor privado nacional. Essa
pratica está em todos os órgãos e entes públicos brasileiros e em todas as
atividades.
Em 2003, no governo Lula ocorreu um
aumento do número de contratação de empresas terceiras e ainda, um aumento de
pelo menos 30% de contratações temporárias sob a justificativa de “excepcional
interesse público”.
Em 2004 o TCU, em seu relatório sobre
as atividades federais, destacou a opção, pela terceirização em detrimento da
contratação de pessoal próprio pelo governo federal brasileiro. Como exemplo o
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, logo que criado, tinha
despesas com pessoal terceirizado no importe de 410% equiparado ao pessoal
próprio. O Ministério do Turismo apresentou um índice de 185%, Ministério dos
Esportes, 159%; O Ministério da Defesa, 82%....
Em razão
destas constatações, em 2005 o TCU determinou a realização de levantamento
sobre as atividades terceirizadas onde se contatou um total de 33.125
trabalhadores terceirizados em atividades finalísticas, ou seja, ilegais.
Tais abusos
foram, inclusive, foco de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público
do Trabalho contra a União para inibir a terceirização em atividades tidas como
finalísticas da administração pública.
A partir dai
em razão de TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) passou-se a exigir as
rescisões gradativas dos contratos terceirizados mediante substituição por
servidores concursados.
É obvio que
tudo isso representou e representa um sério problema social e não por “culpa”
do Ministério Público do Trabalho ou dos trabalhadores terceirizados que
necessitam sobreviver, mas dos governantes brasileiros que optaram por jogar no
lixo a Carta de 1988, adotando a política neoliberal de desproteção social aos
trabalhadores.
Na
atualidade o debate da terceirização está vinculado ao Projeto de Lei 4330, que
examinaremos em tópico específico.
Algumas repercussões
sociais da terceirização na administração pública brasileira.
Como afirma
AMORIM, Helder Santos, ob cit pag. 76, no plano institucional, a terceirização,
... liquida funções e esgotam
planos de carreiras indispensáveis ao exercício das responsabilidades que se
encontram sob o pálio estatal, seja porque são próprias do Estado, como
atividades que implicam o exercício do poder de polícia, seja porque não foram
transferidas ao particular pelos meios ordinários de desestatização, como os serviços
públicos centralizados...”
Ou seja, é a
quebra do paradigma do serviço público, do agente público sem qualquer
discussão democrática ou política com a sociedade e ainda, a
institucionalização dos interesses lucrativos no interior da máquina estatal.
É o predomínio dos interesses do
capital sobre os interesses sociais. O Capital passa a ser organizar em todas
as áreas do setor estatal, mas na defesa dos interesses de mercado e não dos
interesses sociais. Cria-se uma elite burocrática composta, desta feita, pelo
corporativismo elitista das empresas empreiteiras, prestadoras de serviços que,
afinal, ao contrário da elite burocrática anterior de servidores públicos
privilegiados, financiam as campanhas eleitorais dos governantes.
Em 2006, por exemplo, restou
noticiado pela imprensa brasileira, que as empresas terceirizadas contratadas
pelo Poder Público, foram as principais “doadoras” das campanhas eleitorais
vitoriosas de deputados senadores. Foram
mais de 24 milhões de reais distribuídos entre 254 deputados e 5 senadores,
eleitos.
Não pode ser portando, uma surpresa
as noticias que chegam até nós, pobres mortais ameaçados de perda de cidadania,
das fraudes em licitações de serviços terceirizados, da corrupção
administrativa e dos altos salários pagos a alguns empregados terceirizados que
chegam a receber até quatro vezes mais do que o servidor público concursado.
Existem órgãos públicos que,
inclusive, têm sua preferência por esse ou aquele empregado terceirizado, que
mesmo em licitações sucessivas, impõe às empresas que se revezam nesse
loteamento de serviços precários, a contratação daqueles seus preferidos.
Fica no lixo a tal da “probidade do
serviço público” vez que criam-se hierarquias por vínculos não funcionais e
efetivamente promíscuos.
Mas não é só no plano institucional
que pretendemos verificar as repercussões da terceirização.
No plano social, afirma AMORIM (ob
cit pag. 78):
“ ... a terceirização no serviço
publico enseja, em suma: - a precarização das condições de trabalho; - a
fragilização da organização coletiva dos servidores e; - a discriminação entre
servidores públicos e terceirizados...”
A terceirização coloca o Estado a
serviço do mercado que quer, sem sombra de qualquer dúvida, a exploração sem
limites da mão-de-obra, efetivando o total domínio do capital sobre o trabalho.
