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Brasil pode liberar veneno mais tóxico para lavouras transgênicas
MPF aconselha
CTNBio a realizar mais testes que comprovem a segurança do veneno
2,4D, um dos principais componentes do agente laranja, usado como arma
química no Vietnã
Por Maurício Thuswohl
Após uma década ao longo da
qual o herbicida glifosato reinou absoluto nas lavouras transgênicas espalhadas
pelo Brasil, a chegada de um novo produto, mais tóxico e com maior potencial de
contaminação, coloca em alerta setores da sociedade e já é objeto de um
inquérito civil por parte do Ministério Público Federal (MPF). Um dos
principais componentes do tristemente célebre agente laranja, usado pelos
Estados Unidos como arma letal contra civis durante a Guerra do Vietnã, o
veneno conhecido como 2,4D pode ser uma realidade já na atual safra brasileira,
em lavouras de soja e milho geneticamente modificadas para resistirem à
aplicação do produto. Responsável pela possível liberação de três pedidos de
plantio comercial relativos ao 2,4D – que seriam analisados em outubro – a
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) foi aconselhada pelo MPF a
realizar mais testes que comprovem a segurança do produto para a saúde e o meio
ambiente.
Plantação de soja próxima a São Félix do
Araguaia, no Mato Grosso. Foto: Daniel Santini
Também instada pelo MPF a
realizar uma audiência pública na qual a utilização do 2,4D fosse debatida
de forma mais ampla pela sociedade civil, a CTNBio não acatou a
orientação. Por isso, o MPF optou por organizar sozinho, em Brasília, uma
audiência pública, realizada em 12 de dezembro, que contou com dezenas de
representantes das organizações socioambientalistas, da academia e dos ministérios
e agências reguladoras do governo federal, além de integrantes da própria
CTNBio. Foram debatidos os riscos de contaminação de sementes crioulas pelas
sementes geneticamente modificadas e de aumento do consumo de agrotóxicos no
Brasil. A falta de mecanismos adequados para o monitoramento da cadeia de
transgênicos no país também foi motivo de debate, além da pouca confiabilidade
dos estudos, em sua maioria realizados pelas próprias empresas transnacionais
que controlam a transgenia, levados em conta pela CTNBio no momento de decidir
pelas liberações comerciais.
Em conversa exclusiva com a
Repórter Brasil,
após a realização da audiência pública, o procurador Anselmo Henrique Cordeiro
Lopes, responsável pela condução do inquérito civil, faz um balanço positivo do
debate e destaca que a CTNBio, embora não tenha respondido à solicitação do
MPF, acabou não mais liberando nenhuma planta associada ao produto. Ele
acredita que a decisão sobre a utilização do 2,4D ficará para este
ano. O procurador também critica os mecanismos de controle e monitoramento
hoje existentes no Brasil, tanto no que diz respeito aos testes acatados pela
CTNBio quanto à cadeia de transgênicos em geral. Leia a seguir a íntegra da
entrevista com Anselmo Henrique Cordeiro Lopes.
O que motivou a
investigação realizada pelo Ministério Público Federal a respeito da liberação
comercial de plantas transgênicas resistentes ao agrotóxico 2,4D? Quanto tempo
durará o inquérito e quais seus possíveis desdobramentos?
O que motivou a
investigação foi uma denúncia, realizada em reunião por alguns membros da
CTNBio e vários outros pesquisadores, que denunciavam que a CTNBio estava na
iminência de liberar alguns transgênicos de soja e milho resistentes a um
herbicida muito perigoso – o 2,4D, que já foi usado na Guerra do Vietnã na
composição do agente laranja – e que esta liberação estaria se dando de forma
muito açodada e sem que todos os estudos necessários abordassem os temas que
seriam pertinentes. Então, para verificar se realmente isso estava ocorrendo,
decidimos abrir em setembro um inquérito civil. Em tese, a duração dele é de um
ano. O inquérito pode ser prorrogado por mais um ano, se isso se mostrar
necessário, mas, em princípio, a duração dele é de um ano. Como desdobramento,
nós poderemos fazer alguma recomendação à CTNBio ou mesmo ajuizar ação no que
diz respeito aos processos que estão sendo examinados.
A CTNBio foi
notificada pelo Ministério Público Federal para que interrompesse os testes?
Qual foi a reação?
Não foi pedido que ela
parasse com os testes, e sim que continuasse com os estudos e os testes, mas
por enquanto não liberasse comercialmente o produto. Nós solicitamos que não
houvesse a liberação comercial e, com base no Artigo 15 da Lei de Biossegurança,
que trata da CTNBio, pedimos também que eles realizassem uma audiência pública
para que fosse feita uma discussão mais ampla e mais global a respeito dos
impactos diretos e indiretos relacionados a essas sementes. A CTNBio se negou a
realizar essa audiência pública, foi isso que motivou o MPF a realizar a
audiência por conta própria. Nessa audiência que se realizou, nós chamamos
vários atores da sociedade civil e das instituições públicas, e a própria
CTNBio se fez presente através de vários de seus membros.
A CTNBio é obrigada
a acatar essa recomendação de não mais liberar plantas que tenham relação com o
2,4D?
Na verdade, não colocamos
isso como uma ordem, mas sim como uma solicitação. De toda forma, ainda que a
CTNBio não se manifestasse expressamente sobre essa questão da suspensão das
liberações, na prática ela acabou por não realizar liberações em 2013. Essa
discussão ficou para 2014.
Existem muitas
críticas à falta de dados consistentes nos testes – bancados e realizados, em
sua maioria, pelas próprias empresas do setor – que têm embasado as decisões da
CTNBio quanto à liberação de transgênicos. O MPF considera suficientes os dados
e informações trazidos por esses testes? Onde estão as maiores lacunas?
