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Maior parte da população quer anular Lei da Anistia
Datafolha mostra que 46% defendem a anulação,
outros 37% são contra
Pela primeira vez, também há mais gente a favor da
punição aos agentes da ditadura que torturaram opositores
(RICARDO
MENDONÇA) DE SÃO PAULO
Uma pesquisa inédita do Datafolha sobre a Lei da
Anistia mostra que a maior parte da população, 46%, é a favor da anulação da
norma tal qual ela é aplicada hoje. Os que são contra somam 37%. Outros 17% não
sabem dizer.
Hoje, exatos 50 anos após o golpe de 1964, também
há mais brasileiros a favor do que contra à proposta de punição dos que
torturaram presos políticos na ditadura.
Agora, 46% defendem castigo aos torturadores e 41%
são contra. Indiferentes e pessoas que não souberam opinar são 13%. Em 2010,
quando o Datafolha fez essa pergunta pela primeira vez, o resultado foi o
inverso: 45% eram contra, 40% a favor.
A pesquisa atual, com 2.614 entrevistas, foi feita
em 19 e 20 de fevereiro, antes da onda de eventos e reportagens sobre os 50
anos do golpe. E antes da repercussão do depoimento do coronel reformado Paulo
Malhães à Comissão Nacional da Verdade.
No último dia 25, Malhães narrou como torturava,
matava e dilacerava corpos de opositores durante a ditadura. Disse não ter
qualquer arrependimento disso.
Para o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino,
os resultados mostram uma sociedade dividida: "Considerando a margem de
erro [2 pontos], as taxas são parecidas".
Segundo ele, a efeméride e o depoimento de Malhães
influenciariam pouco nos resultados. "É um tipo de informação que atinge
um segmento muito específico da população, só os mais informados e
escolarizados", diz.
Recortes por instrução e renda dão uma pista disso.
Entre os que têm nível superior e ganham mais de R$ 7.240, o apoio à punição de
torturadores sobe para 58%.
ATENTADOS
O Datafolha também perguntou se é o caso de
reexaminar atentados contra o governo cometidos por militantes opositores da
ditadura.
A proposta não tem força política ou jurídica.
Autores de atentados já foram julgados e penalizados com prisões, conforme legislação
da época. E muitos sofreram punições não previstas na lei, como tortura e
morte.
Apesar disso, a ideia costuma ser repetida por
alguns defensores da ditadura em resposta aos que pedem punição aos
torturadores.
Resultado: 54% responderam que sim, esses casos
merecem reexame. Quando o instituto perguntou se todos deveriam ser julgados
hoje, torturadores e ex-militantes, 80% apoiaram.
O ex-ministro José Gregori (Justiça), presidente da
Comissão de Direitos Humanos da USP, diz que o apoio crescente à punição de
torturadores "é produto dos fatos aterrorizadores que têm vindo à baila na
Comissão da Verdade".
"Mas isso não modifica a minha posição de que
a Lei da Anistia deve ser mantida como está", diz. "Ela deu-se numa
fase de muita complexidade. E embora não seja perfeita, cumpriu um papel
importante para a redemocratização ser pacífica."
O historiador Marcelo Ridenti vê influência externa
nos resultados da pesquisa. "Em muitos países têm sido feitas comissões da
verdade: África do Sul, vários na América Latina, leste europeu. É uma
consciência internacional que tem sido incorporada por setores crescentes da
opinião pública brasileira."
POLÊMICA
Lei da Anistia e punição a torturadores são temas
polêmicos nos meios político e jurídico. Criada em 1979, a Lei 6.683 anistiou
todos os que haviam cometido "crimes políticos" entre 1961 e 1979.
Opositores foram perdoados, exilados puderam
voltar.
Desde então, agentes do Estado acusados de
sequestro, tortura, assassinato e ocultação de cadáver também passaram a
recorrer à Lei da Anistia para evitar punições.
Eles alegam que se tratou de uma espécie de pacto
nacional pelo esquecimento recíproco das violências. Juridicamente, se agarram
a um trecho da lei segundo o qual a anistia também é válida para "crime conexo".
A disputa está na interpretação dessa expressão.
Para os acusados de tortura, conexos seriam todos aqueles crimes praticados no
contexto geral da disputa política da época, independentemente do lado em que
estavam.
Para os defensores da revisão da lei, essa
interpretação não faz sentido jurídico, já que, na prática, representaria uma
autoanistia.
Em 2010, o Supremo Tribunal Federal analisou o
assunto e decidiu que a Lei da Anistia também valia para os torturadores do
regime militar.
Meses depois, a Corte Interamericana de Direitos
Humanos condenou o Brasil num caso da Guerrilha do Araguaia justamente por
causa dos efeitos dessa interpretação da Lei da Anistia.
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