A fragmentação das relações jurídicas
imposta pela terceirização é elemento de enfraquecimento dos movimentos sociais
e reivindicatórios tanto dos servidores concursados quanto dos terceirizados.
Estabelece-se uma animosidade entre
os concursados e os terceirizados, culminando com discriminações odiosas e que
só servem ao capital. Terceirizados e servidores se transformam em inimigos e
não se unem contra o inimigo comum, o capital.
Exemplo disso é que até hoje muitos dos sindicatos de servidores públicos
não incluem, em seus quadros associativos, os terceirizados. A disputa se torna perversa entre
os próprios trabalhadores vez que nem o servidor concursado se identifica com o
terceirizado, nem esse com aquele.
Além disso, o trabalho terceirizado
promove um processo de subemprego público, sendo certo que nem sempre o salário
menor do terceirizado representa redução de custo para o Estado, em razão de
superfaturamento e outras tantas mazelas licitatórias. Soma-se a isso, a
desqualificação das empresas terceiras que não são efetivamente controladas
pelos órgãos que as contratam, o que tem sido a principal causa de precárias
condições de saúde, higiene e segurança no trabalho.
No serviço público, a intenção é a
substituição dos servidores públicos concursados, por terceirizados, o que está
agora em discussão através do PL 4330 que autoriza a descentralização de
atividades fins ou finalísticas.
Debates sobre o Projeto
de Lei 4330 que tramita no Congresso Nacional brasileiro.
Está em
todas as redes sociais; está nas ruas; está nos tribunais; está nos órgãos da
OIT; está no Congresso Nacional brasileiro e nos ouvidos moucos dos deputados e
senadores brasileiros, o debate sobre a aprovação, modificação e rejeição do PL
4330, da autoria do Deputado Sandro Mabel.
O projeto de
lei 4330 afirma dispor sobre a “contratação de serviços terceirizados e as
relações de trabalho dela decorrentes”.
É a
tentativa de dar forma legal ao fenômeno inconstitucional da terceirização.
Não podemos
olvidar que o Tribunal Superior do Trabalho, em razão da expansão, a partir da
década de 80 do século passado, dessa estratégia capitalista de quebrar a força
coletiva trabalhista, de não efetivar os direitos sociais e de transformar o
trabalho humano em mercadoria, se postou em favor do ordenamento jurídico então
e ainda vigente, enquadrando como comercialização a intermediação de
mão-de-obra.
Foi
declarado pelo TST, naquela oportunidade em conformidade com a legislação
social, a ilicitude da figura da “
marchandage”. Editou-se, em razão desse posicionamento a Súmula 256 do TST,
com afirmativas, incontestes, de ser “ilegal a contratação de trabalhadores por
empresa interposta”.
Deste
período até a atualidade, nenhuma legislação foi alterada e, ressalte-se, toda
a legislação social que declara tal ilicitude foi reforçada em 1988 com a
constitucionalização dos direitos sociais.
Mas nem a
Súmula 256 ou mesmo a Constituição de 1988 foram fortes o suficiente para
barrar a vontade do capital.
A terceirização
se fez presente e o Estado, através de seus poderes, especialmente executivo e
judiciário, não se dispuseram e nem construíram meios de dar efetividade aos
direitos sociais.
Na falta
dessa vontade política e em total desrespeito ao ordenamento pátrio, o Estado
se viu beneficiado pela terceirização, tanto que a adotou em todos os níveis do
poder (executivo, legislativo e judiciário) deixando claro (apesar de muitos se
negarem a ver) que sua opção era legitimar o ilegal fenômeno da terceirização
para dele também se beneficiar.
No ano de
1993, já em plena vigência da Carta de 1988 e sem qualquer legislação,
repetimos, que arrimasse a “marchandage”, o TST substitui a Súmula 256 pela 331
de 21.12.1993, para admitir a terceirização em serviços especializados ligados
à atividade meio do tomador.
Restou a
ilicitude somente para a terceirização de atividade fim.
A porta que
impedia a transformação do trabalho humano em mercadoria foi arrombada pelo
próprio Estado através dos poderes executivo e judiciário.
O poder
legislativo não se manifestou sobre o tema, o que significou não uma inércia,
no nosso entendimento, mas a sua não adesão ao fenômeno da terceirização.
Ocorre,
porém, que todas as vezes que se discutia que a terceirização é um fenômeno
ilegal e que se apontava, justificadamente, o dedo acusador para a Súmula 331,
o Poder Judiciário se manifestava que ele teve que regular a terceirização em
razão da “inércia” do Poder Legislativo, o que sabemos não estar de acordo com
a verdade.
