quinta-feira, 6 de março de 2014

DA COMPETÊNCIA PARA MUNICÍPIOS LEGISLAREM SOBRE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE LABORAL: A construção civil e a construção da paz na sociedade civil



                     Noticia
A construção civil e a construção da paz na sociedade civil

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O texto cuida do papel dos municípios na proteção do meio ambiente do trabalho, dando especial destaque à iniciativa legiferante que tramita perante a Câmara Municipal de Campinas (SP), que combate os acidentes laborais ocorridos na construção civil.

“Três palavras retificadoras do legislador e bibliotecas inteiras se tornam papéis velhos.” As palavras do jurista alemão von Kirchmann, hoje, fazem menos sentido do que à época em que elas foram proferidas. A Ciência do Direito evoluiu para muito além da simples aplicação da vontade do legislador. 
 Não será raro que a lei mude e, todavia, a interpretação do texto aproxime a sua inteligência da compreensão originária, porque mais conforme aos ditames da Constituição; ou, ao revés, que a sua compreensão mude sensivelmente, embora o texto legal siga sendo rigorosamente o mesmo. É que, na tarefa de interpretar, importa ao intérprete - que são, por excelência, os juízes - ter em primeira consideração que a Constituição sempre estará acima das leis. A isso os norte-americanos denominam de "supremacy clause", derivando-a de precedentes da U.S. Supreme Court, como p.ex. Marbury vs. Madison.
Mas deixemos alemães e norte-americanos, ao menos por agora, para um olhar bem mais próximo. Logo, o leitor entenderá por que os evocamos.
Tramita na Câmara de Vereadores da cidade de Campinas/SP o Projeto de Lei Complementar n. 34/2013, que é resultado direto dos trabalhos da Comissão Especial de Estudos para a Segurança na Construção Civil daquela mesma casa legislativa. Ali foram ouvidos, com efeito,  os principais atores sociais envolvidos na questão da segurança dos trabalhadores no meio ambiente do trabalho da indústria da construção civil: a academia, os sindicatos, o Ministério Público do Trabalho, a Justiça do Trabalho e diversos representantes da sociedade civil organizada.
A notícia é por tudo alvissareira, porque essas balizas não podiam mais tardar. Com o incremento das grandes obras de construção civil nos últimos anos — sobretudo a reboque do superaquecimento estimulado no segmento pelo Governo Federal (no Brasil todo, em função do PAC; e na região de Campinas, particularmente, com a construção de moradias populares e a reforma do aeroporto de Viracopos) —, crescera também o número de acidentes fatais, nacional e localmente. 
Em Campinas, somente no ano passado, foram mais de 10 (dez) óbitos de trabalhadores em decorrência de acidentes ocorridos nos canteiros de obras. Em todos esses casos, é a sociedade como um todo a pagar, com a perda de vidas humanas e todas as suas inevitáveis repercussões econômicas (p.ex., indenizações e pensões previdenciárias), o custo do desenvolvimento econômico e habitacional. Já para as famílias dos trabalhadores mortos, a perda é obviamente incalculável. 
Essa tensão contraproducente não tem razão de existir, ao menos teoricamente. A expansão do bem-estar social não precisa se arrimar no sacrifício irreparável de indivíduos. O que significa dizer — ao contrário do que o senso comum indicaria — que os acidentes de trabalho e as doenças ocupacionais não são fruto necessário do desenvolvimento. O que decorre, aliás, da própria essência do Direito do Trabalho (ou, se quisermos, do Direito Tutelar do Trabalho): incorpora-se paulatinamente aos padrões normativos em vigor a evolução do estado da técnica e, desde modo, garantem-se níveis maiores de integridade pessoal, ao mesmo tempo em que avançam os próprios níveis de produtividade. Desse modo, quanto mais o conhecimento humano avança, mais eficazes tornam-se os mecanismos destinados a evitar os acidentes do trabalho (mormente os fatais); e, porque cientificamente possíveis e economicamente viáveis, tornam-se obrigatórios para os empresários.
