sábado, 23 de novembro de 2013

AVANÇO SOCIAL: No Congresso Internacional da ALAL na Colômbia a Professora Ellen Mara Ferraz Hazan em sua intervenção discorre sobre a temática: “TERCEIRIZAÇÃO, UM FENÔMENO OFENSIVO, DANOSO e ILEGAL”.


SUCESSO RENOVADO, XI ELAT, EM MEDELLIN (Colômbia)

A Professora Ellen Mara Ferraz Hazan em sua intervenção discorre sobre a temática: “TERCEIRIZAÇÃO, UM FENÔMENO OFENSIVO, DANOSO e ILEGAL”.

CONGRESSO INTERNACIONAL DA ALAL NA COLÔMBIA, MEDELLIN

SUCESSO RENOVADO: Terminou em 08.11.2013 o XI ELAT – Encontro Latino-Americano de Advogados Laboralistas realizado na Colômbia, Medellin, com a participação de representações de diversos países, não só da América-Latina, mas também dos EUA e União Européia.

O evento teve cunho social e multidiciplinário com a participação de advogados, magistrados do trabalho, professores, dirigentes sindicais, discutindo o Mundo do Trabalho frente à Crise Econômica e a Carta Sócio Laboral da ALAL que objetiva a construção de uma sociedade planetária de inclusão social, num mundo novo sem fronteiras e de direitos recíprocos assegurados através de uma legislação supra-nacional tutelando patamares civilizatórios de direitos que assegurem a efetividade da dignidade humana.

Leia mais.

TERCEIRIZAÇÃO
UM FENÔMENO OFENSIVO, DANOSO e ILEGAL.

                                                                       Ellen Mara Ferraz Hazan. [1] (2013).

“...Tapas os caminhos que vão dar na casa,

Cobres os vidros das janelas

Recolhes os cães para a cozinha

Soltas os lobos que saltas as cancelas...

(Sophia de Mello)

 

 

Sumário: Introdução; O nosso legado em relação à terceirização; Aspectos gerais sobre a terceirização; A degradação do valor do trabalho pela terceirização; Apontamentos sobre a terceirização no setor privado brasileiro.  Terceirizações tidas como lícitas pelo poder judiciário brasileiro; Efeitos jurídicos da terceirização; Apontamentos sobre a terceirização na administração pública brasileira; Algumas repercussões sociais da terceirização na administração pública brasileira; Debates sobre o Projeto de Lei 4330 que tramita no Congresso Nacional brasileiro; Direitos Sociais x terceirização; Alguns aspectos da terceirização na Colômbia; Conclusão. 

Introdução.

O sistema capitalista, ao surgir, trouxe consigo algumas contradições. Duas delas merecem um maior destaque neste esboço. A primeira decorre de sua própria eficiência:

“Com o passar do tempo, a produção pode superar o consumo, e os lucros acumulados já não podem ser reinvestidos – o que os leva para o mundo dos papéis” ( Márcio Túlio Viana – Ltr julho/99).

              A segunda vem para servir de antídoto ou de amortecedor contra sua lógica de exploração máxima: a formação de um proletariado que, aglomerado no mesmo local de trabalho, unifica-se e luta, coletivamente contra esta exploração.

Em relação a esta segunda contradição, a necessidade de grandes fábricas, com muitos trabalhadores ali lotados para a produção da “mais valia” (que se comunicavam na alegria e na desesperança), assim como a ameaça realizada pela existência de outro sistema que lhe contrapunha, o socialismo, fez surgir um modelo de capitalismo voltado para concessões – “Concedem-se os anéis para não se perder os dedos” (ditado popular).

Tal modelo pressupunha um Estado regulador voltado para as questões sociais, conhecido como o Estado do bem-estar social. Enquanto isto, o sistema continuava crescendo sem superar o consumo – ou seja, continuava acumulando, especialmente porque neste modelo, para vender, bastava produzir – produção em massa e consumo em massa.

Durante este período, sob a égide do Estado do bem-estar social, o sistema capitalista tratou de transformar a máxima política dos trabalhadores voltada para a conquista do socialismo, em uma máxima voltada para o sindicalismo de resultados.

O mundo assistiu, então, a cooptação dos trabalhadores e de suas organizações pelo sistema capitalista, consubstanciado no abandono da luta política pelo socialismo ou outro modelo, para abraçar o sistema capitalista voltado para a exploração com concessões sociais.

Ser explorado pela classe capitalista já não era mais o problema central dos trabalhadores, mas, sim, ser explorado com resguardo de direitos básicos como a saúde, a segurança, a remuneração necessária ao consumo básico.

É a conhecida terceira via onde o sistema capitalista deixa de ser questionado para ser adaptado.  A tese da reforma sobrepõe a da revolução. Cai o muro de Berlim.

A principal fonte material do direito do trabalho se enfraquece!

Esta lógica permanece até que aflora, no sistema, sua contradição vinculada à eficiência do modelo onde a produção supera o consumo.

Ressurge a outra contradição posta, vez que a mesma fábrica que reúne os trabalhadores também os une na luta e o resultado é o aumento dos custos.

Temos, assim, a retração do consumo e a luta do operariado pela manutenção e crescimento de seus direitos.

O Estado perde a força e a renda, os sindicatos param de obter conquistas. Esta nova fase faz com que a perda do poder aquisitivo dos trabalhadores se aprofunde ainda mais, a retração do consumo se concretize, formando um círculo vicioso.

As duas contradições, então, necessitam ser resolvidas.

O sistema capitalista, lembramos, não está mais em xeque, mas, sim, em crise – os primeiros sinais surgiram no final da década de 60 e se explicitaram com a crise do petróleo em 1972/1973.

Necessário, então, a construção de um novo modelo para o capitalismo: Surge o modelo do “pensamento único”, onde o sistema pretende retornar, desta feita mais tranquilo, para sua vertente liberal.

Uma das soluções foi expandir o mercado. Imprescindível, então, a queda das barreiras nacionais, especialmente dos países periféricos – surge a “globalização da economia”.

Na área das finanças, dentro desta mesma lógica com as novas tecnologias, especialmente a da informática, possibilita-se a criação de um mercado acionário, sem fronteiras e operando em “tempo real”. 

No mundo do trabalho era necessário reinventar os modos de produzir e de trabalhar para continuar o processo de acumulação, forçando a classe trabalhadora a produzir mais, ganhando menos.

O modelo da “empresa enxuta” se faz presente e se impõe. O ideal deixa de ser o de dominar diretamente toda a cadeia produtiva.

- Eliminam-se os estoques, as esperas, não mais se produz em massa, mas sim, por encomenda;

- reduzem-se progressiva e rapidamente os custos, seja através do desemprego estrutural ou da automatização;

- reorganizam-se em redes de empresas (terceiras), jogando para estas tudo o que lhes parece descartável, até mesmo a mão-de-obra.

Ao contrário do que pode parecer, este novo modelo não fica menor ou com menos poder, seja em termos econômicos ou de controle da cadeia produtiva. Pelo contrário, a redução é só física – aparente - especialmente porque as empresas terceiras, ditas “menores”, e que são as prestadoras de serviços, pertencem às tomadoras vez que dependentes daquela e totalmente submetidas a ela para a sobrevivência ou mesmo existência.

A concorrência no topo faz com que as grandes empresas se unam, em fusões, incorporações, oligopólios e impérios, transferindo para as terceiras o trabalho produtivo.

A concorrência na base -  entre as terceiras -  acirra-se, e muitas se matam para ganhar os contratos.  Para vender, já não é mais preciso tão somente produzir – é preciso produção diversificada e barata.

Para produzir barato, é necessária uma mão-de-obra barata, direitos flexíveis, sindicatos afetuosos e políticas fiscais favoráveis.

Invertido fica, então, o movimento entre produção e consumo da fase anterior.

A produção deixa de ser em massa e passa a ser variada e variável para nichos de consumidores.

O cálculo dos custos, antes realizado pela projeção do lucro e fixação do preço passa a ser realizado pela estimativa do preço possível. Assim, fixa-se o lucro desejado e cortam-se os custos.

No interior da fábrica, a inversão se dá da mesma forma.

Desaparecem os estoques – cada empresa pede à terceira exatamente o que precisa.

O emprego direto desaparece.

Os custos da mão-de-obra são reduzidos e a produtividade crescente: a busca da qualidade total não tem FIM.

O perfil da classe operária também se modifica.

Surge um pequeno núcleo de trabalhadores de quem se exige maior qualificação, polivalência e mobilidade funcional e geográfica, com disposição para horas-extras e, principalmente, que se sintam parte da empresa (parceiros).

Os trabalhadores lotados em atividades consideradas “meio”, além de tidos como menos qualificados, ficam fora da empresa tomadora e são colocados como terceiros, em trabalho subordinado, precarizado e em tempo integral, com grande rotatividade e salários baixos, sem qualquer perspectiva de carreira ascendente.

Com a empregabilidade e o temor do desemprego eles se submetem a tudo.

Surge um grupo de trabalhadores tidos como eventuais, que laboram a prazo ou a tempo parcial. Quase sempre são colocados como desqualificados e, portanto, transitam entre o desemprego e o emprego precário.

A precarização do trabalho e o desemprego passam a ser uma constante tida como necessária para sustentação do modelo.

A lógica torna-se ainda mais cruel.

Os lucros continuam intocáveis.

É essa a realidade que o sistema capitalista, no modelo neoliberal está impondo ao mundo, mesmo nos países não considerados periféricos.

O ataque é global e a intenção é transformar os trabalhadores em mercadorias, em “res”.

A facilidade encontrada pelo sistema capitalista para implantar seus objetivos natos (liberalismo) se dá, também, em razão do desaparecimento da força coletiva da classe trabalhadora. Os movimentos sociais, sindicais, que se contrapõe à acumulação capitalista se fragilizaram no Estado Social, na medida em que abandonaram seus objetivos históricos, adaptando-se ao capitalismo.

Em consequência a matéria prima da construção e da manutenção dos direitos sociais se enfraquece o que leva a possibilidade de o capital atacar o direito do trabalho, com discursos de “modernidade” em prol do econômico.

Surge a teoria da flexibilização dos direitos sociais.

Simultaneamente o capital ataca o que ainda resta das organizações sindicais, esfacelando a possibilidade de coalização; criminalizando os movimentos sindicais e; retirando dos dirigentes suas garantias.

O ataque aos direitos sociais, dentre eles as garantias sindicais e sociais se torna global.

 

O nosso legado em relação à terceirização.

A terceirização, fenômeno econômico imposto pelos meios de acumulação capitalista aos trabalhadores, veio sendo debatido pelos cantos e recantos do mundo, especialmente brasileiros, como um “mal necessário” frente a um suposto “mal maior”, que seria a não mais existência de empregos ou a possibilidade da economia mundial não se sustentar.

            A precarização e a flexibilização dos direitos sociais, retirando-lhes a efetividade (jogando-os no lixo), passaram a ser supostamente compreendias como normais no meio jurídico, o que nos incomoda, e muito!

            Não entendemos como normal esse método de acumulação capitalista e sim como ilegal, ofensivo, danoso, imundo frente aos direitos humanos e sociais conquistados pela classe que vive do trabalho e frente à ordem econômica ditada pelas Cartas Constitucionais vigentes, inclusive a brasileira.

            Não obstante, esse fenômeno segue sendo utilizado em larga escala, até mesmo com o aval dos Tribunais Trabalhistas, como o brasileiro Tribunal Superior do Trabalho onde, através de Súmula, a de número 331, claramente privilegia o econômico em detrimento do social.

Entre o lucro e as pessoas, os judiciários têm assumido a defesa do lucro, pelo menos por enquanto.

O certo é que esses entendimentos jurisprudenciais que autorizam, mesmo contra os comandos maiores das Constituições, a terceirização como legal, arromba a porta para o capital neoliberal transformar o trabalho humano em mercadoria, como se vê não só da leitura do Projeto de Lei 4330 que tramita no Congresso Nacional Brasileiro, mas principalmente das práticas atuais do sistema econômico em relação à classe trabalhadora brasileira e mundial.