O que não se
pode negar é que a Súmula 331 do TST é o marco, da porta arrombada, para a
aceitação indiscriminada e generalizada, de um fenômeno ilegal justificado em
uma teoria da Ciência da Administração, denominada de “teoria do foco” e sem qualquer justificativa na Ciência Jurídica.
Tal teoria
também é justificadora do processo econômico neoliberal para quem a empresa
deve ser enxuta para se concentrar no que constitui sua especialidade no
processo produtivo. Para tanto, deve a empresa moderna, na economia liberal, se
livrar das atividades “sujas” que constituem atividades periféricas ou
instrumentais, para adquirirem a máxima especialização produtiva, aumentando a
produtividade e reduzindo os custos da produção.
É claro que
tal teoria, da ciência da administração, pressupõe a transformação do trabalho
humano em mercadoria e redução do custo da mão-de-obra o que leva à redução dos
direitos sociais ou à sua não efetivação.
Mas....
entre o lucro e as pessoas, o Estado brasileiro fez a opção pelo lucro!
E o que é
ainda mais indignante, pesquisas realizadas no Brasil, da autoria do Professor
POCHMANN, Marcio, professor do Instituto de Economia da Universidade de
Campinas, no período de 1985 a 2005, a terceirização brasileira não visou a
qualificação do produto ou a especialização das empresas, mas, sim, o aumento
dos lucros sob um discurso de sobrevivência no período da suposta estagnação
econômica (década de 80) e da concorrência internacional desregulada (década de
90).
Para o
professor Pochmann, na pesquisa publicada no site do SINDEEPRES (http://www.sindeespres.org.br,), a
terceirização no Brasil não foi
utilizada como uma política empresarial de reestruturação produtiva, mas sim,
como uma estratégia empresarial para reduzir custos e não possibilitar a
efetivação dos direitos sociais, tanto que foram estabelecidos, através dela:
- empregos
precários e transitórios;
- reduções
salariais;
- aumento de
jornadas de trabalho;
- redução de
benefícios e direitos sociais;
- piora das
condições de saúde e segurança no trabalho;
- maior
incidência de acidentes de trabalho, inclusive fatais;
- tratamento
desigual e discriminatório de e entre os trabalhadores;
- ofensa a
dignidade humana, ao valor social do trabalho;
- não cumprimento aos ditames da
ordem econômica aposta na Constituição de 1988 (art. 170);
- pulverização da ação sindical;
- desproteção sindical;
- afronta à dignidade humana...
A cobrança
de um posicionamento do legislativo sobre a terceirização, seja pelos discursos
dos membros do Poder Judiciário ou do Executivo, fez com que se agitassem os
senadores e deputados que, ao enxergarem a porta arrombada pelo TST para o
aumento dos lucros das empresas e a não efetivação dos direitos sociais, fez
com que vários projetos (29) fossem apresentados nos sentido de “regular” a
terceirização.
Mas a
“regulação” assumida nesses projetos está longe da finalidade da palavra
“regular”. O que se quer é autorizar essa figura, inconstitucional, através de
lei ordinária.
O projeto de
lei que está em debate, na atualidade, é o PL 4330/2004-A da autoria do
deputado Sandro Mabel, do PL (Partido Liberal). Ele foi aprovado em 2006 pela
Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC) e em 2011 aprovado na Comissão de Trabalho,
Administração e Serviço Público (CTASP).
Foi remetido
para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) que incorporou
novo texto, na qualidade de substitutivo pela Comissão Especial que funcionou
no ano de 2011 e teve, como relator, o Deputado Roberto Santiago do PSD.
Recebeu parecer favorável do PMDB através do Relator Deputado Arthur Maia.
Desde o
inicio da tramitação a intenção do projeto se fez presente: admitir a
terceirização nas “atividades inerentes, acessórias ou complementares à
atividade econômica da contratante” (art. 4º). O substitutivo apresentado
escancarou tal intenção liberalizante, sem nenhuma vergonha ao afirmar que a
terceirização é permitida “ em quaisquer atividades do tomador de serviços”
(art. 2º. II), inclusive nas empresas públicas, sociedades de economia mista e
suas controladoras, como nos alerta AMORIM, Helder Santos, Procurador do
Trabalho na 3ª. Região, em texto denominado “Terceirização Sem Limite”, pag. 5
ano 2013.
A
mobilização social tem tentado bloquear o tramite do referido PL clamando pelo
seu arquivamento.