Por óbvio, como se trata de evento sociocultural multifacetário, passam-se décadas para que os avanços cheguem ao front dessa guerra trágica, em que todos perdemos: empresas, cidadãos (vítimas e familiares), o Sistema Único de Saúde, a Previdência Social... Afinal, a sociedade como um todo.
Justamente por isso, ganha especial importância a iniciativa legislativa de inserir, no Código de Obras do Município, a necessidade de cumprimento da NR-18 pelas empresas de construção civil em atividade em Campinas (v. art. 3º, § 2º, do PL). Esta, aliás, foi uma das propostas que ventilamos, há pouco mais de um ano, quando, a convite da Câmara de Vereadores de Campinas, realizamos três exposições sobre os cuidados devidos com o meio ambiente do trabalho (especialmente na construção civil), nas dependências daquela Casa Legislativa. Com esta alteração legislativa, tão simples quanto profunda, o município passa a avocar para si a competência de fiscalizar o integral cumprimento da NR-18, podendo até caçar o alvará de obra que notoriamente esteja colocando em risco a saúde dos trabalhadores. Noutras palavras, sob a nova legislação, pode o fiscal municipal constatar o descumprimento da norma federal e agir em conformidade com essa aferição; até então, ao menos do ponto de vista estritamente legal, o fiscal poderia inclusive tomar conhecimento do risco para a saúde do trabalhador, mas pouco poderia fazer a respeito, para além da competente denúncia aos órgãos federais correlatos (notadamente a SIT/MTE e o próprio MPT).
Com a novidade legislativa, o município passa a reconhecer para si um papel mais ativo na prevenção dos acidentes de trabalho; e passa igualmente a implementá-lo. A prevenção e a precaução, com efeito, são as pedras angulares em matéria de tutela do trabalhador contra os sinistros laborais; afinal, pouco pode ser feito após o evento trágico, a não ser administrar as perdas e sequelas.
Anda bem o Município de Campinas, ademais, à luz da Constituição Federal. Com efeito, é a própria Constituição a atribuir esses poderes ao Legislativo municipal quando (a) insere o meio ambiente do trabalho no conceito de meio ambiente em geral (art. 200, VII); (b) atribui competência comum a todos os entes federados para legislarem sobre meio ambiente e o combate à sua poluição, em qualquer de suas formas (art. 23, VI), o que inclui a poluição labor-ambiental (cf. artigo 3º, III, “b”, da Lei n. 6.938/1981); (c) determina que o município legisle sobre assuntos de interesse local (art. 30, I); e, finalmente, (d) assevera que a saúde é direito do cidadão e dever do Estado — em todas as suas esferas federativas, portanto —, o que engendra, para o Poder Público, dever público indelegável quanto a todos os esforços administrativos tendentes a prevenir danos e agravos à saúde dos trabalhadores (com caráter eminentemente preventivo, a teor do art. 196, caput).
Precisamente em atenção a esses valores constitucionais é que a legislação federal criou o Sistema Único de Saúde, no qual o município está necessariamente inserido, com papel político fundamental e franca autonomia para a atuação em sede de vigilância sanitária. E, nesse contexto, pode também zelar pelas condições de higidez física, química e biológica dos inúmeros locais de trabalho sob sua fiscalização. Bastará apenas que, para tanto, subministre instrução adequada a fiscais especializados e os esclareça quanto à necessidade de atuar coordenadamente com os auditores fiscais do trabalho (MTE), quando necessário. Nas atuações conjuntas com o MTE, a primazia da decisão caberá sempre ao auditor-fiscal, ante a sua maior especialização. Com isso, prevenir-se-ão conflitos de atribuição que a ninguém interessaria.
