Friboi
e flexibilização da meta fiscal: o dinheiro manda e “governa”
O dinheiro manda, desmanda e “governa”. E o povo? Continua, por
ora, na caverna. A presidenta Dilma, ao prometer liberar R$ 444 milhões para os
parlamentares, conseguiu a aprovação da flexibilização da meta fiscal. Velha
política brasileira (praticada deploravelmente por todos os governantes) do
“toma lá dá cá”. A Friboi, por sua vez, que foi a maior “financiadora” das
campanhas eleitorais de 2014 (“doou” quase 400 milhões para praticamente todos
os partidos políticos; perto de R$ 70 milhões somente para a reeleição de
Dilma), não “aceitou” a indicação de Kátia Abreu para o ministério da
Agricultura. Se quem manda na vida política é o dinheiro (os donos dos meios de
produção, de comunicação e das finanças), o grupo JBS (Friboi), para a
preservação dos seus “negócios”, sente-se no direito de interferir diretamente
nos atos do governo, como é o caso da nomeação do novo ministro da Agricultura.
02. É assim que funciona o conúbio escabroso entre a política
(aqui mais escatologicamente que em outros lugares) e o dinheiro (que “coopta”
os políticos por meio do financiamento das suas campanhas ou “comprando” os
seus votos no Parlamento). Houve um tempo em que o Rei detinha (ou comandava) o
poder econômico e o poder político (ele tinha ou administrava todos os meios de
produção: terras, máquinas, fábricas etc.). A história conta que na medida em
que os endinheirados burgueses (comerciantes, industriais, fazendeiros,
seguradoras, financistas etc.) foram crescendo, o poder econômico do Rei foi
paralelamente diminuindo, até ficar reduzido à cobrança de impostos. Mas os
burgueses não tinham o poder político. No nosso entorno cultural, somente no
final do século XVIII deu-se a grande virada: os burgueses, donos do poder
econômico, assumiram também (com a Revolução Francesa, 1789) o poder político
(isso já tinha ocorrido há um século antes na Inglaterra). Cortaram o pescoço
do Rei e se afastaram e esvaziaram, ao mesmo tempo, o poder religioso
(católico). Formalmente, os burgueses dividiram o poder visível em três:
Executivo, Legislativo e Judiciário. Não abriram mão, claro, do poder econômico
(do controle dos meios de produção, de comunicação e das finanças), que é o que
comanda o poder político (seja de forma direta, quando um endinheirado assume
cargos políticos, seja de forma indireta, financiando as campanhas eleitorais
dos políticos que, dessa forma, são cooptados – abduzidos – pelo poder
econômico). É assim que funciona o poder até hoje; na realidade, sua
configuração é a seguinte: poder econômico + poder político (Executivo e
Legislativo) + Poder Jurídico.
03. A podridão (desigualdade, opressão, enriquecimento
monopólico, vantagens no mercado, pilhagem do patrimônio público por meio da
lei etc.) nascida dessa espúria união (do poder do dinheiro com o poder
político) é a marca registrada de todas as governanças que seguem a lógica do
deplorável “toma lá dá cá”, semeada sobretudo por setores pouco ortodoxos do
mundo político-empresarial, que mesmo quando fazem seus “negócios” dentro
da lei (como é o caso das doações eleitorais), sempre estão com um pé na
canalhice do crime organizado da mesma natureza (tal qual o da Petrobra$, da
Eletrobra$ etc.).
04. É neste estado lamentável que sempre esteve o Brasil. Não há
mal, devassidão, humilhação ou capciosa afronta ao qual ele não tenha se
submetido em seus cinco séculos de existência. O império da lei para todos, no
nosso país, não passa de uma enorme ilusão (uma fantasia). Em alguns momentos,
de tão desacredita e impotente, chega-se a mover o riso quando ela é invocada,
porque a fraqueza institucional entre nós é sistêmica, apesar da corrupção
endêmica e da violência epidêmica. A garantia da execução da lei no Brasil, em
geral, mais parece a uma burla, especialmente quando de um poderoso se trata.
Os recursos são canalizados para um pequeno grupo e quase tudo é feito dentro
da lei (porque não há envergonha em se utilizar o Estado de Direito também para
a pilhagem do patrimônio público – veja Ugo Mattei e Laura Nader, Pilhagem).
05. É assim que sempre se governa (na maior parte do tempo) no
Brasil e no mundo (desde que o mundo é mundo): há lideranças carismáticas,
religiosas, tradicionais (Max Weber), mas é o poder do dinheiro que
preponderantemente “guia” os políticos, que entendem bem essa linguagem (seja
quando vem das empresas, seja quando emana do próprio governo). É assim que a
ciranda financeira gira (nas barbas do povo inerte e indiferente, que a tudo
assiste e, normalmente, nada faz). Enquanto não houver uma decisiva manifestação
popular as mudanças serão sempre adiadas. Já não basta expressar indignação. O
momento é de agir, de sair para as ruas e exigir medidas concretas como
cassação de todos os políticos envolvidos comprovadamente em corrupção, fim da
reeleição no executivo e fim do político profissional no legislativo (imposição
de um limite temporal, para que não haja perpetuação no poder).