Esses testes são realizados
pelas próprias empresas, até porque o grau de profundidade tecnológica do
estudo dá a dimensão de que realmente é muito difícil fazer estudos
independentes a respeito desse tipo de tecnologia que envolve, inclusive,
matéria de sigilo e matéria de patente. No caso do 2,4D, existe a denúncia por
parte de vários pesquisadores de que a perspectiva do estudo teria sido
reduzida e que ele não teria abordado vários aspectos necessários do que seria
realmente importante trazer para decidir de forma mais consciente a liberação.
Isso foi discutido na audiência pública, mas não há ainda uma conclusão muito
clara a respeito desse tema.
O Brasil é campeão
mundial do consumo de agrotóxicos. Já foi realizado algum cálculo sobre qual
será o impacto da eventual liberação do 2,4D na expansão do mercado de
agrotóxicos no país?
Isso não foi feito. Nós
pedimos que isso fosse avaliado e que houvesse um prognóstico do aumento de
consumo de 2,4D incentivado pela liberação das sementes transgênicas, mas até o
momento não há nenhum dado científico que demonstre isso. Durante a audiência
pública, a representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
informou que existiria um espaço de crescimento de consumo de 2,4D no Brasil de
até quatro vezes, um aumento de 300%. Mas, apesar desse posicionamento da
Anvisa, não há nenhum estudo que demonstre concretamente qual será o aumento do
consumo do 2,4D no Brasil caso haja essas liberações.
O processo de
decisão sobre a liberação de transgênicos no Brasil, na forma como vem
ocorrendo na última década, significa desrespeito a direitos humanos
fundamentais?
Até o presente momento, eu
não posso afirmar que houve esse desrespeito. O que eu posso afirmar é que o
MPF está abordando o tema desde essa lógica e essa perspectiva. Isto é, nós
estamos investigando para ver se os direitos humanos fundamentais à saúde, à
alimentação adequada e ao meio ambiente equilibrado e sadio estão sendo
respeitados. Se nós concluirmos que esses direitos são desrespeitados, aí sim
nós iremos tomar as medidas legais cabíveis.
Convite da audiência pública, realizada em 12 de dezembro, pelo
MPF
A fiscalização sobre
os testes que são levados em conta pela CTNBio é realizada de maneira
satisfatória? A Anvisa cumpre bem o seu papel?
Isso também foi discutido
na audiência pública. Dá para perceber que existe, digamos assim, uma distância
muito grande entre aquilo que é produzido como estudo pelas empresas e seus
pesquisadores contratados e depois apresentado à CTNBio e aquilo que realmente
se consegue fazer de forma independente e paralela como contraprova dos
resultados apresentados. Em tese, de toda forma, o controle tecnológico e
científico desses resultados deveria ser feito pela CTNBio. O papel da Anvisa é
outro, diz respeito ao registro e controle de herbicidas. A CTNBio vai estudar
– e fazer a liberação, se for o caso – das sementes transgênicas. É lógico que
existe aí um campo intermediário que diz respeito à própria interação das
sementes transgênicas com o herbicida, mas, infelizmente, nem um órgão nem o
outro acaba alcançando essas interações. Existe um espaço cinzento e nenhuma
instituição acaba assumindo o papel de fazer esse controle.
Praticamente
inexistem no Brasil de hoje mecanismos de monitoramento e controle da produção
e comercialização de transgênicos. É possível exigir do governo que coloque em
prática tais mecanismos?
Existem processos de
monitoramento, como determina a lei, realizados pela CTNBio. A própria pauta de
trabalho das reuniões da CTNBio demonstra que existem alguns processos sobre os
quais eles realizam monitoramento. A questão é saber se o monitoramento está
sendo feito de forma suficientemente correta e adequada ou não. Alguns críticos
do trabalho da CTNBio afirmam de forma bastante veemente que esse monitoramento
é insuficiente e meramente formal. Mas o MPF por enquanto não pode afirmar
isso, não há dados para que possamos fazer essa afirmação.
Qual balanço faz o
MPF sobre a Audiência Pública? O que a pode ser feito daqui pra frente para
aprofundar essa discussão na sociedade civil?
Os focos da audiência foram
os impactos diretos e indiretos relacionados à liberação dos transgênicos e
também a questão da interação química, metabólica e biológica entre as sementes
geneticamente modificadas e os herbicidas. Também foram discutidas a questão
propriamente dita da reavaliação toxicológica do 2,4D, a acumulação de efeitos
dos herbicidas e a sinergia e acumulação proporcionadas principalmente pela
possível liberação das sementes transgênicas. Foi abordada também a metodologia
de analise desses temas pela CTNBio, além de outros temas toxicológicos. O
balanço que eu faço é muito bom. Acho que a gente conseguiu produzir muito
conhecimento e obter muitas informações. Dezenas de pessoas – entre
professores, pesquisadores e pessoas que trabalham no campo – tiveram a
possibilidade de se manifestar a respeito de todos esses temas. Isso trouxe um
resultado bastante plural e, nesse sentido, a audiência pública alcançou o
objetivo democrático que ela se estipulou.
Leia também:
Especial transgênicos – Impactos após mais de uma década de liberação no Brasil
Infográficos - concentração no mercado, histórico, veneno e localização das lavouras
Monocultivo de soja invade região do Araguaia, no Mato Grosso
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Estudos do Centro de
Monitoramento de Agrocombustíveis:
Os impactos das lavouras sobre a Terra, o meio e a sociedade (2008)
Os impactos da soja na safra 2009/10
Impactos da soja sobre Terras Indígenas no estado do Mato Grosso (2010)
O avanço da soja e o Novo Código Florestal (2011)
Estudo denuncia produção de soja e cana em terras dos Guarani-kaiowá (2012)
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