Não é demais lembrar, enfim, que, em Direito Administrativo, quando se usa o vocábulo “poder”, compreende-se haver um correspondente “dever” do Estado. Desmistificar a sinistralidade na indústria da construção civil, erradicando a equivocada concepção de que “o acidente faz parte deste tipo de trabalho”, mercê dos materiais pesados e dos recorrentes espaços insalubres, será já um grande avanço.
Daí, e por tudo, a comunidade deve receber com júbilo o novel dispositivo legal, que passará a atribuir ao fiscal municipal a incumbência de identificar potenciais agravos à saúde dos trabalhadores, destacando-lhe poderes para evitar acidentes e, afinal, salvar vidas e preservar pessoas. Há mais, porém, que a mera previsão legal.  A letra fria da lei só ganha dimensão nomológica no momento em que o homem, que é seu destinatário, confere-lhe concretude no mundo dos fatos. Assim, a novidade legislativa precisa tornar-se efetiva o quanto antes, dimanando reflexos sociais positivos.
Não se olvida que o número de fiscais é sempre insuficiente para as necessidades das grandes cidades; nem se ignora que poucos estejam realmente capacitados tecnicamente para entender e fazer que se cumpra a regra técnica. É bem verdade, ademais, que outros problemas precisarão ser enfrentados, notadamente os de ordem socioeconômica, a contrapor o pleno emprego à capacidade econômica do pequeno e médio empresário local; afinal, melhoria ambiental pressupõe investimento. Mas, afinal, queremos qualquer emprego?
Tudo, enfim, a dificultar o alcance do nobre objetivo de proporcionar melhores condições de integridade e saúde psicossomática para os trabalhadores da construção civil. E, a despeito dessas imensas dificuldades, segue por tudo imperioso o nosso aplauso para essa alvissareira movimentação no âmbito municipal. É, de fato, a evidência maior de que, em tema de meio ambiente do trabalho, há vida pulsando na esfera pública. Recorde-se, aliás, em paralelo, que recentemente o Estado de Minas Gerais publicou a Lei n. 21.114, de 30 de dezembro de 2013, proibindo o uso do amianto nos limites do seu território. E o Supremo Tribunal Federal, nada obstante, segue protelando, no bojo da ADI n. 3.937, a dicção evidente daquilo que se impõe, para o bem geral da população, a teor do princípio geral da precaução (artigo 15 da Declaração do Rio de Janeiro). Que valha, à posteridade, o irrebatível voto de Ayres Britto (e não o de Marco Aurélio). Mas essa é outra história...
No que agora interessa, resta propor, para além do inexorável debate em torno da efetividade do novo dispositivo, é a sua reprodução como paradigma deontológico para a proteção labor-ambiental. Impende que essa mesma pulsão protetiva, inspiradora da tramitação do PLC n. 34/2013 na Câmara de Vereadores de Campinas, ganhe força e ocasião, irrompendo em outros Estados e municípios, com vista à modificação da uma triste realidade estatística, presente entre nós anos a fio, sempre a sinalizar o óbvio: o setor da construção civil tem sido palco insistente, no Brasil da Copa do Mundo, para absurdas e inaceitáveis perdas humanas.
Bem sabemos que leis não mudam o mundo. Mas se acaso residir, nesse pequeno passo, um filete de esperança, por que não o enaltecer e reproduzir? Que os senhores edis de Campinas, em breve tempo, possam votar e aprovar o citado PLC n. 34/2013, ofertando novo e elogioso exemplo para todos os seus pares, em todos os rincões do país. E que oxalá outros autores enalteçam, em muitos outros (con)textos, as bondades desse pequeno gesto simbólico.