            E, qual a razão deste aval dos Tribunais Trabalhistas a essa figura ilegal? E como fica esse aval frente ao PL 4330 que está tramitando no Congresso Nacional Brasileiro com sérios riscos de ser aprovado?

            Enfim, como ficam os trabalhadores, o direito do trabalho e a Cartas Constitucionais que dão valor fundamental ao trabalho e à dignidade humana frente a esse fenômeno que é contrário aos ditames da Organização Internacional do Trabalho e dos Países que adotaram o modelo de Estado Democrático de Direito?

            São esses questionamentos que nos desafiam e que merecem nossa elaboração.

            Necessitamos dar uma maior contribuição, não só teórica vez que operários do direito. Lutar contra esse absurdo antissocial, antijurídico, considerando-o crime contra a humanidade é o mínimo que podemos fazer.

            Para que dúvidas não pairem sobre o que pretendemos alertar, nossa luta não deve ser somente contra o fenômeno da terceirização nesse ou naquele país. Nossa luta é contra a terceirização, exigindo a bilateralidade contratual e a efetivação dos direitos sociais.

            Não podemos cair na armadilha que achamos estar armada para a manutenção do fenômeno terceirização. Legislar autorizando esse fenômeno será um suicídio. O fenômeno é proibido pelas nossas leis e não devemos autoriza-lo através de Lei específica ou mesmo de qualquer outro instrumento normativo.

            Nossa luta não pode ser para minimizar os efeitos da terceirização. Nossa luta é para fazer valer a proibição desse tipo de exploração que transforma o ser humano trabalhador em mercadoria.

Acredito que esse seja o nosso legado.

 

Aspectos gerais sobre a terceirização.


A palavra “terceirização” é tida como neologismo, ou seja, uma palavra inventada.

            Na Europa ela é rotulada como subcontratação, reconcentração, focalização ou descentralização.

            Essas denominações utilizadas pelos países centrais deixa clara a intenção de precarização do contrato bilateral de emprego (subcontratação) estabelecendo relações trilaterais e, ainda, com descentralização de atividades empresarias (reconcentração, focalização, descentralização).

Já a palavra “terceirização”, utilizada na Brasil, deixa às escondidas a real intenção deste fenômeno capitalista que tem vindo, para a mídia, como uma “moderna necessidade empresarial de concentrar-se em seu negocio principal”.

As empresas tomadoras, ditas modernas, na terceirização deixam de ter relação com seu produto, passam a ser gestora da exploração do trabalho para a geração de lucro e sua atividade fim, ou seu negocio principal rentável, passa a ser o comércio de gente.

Nesse comércio de gente, a mais-valia decorrente da exploração do trabalho humano se multiplica. Não é mais o produto que vai gerar lucro, mas o comércio de trabalhadores, de seres humanos.

Não temos dúvidas de que esse agenciamento de trabalho humano, apelidado de “shopping center fabril” por SOUTO MAIOR, Jorge Luiz, o ser humano trabalhador passa ser oferecido como mercadoria e dele, do seu trabalho, se extrai uma segunda mais-valia e outras tantas, dependendo da quantidade de agenciadores de mão-de-obra envolvidos.

Oferecendo o ser humano como mercadoria e para que “essa” conceda, a todas as agenciadoras (supostas empresas) lucro (mais-valia), se faz necessário o aviltamento dos direitos sociais.

Desta forma a terceirização tem como objetivo transformar o “negócio principal” de as empresas, para obtenção de melhores lucros, na exploração do trabalho como mercadoria e não mais na produção de produtos e, para que os lucros cresçam se faz necessário, na visão destes criminosos, a redução de salários, a precarização das condições de trabalho, a fragilização do trabalhador na sua condição de individuo e de coletividade, enfim, impossibilitando qualquer construção de consciência do trabalhador em torno da exploração que poderia lhe conduzir às praticas, indispensáveis, como à explicitação do conflito de classes, para reduzir o poder do capital.

Por essas razões é que entendemos que a terceirização, além de ser contrária as legislações nacional e internacional, deve ser tipificada como crime contra a humanidade, na medida em que desvincula o capital do trabalho, inviabilizando não só o conflito ou o antagonismo de classe, mas principalmente o reconhecimento dos trabalhadores enquanto classe, colocando o ser humano trabalhador na condição de mercadoria, coisa, “res”.

E nem se suponha que existem meios de terceirizar sem precarizar os direitos sociais da classe que vive do trabalho. Como nos ensina VIANA, Marcio Túlio, “terceirização que não precariza é uma contradição em seus próprios termos”, especialmente em razão de esta desumanizar o trabalhador levando o direito a lhe oferecer em troca de seu trabalho e de sua dignidade, apenas uma compensação financeira.

Não temos dúvida que a terceirização representa a estratégia do capital de destruir a classe trabalhadora para se servir do trabalhador individualizado como coisa, em regime de alta exploração.

Maurício Godinho Delgado assim define a terceirização:

“Para o Direito do Trabalho, terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno, insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estenda a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente.” (Delgado, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho, 2 ed. rev. atual., São Paulo:LTr, 1999. p. 274)

 

Afirmam os doutrinadores que tal fenômeno merece ser analisado com reservas, na medida em que insere, artificialmente, um modelo trilateral na relação jurídica, distanciando-se, pois, da concepção bilateral que é própria da relação de emprego.

O lamentável fenômeno da terceirização, apesar de contundente, é recente. Temos considerado tal fenômeno como a estratégia de o capital resolver uma de suas contradições: produzir sem unir a classe trabalhadora.

Como destacado, existem várias denominações para esse fenômeno capitalista como “triangulação”, “subcontratação”, “terceirização”, “outsourcing”, “descentralização”, “desverticalização” dentre outros, porém, como se pode constatar, qualquer que seja a denominação utilizada, vem acompanhada de destruição, seja de direitos sociais, seja da dignidade do ser humano trabalhador.

Dois têm sido os métodos de terceirização utilizados a partir de meados do século XX:

- o primeiro, quando a empresa passa para outras empresas suas etapas de produção;

- o segundo quando a empresa traz, para dentro de sua produção, os trabalhadores alheios.

O primeiro modelo lança para fora da empresa etapas inteiras do seu ciclo produtivo, fragmentando não só a produção, mas também os trabalhadores de forma objetiva.

Alguns autores afirmam que essa forma de descentralização da produção “outsourcing” não gera problemas jurídicos, econômicos ou sociais por serem as empresas terceiras formalmente constituídas e por assumirem, plenamente, as obrigações trabalhistas de seus próprios trabalhadores. Ousamos discordar de tal entendimento, especialmente em razão de que através deste modelo, o que a grande empresa não pode fazer a pequena faz por ela, como nos alerta VIANA, Márcio Túlio:

“ ... é verdade que a precariedade tende a aumentar na medida em que se avança pelas malhas da rede. E isso não só porque as parceiras costumam ser mais frágeis, como porque são menos visíveis – a tal ponte que às vezes se escondem num fundo de quintal.

Nesse caso, então, o que a grande empresa não pode fazer, a pequena faz por ela: paga pouco, sonega direitos, usa máquinas velhas, ignora as normas de prevenção. E assim, pode cobrar menos dinheiro pelas peças que fabrica, o que às vezes é condição de sua própria sobrevivência – já que trava uma guerra moral com as suas concorrentes...” (Terceirizando o Direito: novos enfoques sobre o PL 4330 pag. 2)

 

Acrescentamos ainda, que além de essas pequenas empresas não terem condições econômicas de suportarem passivos trabalhistas, elas desaparecem sem pagar os direitos de seus empregados, deixando-os em situação de penúria.

Soma-se a tal questão, que poderia ser resolvida pela aplicação da responsabilidade solidária entre a tomadora e as prestadoras, o que não ocorre na linha de atuação de nossos tribunais, a fragmentação objetiva dos trabalhadores o que lhes impossibilita a união e a luta, solidária, por melhores condições de vida e trabalho.

É, como alertamos, a destruição de uma das fontes materiais do direito do trabalho.

O segundo modelo fragmenta diretamente os trabalhadores, desta feita de forma subjetiva, opondo trabalhadores diretos aos terceirizados e vice versa.

A grande estratégia do capital que está sendo levada à cabo com a terceirização é poder produzir sem reunir os trabalhadores e, na eventualidade de ter que reuni-los, reunir sem unir.

Essa forma destrói qualquer elemento coletivo e de solidariedade entre os trabalhadores, transformando-os em concorrentes, em inimigos: O trabalhador da tomadora, aceita reduzir seus direitos para não perder seu emprego para o terceirizado e este, para poder se mostrar melhor ao patrão, aceita trabalhar mais ganhando menos, na tentativa de um dia ser empregado da empresa tomadora.

Além desse aspecto, temos a fragmentação sindical dos trabalhadores que lhe impossibilita a unidade, a solidariedade e a coletividade.

 

A degradação do valor do trabalho pela terceirização.

A questão vinculada ao trabalho humano, seu sentido ético, seu significado social, seu valor, sua finalidade, desde tempos imemoriais vem instigando estudos, pesquisas, pronunciamentos, reflexões  e isso não só por juristas, mas também por filósofos, religiosos, sociólogos, economias, dentre outros.

Não obstante a polêmica que esse assunto enseja, é certo que o trabalho do homem sempre foi visto à luz de pelo menos dois enfoques diversos e que se apresentam contraditórios.

Um, concebe o trabalho como fonte de libertação, fator de cultura, progresso, realização pessoal, além de instrumento de paz social, de bem estar coletivo e dominação racional do universo, sempre na linha do Gênesis:

“... Multiplicai-vos, frutificai-vos e enchei a terra e sujeitai-a e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem sobre a terra”. ( Gen. 1,28).

 

            Nesta concepção, o trabalho dá ao homem inegável dignidade, vez que o coloca como administrador de todo o orbe, dando a ele evidente privilégio em relação aos demais seres do planeta, pois apenas o ser humano pode realizar trabalho com discernimento e liberdade, transformando o planeta em riquezas úteis.

Outro concebe o trabalho como uma punição, uma expiação, um fardo ou castigo imposto ao homem decaído, como forma de puni-lo por seus erros e desobediência:

“.. porquanto deste ouvido à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei dizendo:  não comerás dela, maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida; com trabalho penoso tirarás dela o alimento todos os dias de tua vida. Produzir-te-á abrolhos e espinhos e nutrir-te-ás com as ervas do campo; comerás o pão com o suor da tua fronte”( Gen. 3,17-19).

 

Apesar da aparente divergência entre esses dois enfoques, se pensarmos bem, eles não se contradizem nem mesmo na perspectiva do Evangelho.

Para este, Evangelho, o trabalho é castigo, sim, mas purificante, libertador, ungido de dignidade. Uma espécie de cadinho da alma pelo qual se afugenta o ócio se exercita a criatividade e se fertiliza a solidariedade entre os homens, num câmbio permanente de bens e serviços.

É bom lembrar, também, que o homem trabalha desde que foi criado, segundo a Bíblia, antes mesmo de haver, supostamente, desobedecido ao criador ...

 

“.. tomou pois o senhor Deus o homem e o colocou no jardim do éden para cultivá-lo e guarda-lo”( Gen. 2,15).

 

Segundo alguns autores a diferença esta em que, antes do homem ter obedecido a mulher, o trabalho era alegre e sem fadigas, tornando-se penoso somente após a desobediência de Adão e Eva.

Ousamos aqui mencionar o evangelho vez que a maioria de nós, latino americanos, desde criança ouvimos essas estórias e delas tiramos alguns sentimentos e valores, como a culpa, o medo, o moral a ética e outros.

Isso significa que independente da condição intelectual e religiosa de cada um de nós, todos ou quase todos, fomos moldados e contaminados por essa estória. Ela ficou no nosso inconsciente.

Dai a importância do trabalho para o ser humano e sua dignidade!

Já para os economistas, o trabalho está ligado intimamente com a utilidade do trabalho realizado, pelo que deverá ele se prestar para satisfazer solicitações humanas, atender ao que o homem precisa para manter-se, sobreviver.

Em economia, então, o trabalho do homem deve traduzir um resultado útil, prático, ou seja,  utilidade econômica, e só!

