A pressão
por uma guinada de Dilma à esquerda começa agora
Leonardo
Sakamoto
Dilma
Rousseff não ganhou o segundo turno por conta de João Santana. A atuação de
Lula, que segue sendo o grande eleitor do país, foi fundamental, mas outro
elemento se mostrou determinante: a militância.
Petistas
ou pessoas que não são ligadas ao partido, mas defendem bandeiras de esquerda e
enxergavam na continuidade do mandato uma possibilidade maior de diálogo para
essas pautas, levaram, junto com organizações e movimentos sociais, a campanha
ao espaço público e às redes sociais. Conquistaram votos como o PT fazia
antigamente antes do partido se apegar demais ao poder e se apaixonar pelo
reflexo no espelho.
O
governo reeleito sabe disso. Dilma citou isso em seu discurso de vitória.
Gilberto Carvalho, ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da
República, exaltou o papel dessa militância em entrevista a Josias de Sousa,
Mario Magalhães e a mim, no UOL, neste domingo (26). A partir de agora, como
Dilma tratará esses grupos será definidor do seu próximo mandato.
Porque
essa militância histórica que defendia bandeiras ligadas à efetivação dos direitos
humanos e os movimentos sociais foram, por vezes, ignorados ou nem mesmo
atendidos nos últimos quatro anos. Parlamentares representantes do agronegócio,
por exemplo, tomaram litros de cafezinho com bolinhos transgênicos com Dilma,
enquanto lideranças indígenas eram atendidas apenas por alguns ministros.
A
grande pergunta é: o governo dará o devido valor a esses grupos, empoderando
alas do próprio governo que já tentam pautar esses temas na agenda e atendendo
às reivindicações ou continuará levando-os em banho-maria ou ignorando-os em
nome da governabilidade – uma palavra tão vazia quanto casuísmo, oportunismo e
hipocrisia?
Menos
da metade das terras indígenas foram regularizadas e, pelo menos 30 delas,
estão com processo pronto, mofando em cima da mesa enquanto esperam a canetada
presidencial.
A
reforma agrária parou – o que vemos é um simulacro que obedece mais ao
calendário eleitoral do que a necessidade de trabalhadores rurais.
O
governo não tem conversado devidamente com comunidades tradicionais e, tendo
Belo Monte como laboratório, planeja alterar para sempre o ecossistema do rio
Tapajós com um rosário de usinas sem entender e ouvir quem mora por lá.
Ao
atender aos pedidos de movimentos sociais apenas em momentos de pressão
(pré-Copa e eleições), o governo federal evitou desenhar uma política de
moradia que não passe apenas pelo acesso ao financiamento, mas promova uma
verdadeira reforma urbana, tentando tirar da Constituição a teoria da função
social da propriedade.
Isso
sem contar a inexistência de uma política decente de promoção da diversidade e
combate à homofobia, apesar dos reiterados pedidos dos movimentos sociais.
Ou
uma fuga louca do debate quando organizações sociais põem na mesa a ampliação
dos direitos reprodutivos.
E
uma subserviência completa, para a tristeza de sindicalistas não-pelegos,
quando o assunto é responsabilizar financiadoras de campanhas, ops,
empreiteiras, pelas péssimas condições dos operários da construção civil.
Enfim,
a lista é longa.
Gilberto
Carvalho disse que o governo sabe que, a partir de 2 de janeiro, esses
militantes e esses movimentos sociais vão, com toda a justiça, cobrar a fatura
para ver essas pautas saindo do papel.
Caso
o governo resolva mudar sua postura, quer dizer que o segundo turno levou a uma
guinada à esquerda. Isso não significa acirrar os ânimos ou criar cisão. Desde
quando um governo conciliador tem que ser um governo que ignora os direitos
fundamentais? Ou que não garante serviços públicos de qualidade e não promove
uma boa reforma política? Pelo contrário, seria um governo que garanta
a todos e todas um quinhão de dignidade há muito negado. Para os que
votaram em Dilma, para os que votaram em Aécio.
Muita
gente que tem experiência em Brasília duvida disso e diz que Dilma colocará a
culpa no Parlamento, mais conservador. Mas a questão para esses movimentos e
essa militância não é o governo federal tentar e conseguir pouco e sim nem
tentar.
Mas
o ministro Gilberto está enganado. Não é a partir do início do ano que vem que
essa pressão vai acontecer. Encontrei-me, neste domingo, com Guilherme Boulos,
do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), que é a liderança do principal
movimento social deste país hoje em termos de centralidade da pauta,
mobilização e visão de atuação na minha opinião. Um movimento com uma pauta
antiga, mas que sabe se comunicar e influenciar a disputa simbólica da
narrativa, pela mídia, pelas redes sociais, de uma forma nova. Também conversei
com lideranças LGBTT e indígenas ao longo do dia de ontem.
A
pressão começa agora.
Sobre o Autor: Leonardo
Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e
o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e
conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de
Escravidão.
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