Vozes críticas à posição alemã predominam, apesar de algumas dissonâncias.
E o "New York Times" afirma que a Alemanha esqueceu a lição do
passado, quando ela mesma foi beneficiada por um corte de dívidas.
Premiê Alexis
Tsipras e Merkel durante um dos encontros para tentar solucionar o problema do
endividamento grego
"Merkel
está fazendo da Grécia um Estado pária?", indaga com uma nitidez
provocante a revista Newsweek. E a emissora CNBC prognostica: "A
Alemanha é quem vai sair perdendo, não a Grécia". A rede de TV complementa
a sua previsão sombria com uma declaração recente do Prêmio Nobel de Economia
Joseph E. Stiglitz: "A Alemanha é o problema, não a Grécia".
As vozes
críticas à Alemanha na mídia dos EUA elevaram cada vez mais o tom no decurso da
crise grega. "Poder alemão polariza a Europa" é o título de um artigo
do influente Wall Street Journal desta terça-feira, no qual o político
espanhol Pablo Iglesias, crítico da austeridade econômica, é citado com a
frase: "Não queremos nos tornar uma colônia alemã".
"Estanquem
o sangramento!", escreve Paul Krugman
E Paul
Krugman, importante colunista de esquerda do New York Times, exigiu
dramaticamente em um comentário: "Estanquem o sangramento!" Krugman
compara a chanceler federal Angela Merkel e os chefes de governo europeus com
médicos medievais que aplicam a sangria como tratamento ao paciente Grécia.
Mas, em vez de curar a enfermidade, o doente fica cada vez mais lânguido.
No mundo
financeiro também se escuta opiniões semelhantes. No blog de finanças Zero
Hedge, que analisa os desenvolvimentos da Bolsa de Valores, Merkel é
associada ao Tratado de Versalhes. De acordo com o blog, o que importa é a
hegemonia alemã.
Bode
expiatório e cordeirinho inocente
A mídia
americana está sendo tomada por uma onda de ressentimentos contra os alemães?
Merkel seria para a mídia um bode expiatório e a Grécia, um cordeirinho
inocente? O analista econômico americano e especialista em assuntos europeus
Jacob Kirkegaard vê a situação de outra forma. Ele concorda que articulistas de
esquerda, como Joseph Stiglitz ou Paul Krugmam, defendem uma posição muito
antialemã. Mas, para eles, a Grécia seria somente uma "batalha
representativa" no debate interno em torno da política econômica correta,
na qual ambos defendem o aumento do consumo e da demanda.
Kirkegaard
diz que as opiniões sobre a Grécia miram a política econômica interna
Kirkegaard
lembra que há outras opiniões. Uma das mais proeminentes é a de Charles
Krauthammer, colunista do Washington Post e convidado assíduo da
conservadora Fox News. "A Grécia mama nos seios da Alemanha" é uma
frase dele. Para Krauthammer, os gregos se comportam como jovens mimados, que
não param de sacar dinheiro com o cartão de crédito do papai, mas somente para
comprar coisas banais, sem investir no futuro.
O próprio Washington
Post argumenta de forma mais equilibrada. Embora ele também constate que a
Alemanha seria "parcialmente responsável" pela crise da Grécia, o
jornal admite em opinião escrita pelo venerável conselho editorial: "A
Alemanha pode alegar com razão que, devido à Grécia, aceitou correr altos
riscos financeiros". Além disso, os alemães estariam certos com a análise
de que a economia grega estaria "profundamente desajustada" e
precisaria reformas direcionadas para o crescimento, acrescenta o jornal.
Interesses
estratégicos de Obama
O presidente
Barack Obama falou recentemente por telefone com Merkel sobre a crise da
Grécia. Em declarações oficiais, ele se abstém de críticas. O secretário do
Tesouro, Jack Lew, foi bem mais claro ao defender, nesta quarta-feira, um corte
na dívida da Grécia. Para Obama, o que importa é que, no final, a Grécia
continue na zona do euro e que a sua adesão à União Europeia e à Otan não seja
questionada.
Nesse ponto,
ele está de olho principalmente na Rússia e nos interesses estratégicos dos
americanos. Segundo Kirkegaard, causa um certo estranhamento, em Washington,
que Merkel e os europeus ainda não tenham conseguido resolver a crise. Enquanto
o presidente Obama saúda a liderança alemã na Europa, de acordo com Kirkegaard,
existe outra facção em Washington. "Nos EUA, alguns estão insatisfeitos
com a posição dominante da Alemanha na Europa, porque eles preferem uma Europa
fraca e dividida", disse o especialista em assuntos europeus. Mas essa
seria uma visão muito antiga e que não reflete o pensamento da elite política e
econômica.
Delegação
alemã durante o acordo de reestruturação da dívida em 1953
O dilema de
Merkel
Muitos órgãos
da mídia americana apontam que, embora Merkel seja a chefe de governo mais
poderosa da Europa, ela se encontra atualmente num dilema: por um lado, ela tem
de manter a coesão da União Europeia e também a viabilidade do projeto europeu,
mas, por outro, ela não tem mais como "vender" ao seu partido e aos
alemães a ideia de novas concessões financeiras para a Grécia. Regularmente, os
jornais americanos divulgam pesquisas de opinião, segundo as quais somente 10%
dos alemães apoiam novas concessões à Grécia.
Para explicar
essa posição aos seus leitores, o Washington Post afirma que os alemães
respeitam regras e acordos. Num país em que culpa (Schuld) e dívidas (Schulden)
são praticamente a mesma palavra, o endividamento dos gregos é visto quase como
um imperdoável sacrilégio, constata a renomada publicação. Segundo essa
interpretação da psiquê alemã, isso explicaria a dificuldade de Merkel e seus
compatriotas em aceitar o corte da dívida, exigido também pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI).
É justamente
nesse ponto em que o New York Times insiste e afirma que, na luta em
torno de um perdão de dívida, a Alemanha esqueceu a sua lição. Embaixo de uma
foto datada de 1953, que mostra a delegação alemã sob o comando do banqueiro
Hermann Josef Abs assinando um acordo de reestruturação da dívida em Londres,
encontra-se um comentário malicioso: "O principal credor a exigir dos
gregos que paguem pelos desperdícios do passado se beneficiou, nem tanto tempo
atrás, de condições mais suaves do que as que está disposto a oferecer".
Com uma
canetada, afirma o jornal, a dívida alemã foi reduzida pela metade. E a
publicação também não se esqueceu de comentar que, entre os generosos credores,
estava um país que se encontra hoje no fogo cruzado da crítica alemã: a Grécia.
Ultimato para Grécia
Reunidos em Bruxelas, os líderes do Eurogrupo consideraram a possibilidade
de saída temporária da Grécia da zona do euro, caso Atenas não atenda as
exigências para a liberação de um novo empréstimo. O Parlamento grego tem até
quarta-feira aprovar uma lei que garanta a implementação das medidas de
austeridade propostas pelos credores internacionais. (12/07)
Nenhum comentário:
Postar um comentário