Autores
    Ney Maranhão

Juiz do Trabalho (TRT da 8ª Região – PA/AP). Doutorando em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Università di Roma – La Sapienza (Itália). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA - campus de Marabá/PA). Professor convidado da Universidade da Amazônia (UNAMA) e do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA) (em nível de pós-graduação). Professor convidado das Escolas Judiciais dos Tribunais Regionais do Trabalho da 8ª (PA/AP), 14ª (RO/AC) e 19ª Regiões (AL). Membro (Honorário) do Instituto Goiano de Direito do Trabalho (IGT). Membro (Conselheiro) do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (IPEATRA) (biênio 2011-2013). Membro (Pesquisador) do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Junior (IBDSCJ). Autor e coordenador de obras jurídicas. Articulista junto a periódicos especializados. Subscritor de capítulos integrantes de obras coletivas. Palestrante em eventos jurídicos. Email: ney.maranhao@gmail.com / Facebook: https://www.facebook.com/ney.maranhao / Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5894619075517595



Guilherme Guimarães Feliciano

Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP. Doutor em Direito Penal e Livre-Docente em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor Associado do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo. Ex-Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (AMATRA XV) (gestão 2011-2013). Diretor de Prerrogativas da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) (gestão 2013-2015).

Flávio Leme Gonçalves

Advogado do escritório AeG Advogados Associados. Pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Constitucional Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor Universitário.


Leia mais.

ACIDENTE DO TRABALHO & CRIME DOLOSO: Tragédia na obra da arena na Amazönia.

O operário Antônio José Pita Martins, 55 anos, que também morreu chegou de Portugal para desmontar um guindaste utilizado na construção da estrutura metálica do estádio

Operario Marcleudo de Melo Ferreira despenca de altura de 35 metros de altura, na madrugada de sábado, dia 14.12.2013. 
Das 64 medidas de segurança exigida, 63 delas não foram cumpridas. E ainda chamam isso de acidente de trabalho. 
Em nosso entendimento fatalidades como essas não podem ser tidas como de acidente de trabalho. Posto que sabido que para ser reconhecido como “ Acidente do trabalho” há que ser um acontecimento imprevisível em que o empregador tenha investido em prevenção, cumprindo todas as normas de segurança e saúde, prevista na legislação de proteção à mantença da higidez física e psíquica de seus empregados e mesmo assim o infortúnio venha a ocorrer. 
Mas o que está acontecendo no Brasil é um crime com dolo eventual, porque ainda que a tragédia não esteja sendo desejada, a omissão e a ganância pelo lucro a qualquer custo, prevalece sobre o dever de assegurar saúde ao trabalhador. 
Daí que estamos defendendo a aprovação no Brasil de um direito penal trabalhista, a exemplo do que já é lei vigente na espanha, criminalizando-se o mau empregador que descumpre a legislação de proteção à integridade física e psíquica de seu trabalhador, em ocorrendo o infortúnio laboral. DIREITO PENAL TRABALHISTA. A não eliminação dos riscos acidentários implica em verdadeiro crime cometido contra os trabalhadores.

DIREITO PENAL TRABALHISTA

A não eliminação dos riscos acidentários implica em verdadeiro crime cometido contra os trabalhadores

(*) Luiz Salvador

21/03/2011 21:05:32

Foto:Antônio Garcia Martins

O jurista espanhol, Dr. Antônio Garcia Martins, participou do V Encontro Latino Americano de Adrogados Laboralistas e do Movimento Sindical realizado em Cuba, Havana, de 14 a 16 de março de 2010, discorrendo sobre a criminalização do empregador, que obrigado a asegurar a um seu trabalhador um meio ambiente equilibrado, sem riscos de acidentes e ou de adoecimentos ocupacionais e ao omitir-se de seu dever legal  de proteção à vida e à integraidade física e psíquica de seus trabalhadores, comete crime, devendo para tanto ser penalizado.
No Brasil, a Lei 8.213/91 trata essa omissão injustificável contra a vida e como mera contravenção penal.
Na Espanha há legislação específica criminalizando o ato, Direito Penal Español, artigos 316, 317 e 318, estabelecendo um balizamento concreto à efetividade das garantias legais existentes de proteção à vida e a saúde dos trabalhadores, sempre que comprovada qualquer infração às normas de prevenção e higiene adecuadas, ainda que imprudencia.
O Brasil possui uma das mais exemplares leis de proteção ao trabalho seguro (infortunística), todavía, sem efetividade, por prevalecer o interesse patrimonialístico e atribuir ao infortunado o ônus da prova do acidente e do respectivo nexo causal, quando na verdade, a Lei do NTEP que permite ao INSS reconhecer o acidente ainda que o empregador não emita a CAT (Comunicação do Acidente de Trabalho, ainda que em caso de dúvidas), não tem tido efetividade diante das reiteradas resistencias dos próprios servidores públicos (peritos do INSS) que teimam em negar vigência da lei, fazendo prevalecer o “ato médico”, ao arrepio do que dispõe Lei 11.430/06 que introduziu no art. 32-A da Lei 8.313/91, o criterio objetivo: A perícia médica do INSS considerará caracterizada a naturaza accidentaría da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças – CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento, ressalvando a Instrução Normativa 16 e 31 que:
“A inexistência de nexo técnico epidemiológico não elide o nexo entre o trabalho e o agravo, cabendo à perícia médica a caracterização técnica do acidente do trabalho, fundamentadamente, sendo obrigatório o registro e a análise do relatório do médico assistente, além dos exames complementares que eventualmente o acompanhem”
(Instrução Normativa, do MPS, art. 6 º, § 1º).
A pesar da existencia de avançada legislação infortunística vigente, por falta de fiscalização e por uma cultura patrimonialista prevalente, o Brasil tem sido encuadrado como “Campeão Mundial em Acidentes do Trabalho”, conforme temos denunciado em diversos artigos de nossa autoria:
Precisamos urgentemente de uma legislação moralizadora e que não só assegure a indenização resultante da necessidade de se reparar materialmente os danos materiais e morais decorentes dos infortunios laborais que ocorrem no Brasil, mas também de uma legislação penal moderna, a exemplo da española, permitindo tornar-se real e eficaz o que o STF já decidiu de há muitos anos: É dever do empregador zelar pela segurança, saúde e higiene de seus empregados com a diligência que costuma ter com a própria integridade física e psíquica” STF, RE Nº 10.391M REL. Min. Orozimbo Nonato, DJ 18.8.1949, p. 2.484).
Leia a integra da intervenção no evento do Dr. Antônio Garcia Martins.
RIESGOS DEL TRABAJO
Un Delito Contra Los Trabajadores
Por Antônio Garcia Martins 
«Hay que trabajar seguro: las muertes han de mantenerse en un nivel aceptable, explica el capataz la nueva política de empresa.
Y ¿cuánto es?, pregunta un trabajador.
El capataz consulta los papeles: Dos muertos al año.>>

