Uma falsa polarização
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Silvio Caccia Bava
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Há
intelectuais que querem nos fazer crer que estamos vivendo no Brasil uma
polarização de posições políticas entre esquerda e direita, entre neoliberais
e bolivarianos, entre uma classe média “coxinha” e os trabalhadores, e por aí
vai. De quebra assistimos à condenação do governo federal e do PT como
corruptos. Isso é o que vemos na superfície e que gera uma insatisfação
geral.
O que não está visível são os principais atores que impulsionam essa
polarização e seus objetivos. Um primeiro passo para entendermos essa
situação é olhar para o lucro das grandes empresas e bancos. As empresas que
têm ações na Bovespa, que são as maiores, tiveram aumento de seu lucro da
ordem de 46% em 2014, se comparado ao lucro de 2013. E os bancos, algo entre
26% (Itaú) e 30% (Safra). Isso numa economia em que o crescimento do PIB de
2014 ficou próximo de zero. Como se opera esse milagre? Essa rentabilidade
depende muito da taxa Selic, que remunera a dívida pública, e das taxas
cobradas pela intermediação financeira sobre empréstimos e financiamentos
pelos bancos.
O governo federal, adotando políticas contracíclicas para garantir o
dinamismo da economia brasileira diante da crise internacional, em 2009
reduziu a taxa Selic; em 2010 sofreu pressões para aumentá-la novamente; em
2011 retomou a política de baixar os juros. Como consequência, 2014
apresentou o menor superávit primário desde 1999, ou seja, a menor
remuneração para os rentistas. O setor rentista também se sentiu ameaçado com
a ação dos bancos públicos – Caixa e BNDES, especialmente –, que aumentaram o
crédito, baixaram os juros e ganharam mercado. Os bancos públicos, de 35% do
mercado que detinham em 2009, chegam a 55% em 2015. O congelamento dos preços
da gasolina e da eletricidade tem o mesmo sentido, de preservar a capacidade
de compra das pessoas e manter o dinamismo do mercado interno, e também
contrariou interesses das empresas concessionárias.
Como consequência dessas políticas, o grande empresariado e o setor
financeiro se uniram contra a redução da rentabilidade do rentismo, contra as
políticas anticíclicas, contra o governo Dilma. Isso se expressou nas
eleições de 2014 e nas tentativas de desestabilização política que continuam
até hoje.
A estratégia defendida pelos governos do PT, de promover um impacto
“keynesiano” de estímulo da economia pelo lado da demanda, de preservação do
emprego, pode ser observada na distribuição entre renda do trabalho
(salários, pensões, aposentadorias) e renda do capital (lucros, juros,
aluguéis e renda da terra) nas contas nacionais. A participação da renda do
trabalho no PIB era de 35% em 2003; em 2013, foi de 47%. O rentismo disputa a
retomada de parcela maior da renda nacional, travando, com isso, o impacto
esperado das políticas contracíclicas e o desenvolvimento do país.
Pesquisas
recentes mostram uma classe média tradicional assustada com o cenário
econômico, com medo do desemprego, com medo de uma perda maior de poder
aquisitivo, coisa que já estão sentindo. Há muito tempo não se via esse medo
voltar. É essa insatisfação que é trabalhada pela grande imprensa escrita e
televisiva, e mesmo internacional, para direcioná-la contra o governo e até
para criar a pressão “fora Dilma”. Não importa que a crise seja internacional
e que seja de fato necessário equilibrar as contas do país. Importa que o
ajuste não toque nos mais ricos e a corrupção passe a ser a explicação da
situação atual.
Essa estratégia de focar a corrupção para promover o desgaste do
governo está trazendo resultados inesperados, pois atinge o sistema político
como um todo. As ações do Ministério Público implicam também os presidentes
do Senado e da Câmara dos Deputados, Aécio Neves, todos os partidos e outras
personalidades denuncistas da oposição.
É com
base nas denúncias contra a corrupção que a oposição quer mobilizar a
população contra o governo, e tem conseguido bons resultados. Mas a classe
média que foi para as ruas é um setor muito desinformado. Até uma simples
pergunta de quem assumiria a Presidência num eventual impedimento de Dilma
fica sem resposta para a maioria dos manifestantes. Apenas 27% defendem “fora
Dilma”. Eles estão na rua para defender o que entendem por seus direitos num
cenário econômico recessivo, o que guarda semelhança com as demandas
apresentadas pelas centrais sindicais em outra recente manifestação de peso.
Também
é importante lembrar que 37 milhões de brasileiros votaram branco ou nulo nas
últimas eleições, ou seja, não se posicionaram em relação às opções
eleitorais disponíveis. Isso não significa que não tenham opiniões, mas que
não se sentem representados ou não valorizam mais este sistema político.
Temos de lembrar também o rechaço aos partidos políticos, seja nas
manifestações de junho de 2013, seja nas de 15 de março deste ano. Quando
políticos quiseram se manifestar, ouviram da população nas ruas um veto:
gritava-se “sem partido, sem partido”. É o próprio sistema político que está
em xeque, e não este ou aquele partido. É uma oportunidade interessante
enfrentar essa falsa polarização, promovendo um trabalho de esclarecimento
público sobre os verdadeiros agentes e interesses que apostam na
desestabilização do governo. Se ao lado desses esclarecimentos surgir um
forte movimento de defesa dos direitos sociais, também buscando mobilizar a
classe média, então o jogo pode mudar e a reforma política por uma
Constituinte independente pode se tornar uma bandeira de muitos, de uma ampla
aliança da cidadania com capacidade para mudar a correlação de forças.
Diretas Já! foi assim.
Silvio Caccia Bava
Diretor
e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil
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quinta-feira, 16 de abril de 2015
CIDADANIA & CORRELAÇÃO DE FORÇAS: Uma falsa polarização
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