Noticia
Torturador disse ter sequestrado no Rio fugitivo
argentino
Comissão Estadual da Verdade divulga depoimento do
coronel reformado Paulo Malhães, morto em abril
Militar não detalhou o que ocorreu com
guerrilheiro, que estaria a caminho da Venezuela
CRISTINA
GRILLO BERNARDO MELLO FRANCO DO RIO
Militares brasileiros sequestram e entregaram aos
argentinos um guerrilheiro do grupo Montoneros que desembarcara no aeroporto do
Galeão, no Rio. Com a ajuda de um médico, ele foi dopado, engessado e colocado
em um avião de volta a seu país, onde era procurado.
O caso foi contado pelo coronel reformado Paulo
Malhães, morto em abril, em depoimento à Comissão da Verdade do Rio. As 248
páginas do depoimento, tomado em duas entrevistas feitas nos dias 18 de
fevereiro e 11 de março, foram divulgadas nesta sexta (30), no Rio.
Na conversa, Malhães afirmou ainda que a Casa de
Petrópolis, centro de torturas clandestino que funcionou na cidade serrana
entre 1970 e 1974, teria sido usada para transformar militantes presos em
agentes infiltrados.
Recusou-se a revelar o que foi feito com o corpo do
ex-deputado federal Rubens Paiva, morto possivelmente na madrugada de 22 de
janeiro de 1971, após torturas no DOI-Codi da rua Barão de Mesquita, zona norte
do Rio,
"Vocês querem que eu seja verdadeiro e diga
nomes de pessoas. Vocês vêm o perigo que nós corremos?", disse aos
entrevistadores.
No depoimento, Malhães não informa a data do
sequestro ou o nome do guerrilheiro do grupo Montoneros, que embarcou em Buenos
Aires e estaria a caminho da Venezuela ao ser preso no Brasil.
Ele disse ter relatado o caso ao presidente Emilio
Garrastazu Médici, que governou o país entre 1969 e 1974. Em parte deste
período, até maio de 1973, a Argentina também viveu sob uma ditadura. Os
militares voltariam ao poder em 1976.
Segundo o relato do coronel, Médici o chamou para
cobrar explicações sobre o sequestro: "O presidente me chamou: Malhães,
qual foi a cagada que você fez aí, sequestrou um argentino importante?'. Eu
sequestrei, eu realmente sequestrei. Mandei de volta para a Argentina'",
disse o militar.
Questionado sobre o destino que o militante teve
depois, Malhães foi lacônico: "Não sei."
Para a Comissão da Verdade do Rio, a ação fez parte
da chamada Operação Condor, cooperação entre as ditaduras de Argentina, Brasil
e Chile. "Isso pode ajudar a esclarecer um capítulo importante da
repressão política, a colaboração entre as ditaduras na Operação Condor",
disse o presidente da entidade, Wadih Damous.
Segundo Malhães, o médico argentino que levou o
guerrilheiro lhe deixou alguns "presentes".
"O cara me deu uma porção de frasquinhos,
fazem mágicas aqueles frasquinhos. [...]Foram até usado pelo SNI. [...] Serviam
para várias coisas, fazer tu ter um AVC".
De acordo com o relatório da Comissão Especial
sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, do governo federal, ao menos três
argentinos desapareceram no Brasil, mas em 1980: Horacio Campiglia, Monica
Binstock e Jorge Oscar Adur.
Malhães não citou o nome de nenhum dos supostos
infiltrados --disse ser seu compromisso com eles--, mas contou que a prisão do
ex-oficial do Exército Lincoln Cordeiro Oest, membro do comitê do PCdoB, teria
acontecido com a ajuda de um deles.
Damous disse não acreditar na transformação de
presos políticos em agentes infiltrados a serviço da repressão. "É algo
que nós consideramos leviano. Ele disse isso para desqualificar os
presos", afirmou.
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