Prometendo modernizar
lei, terceirização no México consagrou precarização, diz especialista
Atualmente, 16% dos mexicanos trabalham como terceirizados,
número dobrou em relação à 2004; professora Graciela Bensúsan considera cenário
“irreversível”
Por Vanessa Martina Silva, do Opera Mundi
Um
banco inteiro operando sem nenhum funcionário. Foi desta maneira que o espanhol
Bancomer (Banco do Comércio) levou a terceirização às últimas consequências em
sua operação no México na década passada. Contra práticas semelhantes, o país
realizou, em 2012, uma reforma da Lei Federal do Trabalho, regulamentando no
país a “subcontratação”, nome pelo qual a terceirização é conhecido. Por outro
lado, na avaliação da especialista em direitos trabalhistas mexicanos e
professora da UAM-X (Universidade Autônoma Metropolitana campus Xochimilco)
Graciela Bensúsan, a lei “aumentou a oferta de empregos precários”.
De
acordo com dados oficiais, 16% da população economicamente ativa no México
(8,32 milhões de pessoas) trabalham neste esquema de subcontratação precarizada.
O número representa quase o dobro do que era verificado em 2004, quando, antes
da reforma na legislação trabalhista, apenas 8,6% adotavam o regime. Além
disso, 60% dos trabalhadores do país têm emprego informal, sem carteira
assinada.
Para
Bensúsan, no entanto, é difícil avaliar o impacto real da legislação porque o
“México é um país onde as leis trabalhistas não são cumpridas. O fato de fazer
uma reforma não implica de nenhum modo que haja mecanismo para o cumprimento e
melhoria da prática trabalhista no país”.
Bancomer
O caso
do Bancomer é o mais emblemático com relação à precarização no país. Em 2006, o
banco criou uma operadora para a qual transferiu a totalidade de seus
funcionários, passando a funcionar como se não tivesse funcionário algum.
Desta
forma, se eximiu das responsabilidades trabalhistas com os funcionários e do
pagamento das “utilidades” — bônus similar à PLR (Participação nos Lucros e
Resultados) brasileira. A partir do “sucesso” obtido pela instituição, diversos
outros bancos e empresas, como o Walmart, passaram a adotar a prática.
Apenas
em 2012, após um trabalhador demitido ter acionado a empresa na Justiça, o
Bancomer teve que reconhecer que era o patrão. O funcionário, então, obteve na
Justiça a integralidade de seus direitos trabalhistas, e o caso criou
jurisprudência.
Ambiguidade da lei
As
mudanças foram feitas para evitar que episódios semelhantes ocorressem, já que
a lei define que nenhuma empresa pode transferir todos os funcionários a uma
contratista. Mas, “a lei não é específica: posso transferir todas as
atividades e ficar só com trabalhador? O texto não responde isso”, aponta
Bensúsan.
“Esta
lei é própria de um regime autoritário, onde se deixa as coisas muito ambíguas,
dando margem a interpretações discricionárias. Ou seja, não tem quem possa
fazer com que ela seja cumprida”, aponta a professora, lembrando que no México
as instituições sindicais não têm força e vivem contexto de “debilidade”.
Realidade
Apesar
de criticar a precarização do mundo do trabalho, a pesquisadora considera que a
terceirização é uma realidade em todo o mundo. “Não se pode deter esse fenômeno
com nenhuma lei”, opina.
Em sua
visão, deixar de regulamentar não vai, por si só, defender o direito dos
trabalhadores diretos. “Penso que o problema fundamental está em
fortalecer os sindicatos e as estruturas setoriais dos sindicatos”,
ressalta.
Neste
sentido, Bensúsan disse lamentar que o Brasil não tenha avançado mais no
fortalecimento dos sindicatos durante os governos de Luiz Inácio Lula da
Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff. “Creio que isso é fundamental para frear
esse sentido perverso da terceirização, que fragmenta o espaço de
trabalho de tal forma que é muito difícil a sindicalização”, afirma a
especialista.
Sindicalização
Mesmo
considerando irreversível, Bensúsan considera que a terceirização tem impacto
menor em países como o Uruguai, que negocia salários “por meio de sindicatos
que representam todos os trabalhadores do setor”. No país sul-americano,
os conselhos nacionais de salário “evitam os efeitos perversos da
terceirização para reduzir custos trabalhistas”, aponta Bensúsan.
No
México, onde apenas 8.8% da população economicamente ativa é
sindicalizada, a reforma na lei não alterou em nada as regras da
sindicalização, mas em um cenário de deterioração da qualidade do emprego e no
qual a rotatividade trabalhista aumenta a dispersão dos trabalhadores, “é mais
difícil organizar o trabalhador”.
Na
prática, a precarização do trabalho atinge principalmente os setores para
vulneráveis da sociedade, como mulheres, jovens, indígenas e camponeses,
conclui Bensúsan.
(Foto:
Flickr/ CC/Jesús
Villaseca Pérez)
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