Governo muda Previdência para economizar e não ataca origem dos problemas
Leonardo Sakamoto
O problema desse pacote é que ao tentar atacar distorções de uma relação que
envolve Gaspar e Baltazar, o governo vai criar problemas para a vida de
Melquior – que não tinha nada a ver com a história – e sem resolver as causas
do problema original.
As ações anunciadas, nesta segunda (29), atacam o problema pelo lado do
orçamento do Estado (que este se arrastando, feito zumbi sem pernas, para
fechar o ano), mas não age de forma estrutural nos elementos que criam essas
distorções. Como sempre, o governo federal, em matéria trabalhista, enxuga
gelo.
O Brasil teve uma queda contínua do desemprego nos últimos anos. Se
utilizarmos como referências os dados de outros países no momento de
aquecimento do mercado de trabalho, poderemos notar que, quando isso
acontece, há também uma redução na quantidade de solicitações de
seguro-desemprego. Mas, por aqui, esse número aumentou consideravelmente.
Boa parte dos empregos que foram e estão sendo criados são de baixa
qualidade, frágeis, envolvendo pouca qualificação profissional e organização
precária dos trabalhadores.
E, aproveitando-se disso, o sistema tem usado as regras atuais para a
concessão de benefícios a fim de ganhar com isso.
É claro que regras e procedimentos novos são necessários porque há fraude,
malandragem e até assédio ou associações espúrias entre alguns empresários
(Gaspar) e trabalhadores (Baltazar) para que a pessoa trabalhe uma parte do ano
sob registro e a outra parte sem, com o seguro-desemprego incorporado ao
salário nesse “momento informal''. Isso tira a pressão salarial da costas do
empregador e joga para a coletividade (Previdência). Esses “acordos'' ocorrem
em vários setores, como o de comércio e o de serviços.
Portanto, mais importante do que alterar essas regras e procedimentos é
mudar o coração da concepção do mercado de trabalho que é o fato gerador dessa
situação precária. E isso o governo federal não faz.
Outro exemplo, a questão do auxílio doença. O trabalho de baixa
produtividade gera intensificação e, consequentemente, aumento nas notificações
de doenças. Há, aliás, muitos trabalhadores que se protegem do ambiente de
trabalho extremamente desgastante em determinadores setores em que a moagem de
gente corre solta, como o dos frigoríficos, ficando doentes. É o escape do
corpo e da cabeça.
Quando se impõe que as empresas, como os frigoríficos, passem a pagar 30
dias e não apenas 15 do salário do trabalhador antes que o INSS arque com a
conta, como foi proposto, aposto meu ornitorrinco de pelúcia que haverá
empresas criando entraves para a concessão de afastamentos.
Ou seja, quando você cria condicionalidades em um mercado de trabalho
hostil, cria também barreiras para quem precisa realmente do benefício – como é
o caso do Melquior já citado. E o Estado, hoje, que não tem capacidade de
separar o joio do trigo, faz essa mudança e joga as incertezas sobre o
trabalhador.
Há muito atestado falso? Claro, existe um comércio louco desses documentos
em qualquer cidade brasileira. Deve-se regular melhor as condições de acesso
aos benefícios que não devem ser pensados como a Festa da Goiaba, mas
alcançáveis em determinadas situações, sob o risco de não termos caixa
para pagar todos os que precisam deles no futuro.
Contudo a “moralização'' do benefício deve vir precedida de garantias para
que uns não paguem pelos erros dos outros e nem pareça, como está parecendo,
que a única preocupação do governo Dilma é fazer caixa.
Outro caso em que a canetada presidencial afeta Melquior é o setor
sucroalcooleiro. Apesar de já operar praticamente o ano inteiro, parte das
usinas em São Paulo emprega em abril e desemprega em novembro, sob a
justificativa da safra. Há uma profunda discussão no âmbito da Justiça do
Trabalho de que as usinas deveriam manter o trabalhador contratado o ano todo,
uma vez que, todos os anos, elas fazem o mesmo procedimento com o mesmo
trabalhador. E jogam esses meses em aberto para ele viver com base no
seguro-desemprego quando, na prática, é empregado da usina há muito tempo.
Isso não é ilegal. Muito menos associação espúria para fraudar a
Previdência. Mas é um modelo de negócio em que o cofres público e o trabalhador
pagam o pato pela “sazonalidade''.
Com a mudança das regras, o sujeito que já colhe cana há anos não deve
sofrer com as mudanças, porque o terceiro pedido de seguro desemprego se mantém
com a condicionalidade de seis meses trabalhados de acordo com as novas regras.
Mas para o filho dele de 18 anos, que começa a trabalhar na próxima safra,
como é que será se a condicionalidade passou para 18 meses de trabalho?
Espero que o governo tenha uma saída para isso, porque vai afetar muita gente.
Essa situação deveria estar resolvida há tempos, mas nos furtamos a regular
determinadas relações de trabalho e, com isso, a população vai ficando sem
proteção.
A sociedade mudou, a estrutura do mercado de trabalho mudou. Não há receita
mágica para essas mudanças estruturais, que deveriam vir antes das medidas para
salvar o caixa público e o pescoço do governo. Alguns pontos que poderiam ser
um começo: melhorar a regulação do mercado de trabalho (aliás, regulação é algo
péssimo por aqui), desenvolver a qualificação profissional de forma a gerar
empregos mais sólidos, melhorar o sistema de ingresso no mercado de trabalho (o
que inclui dar efetividade ao serviço nacional de intermediação de mão de obra,
pois o que existe em boa parte do país é o bom e velho “gato'' intermediando)
e, é claro, a redução na jornada de trabalho – pleiteada pelos trabalhadores e
empurrada pelo governo com a barriga e com medo há anos
Por fim, um comentário: o novo ministro da Fazenda Joaquim Levy (fala a
verdade, se alguém te falasse isso anos atrás, você diria que é pegadinha do
Serginho Mallandro, né?), elogiou o projeto de lei que trata da terceirização e
está tramitando no Congresso Nacional. Vão ser quatro anos muitos longos…
É claro que a terceirização precisa de regras melhores no Brasil, porque
muita gente fica ao relento. Mas a aprovação da terceirização da atividade-fim
do jeito que propõe o projeto, dando a possibilidade de contratar por PJ
praticamente qualquer função de uma empresa, pode causar sérios danos à
qualidade de vida dos trabalhadores e trabalhadoras do país.
Como disse um sábio juiz do trabalho com o qual conversei, “pergunta se os
defensores desse novo projeto topam a terceirização da atividade-fim
acrescentando a garantia de contrato coletivo de âmbito nacional para manter a
responsabilidade do setor econômico para os subcontratados. E sai de perto para
não apanhar''.
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