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Economia
Entrevista - Guy
Standing
Pós-proletariado, a nova classe social das ruas
O precariado desconcerta a direita e
a esquerda, diz Guy Standing, ex-diretor da OIT
por Márcia Pinheiro
Em Madrid e outras metrópoles, um novo protagonista surge das ruas
Guy Standing é PhD pela Universidade de Cambridge e professor de Estudos
do Desenvolvimento da Escola de Estudos Oriental e Africano da Universidade de
Londres. O ex-diretor da Organização Internacional do Trabalho veio ao Brasil a
convite da União Geral dos Trabalhadores e do Centro de Estudos Sindicais e de
Economia do Trabalho da Unicamp para falar sobre a nova classe produzida pelo
neo-liberalismo, o pós-proletariado. Standing recorre a um neologismo,
precariado (precariat em inglês) para sintetizar a dupla condição de
proletários e precários dessa parcela da população. Com uma agenda de
reivindicações surpreendente mesmo para governos progressistas, partidos de
esquerda e sindicatos, ocupa as ruas e praças das metrópoles mundiais e se
manifesta, no Brasil, nos movimentos espontâneos de rua desde junho. O autor do
livro Precariado – A nova classe perigosa concedeu esta entrevista à CartaCapital:
CartaCapital: O que é o pós-proletariado?
Guy Standing: Pós-proletariado é a classe que está perdendo seus direitos culturais,
civis, sociais, políticos e econômicos. São muitos milhões de pessoas ao redor
do mundo sem uma âncora de estabilidade. Chamo-os também de precariado, uma
combinação do adjetivo precário com o substantivo proletariado.
CC: Por que estas pessoas estão perdendo seus direitos?
GS: Parte se deve à globalização e parte às estratégias neoliberais. Uma
quantidade enorme de cidadãos não obtém emprego na sua área de especialização e
acaba trabalhando em funções nas quais eles não conseguem aplicar seu
conhecimento. Desde que lancei o meu livro sobre o assunto, fui convidado a
falar sobre o tema em mais de 200 lugares em 31 países. Isso porque milhões de
pessoas começaram a sentir que pertencem a esse pós-proletariado. Para
entendê-lo, é necessária uma abordagem marxista do fenômeno, mas não a do
século XIX. Ele é fruto de uma estrutura de classes resultante da globalização.
Essa estrutura gera uma plutocracia no topo da sociedade, com menos de 1% da
população. Abaixo dela, estão os assalariados não integrantes da classe
trabalhadora. São os privilegiados com boa renda, investidores do mercado
acionário e donos de imóveis para alugar. Outro grupo que está emergindo é uma
combinação de profissionais e técnicos. Essas pessoas são independentes,
orientadas por um projeto. Elas não querem a segurança do trabalho, têm muito
dinheiro. São parte do sistema. Abaixo, está o velho proletariado, com emprego
estável e remunerado. Os partidos social-democratas, trabalhistas, os
sindicatos eram orientados por essa classe, mas ela está diminuindo. Os
sindicatos e os políticos progressistas têm de se reinventar, porque abaixo de
tudo isso surgiu o pós-proletariado.
CC: Quais as características principais dessa nova classe?
GS: São três. A primeira é que seus integrantes têm empregos casuais. Mas
essa é a parte menos importante. Sempre houve informalidade, precariedade. Mais
relevante é esses cidadãos não terem identidade ocupacional, nem uma narrativa
para dar às suas vidas e contar para os netos. Outra característica é
precisarem fazer muitas coisas pelas quais não são pagas: preparar curriculum
vitae, procurar emprego, passar por treinamento. Isso deixa os indivíduos
inseguros. É também a primeira classe com nível de educação e qualificação
acima do exigido pelo trabalho. A pessoa tem grau universitário, mas trabalha
como garçom, por exemplo. Eles não têm acesso a benefícios além do salário,
como pensões, seguro-saúde e licença-maternidade. Tampouco são assistidos pelo
governo. Enquanto historicamente o proletariado lutava e conseguia mais
direitos, os pós-proletários estão progressivamente perdendo direitos. Isso
gera uma diminuta chance de mobilidade social.
CC: No Brasil, país com uma das menores taxas de desemprego do mundo, há
pós-proletariado?
GS: O país tem baixo desemprego e programas sociais, como o Bolsa Família,
desde o governo Lula. Mas, apesar da formalização e dos avanços, há milhões de
pessoas não beneficiadas. Esse processo ocorre no mundo todo. A desigualdade no
Brasil ainda é uma das maiores do mundo. O que está em curso é um processo de
flexibilização do trabalho global.
CC: Qual a consequência política do crescimento desta nova classe?
GS: Muitos trabalhadores passam do proletariado para o pós-proletariado e
são presas fáceis para partidos e governos fascistas e populistas,
aproveitadores da insegurança e dos medos da população.
CC: O senhor vê governos populistas na
América Latina?
GS: O populismo é um clássico na América Latina. Usa sempre o carisma,
promete um Estado mais forte, paternalista. Mas sempre joga contra minorias -
imigrantes, gays, mulheres, religiosos e principalmente com os imigrantes, que
são nostálgicos, não têm um senso de lar e mantêm a cabeça baixa. Alguns
Estados deliberadamente os perenizam na ilegalidade. Os populistas usam os
ilegais como capital, porque são mão-de-obra barata. E os partidos políticos
progressistas e os sindicatos ainda não entenderam o pós-proletariado, que não
quer voltar a ser proletariado. A esquerda parece ter esquecido da
necessidade uma nova transformação em direção à maior igualdade e liberdade. A
estratégia deve ser construída observando as aspirações dessa classe emergente,
que não quer nem pode tomar o poder nas fábricas. Há necessidade de uma nova
forma de ação. Os sindicatos hoje são vistos como algo para proteger
privilegiados.
CC: A necessidade de uma nova forma de ação explica as jornadas de junho
de 2013 no Brasil?
GS: Sim. A mobilização contra o aumento das tarifas de ônibus no Brasil foi
uma fagulha, em processo semelhante ao das lutas em Istambul, Londres e
Estocolmo. Foram dias de fúria. Vou me encontrar com alguns líderes importantes
europeus preocupados em entender o que está acontecendo. Milhões de pessoas
tentam compreender seu papel. A próxima luta vai ser por representação. Os
manifestantes se diziam totalmente apolíticos, mas isso está mudando. A
política é a essência da representatividade. No entanto, deve ser uma nova
política. Tem de incorporar a agenda do pós-proletariado. Outra agenda é a da
redistribuição. Não a do velho projeto socialista. Quais são os bens mais
almejados? A segurança é um deles e transcende a garantia de renda, tem a ver
com cidadania. O segundo é o controle do tempo. O terceiro é a redistribuição
de espaços públicos de qualidade como parques, museus, banheiros. Por fim, educação
de boa qualidade para todos e conhecimento financeiro, para manusear melhor a
renda e o crédito disponíveis.
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