Centrais
Sindicais profissionais e patronais digladiaram-se nos debates organizados
pelos órgãos do Estado e a posição econômica se mostrou mais unida que a
profissional. Aliás, muitos dos representantes dos trabalhadores acabaram por
propor ajustes nos artigos do projeto e não o seu arquivamento definitivo, como
deveriam, em clara demonstração ou de desconhecimento sobre o assunto ou de
cooptação pelos interesses econômicos.
Hoje, em
razão da mobilização da sociedade organizada e não organizada, decidiram enviar
o PL diretamente para o plenário e, a cada dia pautado para votação, temos que
ir para Brasília, invadir o Congresso Nacional, conversar com deputados e
inviabilizar a votação.
A luta está
sendo diária e precisa ser mantida e até mesmo ter em suas fileiras, novos
agregados.
Se
deixarmos, esse Projeto vai ser aprovado e a atual situação dos trabalhadores
brasileiros vai se transformar em escravidão consentida.
Consentida,
mas ilegal.
Até onde pudemos acompanhar, estão
contra a aprovação do referido projeto:
A Associação Brasileira de Advogados
Trabalhistas;
A Associação Nacional dos Magistrados
Trabalhistas;
A Associação Nacional dos
Procuradores do Trabalho;
Dezenove dos 26 ministros do TST;
Centenas de juristas e doutrinadores;
Grupos de Pesquisas das Universidades
Federais de Minas Gerais, Brasília, Rio Grande do Sul e de todos os demais
Estados brasileiros;
Ordem dos Advogados do Brasil;
Coordenação Nacional de Lutas – CSP
CONLUTAS.
Central Única dos Trabalhadores – CUT
Força Sindical
.....
E a lista segue!
Nos últimos dias foi noticiado, pelas
redes sociais, que a OIT, Organização Internacional do Trabalho se posicionou
contra referido projeto afirmando que caso o Brasil o aprove, será ele retirado
da OIT porque estará ofendendo a Constituição daquela entidade e os propósitos
da ONU – Organização nas Nações Unidas.
Então,
parece que essa luta será vencida! O PL 4330 está fadado à morte! Ao
arquivamento!!!! E isso será comemorado!!!
Será???
Escutando os
debates na TV Justiça ou mesmo no programa “hora do Brasil”, assistimos
deputados defendendo o PL 4330 afirmando que o mesmo visa proteger a classe
trabalhadora brasileira, lhe garantindo emprego e proteção social.
Ou estamos
lendo projetos diferentes ou estamos sendo tratados como idiotas pelos
deputados brasileiros!
Não somos
idiotas e, sabemos ler... inclusive nas entrelinhas porque somos operários do
direito e não simples leitores de votos escritos por outrem!
Então, o que
pensar, estando de posse de tantas informações???
Nosso lado
paranoico faz lembrar a estória popular do
“bode na sala”, onde um súdito procura pelo seu rei, dizendo que sua casa é
pequena, que sua família está mal acomodada e que ele necessita de dinheiro
para aumentar alguns cômodos da casa.
O
rei afirma que dará a ele o dinheiro, dentro de 3 semanas, desde que, nessas
três semanas ele pegue um bode no campo e coloque-o na sala da casa, cuidando
para que o mesmo fique bem e confortável.
O
camponês não entendeu a intenção do seu rei, mas com a promessa do dinheiro em
três semanas e sem poder arguir seu rei, concordou e assim o fez.
Levou
o bode para dentro de sua casa. A sala passou a ser o local do bode! Passados 5
dias, a situação já era insustentável, não só pela falta de espaço para a
família na sala da casa, mas pelo mal cheiro do bode. O camponês procurou pelo
seu rei e esse lhe reafirmou sua promessa: em mais duas semanas, caso você
queira, te darei o dinheiro.
Quanto
retornou para sua casa, sua esposa, sua sogra e seus seis filhos o esperavam do
lado de fora da casa. Todos falaram de uma só vez que ele deveria tirar o bode
da sala, que a casa estava imunda, que a sogra não tinha mais como utilizar seu
tear, que a família não tinha local para se alimentar e.. blá, blá, blá...
Pois
o camponês ficou firme com sua promessa ao rei. Reafirmou-se como o chefe da
família e exigiu de todos uma contribuição, pois seria por apenas mais 16 dias.
Todos pararam de conversar com ele e a situação da família se agudizou: brigas,
confusões, acusações, querelas até que, passados mais 8 dias o camponês se
postou aos pés de seu rei e suplicou ajuda para encerrar o caos que se instalou
em sua casa.