Saiba mais
06. É da nossa tradição, quando da coisa pública se trata, que
as pessoas de inteligência, de mérito e de bom tirocínio sejam deslocadas,
escanteadas e, curialmente, substituídas pelos mais espertos, pelos
aventureiros e ineptos, que se dispõem, sem peias, a servir de meras correias
de transmissão dos grandes donos do poder que os revestem de mando. Nem sequer
a Constituição
Carregando...
representa um sério
obstáculo frente à voracidade carnal, quando se sabe que tudo depende da sua
“criteriosa” interpretação. Naquilo que lhe é incontroverso, dá-se seu
cumprimento por quem não tem consciência do que faz nem do que deve fazer,
muitos assinando em cruz o que os amos do poder determinam. Tampouco de
legitimidade eleitoral se pode falar, porque aqui as eleições, desde sempre,
mais se assemelham a um assalto corriqueiro na cena diurna ou noturna das urbes
nacionais que a uma festividade cívica civilizada, representativa de uma
participação popular consciente e seletiva (seleção dos melhores). Nas ruas a
bolsa é dada sem resistência para que se possa preservar a vida do viandante
acometido subitamente pelo tresloucado ladrão. Nas eleições o que se vende aos
grandes donos do poder é a própria governança assim como a edição de leis e
atos dos seus interesses, não infrequentemente escusos, porque muitos margeiam
a canalhice deslavada do crime organizado.
07. Vamos aos detalhes dos fatos: Dilma pretende nomear como
ministra da Agricultura a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO). O Grupo JBS (Friboi),
que foi o campeão nacional em doações na campanha de 2014, quase R$ 400 milhões
(69,2 milhões somente para a reeleição de Dilma), tendo ajudado 1.705
candidatos, que receberam dele recursos de forma direta ou indireta (via
partido) (Estadão2/12/14), é contra essa nomeação. Sabe-se que quem
financia a campanha eleitoral “compra” o governo e o parlamento. Nem sempre
leva tudo, mas tenta impor (e preservar) os seus “negócios” (o JBS, a
propósito, ajudou a eleger 1 presidente, 12 senadores, 18 governadores e 190
deputados federais – Folha 2/12/14). Um “doador” desse porte tem acesso
fácil (evidentemente) aos palácios governantes. O ministro da Casa Civil,
Aloizio Mercadante, fora da agenda, recebeu um dos maiores donos do poder e do
dinheiro (Joesley Batista) (Estadão e Folha). Por que o JBS não
quer a senadora como ministra? Primeiro porque ela criticou a campanha
publicitária da Friboi (achando-a antiética, prática monopolista e marketing
enganoso).
08. Mais ainda (conforme o Estadão): o Ministério da
Agricultura faz parte dos “negócios” do reclamante. Em outubro/14 esse
ministério foi condenado na Justiça por ter beneficiado claramente citado
grupo, impondo limitação à exportação de carnes pelos Entrepostos de Carnes e
Derivados (ECDs), operados por pequenos frigoríficos (que não têm condições de
doar R$ 400 milhões numa campanha eleitoral). Menos de dois meses depois de
proibir o uso de expressões “especial” e “premium” em rótulos de carne, uma
secretaria do referido ministério descumpriu a regra para atender os interesses
do JBS (que também é um dos grandes beneficiários dos empréstimos favoráveis do
BNDES – R$ 7 bilhões recentemente). É importante sublinhar (como fazem os
doadores) que todas as “doações” eleitorais do mundo empresarial estão devidamente
declaradasao TSE. Disso ninguém pode esquecer (tudo foi declarado, nos
termos da lei). Também foi nos termos da lei que Hitler matou milhões de
pessoas durante o nazismo.
09. A ciranda do crime organizado político-empresarial (que
governa grande parte do PIB do país) é muito dinâmica (Estadão): a
senadora Kátia Abreu (assim como seu filho Irajá Abreu-PSD-TO), por seu turno,
recebeu doações da empresa Fiagril (R$ 550 mil), que está sendo investigada na Operação
Terra Prometida (da PF), que cuida de um esquema bilionário organizado
criminosamente por fazendeiros e empresários para a venda de terras destinadas
à reforma agrária (é nesse esquema que estão envolvidos, dentre outros, dois
irmãos do atual ministro da Agricultura, Neri Geller, do PMDB). A venda ilegal
de lotes nunca foi novidade. Nem tampouco a grilhagem de terras pelos mais
fortes. A novidade está na constituição
Carregando...
de uma organização
criminosa poderosa, envolvendo quase uma centena de fazendeiros, funcionários
do Incra etc. Maior cuidado devemos ter no Brasil com os grandes ladrões cuja
função pública é nos livrar dos pequenos ladrões (A arte de furtar).
(*)
Luiz Flávio Gomes é Jurista
e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto
Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a
1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674+55 11 991697674 [agenda de
palestras e entrevistas] .
Nenhum comentário:
Postar um comentário