La cuadrilla, Ken LOACH[1]

“El accidente de trabajo se ha normalizado a lo largo de su evolución como fenómeno jurídico y económico. Como hecho repetido se ha convertido en algo habitual e inevitable, algo común, un rasgo de la relación laboral. En tanto evento que se reitera, una y mil veces, con las mismas características, supone la constatación del fracaso de las políticas institucionales. Morir en el trabajo resulta algo normal en la racionalidad económica, no desde luego en la conciencia social.” (1)
El punto nº. 11 de la Carta Sociolaboral Latinoamericana de la Asociación Latinoamericana de Abogados Laboralistas reivindica “el derecho a la efectiva protección de la salud y la vida de los trabajadores frente a los riesgos del trabajo”.
Nuestro compañero Luis Enrique Ramírez habla del “impuesto de sangre” y del “genocidio” que supone que mas de dos millones de trabajadores pierdan la vida cada año, según datos de la O.I.T.
España ocupa un lugar vergonzoso en la lista de accidentes de trabajo dentro de la Unión Europea. Desde hace años, las estadísticas sitúan a España en la cola de los países europeos en número de accidentes de trabajo, y de víctimas mortales. Somos campeones de siniestralidad laboral.
Y ello, a pesar de contar con una legislación avanzada en materia de prevención de riesgos laborales, que incluso tipifica como delito contra los derechos de los trabajadores  la omisión de medidas de seguridad.
Desde el Sindicato de Comisiones Obreras de España se tomó la decisión de abordar la vía penal, como una de las formas de luchar contra la siniestralidad laboral. Se trata de utilizar las vías que la legislación española pone a nuestro alcance. Y una fundamental, es la vía penal, en la que se persigue el delito contra los derechos de los trabajadores, lo cual, además permite la intervención del Sindicato, al amparo de la figura constitucional de la “acción popular”. Bajo esta formula, Comisiones Obreras de Madrid, ha logrado en los últimos años unos resultados positivos. 37 juicios celebrados, 86 condenados 101,5 años; 2600 días/multa y unas indemnizaciones de 4.676.419 €.
En efecto, el Código Penal español en sus artículos 316, 317 y 318, establece lo siguiente:
“Artículo 316.
Los que con infracción de las normas de prevención de riesgos laborales y estando legalmente obligados, no faciliten los medios necesarios para que los trabajadores desempeñen su actividad con las medidas de seguridad e higiene adecuadas, de forma que pongan así en peligro grave su vida, salud o integridad física, serán castigados con las penas de prisión de seis meses a tres años y multa de seis a doce meses.
Artículo 317.
Cuando el delito a que se refiere el artículo anterior se cometa por imprudencia grave, será castigado con la pena inferior en grado.
Artículo 318. 
Cuando los hechos previstos en los artículos de este título se atribuyeran a personas jurídicas, se impondrá la pena señalada a los administradores o encargados del servicio que hayan sido responsables de los mismos y a quienes, conociéndolos y pudiendo remediarlo, no hubieran adoptado medidas para ello. En estos supuestos la autoridad judicial podrá decretar, además, alguna o algunas de las medidas previstas en el artículo 129 de este Código.