O
rei, então, disse ao camponês que voltasse para casa e retirasse o bode da
sala. Ao ser despejado o bode da sala, o camponês se deu conta de que não
necessitava de mais cômodos em sua casa que até mesmo lhe pareceu
suficientemente grande para sua família. Voltou ao rei e dispensou o dinheiro
para a reforma da casa.
...
ORA, se todos são contra o PL 4330;
se o Brasil será expulso da OIT se aprovar tal projeto; se 16 dos 26 Ministros
do TST afirmam que tal PL é inconstitucional, não seria o PL 4330 o “bode” que
ao ser retirado da sala deixará viver em paz a Súmula 331 do TST?
Só o tempo dirá!
Mas não é só o nosso lado paranoico
que fala. Temos também o nosso lado racional que grita.
Após tantos anos de vida, muitos
deles no exercício do direito, não temos mais a ilusão de que existe Justiça.
Sabemos que o que existe é um Poder Judiciário composto de pessoas, seres
humanos e não de Deuses.
Nós seres humanos temos
características pessoais que influenciam
nossas decisões; temos um passado que forma a nossa ideologia, que
conduz nossas opções.
Alguns se informam pela “lei de
Gerson” onde se deve agir para tirar vantagem de e em tudo, custe o que custar,
não interessando prejuízos decorrentes dessa lei que se impõe a outrem.
Outros têm uma formação cristã, onde
o moral e a ética se sobrepõe aos interesses individuais.
Centenas têm formação filosófica
vinculada ao racional, utilizando-se da moral e da ética para conduzir suas
ações, independentemente de qualquer crença.
Milhares não se conhecem e não sabem
como agir, ficando na dependência de outros ou de paga para essa ou aquela
atitude.
Assim somos nós, seres humanos:
múltiplos, complexos e singulares!
Nossas instituições e organizações
são compostas por seres humanos e, às vezes, temos a ilusão que essa ou aquela
autoridade pensa como nós e não seriam capazes de corrupção, maldades e outras
atrocidades.
Ledo engano!
A capacidade humana é infinita, seja
para a bondade ou para a maldade. Temos a capacidade de todos os atos e
sentimentos possíveis, imagináveis e inimagináveis como seres humanos. Tudo
depende do disparo do gatilho certo! Disparado esse gatilho sabemos do que
somos capazes. Isso é racional.
Parece-nos que conhecemos melhor os
outros e a nós mesmos, mais pelas reações do que pelas nossas ações. As ações
são pensadas, medidas e avaliadas pela nossa razão. Nossas reações não!
Por isso é que entendemos que por
mais que o PL 4330 se pareça com a estória do “bode na sala” para fazer com que
a Súmula 331 do TST pareça com o
razoável, não podemos deixar de lutar contra a aprovação do referido projeto de
lei.
Ele pode ser a expressão da maldade,
pouco crível para alguns de nós, mas a maldade existe.
Também não podemos deixar de lutar
contra a Súmula 331 do TST e pela efetivação dos direitos sociais que proíbem a
terceirização.
Nossa ação tem que ser certeira para que,
futuramente, não tenhamos que reagir contra mais uma centena de maldades
sociais e humanas praticada em nome da lei ou em nome do Poder Judiciário.
Direitos Sociais versus
Terceirização.
Não podemos negar muito menos
justificar ou minimizar as crueldades que têm sido cometidas nos últimos 20
anos através de a terceirização à classe que vive do trabalho.
A precarização das condições de
trabalho e da própria condição de humanidade dos trabalhadores, imposta pela
terceirização, é inegável.
A discriminação, a afronta à
dignidade e à cidadania dos trabalhadores já nem mais está em debate! É como se
tais valores e normas, que fundamentam a nossa sociedade e as nossas Constituições,
não existissem ou não tivessem eficácia imediata.
As regras e princípios constitucionais
sequer são considerados quando se analisa a terceirização. É como se os
trabalhadores que trabalham através de uma contratação interposta, não
estivessem sob o pálio das constituições.
E isso sem falar em condições
aviltantes de trabalho, remuneração, meio ambiente, jornada, saúde a que estão
submetidos os terceirizados e, repetimos, com o aval dos Estados liberais.
Todas essas mazelas e a aceitação
delas pela nossa sociedade são nossas conhecidas, porém, existe alguns
aspectos, dentro dos direitos sociais, que achamos oportuno abordar. Trata-se
da responsabilidade social do capital que, no nosso entendimento, é um direito
social e uma obrigação do capital e; a subordinação das terceiras à tomadora.