Dai afirmar-se que: O trabalho é toda energia humana que, em consórcio com os demais fatores de produção – natureza e capital – é empregado com finalidade lucrativa.

Para a filosofia, como a atividade humana é muito ampla, extensa, multifacetada, rica de manifestações e de singularidades desenvolvendo-se numa simbiose complexa, harmônica o trabalho pode ser considerado castigo, pena, fardo, encargo; ou privilégio, dignificação, instrumento de transformação útil de riquezas do planeta; ou ainda, fator de redenção humana.

            O que existe de comum para a filosofia é que o trabalho é toda atividade realizada em proveito do homem. É todo empenho de energia humana voltado para acudir a realização de um fim de interesse do homem. ( Johannes Haessle).

Para os juristas, o trabalho do qual se ocupa a normatividade, é o que é realizado de forma voluntária e consciente pelo homem, colimando um fim socialmente útil.

Assim, para o direito, o trabalho precisa ter um conteúdo lícito, uma dimensão ética, já que não é um fim em si mesmo, pois carrega uma hipoteca social, que é o atendimento de necessidades humanas. Por consequência, há de ser valorável e socialmente proveitoso. Não necessariamente produtivo, economicamente falando.

Ademais, o direito também se ocupa com o trabalho subordinado, ou seja, aquele em que alguém coloca suas energias em favor de outra pessoa, trabalhando sob as ordens dela e para o enriquecimento dela.

            Todos esses conceitos sobre o trabalho, fez com que a humanidade enfrentasse várias revoluções e, pelo menos duas guerras mundiais para que se estabelecesse a proibição da visão liberal do trabalho como mercadoria, como coisa.

            Para os liberais o Estado existe para a proteção da sociedade que, por sua vez, é franqueada à iniciativa individual. O Estado se afasta das relações obrigacionais e no âmbito político, os fins ou o sentido e os valores da Constituição não tem valor ou peso.

Ideologicamente, a sociedade liberal se considera superior ao Estado.

Destaca Jorge Luiz Souto Maior no texto Direito social, Direito do Trabalho e Direitos Humanos, citando François Ewald que:

“ ...os postulados básicos de um direito na ordem liberal são:

“ a) a preocupação com o próximo decorre de um dever moral: tornar esse dever em uma obrigação jurídica elimina a moral que deve existir como essência da coesão social;

b) todo direito obrigacional emana de um contrato: a sociedade não deve obrigação a seus membros; só se reclama um direito em face de outro com quem se vincule pela via de um contrato;

c) a desigualdade social é conseqüência da economia (e a igualdade também): quando o direito procura diminuir a desigualdade acaba acirrando a guerra entre ricos e pobres (ricos, obrigados à benevolência buscam eliminar o peso do custo de tal obrigação; pobres, com direitos, tornam-se violentos);

d) a fraternidade é um conceito vago que não pode ser definido em termos obrigacionais;

e) o direito só tem sentido para constituir a liberdade nas relações intersubjetivas, pressupondo a igualdade (a ordem jurídica tem a função de impedir os obstáculos à liberdade);

f) o direito não pode obrigar alguém a fazer o bem à outra pessoa;

g) em uma sociedade constituída segundo o princípio da liberdade, a pobreza não fornece direitos, ela confere deveres.”

 

Em razão destes postulados, é certo para o modelo liberal que os riscos a que se sujeitam os trabalhadores num ambiente de trabalho não poderiam ser imputados a quem os subordina e mesmo à sociedade. Na lição do mesmo autor:

“ ... as incertezas da vida e os seus riscos, afinal, dizia-se, atingem a todos igualmente. Não sendo trabalho, pois, de atributo de uma certa classe de homens. Assim, cabe a cada um ganhar sua segurança no exercício pleno da liberdade.

...

Assim, riqueza e pobreza têm a mesma origem, a liberdade. O pobre poderia ser rico pela mesma virtude que fez a riqueza o rico.”

 

Daí a máxima liberal de dar a cada um o que é seu:

Ao pobre, a pobreza. Ao rico, a riqueza.

A crise social haveria, pois, de se desenvolver nesse contexto social, jurídico, técnico e econômico. E se desenvolveu.

A oposição entre o operário e a empresa mais se acentuou, ao passo que as condições de trabalho mais se tornaram deprimentes, o desemprego campeava, os acidentes de trabalho faziam estatísticas e a massa de trabalhadores parecia tornar-se fisicamente degenerada.

Tudo isso resultou no aparecimento de certa força de resistência da classe operária que se foi concentrando à medida em que as fábricas se expandiam.

As condições de vida uniformizadas a um nível tão ínfimo, mesmo assim criaram certos liames de solidariedade grupal que se fortaleceram ao embate do sofrimento e se intensificaram com a luta aberta que se instalou contra o grupo empresarial.

E a consciência de classe que se revelou através das primeiras coalizões e, pouco mais tarde, através de movimentos sindicais propriamente ditos, cuja primeira fase correspondem às sociedades secretas de resistência que a história dos países europeus - especialmente a França - e da América do Norte, registraram.

Esta coesão da classe operária, que se tornou mais estreita à medida que se fortificaram os grupos, pelo número e pela consciência grupal, pode ser vista como o impulso inicial para o surgimento do Direito do Trabalho, porque somente daí é que partiram realmente as reivindicações.

Como saliente Jorge Luiz Souto Maior,

Foi a partir das diversas tensões da sociedade industrial em formação, no âmbito mundial, com todos os seus efeitos reais, guerras, greves, revoltas, reivindicações, mortes, mutilações, que se necessitou sair do modelo político liberal para se chegar ao Estado Social, ou Estado Providência, ou, ainda, Estado do Bem-Estar Social.

As diversas nações do mundo, vale lembrar, passaram longo tempo discutindo os problemas gerados pelo advento do modelo capitalista de produção com tendências a atingir uma escala mundial, desenvolvido à base do modelo jurídico pós-revolução francesa.

Desde o início do século IXX, alguns pensadores já expunham suas preocupações com este problema; mas, somente em 1889 ele começou a ser tratado com maior intensidade, quando o governo suíço  propôs a realização de uma Conferência Diplomática em Berne, para fixar bases de um acordo internacional sobre o trabalho das fábricas....

...

Novos congressos foram realizados em 1908; 1910 e 1912, mas, durante todo este tempo, praticamente, nada se realizou em termos de regulação do trabalho, até que, em 1914, adveio a primeira guerra mundial.

A guerra gerou, por conseqüência, a suspensão das reuniões; porém, por outro lado, fez com que a preocupação com a questão social começasse a ser levada um pouco mais a sério. Não foi por acaso, portanto, que ao final da guerra, no documento que lhe pôs fim, o Tratado de Versalhes, acabou proclamando a necessidade de se preocupar com a questão trabalhista, criando um organismo internacional (OIT), para desenvolvimento da legislação do trabalho, e fixando uma série de princípios gerais (Capitant, p.34) destinados a servir de diretiva para a legislação.

...

Não foi por acaso, portanto, que na Parte XIII, do Tratado de Versalhes, de 28 de junho de 1919, art. 427, foram expressos os princípios que deveriam reger a normatização das relações de trabalho pelo mundo, merecendo destaque o contido no inciso I do referido artigo:   o trabalho não deve ser considerado como simples mercadoria ou artigo de comércio, mas como colaboração livre e eficaz na produção de riquezas.

 

Afirma ainda o mesmo autor que tal questão não foi levada a sério por muitos países e que isto, consideradas as proporções,

“... acabou motivando o surgimento da segunda guerra mundial. Resultado: em 30 de maio, de 1946, após a segunda guerra, a OIT foi elevada a órgão permanente da ONU, reforçando a preocupação com a distribuição de renda e com a fixação de condições dignas e igualitárias de trabalho por todo o mundo.”

 

Ocorreu, em seguida, o que conhecemos como fenômeno da constitucionalização dos direitos sociais, a exemplo do que havia ocorrido no México e na Alemanha em 1917.

Um novo modelo jurídico vem a se estabelecer – O Estado do Bem-Estar Social.

O Estado, então, passa a intervir nas relações contratuais (o que era inadmissível frente aos pressupostos liberais), e passa a se comprometer com a sociedade como o implementador da satisfação dos novos interesses do capital, passando até mesmo a ser sujeito passivo obrigado a efetivá-los.

Na esfera jurídica, o Estado deixou de ser um mero legitimador dos interesses dos dominantes e transfigurou-se em Estado Social – no prisma do direito.

Para se fazer uma análise entre os pressupostos do liberalismo e os do Estado Social, destaca-se, na visão de Jorge Luiz Souto Maior, que este novo modelo diferiu-se,

“... fundamentalmente, do antigo em um aspecto: o da solidariedade social, que deixou o campo da moral para se integrar à ordem jurídica. Passou-se a reconhecer que do vínculo social advinha à responsabilidade de uns para com os outros, cabendo ao Estado a promoção de todos os valores que preservavam a vida, na sua inteireza, independente da condição econômica ou da sorte de cada um. A solidariedade, no sentido da preocupação de uns com a situação social e econômica de outros, deixou o campo da moral e passou a se integrar à ordem jurídica. A solidariedade foi integrada, assim, ao campo da responsabilidade e esta não foi mais uma responsabilidade civil e sim social, juridicamente exigível, sem necessidade de integração, a uma dada relação jurídica, dos elementos liberais, tais como a culpa e os limites estritos de um contrato (analisado do ponto de vista formal).

 

No contexto da produção capitalista, que permitiu a utilização do trabalho humano de outrem para geração de riquezas, aqueles que se beneficiaram do sistema, ou melhor, que acumularam riquezas em função do trabalho alheio, na ótica do direito social, tinham, naturalmente, uma responsabilidade redobrada, sendo que o primeiro modo concreto de cumpri-la era respeitando os direitos daqueles que, com seu trabalho, alimentavam sua atividade econômica.

Desse modo, nada foi mais agressivo à ordem jurídica do Direito Social que o desrespeito aos direitos dos trabalhadores.” autor e ob cit).

 

            Por essas razões é que, analisando o fenômeno capitalista liberal da terceirização, concluímos que ele aponta para a vontade de o capital restabelecer os primados legais de um Estado Liberal, onde as relações contratuais se regem exclusivamente pela vontade das partes, individualmente consideradas, sem interveniência do Estado, transformando o trabalho humano em mercadoria.

            Assim o produto do capital passa a ser o trabalho, como mercadoria. Tal fenômeno retira dos seres humanos, por vontade dos seres jurídicos (pessoa jurídica) o valor social e de dignidade que o trabalho conquistou depois de tanta luta e tantas guerras.

            Como destaca DELGADO, Maurício Godinho, ao tratar dos “Direitos Fundamentais na Relação de Trabalho, no livro, Direitos Humanos: Essência do Direito do Trabalho”:

                        “ Direitos fundamentais e Constituição.

Embora o fenômeno da constitucionalização do Direito do Trabalho tenha se iniciado ao final da segunda década do século XX, será apenas após a Segunda Guerra Mundial, com as novas constituições democráticas da França, Alemanha e Itália (e, décadas depois, Portugal e Espanha), que a noção de direitos fundamentais do trabalho solidificou-se na seara constitucional. Tais Cartas Magnas relativamente recentes é que não somente ampliaram a inserção de regras trabalhistas em seu interior, como também, - e principalmente – consagraram princípios de direta ou indireta vinculação com a questão trabalhista.

Neste plano, por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana – com necessária dimensão social, da qual é o trabalho seu mais relevante aspecto -, ao lado do princípio da subordinação da propriedade à sua função socioambiental, além do princípio da valorização do trabalho e, em especial, do emprego, todos expressam o ponto maior de afirmação alcançado pelo Direito do Trabalho na evolução constitucional dos últimos séculos.

No Brasil este ápice de afirmação constitucional, encontra-se na Carta de 1988, como se sabe. Ali todos estes princípios, a par de outros também relevantes, espraiam-se pelo corpo constitucional, conferindo uma das marcas mais distintas de tal constituição perante as demais já existentes na história do país.

Na verdade, são quatro os princípios constitucionais afirmativos do trabalho na ordem jurídico-cultural brasileira: o da valorização do trabalho, em especial do emprego; o da justiça social; o da submissão da propriedade à sua função sócio-ambiental; o princípio da dignidade da pessoa humana...”