El delito contra los derechos de los trabajadores protege la seguridad en el trabajo, entendida como la ausencia de riesgos para la vida y salud de los trabajadores dimanantes de las condiciones materiales de prestación del trabajo. Este bien jurídico de carácter autónomo tiene una clara dimensión colectiva, en la que están presentes intereses supraindividuales de rango constitucional, que tiene su punto de arranque en el art. 40.2 de la Constitución Española, el cual proclama que los poderes públicos “velarán por la seguridad e higiene en el trabajo”.

El delito consiste en la generación de peligro para la vida y la salud. La conducta típica consistente en crear peligro, esto, aminorar las condiciones de seguridad en que se encuentra algo, impone esta dimensión colectiva del bien jurídico, ya que ese peligro se proyecta sobre los “trabajadores” indeterminados, como colectivo, al que se somete a condiciones de inseguridad.

Los arts. 316 y 317 tienen como objeto jurídico la protección de la vida y la salud de los trabajadores como colectivo.
El delito consiste en la generación de peligro para la vida y la salud, cuyo titular no es, a diferencia de lo que ocurre en el caso de los arts. 142 y 152 CP (homicidio y lesiones) cualquiera, sino los trabajadores en cuanto que tales.

El objetivo del delito previsto en el art. 316 CP consiste en evitar que por parte de los responsables de la actividad laboral, se permita el incumplimiento de las normas de prevención de riesgos laborales, no facilitando a los trabajadores los medios necesarios para que desempeñen su actividad con las medidas de seguridad e higiene adecuadas, constituyendo el "resultado" típico de este ilícito penal la puesta en peligro efectivo y grave de la vida, la salud o la integridad física de los trabajadores.

Para que se perfeccione el elemento objetivo del tipo deviene necesario que concurran las siguientes circunstancias:

a)      Infracción de las normas sobre prevención de riesgos laborales.
b)      La no facilitación de los medios necesarios para que los trabajadores desempeñen su actividad con las medidas de seguridad e higiene adecuadas.
c)       Que de ello se derive un peligro grave para la vida, la salud o la integridad física de los trabajadores.
Resulta incontestable que los empresarios o titulares de la empresa son los posibles sujetos activos del delito, pero no solo ellos, sino también, desde una perspectiva penal, los administradores y encargados del servicio a los que se  refiere el art. 318 del CP. Finalmente el elemento normativo del tipo se refiere a “…la  infracción de las normas de prevención de riesgos laborales…” lo que permite calificar el delito como tipo penal en blanco, de suerte que es la infracción de la normativa laboral la que completa el tipo, bien entendido que no bastaría cualquier infracción administrativa para dar vida al tipo penal, porque esta exige, en adecuado nexo de causalidad, que la norma de seguridad infringida debe poner en “peligro grave su vida, salud o integridad física” lo que nos envía aquellas infracciones graves de la normativa laboral que lleven consigo tal creación de grave riesgo.
Son muchas y variadas las dudas interpretativas que suscitan estos preceptos, particularmente el art. 316, cuya redacción ha sido calificada por algunos como “endiablada”, por contener en su enunciado numerosos problemas jurídicos.
No obstante los artículos 316 y 317 del Código Penal se configuran como:
1.- Delitos de peligro.
2.- Tipos penales en blanco.
3.- Delitos de omisión.
4.- Delitos especiales.
Con estos caracteres, la conducta típica consiste en un no hacer, en “no facilitar los medios necesarios para que los trabajadores desempeñen su actividad con las medidas de seguridad e higiene necesarias”. Con la expresión “no facilitar”, debe entenderse no sólo la ausencia de facilitación de los medios materiales, sino también, el prescindir del proceso educativo y formativo adecuado. En consecuencia se puede afirmar que el término “facilitar”, o mejor “no facilitar”, ha de ser interpretado en un sentido amplio, por lo que no basta con el mero suministro del material adecuado y necesario para la seguridad del trabajador, sino que además se precisa un proceso previo de formación e instrucción sobre el uso y los riesgos que de dicho uso se derivan.
En relación al sujeto activo,  el mismo  art. 316  establece que será de aplicación lo que el mismo dispone a “quienes estando legalmente obligados” provoquen la situación de peligro.
Esto nos lleva directamente al art. 14 de la Ley de Prevención de Riesgos Laborales, según el cual el obligado a la protección de los trabajadores frente a los riesgos laborales es el empresario. Y este concepto incluye, sin distinciones, al empresario principal, al contratista, subcontratista, ETT o empresa usuaria, ya que todos son empresarios. Y en cuanto tales, todos ellos pueden ser autores del delito del art. 316.
Por tanto podemos apuntar como presupuestos esenciales, la existencia de:
A. Posición de garantía, es decir, deber de actuar u obligación legal.
B. Dominio del hecho –como criterio general delimitador de la autoría- en esta materia, capacidad de dar órdenes vinculantes; de mando, en definitiva.
C. Omisión de la conducta esperada por el derecho: la adopción de las medidas o acción determinada que habría evitado el resultado lesivo o el riesgo concreto para la salud de los trabajadores, se presentan, “prima facie”, como los tres niveles de exigencias mínimas que nos permiten acercarnos a la determinación de los sujetos activos, cuestión que, pese a todo y en cualquier caso, no dejará de plantear problemas
El cúmulo de “obligaciones legales” que desde la normativa de prevención de riesgos laborales se establece, apunta al empresario como primer y principal obligado.
El artículo 14.4 in fine de la Ley 31/1995, de 8 de noviembre, de Prevención de Riesgos Laborales, viene a establecer que el deber de protección del empresario es irrenunciable e intransferible, pues el hecho de que existan otros sujetos, distintos del empresario, que también tengan obligaciones o cumplan funciones en materia de seguridad y salud en el medio de trabajo, no exime a aquél del cumplimiento de los deberes que le son propios en esta materia.
Con este mandato la Ley evita que mediante una delegación de funciones se produzca una desresponsabilización del empresario.
Sin embargo, esta afirmación de principio no puede significar que siempre y en todo caso él sea el responsable penal único o último del ilícito penal, sea de riesgo o de resultado  lesivo, ni que pueda evitar la de otros sujetos, bien compartiéndola con él, bien incluso, excluyendo la suya propia.
Aunque en la realidad, lo cierto es que frecuentemente sí resulta complicado dilucidar las responsabilidades de los teóricos y posibles implicados, dado que el propio empresario o empleador, principal y primer obligado por la normativa laboral, trata de crear un entramado o tela de araña de mandos interpuestos o intermedios en la pretensión –casi siempre vana, también es preciso decirlo, en salvaguarda de la mejor jurisprudencia- de soslayar y excluir su propia responsabilidad.