A terceirização em qualquer uma de
suas modalidades impede a concretização da responsabilidade social do capital,
também exposta, de forma clara, nos textos Constitucionais.
A empresa ao não contratar de forma
direta seus empregados, contrata contratantes que, por sua vez contratam
trabalhadores por prazo determinado ou em uma perspectiva temporária, impedindo
a formação de um vínculo jurídico que possa evoluir inclusive no que diz
respeito à proteção sindical. E isso em razão de contratos temporários
assumidos entre empresa tomadora e prestadora.
Outra ocorrência que assistimos na
atualidade é a construção de uma rede de subcontratações que, além de impedir a
formação de vínculo jurídico entre capital e trabalho, também constrói uma
desvinculação física e jurídica entre o capital e o trabalho o que, por certo
torna ainda mais difícil a efetivação dos direitos trabalhistas, mesmo após o
desemprego deste trabalhador, não personificado e quase imaterial.
E mais, quando se presta atenção a
essa rede espúria, de contratações e subcontratações, verificamos que o suposto
empregador, o aparente (aquele que assume o contrato de trabalho) é desprovido
de capacidade econômica suficiente para existir ou, no mínimo, possui capital
reduzido se comparado com o daquela que efetivamente se aproveitou do trabalho
do terceirizado. Essas mazelas têm trazido, aos processos trabalhistas em
execução, a impossibilidade da efetivação das sentenças judiciais.
O que pode nos parecer contraditório,
mas não é, diz respeito a essas grandes empresas que se utilizam da mão-de-obra
terceirizada para se eximirem das suas responsabilidades sociais e, no entanto,
trazem para a mídia ações que lhes dão visibilidade na área social, como ser
parceira no “criança esperança”, ou admitir em seus quadros, de preferência nos
setores de recepção, portadores de necessidades especiais visíveis ou, ainda,
se mobilizarem para salvar baleias, micos, focas e lagartos, deixando na
miséria seus empregados.
Ou seja, tais empresas vendem uma
ideia de preocupação com o social, formalizam gestões vinculadas ao que
denominam de “humanização das relações sociais” como os “eco-treinamentos” (que
nada mais são que tática para aumento da produtividade), ou mesmo fingem se
preocupar, em seus programas na mídia, com os dilemas de cada um de seus
empregados, chamados de “colaboradores”, mas não estão preocupadas com seus
empregados. Para elas o negócio é lucrar e isso, a qualquer custo social.
É o cinismo empresarial que violentou
o conceito constitucional de responsabilidade social, de função social do
capital e da propriedade para implantar a responsabilidade social virtual em
forma de propaganda e enganosa.
É preciso constatar que a
terceirização precisa ser atacada, combatida e exterminada. Ela agride todos os
preceitos constitucionais e internacionalmente adotados atinentes às relações
humanas e aos direitos sociais daqueles que vivem do trabalho.
Não se pode
negar, também, que a terceirização provoca o esfacelamento da classe
trabalhadora, criando uma concorrência entre seus membros que os afasta da
coletividade e da solidariedade de classe, tornando-os inimigos concorrentes
(brigam entre si para serem explorados).
Esse
esfacelamento enfraquece as organizações dos trabalhadores, como os sindicatos,
deixando os terceirizados desapadrinhados, literalmente abandonados. Ficam fora
dos quadros dos sindicatos, com seus direitos precarizados e sem qualquer
consciência de classe! Tornam-se presa fácil do capital e das organizações
oportunistas.
A lógica do
capital sempre foi, é, e sempre será perversa!
Afinal, para ser ter lucro, mais
valia, necessário que o trabalho nada custe ou custe muito pouco.
Com todas
essas questões, os sindicatos se enfraqueceram ainda mais e, hoje em dia, além
de agentes da flexibilização dos direitos sociais, através da negociação
coletiva, se transformam em agentes do capital apresentando projetos de lei do
interesse exclusivo deste, como se fossem do interesse dos trabalhadores.[2].
Mas não são
somente essas questões que vêm sendo enfrentadas ou confrontadas.
Surge, com a
terceirização, um novo tipo de subordinação.
Essa suposta
forma “moderna” de gerenciamento que cria uma rede de subcontratações para
negociar o trabalho humano na qualidade de mercadoria, significa uma
concentração econômica que se fortalece sem perder o poder de gerenciamento.
Neste aspecto na tentativa de evitar
fraudes e coibir abusos decorrentes desta concentração econômica, assevera
devemos optar, até a destruição final da terceirização, pela responsabilidade
solidária.