 

            POIS BEM, a Carta Brasileira de 1988 em seu Título I, como já ressaltado, “ Dos princípios fundamentais”, aponta a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º. Incisos III e IV).

Ainda neste título, o art. 3º. Afirma que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I.- construir uma sociedade livre, justa e solidária; II- garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

 

Por sua vez o enquadramento do Direito do Trabalho como direito social está aposto no art. 6º da CR/88 e, o art. 7º concretiza os inúmeros direitos sociais humanos do trabalho ali descritos.

E não é só, a Constituição de 1988, ao tratar da “ Ordem Econômica e Financeira” e dos “ Princípios Gerais da Atividade Econômica (Titulo VII, Capítulo I, art. 170), destaca que a tal atividade e até mesmo a ordem econômica está “ fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa”.

As palavras: fundamento e valorização estão apostas não sem motivo no texto constitucional que trata da ordem econômica, como se verifica da determinante constitucional que afirma que a mesma  “..tem por fim assegurar a todos existência digne e isto, conforme os ditames da justiça social, mediante a observação dos seguintes princípios”..:

            - soberania nacional

            - propriedade privada

            - função social da propriedade;

            - livre concorrência

            - defesa do consumidor

            - defesa do meio ambiente

            - redução das desigualdades regionais e sociais

            - busca do pleno emprego

            -tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Destaca-se ainda que a nossa Carta ao tratar da “Ordem Social” reafirma que  a “ ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais – art. 193 da CR/88).

Assim não há como negar que o trabalho adquiriu, na Constituição de 1988 brasileira o status de objetivo e finalidade de tais ordens concretas da vida humana e comunitária, como afirma DELGADO, ob cit.

Mas devemos questionar: toda esta valorização do trabalho/emprego diz respeito a qualquer trabalho? A qualquer custo social? O trabalho precário o informal estariam protegidos pela nossa Carta? O trabalho terceirizado está autorizado?

            E uma pergunta a mais: Em razão desses postulados, que proíbem a terceirização, por qual razão ela hoje grassa pelas terras brasileiras?

            O certo é que o fenômeno da terceirização frente aos direitos humanos sociais dos trabalhadores, faz com que a mesma desapareça até mesmo em razão de que, quando tratamos de direitos humanos e sociais não é o direito que deve correr atrás do fato, mas sim esse que deve se submeter ao direito.

            Em assim não o fazendo destrói-se os valores sociais e humanos para fazer viver e sobreviver os valores do mercado e nós, seres humanos, seguimos degradados e rebaixados à condição de coisa, exercendo nossa paciência até que, quem sabe, a situação mude.

            Para usar da minha máxima sinceridade e me socorrendo dos ensinamentos do mestre SARAMAGO, José, afirmo que estou cansada de ter paciência. Muitas revoluções se perderam por demasiada paciência. Não temos que ter nada contra a esperança, mas ultimamente, prefiro a impaciência. “Já é tempo de que ela se note no mundo para que alguma coisa aprendam aqueles que preferem que nos alimentemos de esperanças ou de utopias.” (JUTRA- A Esperança e a Impaciência).

 

Apontamentos sobre a terceirização no setor privado brasileiro.

A Consolidação das Leis do Trabalho Brasileira (CLT) elencou, originalmente, apenas duas figuras que se consubstanciam na subcontratação de mão-de-obra, quais sejam a empreitada e subempreitada (art. 455), incorporando também a pequena empreitada (art. 652, alínea “a”, inciso III). Destarte, tem-se que, à época da elaboração da Consolidação das Leis do Trabalho, década de 40, a terceirização não se apresentava com a dimensão que possui hodiernamente. Com efeito, naquela época, conforme assevera Maurício Godinho Delgado (Ob. cit., p. 375) “sequer merecia qualquer epíteto designativo especial”.

No final da década de 60 do século XX, surge no segmento público brasileiro referência normativa à terceirização. O Decreto-lei nº 200/67, em seu art. 10, fixava os parâmetros deste fenômeno, autorizando-o apenas ao setor público: administração direta e indireta.

Na década de 70 do século XX, a Lei nº 6.019/74 fixou a figura do trabalhador temporário. Elasteceu-se pois, o âmbito da terceirização, na medida em que a mesma passou a contaminar, também, o setor privado.

Em 1983, a Lei nº 7102 estipulou a terceirização nos serviços de vigilância bancária. Cumpre destacar que, ao contrário da Lei 6019/74, esta seria efetuada em caráter permanente.

A Lei nº 8949/94 acrescentou o parágrafo único ao art. 442 da CLT, introduzindo nova hipótese de terceirização, qual seja a fórmula cooperada. Com efeito, o cooperativismo trabalhista demonstrou que tal dispositivo legal possibilitou e legitimou o surgimento de inúmeras fraudes que têm como finalidade surrupiar direitos trabalhistas dos obreiros ditos cooperados.

Sabe-se que o direito objetivo, norma vigente numa determinada sociedade em época específica, desenvolve-se com menor velocidade do que as relações sociais que pretende regular. Destarte, o setor privado, ao longo das últimas três décadas, incorporou crescentemente a prática da terceirização da força de trabalho, “independentemente da existência de texto legal autorizativo da exceção ao modelo empregatício clássico” (Maurício Godinho, Ob. cit. , p. 375).

Neste diapasão, Maurício Godinho Delgado conclui:

“Uma singularidade desse desafio crescente reside no fato de que o fenômeno terceirizante tem-se desenvolvido e alargado sem merecer, ao longo dos anos, cuidadoso esforço de normatização pelo legislador pátrio. Isso significa que o fenômeno terceirizante tem evoluído, em boa medida, à margem da normatividade heterônoma estatal, como um processo algo informal, situado fora dos traços gerais fixados pelo Direito do Trabalho do país. Trata-se de exemplo marcante de divórcio da ordem jurídica perante os novos textos sociais, sem que se assista a esforço legiferante consistente para se sanar tal defasagem jurídica.” (Ob. cit., p. 376-377)

 

Consequentemente foram os Tribunais Trabalhistas que examinaram os crescentes casos que envolviam a terceirização. Com o intuito de unificar o entendimento jurisprudencial sobre a matéria, o TST editou o Enunciado 331, que revisou o Enunciado 256:

“331 - I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 3.1.74). II - A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição Federal).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7102/83), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que este hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei 8.666/93) (Alterado pela Res. N. 96, 11/09/00, DJ. 19.09.00).

 

O enunciado 331 do TST acolheu a vedação constitucional de contratação de servidores públicos sem o concurso público, fortalecendo sobremaneira a descentralização administrativa.

Por outro lado, o referido enunciado, hoje súmula, apresenta-se como uma tentativa de se conferir legitimidade à terceirização, na medida em que constrói a distinção entre as lícitas e as ilícitas e autoriza sua prática mesmo sem previsão legal. Tal distinção funda-se nos frágeis conceitos de atividade-meio e atividade-fim do tomador de serviços.

Finalmente, foi estabelecida a responsabilidade solidária do tomador na hipótese de inadimplemento por parte do empregador. Tal fato simplesmente corrobora a legitimação artificial de tal fenômeno, na medida em que representa uma “contrapartida” (qual seja a responsabilidade objetiva do tomador), devida em virtude da fragilização dos direitos trabalhistas dos empregados terceirizados.  

 


Terceirizações tidas como lícitas pelo judiciário brasileiro.


Como já destacado, todos os tipos de terceirização, seja interna ou externa são ilícitas frente aos comandos nacionais e internacionais vinculados aos direitos humanos, até mesmo em razão de tal fenômeno transformar o trabalho humano em mercadoria.

É interessante notar que a máxima jurídica de que o “direito corre atrás do fato social” está sendo utilizada de forma generalizada e inconcebível dentro das teorias jurídicas. E isso porque, quando se trata de direitos humanos e sociais, é o fato que deve obedecer ao direito e não o contrário. Aceitar essa inversão significa que a qualquer momento estaremos dando validade jurídica à escravidão se ela se mostrar um fato viável ou necessário à economia capitalista.

Não obstante, o poder judiciário, fazendo coro com o sistema capitalista, deliberou pela inversão dessa máxima, legitimando o fenômeno ilegal da terceirização.

A primeira hipótese de terceirização dita como lícita pelo judiciário brasileiro abarca as situações empresariais que autorizam a contratação de trabalho temporário: Leis nºs 6019/74 e 7102/83 - trabalho temporário e serviço especializado de vigilância, respectivamente.

Lamentavelmente, o direito objetivo foi contaminado pelo fenômeno da terceirização. Registre-se que tais diplomas legislativos importam em flagrante fragilização dos direitos duramente conquistados pela classe trabalhadora.

Destaque-se, outrossim, o fato de que o TST elasteceu sua interpretação quanto à licitude da terceirização relativa aos serviços especializados de vigilância, na medida em que a permite para outras empresas além das bancárias.

Com efeito, o TST ampliou a hipótese legal, que se restringia apenas ao segmento bancário.  O legislador incorporou esta alteração, por meio das alterações sofridas pela Lei nº 7102/83, e pela de nº 8863/94.

Também foi “agraciado” pela jurisprudência do TST o setor empresarial que envolve a exploração dos serviço de conservação e limpeza. Em que pese ser de conhecimento notório o fato de que tais empresas não respeitam a legislação trabalhista pátria, as mesmas receberam o benefício da licitude de seus “serviços” prestados por parte do TST.

É flagrante a artificialidade, bem como fragilidade da construção jurisprudencial que pretende separar a licitude da ilicitude baseando-se apenas na suposta dualidade entre a atividade meio e a fim e sem considerar a definição, legal, de grupo econômico contido no § 2º do art. 2º da CLT e a subordinação estrutural, inconteste, das terceiras à empresa tomadora.

Sobre a conceituação de atividades-fim e atividades-meio, Maurício Godinho assim afirma:

“Atividades-fim podem ser conceituadas como a funções e tarefas empresariais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços.

Por outro lado, atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição do seu pertencimento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços.” (Ob. cit., p. 385-386)

 

Legitimou-se, pois, doutrinária e jurisprudencialmente, o fenômeno da terceirização. Cumpre destacar que os serviços terceirizados encontram-se espalhados pelos mais diversos leques econômicos, tais como transporte, alimentação, conservação, custódia, operação de elevadores e tantos outros.

O TST entendeu por caracterizar como ilícitas as terceirizações onde se apresentasse manifesta a presença da pessoalidade, bem como da subordinação direta e fixou como ilícitas as restantes formas de subordinação, impondo-se, pois, a configuração do liame empregatício.

 

Efeitos jurídicos da terceirização

Não podemos deixar de destacar o contexto onde emerge a terceirização, qual seja a crescente precarização dos direitos trabalhistas e a subordinação das terceiras às tomadoras de serviços.

Neste diapasão, é de se atentar para o fato de que, na terceirização, trata-se “do contraponto entre um empregador aparente versus empregador oculto que essa figura tende a propiciar (e do corretivo jurídico aplicável a tais situações, ou seja, o reconhecimento do vínculo com o empregador oculto)” (Maurício Godinho, Ob. cit. p. 384).

Por outro lado, devem ser resguardados os direitos dos trabalhadores, minimizando a precarização, na impossibilidade de fazer os nossos tribunais entenderem que a terceirização é sempre ilícita. Neste sentido, reconhecemos que o TST, por meio do Enunciado 331, fez sua “mea culpa” ao estabelecer a hipótese de responsabilidade objetiva subsidiária da empresa tomadora do serviço.

Mas tal reconhecimento não basta!

A isonomia em relação aos trabalhadores terceirizados, por via da fixação do salário eqüitativo e demais direitos, deve ser reconhecida.

A primeira consequência que advém da terceirização considerada ilícita decorre da configuração do liame empregatício entre a empresa tomadora e o trabalhador terceirizado. Com efeito, havendo subordinação, deve ser reconhecido o vínculo empregatício. Trata-se, pois, da terceirização ilícita.

No caso das terceirizações lícitas, o vínculo trilateral é mantido, restando válida a relação jurídica existente entre o trabalhador e a empresa terceirizante.

