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Jornal do Terra
Comissão da Verdade lança livro com nomes de torturadores
Uma
carta escrita por presos políticos do Presídio Barro Branco, em São Paulo, em
1975, e que trazia nomes e codinomes de 233 torturadores do regime militar no
País foi revista e virou um livro, lançado nesta segunda-feira na Assembleia
Legislativa Paulista pela Comissão Estadual da Verdade de São Paulo.
O livro Bagulhão:
A Voz dos Presos Políticos Contra os Torturadores traz a carta que foi enviada ao presidente
do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (na época) Caio Mário da
Silva Pereira. Segundo a comissão, foi a primeira denúncia pública de presos
políticos sobre torturas e torturadores, embora outros documentos tenham sido
elaborados na época e divulgados, mas de forma clandestina.
SAIBA MAIS
O nome
Bagulhão se refere, segundo o ex-preso político Reinaldo Morano Filho, ao fato
de o documento ganhar volume com o passar do tempo e também porque bagulho, na
linguagem usada por quem estava preso, significava algo que os “presos temiam
muito” ou algo perigoso. O documento, segundo ele, começou a ser produzido
pelos presos em 1969, de forma conjunta, e foi feito de forma sigilosa, para
que os militares não tivessem conhecimento sobre ele. O primeiro nome da lista
de torturadores é o do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o
Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa
Interna (DOI-Codi) de São Paulo.
O documento, explicou Morano Filho,
consistia em um calhamaço de 28 folhas com as assinaturas de 35 presos. Além da
identificação dos torturadores, o documento descrevia também os principais
métodos e instrumentos de tortura que eram empregados pelos órgãos de repressão
e as condições carcerárias. O texto dessa carta foi encerrado pelos presos no
dia 23 de outubro de 1975, mas ganhou um post-scriptum dois dias depois para incluir a notícia da
morte, sob tortura, do jornalista Vladimir Herzog.
Morano
Filho, que militava pela Ação Libertadora Nacional (ALN), ficou preso entre
agosto de 1970 e março de 1977, em diversos presídios, entre eles, o de Barro
Branco, o Tiradentes e no DOI-Codi. Ele foi um dos que assinou e elaborou o
documento. “Como sobreviventes, nos colocamos como testemunhas de assassinatos
e de perseguição política que se fazia naquele momento. Daí resultou nessa
carta”, falou ele.
Para
que o documento chegasse às mãos de Caio Mário, sem ser interceptada pelos
militares, os presos decidiram por uma saída clandestina: eles montaram um
compartimento no interior de uma garrafa térmica, entre as partes de vidro e de
plástico da garrafa, onde o calhamaço foi alojado. A garrafa foi então usada
para servir café aos advogados que visitariam seus clientes no presídio. Com
isso, pelas mãos de um advogado, o documento chegou a Caio Mário. “E sem prejuízo
do café”, disse Reinaldo Morano Filho.
A carta
foi enviada ao dirigente da OAB porque, em agosto daquele ano, Caio Mário deu
uma declaração ao jornal Folha de S.Paulo em que dizia que não tinha
conhecimento de denúncias concretas de prisões irregulares e de arbitrariedades
policiais e de que precisava de mais informações sobre o que estava ocorrendo
no País.
“Nós,
presos políticos abaixo-assinados, recolhidos no presídio da Justiça Militar
Federal, São Paulo, tomamos conhecimento das declarações emitidas por Vossa
Senhoria lamentando não haver conseguido 'especificações objetivas' por parte
de pessoas vítimas de prisão irregular e de arbitrariedades policiais. (…)
Embora cientes das muitas denúncias concretas já havidas – inúmeras delas
inclusive divulgadas mais recentemente por jornais brasileiros – vimo-nos na
obrigação, como vítimas, sobreviventes e testemunhas de gravíssimas violações
aos direitos humanos no Brasil, de encaminhar a Vossa Senhoria um relato
objetivo e pormenorizado de tudo o que nos tem sido infligido, nos últimos seis
anos, bem como daquilo que presenciamos ou acompanhamos pessoalmente dentro da
história recente do País”, diz o trecho inicial da carta.
De
acordo com Morano Filho, quando o documento foi tornado público, ainda em 1975,
nenhuma ação legal ou ação judicial o contestou. Nenhuma contestação ao
documento ocorreu até hoje, ressaltou ele.
Um dos
ex-presos políticos que também assinou e ajudou a elaborar a carta foi o
ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e
atual membro da Comissão Interamericana de Direitos Humano Paulo Vannuchi.
Segundo ele, este documento é uma “prova cabal” da existência de tortura e de
violações no período. “Esta é mais uma evidência, muito importante para o
relatório final, para que não pairem dúvidas de que houve excessos e de que
houve dúzias de torturadores sádicos e de que o regime criou uma estrutura [de
violações] e a apoiou”, falou. “Este é um documento curto, fácil de ler e que
precisa ser multiplicado para que todos o conheçam”, acrescentou.
Para Vannuchi, os relatórios das comissões
da verdade de todo o País deverão abordar, entre outras questões, a
responsabilização do Estado pelas violações ocorridos no período. “Os
pouquíssimos participantes da ditadura militar que admitem que ocorreram
torturas - e o Ustra nega taxativamente – o admitem como exceção. A exceção
terá que ser abordada no relatório das comissões, sobretudo da nacional, para
dizer que não foi o excesso de uma meia dúzia (de torturadores). Essa
meia dúzia (de torturadores) ou
233 nomes ou 400 precisam ser identificados. Os altos escalões sabiam o que se
passava”, disse ele.
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