Não obstante, os Poderes Judiciários
assim não agem.
Porém, ainda assim, achamos que a
responsabilidade solidária deve ser estabelecida e, não só para os
trabalhadores, mas também em relação às empresas prestadoras ou fornecedoras de
mão-de-obra.
O nexo relacional entre empresas que
caracterizaria o grupo econômico é a real e efetiva direção hierárquica entre
os componentes do grupo surge de forma cristalina no cenário da terceirização
onde se verifica que a empresa tomadora sempre controla, dirige e administra
toda a atividade desenvolvida pela prestadora de serviços.
A terceira fica, assim, subordinada à
tomadora. Se ela, terceira, não se submeter ou não se subordinar à vontade e
direção da tomadora, não sobreviverá.
Portanto, a subordinação, que antes
era tida como um dos elementos essenciais à caracterização da relação de
emprego e que para nós, atualmente representa apenas um dos efeitos dessa
relação, assume novas perspectivas e passa, também, a atingir as pequenas e
médias empresas que servem ao sistema produtivo do oligopólio.
Exemplos que confirmam tal
subserviência ou subordinação são de evidência cotidiana.
As grandes empresas, na forma de
administrarem as pequenas e médias que lhes prestam serviços, (as chamadas
fornecedoras), além de controlar o preço destas, designam executivos de sua
confiança até mesmo para realizar as negociações coletivas entre as terceiras e
seus empregados.
Assim, não há como tergiversar.
A empresa terceira está subordinada
às tomadoras de serviços, tornando-se parte integrante de grupos econômicos representados
pela empresa rede.
Alguns aspectos sobre a
terceirização na Colômbia.
Todos os aspectos declinados nos
itens anteriores do presente esboço aplica-se à Colômbia e demais países das
americas Central e do Sul, com alguns gravames, especialmente em relação à
Colômbia, por ser ela considerada, pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento, a “joia escondida da terceirização na América Latina”.
Segundo a empresa norte americana
Gartner o êxito da terceirização na Colômbia, possui pelo menos 10 pontos
fundamentais dentre eles: o idioma, o sistema de educação, a mão de obra
tranquila, a infraestrutura, os custos baixos da mão-de-obra, a compatibilidade
cultural, o ambiente político e econômico, o desenvolvimento intelectual e o
apoio governamental à terceirização.
A Colômbia possui milhares de
empresas de software, de altas tecnologias da informação, inclusive espanholas
que poderão atuar, de forma terceirizada nos call centers e outras atividades.
O certo é que a política de
terceirização na Colômbia é crescente e avança para setores distintos dos de
informação, como processos de conhecimento, processos empresariais, educação e
outros, chegando a 60% das funções diretas das empresas.
Interessante notar que o discurso em
favor da terceirização ocupa grande parte da mídia colombiana, com argumentos
de contratações rápidas e eficazes; uma maior facilidade para o trabalhador ter
acesso ao mercado de trabalho; uma maior facilidade para se realizar a dispensa
dos trabalhadores; a produtividade dos terceirizados seria maior e melhor,
dentre outros.
Não obstante as propagandas que,
somadas a necessidade de trabalhar levam os trabalhadores a desenvolverem um
individualismo que desagrega a classe, a terceirização tem sido a maneira de o
capital, com o apoio do Governo, reduzir seus custos pagando salários mais
baixos, reduzindo direitos sociais e evitando as garantias de estabilidade no
emprego.
Como se observa, o artigo 53 da
Constituição Nacional, que prevê o patamar civilizatório mínimo, não é
respeitado na terceirização, assim como o artigo 34 do Código Substantivo do
Trabalho (alterado pelo Decreto 2351/1965).
Somadas a essas considerações, temos
que a suposta essência da terceirização vinculada a atividades especializadas
restou abandonada a partir da Lei 1429/2010, que trata do desenvolvimento das
pequenas e medias empresas, assim como do Decreto 2025 de 2011 e isso, apesar
do artigo 63 da referida Lei, destacar que a terceirização não poderá estar
vinculada a Cooperativas de Serviços de Trabalho Associado que intermediam
mão-de-obra ou equivalente se não forem cumpridos os direitos constitucionais e
legais vigentes.
Essa previsão remete à hermenêutica,
à interpretação e ao poder judiciário colombiano e o que pode ocorrer é o mesmo
que ocorre no Brasil.
Conclusão.
Ao encerrar esse estudo parcial (em
todos os sentidos), sobre a terceirização, eu gostaria de reafirmar que nós,
operários do direito, especialmente após a nossa saída da graduação, devemos
acumular o saber que nos foi ofertado para construir o nosso saber.