Com relação ao salário equitativo, merece ser destacado o tratamento isonômico entre o trabalhador terceirizado e os da empresa tomadora de serviços. Com efeito, a Lei nº 6019/74 garante em seu art. 12 remuneração equivalente à percebida pelos empregados da mesma categoria da empresa tomadora ou cliente, calculada à base horária. Desta forma, o tratamento isonômico, notadamente o de aspecto salarial, é plenamente aplicável às situações que envolvam o trabalhador temporário. Mas até agora os tribunais não aplicam tal dispositivo e isso, sem qualquer fundamento.

Maurício Godinho Delgado atenta para o fato de que, não se podendo negar a terceirização lícita, deve-se mitigar a fragilização dos direitos trabalhistas:

“Em segundo lugar, a fórmula terceirizante, se não acompanhada do remédio jurídico da comunicação remuneratória, transforma-se em mero veículo discriminação e aviltamento do valor da força de trabalho, rebaixando drasticamente o já modesto padrão civilizatório alcançado no mercado de trabalho do país. Reduzir a terceirização a um simples mecanismo de tangenciamento da aplicação da legislação é suprimir o que pode haver de tecnologicamente válido em tal forma de gestão trabalhista, colocando-a contra a essência do Direito do Trabalho, enquanto ramo jurídico finalisticamente dirigido ao aperfeiçoamento das relações de trabalho na sociedade contemporânea”. (Ob. Cit. P. 389-390)

            O salário eqüitativo serve como medida pela qual se pode garantir aos trabalhadores terceirizados tratamento igualitário em relação aos que trabalham na empresa tomadora de serviços. Com efeito, conjugando-se o conjunto normativo pátrio, bem como os princípios que regem o direito do trabalho, resta forçoso o reconhecimento de tratamento isonômico entre os trabalhadores terceirizados e os das tomadoras de serviço, e isto não só em relação ao salário, mas também a todos os demais direitos advindos da lei e das normas coletivas aplicáveis.

Deve-se atentar para o fato de que a isonomia não pode ser reduzida apenas às matérias salariais.

O Direito do Trabalho, como ramo autônomo da ordem jurídica pátria, é informado pelo princípio da proteção ao trabalhador. Tal princípio permeia toda a legislação laboral, culminando nas regras de proteção à segurança, saúde e higiene do obreiro e ao direito de organização sindical.

É entendimento decorrente do princípio da não discriminação que resta assegurado ao trabalhador terceirizado a proteção jurídica à sua saúde como também aos direitos sindicais previstos em nossa legislação além, é claro, do direito de proteção à sua saúde física e mental.

Quanto a questão da saúde, Sebastião Geraldo de Oliveira em seu livro “Proteção jurídica à saúde do trabalhador” 1998, elenca como formas de proteção a eliminação dos riscos do trabalho:

    redução da jornada noturna;

    proibição do labor extraordinário;

    evitar o trabalho monótono e repetitivo;

    conscientização do obreiro dos riscos inerentes à sua atividade laboral, dentre outros.

Neste diapasão, convém destacar o verdadeiro direito à saúde cujo titular é o trabalhador. A flexibilização de direitos, juntamente com a instabilidade no emprego, agravam a situação dos trabalhadores terceirizados, pois os mesmos nem sempre recebem da empresa tomadora os cuidados indispensáveis à manutenção de sua integridade física.

Sebastião Geraldo de Oliveira destaca o equívoco da monetização do risco, que se materializa na estipulação legal dos adicionais salariais devidos em virtude da prestação dos serviços em condições gravosas à saúde do trabalhador. Também se materializa nas hipóteses de aposentadorias especiais, que são precoces, pois o labor ocorre em condições manifestamente adversas.

Desta feita, cabe afastar a monetização do risco, proibindo o trabalho insalubre, perigoso, penoso. Mas isso, nossos tribunais não querem!

Assegurar aos trabalhadores temporários condições de trabalho isonômicas às estabelecidas para os da sua categoria que sejam empregados da empresa tomadora significa custo para as empresas e isso, os Tribunais não querem, pelo que estão a demonstrar.

Finalmente, cabe aos órgãos públicos zelar pela efetividade das normas protetivas da saúde do trabalho terceirizado, por meio de rigorosa fiscalização o que, infelizmente, não é do interesse político do Estado.

E mais, um tribunal trabalhista, que deveria ter visão social do direito e não econômica; - que deveria cumprir os mandamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana, do valor social da livre iniciativa, da erradicação da pobreza; - que só existe ou se justifica sua existência, para não permitir que qualquer lei ou norma venha para reduzir os direitos conquistados pela classe do trabalho (princípio do não retrocesso social – art. 7º da CR/88);- que não está no mundo do direito para defender a vontade empresarial, quando se posiciona se prestando à defesa da terceirização valorizando o econômico em detrimento do social, envergonha o direito, não dá efetividade à Constituição e, nos envergonha, ou pelo menos deveria nos envergonhar!

É tão grave o papel que desempenha o TST no aspecto da aceitação da terceirização que não conseguimos explica-lo! Podemos apenas perguntar:

- Seriam, paranoicamente pensando, seus membros agentes do capitalismo selvagem dentro dos muros do judiciário?

- Seriam, na posição freudiana, seus componentes, vítimas de delírio, esquizofrenia ou mesmo da psicopatia?

- Seriam apenas, seus membros, neuróticos ingênuos?

Não temos condições técnicas de aferir a verdade, nem pela utilização do princípio da racionalidade, porém, podemos aferir que a Súmula 331 autorizou o capital a se utilizar de uma figura proibida pela Carta de 1988 que macula não só as relações de trabalho, mas a dignidade do ser humano trabalhador e o valor social da livre iniciativa.

Com que propósito? Não sabemos!

O que sabemos, hoje, é que 19 dos atuais 26 ministros do TST se manifestaram, publicamente, contrários ao Projeto de Lei 4330 da autoria do deputado, eleito (pasmemo-nos) Sandro Mabel em franca defesa da Súmula 331, no tom das opções do “menos cruel”.

É claro que devemos somar nossas forças com as desses 19 ministros, na luta contra a aprovação do PL 4330, porém, não podemos dizer que a rejeição desse Projeto de Lei seria uma vitória do direito e da Justiça enquanto não combatermos a terceirização que está autorizada pela Súmula 331 em medida que ela agride os mais básicos preceitos jurídicos vinculados às relações humanas e os nossos mais caros valores constitucionais.

 

Apontamentos sobre a terceirização no serviço público brasileiro.

            Desde o ano de 1967, com a promulgação do DL n. 200/1967 pelo governo militar, a orientação era e é a de implantação de modelos baseados na administração descentralizada.

            Atente-se que mesmo antes do DL 200/67, o governo militar ditatorial já estava implantando as bases supostamente “legais”, para uma reforma administrativa que visava descentralização das atribuições do Estado, conferindo maior autonomia às entidades já descentralizadas, como autarquias, fundações públicas e empresas estatais (administração pública indireta do Estado).

            Não podemos olvidar que já nesse período, 1967, se faziam presentes a possibilidade de controle, pela chefia competente, da consecução de projetos e programas de governo fixados para cada setor tido como especializado, trazendo as ideias de flexibilização, eficiência e diminuição de custos, assim como um trabalho administrativo tido como racionalizado em função da simplificação de processos, suprimindo controles formais cujo custo era superior ao risco. (art. 10 do DL.200/67).

            A então descentralização administrativa apontou para uma pratica interna da administração vinculada à direção envolvendo tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e, para uma pratica externa, onde ao setor privado foi destinada a execução das atividades do Estado através de contratos e concessões.

            E tudo isso com um discurso voltado para uma necessidade de concentração da administração pública nas tarefas de direção para não permitir o crescimento da máquina administrativa, então considerada desmesurada e absurda.

            A execução direta das tarefas e contratos administrativos passou a ser exceção. A regra, antes exceção, passou a ser a execução indireta, mediante contrato das atividades administrativas.

            Interessante notar que apesar dessa abertura à terceirização essa não se fez presente naquele período, da mesma maneira que ocorreu a partir da década de 90 do século passado. É que, naquela oportunidade não existia, como passou a ser após a carta de 1988, exigência constitucional de prévio concurso público para a admissão de empregados públicos (regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho CLT).

            Talvez seja essa uma das razões de a terceirização no setor público não ter sido amplamente adotada naquele período: não se mostrou um mecanismo necessário ou interessante para a administração pública, ao contrário do que ocorreu após a Carta de 1988. (art. 37,II).

Isso não quer dizer que não ocorreram, no período, contratações diretas de empregados, sem concurso público, ou mesmo de empresas terceirizadas para o exercício de quase todas as atividades administrativas! A Justiça do Trabalho examinou centenas dessas contratações, reconhecendo o vínculo e a responsabilidade do Estado nesses casos.

Após a Carta de 1988, com a exigência de concurso público inclusive para as empresas estatais, os governos visualizaram tal exigência constitucional como obstáculo à contratação direta de pessoal sem concurso e passaram a utilizar da figura da terceirização. É interessante notar que nesse período foi iniciado, pelo governo Collor um processo radical de redução do quadro funcional da União e a privatização das empresas estatais.

As privatizações passaram, para o setor privado todas as atividades então consideradas como inconvenientes à atuação estatal. Quanto a isso, não necessitamos tecer maiores comentários além da constatação de que o governo brasileiro passou para a iniciativa privada todos os setores do Estado que angariavam recursos para suas atividades principais! (as nossas empresas foram entregues, de graça, para a iniciativa privada).

Tal processo, cumulado com a política de restrição à realização de novos concursos públicos, fez reduzir o número de servidores civis do Poder Executivo da União – caiu de 713 mil em 1989 para 580 mil em 1995. À imagem da União, tal procedimento foi adotado pelos Estados e Municípios brasileiros.

Não obstante, as necessidades e demandas sociais não se reduziram o que levou o governo a justificar a cooptação de recursos humanos através dos chamados “meios alternativos ao regime oficial do cargo e do emprego público”, ou seja, de forma ilegal.

Proliferaram-se em toda a administração pública direta e indireta as contratações temporárias irregulares para atender as necessidades permanentes da administração, assim como a contratação, também irregular, de estagiários, de pessoas para ocuparem cargos em comissão, dentre outros.

Foi nessa conjuntura, pensada de forma ardil, que a terceirização passou a assumir seu papel nefasto para inserção de trabalhadores na administração pública em quase todos os setores, inclusive nos cargos específicos de carreira.

É bastante clara a abusividade e a ilicitude desta política, inclusive frente a Lei 5.645/1970 que somente admitia a terceirização em atividade de transporte, conservação, custódia, operação de valores, limpeza e afins (art. 3º parágrafo único), o que levou o Tribunal de Contas da União a julgar irregulares centenas de contratações.

Em razão do posicionamento do TCU, o governo revogou o dispositivo da Lei 5.645/70 e editou o Decreto 2.271/97 instituindo limites mais “flexíveis” (atividades materiais acessórias, instrumentais e complementares às matérias de competência legal do órgão ou ente público contratante) à contratação de serviços (leia-se pessoas), em toda a administração direta, autárquica e fundacional.

E tudo isso, ignorando ou fraudando a Carta de 1988.

A partir do governo de Fernando Henrique foi articulada a aprovação da suposta  “ reforma do aparelho do Estado”, ditada pela EC-19/1998 que tinha o condão de aplicar um modelo de administração pública gerencial e de resultados.

Foram alterados, e de forma inconstitucional, aproximadamente oitenta preceitos da CR/88 além da inserção de sete novos e, a terceirização passou a ser admitida como “técnica de contratação de serviços auxiliares e de apoio”.

Na mesma esteira do que estava ocorrendo no setor privado, com a edição da Súmula 331 do TST, “as atividades de apoio” e “as atividades meio”, deixaram uma larga e insolúvel área cinzenta na definição de seus termos e limites. Tal debate se fez presente nos fazendo deixar, para mais tarde ou para nunca mais, o debate da ilicitude da terceirização (tanto no setor privado quando no público).

