Noticia
Antonio Delfim Netto
Dilema
Quando políticas
econômicas colonizadas pelo mercado financeiro (mercadismo) convivem com
sistemas políticos democráticos, é preciso muita atenção para assegurar o
equilíbrio social. As extravagâncias do mercadismo apoiadas na sua
"pretensão científica" acentuam as desigualdades e são lenientes com
o desemprego e a pobreza. Serão corrigidas nas "urnas" depois de
algum tempo. Infelizmente, a correção é, em geral, exagerada: os novos chegados
ao poder tentam impor a sua "ciência", o voluntarismo. Como o mercadismo,
ele termina em outro desequilíbrio social que, em algum momento, será também
corrigido pelas "urnas", se a democracia sobreviver.
Para que esse mecanismo de autocorreção funcione --o
único descoberto até agora para construir uma sociedade civilizada-- é preciso
que ela disponha de sólidas instituições políticas e sociais capazes de
garantir a escolha do poder incumbente com absoluta liberdade, exercida num
ambiente de rigoroso equilíbrio competitivo.
Frédéric Bastiat (1801-1850) foi um economista francês
dogmático e intransigente. Acreditava na harmonia entre as classes sociais e
foi feroz inimigo do socialismo e da ação do Estado para proteger os cidadãos
na pobreza porque isso comprometeria sua independência e os desobrigaria de
procurar outras formas de superá-la. Ele firmava seu ultraliberalismo numa
lógica terrível, com a qual extraía de hipóteses simples, todas as
consequências possíveis. O problema --como o de alguns de nossos economistas--
eram as suas hipóteses!
Em 1848 publicou um artigo memorável, "O que vemos
e o que não vemos", onde ataca algumas falácias (algumas ainda
sobreviventes) e coloca claramente a absoluta necessidade de uma visão
intertemporal da política econômica. Nele afirma que "na esfera econômica,
um ato, um hábito, uma instituição, uma lei não engendra apenas um efeito, mas
uma série deles. Desses só o primeiro é imediato porque se manifesta junto com
a causa (que se vê). os outros se desenrolarão sucessivamente (não se vêm)
[...]Frequentemente a consequência imediata pode ser favorável, mas as futuras
podem ser funestas e vice-versa".
Conclui que "o mau economista perseguirá um
pequeno bem atual (que se vê), mesmo se seguido de um grande mal futuro (que
não se vê), enquanto um bom economista perseguirá um grande bem futuro (que não
se vê), mesmo à custa de um pequeno mal no presente (que se vê).
Coloca-se, assim, o grande dilema: como é possível
persuadir os eleitores que os "bons" economistas realmente são os
portadores da "melhor" política econômica mesmo quando os inconvenientes
de curto prazo (que se vê) serão superados pelo benefício de longo prazo (que
não se vê)?
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