Devemos deixar o conformismo com que
nos deparamos frente à jurisprudência e à doutrina, para, sem desprezar o saber
acumulado, acrescentar, a partir dele o nosso próprio conhecimento construído.
Não
somos e não podemos ser conformistas, nem pacientes.
Não vamos nos permitir a mera
repetição do saber do outro e nem vamos esperar que o outro faça algo por nós.
A construção do nosso conhecimento passa, no início, pelo conhecimento do
outro, mas não se estanca ai e o fazer deve ser nosso e não do outro
isoladamente.
Temos que ser audaciosos para que
jamais nos seja imposto o abandono de nossa indignação, do nosso pensamento e
da nossa palavra.
A máxima jurídica de que o “direito
corre atrás do fato” não pode ser aplicada quando estamos tratando de direitos
humanos e sociais. É o fato (exploração do trabalho para a realização da
mais-valia) que deve se submeter ao direito.
E ainda, não podemos nos deixar levar
pelas necessidades que o capital apresenta. Nós não temos qualquer
responsabilidade pelos métodos capitalistas de acumulação e não podemos deixar
a classe trabalhadora pagar pela conta de um sistema que se diz em crise,
eternamente.
O capital que resolva suas crises e
entre os seus pares. Não podemos admitir que a escravidão retorne aos nossos
países nem que o ser humano trabalhador seja tratado, por quem quer que seja,
como “coisa”, para que o sistema capitalista continue a grassar nas nossas
paragens.
Esmagar em silêncio
A
palavra engolida
E
fingir-se contente.
Escolher em
silêncio
O momento
preciso
E escondê-lo
no ventre.
Planejar em
silêncio
A cobrança do
medo
E sorrir
entredentes...
Leila
Miccolis.
Referências
Bibliograficas
AMORIM, Helder Santos. A terceirização no serviço público: uma análise à
luz da nova hermenêutica constitucional. São Paulo: LTr
AMORIM, Helder Santos – O PL
4.330/2004-a e a Inconstitucionalidade da terceirização sem limite – 2013 –
site da Procuradoria Regional do Trabalho da 3ª. Região.
DELGADO, Maurício Gordinho.
Introdução ao direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2 ed. rev. Atual., 1999.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de
Direito do Trabalho. São Paulo: Ltr, 1
ed. 2002.
HAZAN,
Ellen Mara Ferraz . “Novos desafios em saúde e segurança do trabalho - Organizadores:
Antônio Carvalho Neto, Celso Amorim Salim – Belo Horizonte: PUC Minas,
Instituto de Relações do Trabalho e Fundacentro, 2001. ( 2001: 171)
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de.
Proteção jurídica à saúde do trabalhador. São Paulo: LTr, 2 ed. rev. amp.
atual., 1998.
POCHMANN, Márcio. A
superterceirização dos contratos de trabalho. Pesquisa publicada no site do
SINDEEPRES – Disponível em
PROSCURCIN, Pedro. O fim da
subordinação clássica no direito do trabalho. São Paulo: LTr Vol.65, nº 03,
Março de 2001, pag. 279/291
SOBRINHO, Genésio Vivanco Solano
SOBRINHO, Genésio Vivanco Solano. Da Organização Sindical. Associações
profissionais e Sindicatos – Entidades similares. Soleis, Rio de Janeiro,
setembro/2009, citando MASCARO, Amauri que apud
FILHO, Evaristo de Moraes.
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz – PL 4.330, O
Shopping Center Fabril, 2013 – JUTRA.
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Marcus Orione Gonçalves. O que é direito social? In: CORREIA, Mrcus orione
(coord) Curso de Direito do Trabalho, Vol. I; Teoria Geral do Direito do
Trabalho, São Paulo: LTr, 2007 p.23.
VIANA, Márcio Túlio – A proteção
social do trabalhador no mundo Globalizado – o Direito do Trabalho no limiar do
século XXI. Ltr ano 63 – julho 1999 – pag. 885.
VIANA,
Márcio Túlio – A terceirização Revisitada – Texto que serviu de base para
exposição em audiência pública realizada pelo TST em 4 e 5 de outubro de 2011.
[1]
Advogada, professora da Faculdade Milton Campos, da PUC-MG, Diretora da CAAMG
da OAB-MG, Vice-Presidente da AMAT-MG.
[2]
Como o apresentado, recentemente, pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
Paulista que propõe que o negociado sobreponha ao legislado, proposta
denominada de ACE (Acordo Coletivo Especial).
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