
[...] Essa
documentação é realmente preciosa. Ela registra, sem dúvida, a própria história
do Direito e da Justiça: o modo como as leis foram interpretadas e aplicadas em
casos concretos, a atuação de magistrados, promotores e advogados, os conflitos
e os modos como foram encaminhados e solucionados. Ela guarda também a história
de muitas lutas individuais e coletivas por direitos, permitindo entrever o
modo como pessoas e entidades pressionaram pela criação de normas jurídicas ou
como certas normas legais foram interpretadas de modos diversos ao longo do
tempo ou em contextos diferentes. Constituindo-se em repositório da história do
Direito e das lutas por direitos, ela se torna fonte importante da própria história
dos trabalhadores no Brasil. Por isso mesmo, todos os processos, da Justiça
Civil, Criminal, do Trabalho – todos devem ser preservados. Todos. [Silvia Hunold Lara, Trabalho,
Direitos e Justiça no Brasil, V Jornadas Regionais GT Mundos do Trabalho, ANPUH/RS,
Porto Alegre, junho de 2009]
O Memorial da Justiça do
Trabalho no RS, Memorial/RS, criado em dezembro de 2003 pela Presidência do
Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, TRT4, acabou de receber da UNESCO
o Selo “Memória do Mundo”, que atribuiu ao seu acervo condição de Patrimônio
da Humanidade. Desde sua criação, o Memorial/RS se tem destacado por ações e
políticas de preservação e disponibilização da massa documental produzida
pela Justiça do Trabalho da 4ª Região, buscando, de forma incessante, internalizar
amplamente a idéia de que essa documentação integra o patrimônio da União e
que preservá-la e torná-la acessível a todos é dever do Estado e direito do
cidadão. Em todos os espaços dos quais tem participado, em especial no âmbito
do Fórum Nacional Permanente em Defesa da Preservação da Memória da Justiça
do Trabalho, MEMOJUTRA[1]
e do Colégio de Presidentes e Corregedores da Justiça do Trabalho,
COLEPRECOR, vem dando ênfase ao valor histórico de todos os processos
trabalhistas, afirmando que a história não se faz com documentos que nasceram
para ser históricos, nem com autógrafos de grandes figuras ou documentos
isolados, mas com todos aqueles documentos produzidos no cotidiano.
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Segundo o historiador Chalhoub[2], os processos judiciais têm
densidade humana e rica quantidade de informação sobre a cultura de
outro tempo, sendo necessário preservá-los para as futuras gerações. Matérias-prima do conhecimento, essas fontes devem estar organizadas,
sistematizadas e disponíveis e forma a que se estabeleça efetivo intercâmbio de
idéias e experiências.
Na
Justiça do Trabalho, a explosão de litigiosidade que houve a partir do início
dos anos 1980 e se ampliou com a Constituição Federal de 1988, gerou grande e
crescente volume de documentos. Em cenário de carência de meios para sua guarda
e preservação, grande parte dos Tribunais optou pela destruição generalizada ou
eliminação seletiva de processos findos e documentos, legitimada por legislação
federal anterior à Constituição de 1988[3].
O desenvolvimento dessa política já ocasionou irreparáveis prejuízos aos
cidadãos quanto ao assegurado direito à prova e à informação e, seguramente,
eliminou dados importantes à construção da história do País.
Em meio a
essa tensão, em tempos de instituição do processo digital, o Memorial/RS,
fiel aos seus pressupostos, com o apoio da
Administração do TRT4 e estimulado pela iniciativa pioneira do TRT6 – destacado,
em 2012, no projeto “Memória do Mundo” - candidatou-se ao Selo da UNESCO em
2013. O Comitê Nacional do Brasil, reunido em novembro de 2013, avaliou as
candidaturas, os projetos, os acervos e suas condições de preservação e
acessibilidade, aprovando oito dos dezessete inscritos. Entre eles, o acervo
do Memorial/RS, abrangendo o período 1935 a 2000.
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O Programa
Memória do Mundo da UNESCO tem por objetivo identificar conjuntos documentais com
valor de patrimônio documental da humanidade, destacando-os com Selo de grande
relevância. A partir da aprovação do
projeto por Comitê de especialistas, o acervo destacado com o Selo é inserido
no Registro de Patrimônio Documental, detendo, além da condição de Patrimônio
da União que a Constituição de 1988 lhes confere, o reconhecimento de Patrimônio da Humanidade, não sendo mais
passível de qualquer eliminação.
O destaque ao acervo do
Memorial/RS, por um lado, mais o estimula a dar continuidade
à difícil e instigante luta de ampliar a consciência de preservar como
integrante do dever de prestar jurisdição e a persistir na caminhada que vem trilhando e que se
projeta para as gerações futuras. Por outro lado, amplia as responsabilidades e
o dever da Instituição com a guarda do acervo selado de cuidá-lo, preservá-lo e
torná-lo acessível a todos os cidadãos.
* *
Desembargadora aposentada do TRT4, pesquisadora do CESIT/IE/UNICAMP, integrante
da Comissão Coordenadora do Memorial/RS de 2004 a 2013 e, atualmente, do Comitê
Gestor do CSJT e do PRONAME. Presidente
do MEMOJUTRA no período 2007-2011.
[1] O Fórum foi criado
no II
Encontro Nacional da Memória da Justiça do Trabalho, Campinas, 2007, como lócus
de difusão da idéia de preservar e disponibilizar os documentos judiciais e
para concretizar as Resoluções dos seus Encontros Nacionais.
[2]CHALHOUB, S. O conhecimento da História, o direito à
memória e os arquivos judiciais. http://iframe.trt4.jus.br/portaltrt/htm/memorial/index.htm.
Texto apresentado em conferência no II Encontro da Memória, Campinas, 2007.
[3] BIAVASCHI, Magda B. Os Processos
como Fontes Primárias para a Pesquisa. In:
II Encontro Nacional da Memória da
Justiça do Trabalho [Campinas, 2007]. SP: Ltr, p. 42.
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