A tentativa do governo de suprimir o regime jurídico único determinado pela Constituição (art. 39) e a busca de reserva do direito a estabilidade apenas aos servidores estatutários (alteração do art. 41 da CR/88) levou à publicação da Lei 9962/2000 que disciplinava a contratação dos empregados públicos.

Não obstante o TST através da OJ 265/Sumula 390, apesar da Lei 9962/2000, continuou a considerar devida a estabilidade aos empregados públicos das entidades da administração direta, autárquica e fundacional, o que frustrou, em termos, os objetivos do governo.

Surge, então, o que doutrinadores chamam de “ uma nova cultura de terceirização” (AMORIM ob cit, pag. 69):

“... Primeiramente, o fator pragmático, decorrente das contingências impostas pela reforma constitucional às novas admissões de servidores públicos estatutários, em forma de limitação aos gastos com despesas de pessoal...”  (LC 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal)

... “A “eficiência”, inserida expressamente no caput do art. 37 da Constituição, como verdadeiro princípio propulsor da administração pública em direção à gerência de resultados, tornou-se o dogma fundamental deste novo modelo, simbolizado, em rápida síntese, num ideal de maximização de resultados econômicos por meio da contenção de novas admissões de servidores e da máxima racionalização do uso de mão-de-obra própria...”

 

            Ficou clara a opção, dos governos brasileiros, pela doutrina neoliberal orientada no sentido de o administrador público dever alargar os espaços da terceirização, incentivando a extinção de cargos públicos para as funções consideradas auxiliares.

            Nesse momento a terceirização foi adotada inclusive em atividades centrais da competência dos órgãos e entes públicos, como alerta DI PIETRO, Sylvia Maria Zanella, in Parcerias na administração pública, pag. 45.

            A política de susperterceirização se fez presente, em clara reprodução do que estava e está ocorrendo no setor privado onde as empresas brasileiras adotaram a terceirização como meio de transformar o trabalho humano em mercadoria descartável.

Mesmo com a declarada inconstitucionalidade da EC-19 pelo STF, a terceirização possibilitou a contratação de servidores públicos, mascarados de empregados terceirizados, sem concurso público e para o enriquecimento do setor privado nacional. Essa pratica está em todos os órgãos e entes públicos brasileiros e em todas as atividades.

Em 2003, no governo Lula ocorreu um aumento do número de contratação de empresas terceiras e ainda, um aumento de pelo menos 30% de contratações temporárias sob a justificativa de “excepcional interesse público”.

Em 2004 o TCU, em seu relatório sobre as atividades federais, destacou a opção, pela terceirização em detrimento da contratação de pessoal próprio pelo governo federal brasileiro. Como exemplo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, logo que criado, tinha despesas com pessoal terceirizado no importe de 410% equiparado ao pessoal próprio. O Ministério do Turismo apresentou um índice de 185%, Ministério dos Esportes, 159%; O Ministério da Defesa, 82%....

            Em razão destas constatações, em 2005 o TCU determinou a realização de levantamento sobre as atividades terceirizadas onde se contatou um total de 33.125 trabalhadores terceirizados em atividades finalísticas, ou seja, ilegais.

            Tais abusos foram, inclusive, foco de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho contra a União para inibir a terceirização em atividades tidas como finalísticas da administração pública.

            A partir dai em razão de TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) passou-se a exigir as rescisões gradativas dos contratos terceirizados mediante substituição por servidores concursados.

            É obvio que tudo isso representou e representa um sério problema social e não por “culpa” do Ministério Público do Trabalho ou dos trabalhadores terceirizados que necessitam sobreviver, mas dos governantes brasileiros que optaram por jogar no lixo a Carta de 1988, adotando a política neoliberal de desproteção social aos trabalhadores.

            Na atualidade o debate da terceirização está vinculado ao Projeto de Lei 4330, que examinaremos em tópico específico.

 

Algumas repercussões sociais da terceirização na administração pública brasileira.

            Como afirma AMORIM, Helder Santos, ob cit pag. 76, no plano institucional, a terceirização,

... liquida funções e esgotam planos de carreiras indispensáveis ao exercício das responsabilidades que se encontram sob o pálio estatal, seja porque são próprias do Estado, como atividades que implicam o exercício do poder de polícia, seja porque não foram transferidas ao particular pelos meios ordinários de desestatização, como os serviços públicos centralizados...”

 

            Ou seja, é a quebra do paradigma do serviço público, do agente público sem qualquer discussão democrática ou política com a sociedade e ainda, a institucionalização dos interesses lucrativos no interior da máquina estatal.

É o predomínio dos interesses do capital sobre os interesses sociais. O Capital passa a ser organizar em todas as áreas do setor estatal, mas na defesa dos interesses de mercado e não dos interesses sociais. Cria-se uma elite burocrática composta, desta feita, pelo corporativismo elitista das empresas empreiteiras, prestadoras de serviços que, afinal, ao contrário da elite burocrática anterior de servidores públicos privilegiados, financiam as campanhas eleitorais dos governantes.

Em 2006, por exemplo, restou noticiado pela imprensa brasileira, que as empresas terceirizadas contratadas pelo Poder Público, foram as principais “doadoras” das campanhas eleitorais vitoriosas de deputados  senadores. Foram mais de 24 milhões de reais distribuídos entre 254 deputados e 5 senadores, eleitos.

Não pode ser portando, uma surpresa as noticias que chegam até nós, pobres mortais ameaçados de perda de cidadania, das fraudes em licitações de serviços terceirizados, da corrupção administrativa e dos altos salários pagos a alguns empregados terceirizados que chegam a receber até quatro vezes mais do que o servidor público concursado.

Existem órgãos públicos que, inclusive, têm sua preferência por esse ou aquele empregado terceirizado, que mesmo em licitações sucessivas, impõe às empresas que se revezam nesse loteamento de serviços precários, a contratação daqueles seus preferidos.

Fica no lixo a tal da “probidade do serviço público” vez que criam-se hierarquias por vínculos não funcionais e efetivamente promíscuos.

Mas não é só no plano institucional que pretendemos verificar as repercussões da terceirização.

No plano social, afirma AMORIM (ob cit pag. 78):

“ ... a terceirização no serviço publico enseja, em suma: - a precarização das condições de trabalho; - a fragilização da organização coletiva dos servidores e; - a discriminação entre servidores públicos e terceirizados...”

 

A terceirização coloca o Estado a serviço do mercado que quer, sem sombra de qualquer dúvida, a exploração sem limites da mão-de-obra, efetivando o total domínio do capital sobre o trabalho.

A fragmentação das relações jurídicas imposta pela terceirização é elemento de enfraquecimento dos movimentos sociais e reivindicatórios tanto dos servidores concursados quanto dos terceirizados.

Estabelece-se uma animosidade entre os concursados e os terceirizados, culminando com discriminações odiosas e que só servem ao capital. Terceirizados e servidores se transformam em inimigos e não se unem contra o inimigo comum, o capital.

Exemplo disso é que até hoje muitos dos sindicatos de servidores públicos não incluem, em seus quadros associativos, os terceirizados. A disputa se torna perversa entre os próprios trabalhadores vez que nem o servidor concursado se identifica com o terceirizado, nem esse com aquele.

Além disso, o trabalho terceirizado promove um processo de subemprego público, sendo certo que nem sempre o salário menor do terceirizado representa redução de custo para o Estado, em razão de superfaturamento e outras tantas mazelas licitatórias. Soma-se a isso, a desqualificação das empresas terceiras que não são efetivamente controladas pelos órgãos que as contratam, o que tem sido a principal causa de precárias condições de saúde, higiene e segurança no trabalho.

No serviço público, a intenção é a substituição dos servidores públicos concursados, por terceirizados, o que está agora em discussão através do PL 4330 que autoriza a descentralização de atividades fins ou finalísticas.

 

Debates sobre o Projeto de Lei 4330 que tramita no Congresso Nacional brasileiro.

            Está em todas as redes sociais; está nas ruas; está nos tribunais; está nos órgãos da OIT; está no Congresso Nacional brasileiro e nos ouvidos moucos dos deputados e senadores brasileiros, o debate sobre a aprovação, modificação e rejeição do PL 4330, da autoria do Deputado Sandro Mabel.

            O projeto de lei 4330 afirma dispor sobre a “contratação de serviços terceirizados e as relações de trabalho dela decorrentes”.

            É a tentativa de dar forma legal ao fenômeno inconstitucional da terceirização.

            Não podemos olvidar que o Tribunal Superior do Trabalho, em razão da expansão, a partir da década de 80 do século passado, dessa estratégia capitalista de quebrar a força coletiva trabalhista, de não efetivar os direitos sociais e de transformar o trabalho humano em mercadoria, se postou em favor do ordenamento jurídico então e ainda vigente, enquadrando como comercialização a intermediação de mão-de-obra.

            Foi declarado pelo TST, naquela oportunidade em conformidade com a legislação social, a ilicitude da figura da “ marchandage”. Editou-se, em razão desse posicionamento a Súmula 256 do TST, com afirmativas, incontestes, de ser “ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta”.

            Deste período até a atualidade, nenhuma legislação foi alterada e, ressalte-se, toda a legislação social que declara tal ilicitude foi reforçada em 1988 com a constitucionalização dos direitos sociais.

            Mas nem a Súmula 256 ou mesmo a Constituição de 1988 foram fortes o suficiente para barrar a vontade do capital.

            A terceirização se fez presente e o Estado, através de seus poderes, especialmente executivo e judiciário, não se dispuseram e nem construíram meios de dar efetividade aos direitos sociais.

            Na falta dessa vontade política e em total desrespeito ao ordenamento pátrio, o Estado se viu beneficiado pela terceirização, tanto que a adotou em todos os níveis do poder (executivo, legislativo e judiciário) deixando claro (apesar de muitos se negarem a ver) que sua opção era legitimar o ilegal fenômeno da terceirização para dele também se beneficiar.

            No ano de 1993, já em plena vigência da Carta de 1988 e sem qualquer legislação, repetimos, que arrimasse a “marchandage”, o TST substitui a Súmula 256 pela 331 de 21.12.1993, para admitir a terceirização em serviços especializados ligados à atividade meio do tomador.

            Restou a ilicitude somente para a terceirização de atividade fim.

            A porta que impedia a transformação do trabalho humano em mercadoria foi arrombada pelo próprio Estado através dos poderes executivo e judiciário.

            O poder legislativo não se manifestou sobre o tema, o que significou não uma inércia, no nosso entendimento, mas a sua não adesão ao fenômeno da terceirização.

            Ocorre, porém, que todas as vezes que se discutia que a terceirização é um fenômeno ilegal e que se apontava, justificadamente, o dedo acusador para a Súmula 331, o Poder Judiciário se manifestava que ele teve que regular a terceirização em razão da “inércia” do Poder Legislativo, o que sabemos não estar de acordo com a verdade.

            O que não se pode negar é que a Súmula 331 do TST é o marco, da porta arrombada, para a aceitação indiscriminada e generalizada, de um fenômeno ilegal justificado em uma teoria da Ciência da Administração, denominada de “teoria do foco” e sem qualquer justificativa na Ciência Jurídica.

            Tal teoria também é justificadora do processo econômico neoliberal para quem a empresa deve ser enxuta para se concentrar no que constitui sua especialidade no processo produtivo. Para tanto, deve a empresa moderna, na economia liberal, se livrar das atividades “sujas” que constituem atividades periféricas ou instrumentais, para adquirirem a máxima especialização produtiva, aumentando a produtividade e reduzindo os custos da produção.

            É claro que tal teoria, da ciência da administração, pressupõe a transformação do trabalho humano em mercadoria e redução do custo da mão-de-obra o que leva à redução dos direitos sociais ou à sua não efetivação.

            Mas.... entre o lucro e as pessoas, o Estado brasileiro fez a opção pelo lucro!

            E o que é ainda mais indignante, pesquisas realizadas no Brasil, da autoria do Professor POCHMANN, Marcio, professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas, no período de 1985 a 2005, a terceirização brasileira não visou a qualificação do produto ou a especialização das empresas, mas, sim, o aumento dos lucros sob um discurso de sobrevivência no período da suposta estagnação econômica (década de 80) e da concorrência internacional desregulada (década de 90).