Es por ello que uno de los problemas habituales en los procedimientos penales que se incoan para la persecución y, en su caso, castigo de estos delitos, es la determinación del grado  de implicación –dolosa o imprudente, según el tipo de delito de riesgo o resultado de que se trate- de los posibles sujetos concurrentes en esas conductas, tarea que no deja de ser controvertida por la aplicación de distintas normativas, casi todas extrapenales, que sin embargo y en todo caso tienen que ceder la primacía insoslayable al principio de culpabilidad (art. 5º C.P.) que preside la aplicación de la norma penal y que en absoluto puede ser desplazado por mor de aquéllas dificultades probatorias de la imputación personal de estos hechos, debiendo evitarse, por tanto, acusaciones colectivas indiscriminadas que podrían encontrar cierto apoyo en su provisionalidad, y mucho menos pretender “ab initio” una suerte de atribución de responsabilidad objetiva en la esperanza y confianza de que sea el órgano judicial al dictar sentencia quien depure la responsabilidad penal personal ya con sujeción estricta al principio de culpabilidad.
CONCLUSIÓN
Parece básico intensificar la actividad de inspección y control de los centros de trabajo, que debería ser permanente y concentrarse en las actividades de alto riesgo. Las cifras de la siniestralidad y los relatos que encontramos en las sentencias sugieren que una visita de control por personal especializado, en funciones de policía administrativa, de obras, talleres y otros lugares de trabajo, permitiría detectar inmediatamente fuentes de riesgo intolerables y mediante la paralización de la actividad se alcanzaría de manera pronta el objetivo propuesto. Porque impediría que los trabajadores se vieran obligados a laborar en condiciones indecentes y porque supondría un perjuicio económico para la empresa incumplidora, disuasorio de la conveniencia de invertir en medios de seguridad. En el origen del siniestro se encuentra, casi siempre, la necesidad de obtener beneficios con los  menores gastos, desplazando mediante fenómenos de subcontratación los riesgos a las empresas más débiles, cuyos empleados tienen una situación vulnerable, por la precariedad, la amenaza  de desempleo, la ausencia sindical y la individualización de sus  relaciones laborales. Por lo tanto, es una estrategia de política empresarial.
Si hasta hace pocos años era difícil encontrar Sentencias penales condenatorias por incumplir la normativa laboral en materia de riesgos laborales, actualmente la situación ha cambiado y son numerosas las sentencias que condenan a personas y empresas por la comisión de delitos contra los derechos de los trabajadores, en su vertiente del derecho a que se apliquen las medidas de prevención y seguridad en el trabajo. El Derecho penal del trabajo ya no es un nicho al que nadie pone flores el día de difuntos, como sugirieron hace años los profesores BAYLOS y TERRADILLOS
No hay duda que esto es expresión de esa conciencia social a la que me refería, pero tambien de las denuncias que se vienen realizando desde diversos ámbitos sociales y sindicales contra lo que es una extendida sensación de impunidad frente a los incumplimientos, que en la mayoría de los casos de saldan con multas de escasa cuantía y que la mayoría de las veces ni siquiera se hacen efectivas. Hasta el punto que resulta rentable arriesgarse a esas multas y no implantar las medidas de seguridad obligatorias.
Pero desde el momento en que hablamos de delito y de sanción penal, la situación cambia porque se traslada a la sociedad y a los responsables la verdadera naturaleza y entidad de la falta de medidas de seguridad en el trabajo, una naturaleza delictiva que se enjuicia en el orden penal. Y que lleva aparejadas penas de privación de libertad.
Porque no olvidemos que las sanciones en el Derecho Penal tienen un objetivo claro: la prevención del delito.
(1) Cita del Magistrado Ramón Sáez Valcárcel en “Morir en el Trabajo”.
Por Antônio Garcia Martins é advogado de Comissões Obreiras, na Espanha.

(*) A matéria foi inserida na página web da ALAL por Luiz Salvador é advogado trabalhista e previdenciarista em Curitiba-Pr, Ex-Presidente da ABRAT (www.abrat.adv.br), Presidente da ALAL (www.alal.com.br), Diretor do Depto. de Saúde do Trabalhador da JUTRA (www.jutra.org), assessor jurídico de entidades de trabalhadores, membro integrante, do corpo técnico do Diap, do corpo de jurados, do TILS – Tribunal Internacional de Liberdade Sindical (México), do TMLS – Tribunal Mundial de Liberdade Sindical (Colômbia), do  Tribunal Ético (Bolívia, 1014), da Comissão da Verdade da OAB-PR e da Comissão de “juristas” responsável pela elaboração de propostas de aprimoramento e modernização da legislação trabalhista instituídas pelas Portarias-MJ 840, 1.787, 2.522/08 E 3105/09, E-mail: luizsalv@terra.com.br, site: www.defesadotrabalhador.com.br



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