            Para o professor Pochmann, na pesquisa publicada no site do SINDEEPRES (http://www.sindeespres.org.br,),  a terceirização  no Brasil não foi utilizada como uma política empresarial de reestruturação produtiva, mas sim, como uma estratégia empresarial para reduzir custos e não possibilitar a efetivação dos direitos sociais, tanto que foram estabelecidos, através dela:

            - empregos precários e transitórios;

            - reduções salariais;

            - aumento de jornadas de trabalho;

            - redução de benefícios e direitos sociais;

            - piora das condições de saúde e segurança no trabalho;

            - maior incidência de acidentes de trabalho, inclusive fatais;

            - tratamento desigual e discriminatório de e entre os trabalhadores;

            - ofensa a dignidade humana, ao valor social do trabalho;

- não cumprimento aos ditames da ordem econômica aposta na Constituição de 1988 (art. 170);

- pulverização da ação sindical;

- desproteção sindical;

- afronta à dignidade humana...

            A cobrança de um posicionamento do legislativo sobre a terceirização, seja pelos discursos dos membros do Poder Judiciário ou do Executivo, fez com que se agitassem os senadores e deputados que, ao enxergarem a porta arrombada pelo TST para o aumento dos lucros das empresas e a não efetivação dos direitos sociais, fez com que vários projetos (29) fossem apresentados nos sentido de “regular” a terceirização.

            Mas a “regulação” assumida nesses projetos está longe da finalidade da palavra “regular”. O que se quer é autorizar essa figura, inconstitucional, através de lei ordinária.

            O projeto de lei que está em debate, na atualidade, é o PL 4330/2004-A da autoria do deputado Sandro Mabel, do PL (Partido Liberal). Ele foi aprovado em 2006 pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC) e  em 2011 aprovado na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP).

            Foi remetido para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) que incorporou novo texto, na qualidade de substitutivo pela Comissão Especial que funcionou no ano de 2011 e teve, como relator, o Deputado Roberto Santiago do PSD. Recebeu parecer favorável do PMDB através do Relator Deputado Arthur Maia.

            Desde o inicio da tramitação a intenção do projeto se fez presente: admitir a terceirização nas “atividades inerentes, acessórias ou complementares à atividade econômica da contratante” (art. 4º). O substitutivo apresentado escancarou tal intenção liberalizante, sem nenhuma vergonha ao afirmar que a terceirização é permitida “ em quaisquer atividades do tomador de serviços” (art. 2º. II), inclusive nas empresas públicas, sociedades de economia mista e suas controladoras, como nos alerta AMORIM, Helder Santos, Procurador do Trabalho na 3ª. Região, em texto denominado “Terceirização Sem Limite”, pag. 5 ano 2013.

            A mobilização social tem tentado bloquear o tramite do referido PL clamando pelo seu arquivamento.

            Centrais Sindicais profissionais e patronais digladiaram-se nos debates organizados pelos órgãos do Estado e a posição econômica se mostrou mais unida que a profissional. Aliás, muitos dos representantes dos trabalhadores acabaram por propor ajustes nos artigos do projeto e não o seu arquivamento definitivo, como deveriam, em clara demonstração ou de desconhecimento sobre o assunto ou de cooptação pelos interesses econômicos.

            Hoje, em razão da mobilização da sociedade organizada e não organizada, decidiram enviar o PL diretamente para o plenário e, a cada dia pautado para votação, temos que ir para Brasília, invadir o Congresso Nacional, conversar com deputados e inviabilizar a votação.

            A luta está sendo diária e precisa ser mantida e até mesmo ter em suas fileiras, novos agregados.

            Se deixarmos, esse Projeto vai ser aprovado e a atual situação dos trabalhadores brasileiros vai se transformar em escravidão consentida.

            Consentida, mas ilegal.

Até onde pudemos acompanhar, estão contra a aprovação do referido projeto:

A Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas;

A Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas;

A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho;

Dezenove dos 26 ministros do TST;

Centenas de juristas e doutrinadores;

Grupos de Pesquisas das Universidades Federais de Minas Gerais, Brasília, Rio Grande do Sul e de todos os demais Estados brasileiros;

Ordem dos Advogados do Brasil;

Coordenação Nacional de Lutas – CSP CONLUTAS.

Central Única dos Trabalhadores – CUT

Força Sindical

.....

E a lista segue!

Nos últimos dias foi noticiado, pelas redes sociais, que a OIT, Organização Internacional do Trabalho se posicionou contra referido projeto afirmando que caso o Brasil o aprove, será ele retirado da OIT porque estará ofendendo a Constituição daquela entidade e os propósitos da ONU – Organização nas Nações Unidas.

            Então, parece que essa luta será vencida! O PL 4330 está fadado à morte! Ao arquivamento!!!! E isso será comemorado!!!

            Será???

            Escutando os debates na TV Justiça ou mesmo no programa “hora do Brasil”, assistimos deputados defendendo o PL 4330 afirmando que o mesmo visa proteger a classe trabalhadora brasileira, lhe garantindo emprego e proteção social.

            Ou estamos lendo projetos diferentes ou estamos sendo tratados como idiotas pelos deputados brasileiros!

            Não somos idiotas e, sabemos ler... inclusive nas entrelinhas porque somos operários do direito e não simples leitores de votos escritos por outrem!

            Então, o que pensar, estando de posse de tantas informações???

            Nosso lado paranoico faz lembrar a estória popular do “bode na sala”, onde um súdito procura pelo seu rei, dizendo que sua casa é pequena, que sua família está mal acomodada e que ele necessita de dinheiro para aumentar alguns cômodos da casa.

            O rei afirma que dará a ele o dinheiro, dentro de 3 semanas, desde que, nessas três semanas ele pegue um bode no campo e coloque-o na sala da casa, cuidando para que o mesmo fique bem e confortável.

            O camponês não entendeu a intenção do seu rei, mas com a promessa do dinheiro em três semanas e sem poder arguir seu rei, concordou e assim o fez.

            Levou o bode para dentro de sua casa. A sala passou a ser o local do bode! Passados 5 dias, a situação já era insustentável, não só pela falta de espaço para a família na sala da casa, mas pelo mal cheiro do bode. O camponês procurou pelo seu rei e esse lhe reafirmou sua promessa: em mais duas semanas, caso você queira, te darei o dinheiro.

            Quanto retornou para sua casa, sua esposa, sua sogra e seus seis filhos o esperavam do lado de fora da casa. Todos falaram de uma só vez que ele deveria tirar o bode da sala, que a casa estava imunda, que a sogra não tinha mais como utilizar seu tear, que a família não tinha local para se alimentar e.. blá, blá, blá...

            Pois o camponês ficou firme com sua promessa ao rei. Reafirmou-se como o chefe da família e exigiu de todos uma contribuição, pois seria por apenas mais 16 dias. Todos pararam de conversar com ele e a situação da família se agudizou: brigas, confusões, acusações, querelas até que, passados mais 8 dias o camponês se postou aos pés de seu rei e suplicou ajuda para encerrar o caos que se instalou em sua casa.

            O rei, então, disse ao camponês que voltasse para casa e retirasse o bode da sala. Ao ser despejado o bode da sala, o camponês se deu conta de que não necessitava de mais cômodos em sua casa que até mesmo lhe pareceu suficientemente grande para sua família. Voltou ao rei e dispensou o dinheiro para a reforma da casa.

...

ORA, se todos são contra o PL 4330; se o Brasil será expulso da OIT se aprovar tal projeto; se 16 dos 26 Ministros do TST afirmam que tal PL é inconstitucional, não seria o PL 4330 o “bode” que ao ser retirado da sala deixará viver em paz a Súmula 331 do TST?

Só o tempo dirá!

Mas não é só o nosso lado paranoico que fala. Temos também o nosso lado racional que grita.

Após tantos anos de vida, muitos deles no exercício do direito, não temos mais a ilusão de que existe Justiça. Sabemos que o que existe é um Poder Judiciário composto de pessoas, seres humanos e não de Deuses.

Nós seres humanos temos características pessoais que influenciam  nossas decisões; temos um passado que forma a nossa ideologia, que conduz nossas opções.

Alguns se informam pela “lei de Gerson” onde se deve agir para tirar vantagem de e em tudo, custe o que custar, não interessando prejuízos decorrentes dessa lei que se impõe a outrem.

Outros têm uma formação cristã, onde o moral e a ética se sobrepõe aos interesses individuais.

Centenas têm formação filosófica vinculada ao racional, utilizando-se da moral e da ética para conduzir suas ações, independentemente de qualquer crença.

Milhares não se conhecem e não sabem como agir, ficando na dependência de outros ou de paga para essa ou aquela atitude.

Assim somos nós, seres humanos: múltiplos, complexos e singulares!

Nossas instituições e organizações são compostas por seres humanos e, às vezes, temos a ilusão que essa ou aquela autoridade pensa como nós e não seriam capazes de corrupção, maldades e outras atrocidades.

Ledo engano!

A capacidade humana é infinita, seja para a bondade ou para a maldade. Temos a capacidade de todos os atos e sentimentos possíveis, imagináveis e inimagináveis como seres humanos. Tudo depende do disparo do gatilho certo! Disparado esse gatilho sabemos do que somos capazes. Isso é racional.

Parece-nos que conhecemos melhor os outros e a nós mesmos, mais pelas reações do que pelas nossas ações. As ações são pensadas, medidas e avaliadas pela nossa razão. Nossas reações não!

Por isso é que entendemos que por mais que o PL 4330 se pareça com a estória do “bode na sala” para fazer com que a Súmula 331 do TST  pareça com o razoável, não podemos deixar de lutar contra a aprovação do referido projeto de lei.

Ele pode ser a expressão da maldade, pouco crível para alguns de nós, mas a maldade existe.

Também não podemos deixar de lutar contra a Súmula 331 do TST e pela efetivação dos direitos sociais que proíbem a terceirização.

Nossa ação tem que ser certeira para que, futuramente, não tenhamos que reagir contra mais uma centena de maldades sociais e humanas praticada em nome da lei ou em nome do Poder Judiciário.

 

Direitos Sociais versus Terceirização.

Não podemos negar muito menos justificar ou minimizar as crueldades que têm sido cometidas nos últimos 20 anos através de a terceirização à classe que vive do trabalho.

A precarização das condições de trabalho e da própria condição de humanidade dos trabalhadores, imposta pela terceirização, é inegável.

A discriminação, a afronta à dignidade e à cidadania dos trabalhadores já nem mais está em debate! É como se tais valores e normas, que fundamentam a nossa sociedade e as nossas Constituições, não existissem ou não tivessem eficácia imediata.

As regras e princípios constitucionais sequer são considerados quando se analisa a terceirização. É como se os trabalhadores que trabalham através de uma contratação interposta, não estivessem sob o pálio das constituições.

E isso sem falar em condições aviltantes de trabalho, remuneração, meio ambiente, jornada, saúde a que estão submetidos os terceirizados e, repetimos, com o aval dos Estados liberais.

Todas essas mazelas e a aceitação delas pela nossa sociedade são nossas conhecidas, porém, existe alguns aspectos, dentro dos direitos sociais, que achamos oportuno abordar. Trata-se da responsabilidade social do capital que, no nosso entendimento, é um direito social e uma obrigação do capital e; a subordinação das terceiras à tomadora.

A terceirização em qualquer uma de suas modalidades impede a concretização da responsabilidade social do capital, também exposta, de forma clara, nos textos Constitucionais.

A empresa ao não contratar de forma direta seus empregados, contrata contratantes que, por sua vez contratam trabalhadores por prazo determinado ou em uma perspectiva temporária, impedindo a formação de um vínculo jurídico que possa evoluir inclusive no que diz respeito à proteção sindical. E isso em razão de contratos temporários assumidos entre empresa tomadora e prestadora.

Outra ocorrência que assistimos na atualidade é a construção de uma rede de subcontratações que, além de impedir a formação de vínculo jurídico entre capital e trabalho, também constrói uma desvinculação física e jurídica entre o capital e o trabalho o que, por certo torna ainda mais difícil a efetivação dos direitos trabalhistas, mesmo após o desemprego deste trabalhador, não personificado e quase imaterial.

E mais, quando se presta atenção a essa rede espúria, de contratações e subcontratações, verificamos que o suposto empregador, o aparente (aquele que assume o contrato de trabalho) é desprovido de capacidade econômica suficiente para existir ou, no mínimo, possui capital reduzido se comparado com o daquela que efetivamente se aproveitou do trabalho do terceirizado. Essas mazelas têm trazido, aos processos trabalhistas em execução, a impossibilidade da efetivação das sentenças judiciais.

O que pode nos parecer contraditório, mas não é, diz respeito a essas grandes empresas que se utilizam da mão-de-obra terceirizada para se eximirem das suas responsabilidades sociais e, no entanto, trazem para a mídia ações que lhes dão visibilidade na área social, como ser parceira no “criança esperança”, ou admitir em seus quadros, de preferência nos setores de recepção, portadores de necessidades especiais visíveis ou, ainda, se mobilizarem para salvar baleias, micos, focas e lagartos, deixando na miséria seus empregados.

Ou seja, tais empresas vendem uma ideia de preocupação com o social, formalizam gestões vinculadas ao que denominam de “humanização das relações sociais” como os “eco-treinamentos” (que nada mais são que tática para aumento da produtividade), ou mesmo fingem se preocupar, em seus programas na mídia, com os dilemas de cada um de seus empregados, chamados de “colaboradores”, mas não estão preocupadas com seus empregados. Para elas o negócio é lucrar e isso, a qualquer custo social.

É o cinismo empresarial que violentou o conceito constitucional de responsabilidade social, de função social do capital e da propriedade para implantar a responsabilidade social virtual em forma de propaganda e enganosa.

É preciso constatar que a terceirização precisa ser atacada, combatida e exterminada. Ela agride todos os preceitos constitucionais e internacionalmente adotados atinentes às relações humanas e aos direitos sociais daqueles que vivem do trabalho.

            Não se pode negar, também, que a terceirização provoca o esfacelamento da classe trabalhadora, criando uma concorrência entre seus membros que os afasta da coletividade e da solidariedade de classe, tornando-os inimigos concorrentes (brigam entre si para serem explorados).

            Esse esfacelamento enfraquece as organizações dos trabalhadores, como os sindicatos, deixando os terceirizados desapadrinhados, literalmente abandonados. Ficam fora dos quadros dos sindicatos, com seus direitos precarizados e sem qualquer consciência de classe! Tornam-se presa fácil do capital e das organizações oportunistas.

            A lógica do capital sempre foi, é, e sempre será perversa!

Afinal, para ser ter lucro, mais valia, necessário que o trabalho nada custe ou custe muito pouco.

            Com todas essas questões, os sindicatos se enfraqueceram ainda mais e, hoje em dia, além de agentes da flexibilização dos direitos sociais, através da negociação coletiva, se transformam em agentes do capital apresentando projetos de lei do interesse exclusivo deste, como se fossem do interesse dos trabalhadores.[2].

            Mas não são somente essas questões que vêm sendo enfrentadas ou confrontadas.

            Surge, com a terceirização, um novo tipo de subordinação.

            Essa suposta forma “moderna” de gerenciamento que cria uma rede de subcontratações para negociar o trabalho humano na qualidade de mercadoria, significa uma concentração econômica que se fortalece sem perder o poder de gerenciamento.

Neste aspecto na tentativa de evitar fraudes e coibir abusos decorrentes desta concentração econômica, assevera devemos optar, até a destruição final da terceirização, pela responsabilidade solidária.

Não obstante, os Poderes Judiciários assim não agem.

Porém, ainda assim, achamos que a responsabilidade solidária deve ser estabelecida e, não só para os trabalhadores, mas também em relação às empresas prestadoras ou fornecedoras de mão-de-obra.

O nexo relacional entre empresas que caracterizaria o grupo econômico é a real e efetiva direção hierárquica entre os componentes do grupo surge de forma cristalina no cenário da terceirização onde se verifica que a empresa tomadora sempre controla, dirige e administra toda a atividade desenvolvida pela prestadora de serviços.

A terceira fica, assim, subordinada à tomadora. Se ela, terceira, não se submeter ou não se subordinar à vontade e direção da tomadora, não sobreviverá.

Portanto, a subordinação, que antes era tida como um dos elementos essenciais à caracterização da relação de emprego e que para nós, atualmente representa apenas um dos efeitos dessa relação, assume novas perspectivas e passa, também, a atingir as pequenas e médias empresas que servem ao sistema produtivo do oligopólio.

Exemplos que confirmam tal subserviência ou subordinação são de evidência cotidiana.

As grandes empresas, na forma de administrarem as pequenas e médias que lhes prestam serviços, (as chamadas fornecedoras), além de controlar o preço destas, designam executivos de sua confiança até mesmo para realizar as negociações coletivas entre as terceiras e seus empregados.

Assim, não há como tergiversar.

A empresa terceira está subordinada às tomadoras de serviços, tornando-se parte integrante de grupos econômicos representados pela empresa rede.

 

Alguns aspectos sobre a terceirização na Colômbia.

Todos os aspectos declinados nos itens anteriores do presente esboço aplica-se à Colômbia e demais países das americas Central e do Sul, com alguns gravames, especialmente em relação à Colômbia, por ser ela considerada, pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, a “joia escondida da terceirização na América Latina”.

Segundo a empresa norte americana Gartner o êxito da terceirização na Colômbia, possui pelo menos 10 pontos fundamentais dentre eles: o idioma, o sistema de educação, a mão de obra tranquila, a infraestrutura, os custos baixos da mão-de-obra, a compatibilidade cultural, o ambiente político e econômico, o desenvolvimento intelectual e o apoio governamental à terceirização.

A Colômbia possui milhares de empresas de software, de altas tecnologias da informação, inclusive espanholas que poderão atuar, de forma terceirizada nos call centers e outras atividades.

O certo é que a política de terceirização na Colômbia é crescente e avança para setores distintos dos de informação, como processos de conhecimento, processos empresariais, educação e outros, chegando a 60% das funções diretas das empresas.

Interessante notar que o discurso em favor da terceirização ocupa grande parte da mídia colombiana, com argumentos de contratações rápidas e eficazes; uma maior facilidade para o trabalhador ter acesso ao mercado de trabalho; uma maior facilidade para se realizar a dispensa dos trabalhadores; a produtividade dos terceirizados seria maior e melhor, dentre outros.

Não obstante as propagandas que, somadas a necessidade de trabalhar levam os trabalhadores a desenvolverem um individualismo que desagrega a classe, a terceirização tem sido a maneira de o capital, com o apoio do Governo, reduzir seus custos pagando salários mais baixos, reduzindo direitos sociais e evitando as garantias de estabilidade no emprego.

Como se observa, o artigo 53 da Constituição Nacional, que prevê o patamar civilizatório mínimo, não é respeitado na terceirização, assim como o artigo 34 do Código Substantivo do Trabalho (alterado pelo Decreto 2351/1965).

Somadas a essas considerações, temos que a suposta essência da terceirização vinculada a atividades especializadas restou abandonada a partir da Lei 1429/2010, que trata do desenvolvimento das pequenas e medias empresas, assim como do Decreto 2025 de 2011 e isso, apesar do artigo 63 da referida Lei, destacar que a terceirização não poderá estar vinculada a Cooperativas de Serviços de Trabalho Associado que intermediam mão-de-obra ou equivalente se não forem cumpridos os direitos constitucionais e legais vigentes.

Essa previsão remete à hermenêutica, à interpretação e ao poder judiciário colombiano e o que pode ocorrer é o mesmo que ocorre no Brasil.

 

Conclusão.

Ao encerrar esse estudo parcial (em todos os sentidos), sobre a terceirização, eu gostaria de reafirmar que nós, operários do direito, especialmente após a nossa saída da graduação, devemos acumular o saber que nos foi ofertado para construir o nosso saber.

Devemos deixar o conformismo com que nos deparamos frente à jurisprudência e à doutrina, para, sem desprezar o saber acumulado, acrescentar, a partir dele o nosso próprio conhecimento construído.

            Não somos e não podemos ser conformistas, nem pacientes.

Não vamos nos permitir a mera repetição do saber do outro e nem vamos esperar que o outro faça algo por nós. A construção do nosso conhecimento passa, no início, pelo conhecimento do outro, mas não se estanca ai e o fazer deve ser nosso e não do outro isoladamente.

Temos que ser audaciosos para que jamais nos seja imposto o abandono de nossa indignação, do nosso pensamento e da nossa palavra.

A máxima jurídica de que o “direito corre atrás do fato” não pode ser aplicada quando estamos tratando de direitos humanos e sociais. É o fato (exploração do trabalho para a realização da mais-valia) que deve se submeter ao direito.

E ainda, não podemos nos deixar levar pelas necessidades que o capital apresenta. Nós não temos qualquer responsabilidade pelos métodos capitalistas de acumulação e não podemos deixar a classe trabalhadora pagar pela conta de um sistema que se diz em crise, eternamente.

O capital que resolva suas crises e entre os seus pares. Não podemos admitir que a escravidão retorne aos nossos países nem que o ser humano trabalhador seja tratado, por quem quer que seja, como “coisa”, para que o sistema capitalista continue a grassar nas nossas paragens.

                                                                                              Esmagar em silêncio

                                                                                              A palavra engolida

                                                                                              E fingir-se contente.

Escolher em silêncio

O momento preciso

E escondê-lo no ventre.

Planejar em silêncio

A cobrança do medo

E sorrir entredentes...

                                                                                                          Leila Miccolis.


 

Referências Bibliograficas

            AMORIM, Helder Santos. A terceirização no serviço público: uma análise à luz da nova hermenêutica constitucional. São Paulo: LTr

AMORIM, Helder Santos – O PL 4.330/2004-a e a Inconstitucionalidade da terceirização sem limite – 2013 – site da Procuradoria Regional do Trabalho da 3ª. Região.

DELGADO, Maurício Gordinho. Introdução ao direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2 ed. rev. Atual., 1999.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho.  São Paulo: Ltr, 1 ed. 2002.

            HAZAN, Ellen Mara Ferraz . “Novos desafios em saúde e segurança do trabalho -  Organizadores: Antônio Carvalho Neto, Celso Amorim Salim – Belo Horizonte: PUC Minas, Instituto de Relações do Trabalho e Fundacentro, 2001. ( 2001: 171)

OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. São Paulo: LTr, 2 ed. rev. amp. atual., 1998.

POCHMANN, Márcio. A superterceirização dos contratos de trabalho. Pesquisa publicada no site do SINDEEPRES – Disponível em

PROSCURCIN, Pedro. O fim da subordinação clássica no direito do trabalho. São Paulo: LTr Vol.65, nº 03, Março de 2001, pag. 279/291

SOBRINHO, Genésio Vivanco Solano SOBRINHO, Genésio Vivanco Solano. Da Organização Sindical. Associações profissionais e Sindicatos – Entidades similares. Soleis, Rio de Janeiro, setembro/2009, citando MASCARO, Amauri que apud  FILHO, Evaristo de Moraes.

SOUTO MAIOR, Jorge Luiz – PL 4.330, O Shopping Center Fabril, 2013 – JUTRA.

SOUTO MAIOR, Jorge Luiz; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. O que é direito social? In: CORREIA, Mrcus orione (coord) Curso de Direito do Trabalho, Vol. I; Teoria Geral do Direito do Trabalho, São Paulo: LTr, 2007 p.23.

VIANA, Márcio Túlio – A proteção social do trabalhador no mundo Globalizado – o Direito do Trabalho no limiar do século XXI. Ltr ano 63 – julho 1999 – pag. 885.

            VIANA, Márcio Túlio – A terceirização Revisitada – Texto que serviu de base para exposição em audiência pública realizada pelo TST em 4 e 5 de outubro de 2011.

 

 



[1] Advogada, professora da Faculdade Milton Campos, da PUC-MG, Diretora da CAAMG da OAB-MG, Vice-Presidente da AMAT-MG.
[2] Como o apresentado, recentemente, pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista que propõe que o negociado sobreponha ao legislado, proposta denominada de ACE (Acordo Coletivo Especial).
 

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