domingo, 23 de agosto de 2015

Lei do Impeachment foi acriada no ano de 1950, de forma ampla, mas imprecisa e a história marca a exceção de sua aplicação, no Brasil e nos EUA







FOLHA DE SP

Criada em 1950, lei sobre impedimento é ampla e imprecisa


Razões para o Impeachment
Lei que tipifica o impeachment lista 65 crimes de responsabilidade que podem ser cometidos por presidentes da República, mas os dispositivos muitas vezes são vagos e não significam nada
HÉLIO SCHWARTSMANCOLUNISTA DA FOLHAGUSTAVO PATUDE BRASÍLIA
O impeachment (impugnação) é uma espécie de artefato nuclear da política. Ele está lá, mas raramente é utilizado. No Brasil, há apenas um caso registrado no plano federal, o de Fernando Collor de Mello, afastado em 1992.
Nos EUA, cuja tradição democrática é mais longa, remontando a 1789, o instituto foi iniciado formalmente 62 vezes no plano federal, apenas duas contra presidentes –Andrew Johnson (1868) e Bill Clinton (1999)–, ambos condenados pela Câmara, mas inocentados no Senado.
Richard Nixon renunciou em 1974 antes que a Câmara pudesse votar seu afastamento. As principais vítimas do procedimento nos EUA são juízes. Dos 19 pedidos que chegaram a ser julgados, 15 foram contra magistrados.
Sendo um evento raro, é natural que não receba muita atenção de legisladores. No Brasil, o impeachment está previsto nos artigos 85 e 86 da Constituição, mas, como a lei especial exigida pela Carta nunca foi aprovada, segue em vigor a lei nº 1.079, que data de 1950.
A 1.079 é uma lei anormalmente ruim, mesmo para os padrões brasileiros. Para começar, ela define como crime de responsabilidade todos os "atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal" (art. 4º), abrindo flanco para todo tipo de extravagância.
Nos artigos e capítulos subsequentes, ela pretende ser mais específica, mencionando explicitamente 65 crimes de responsabilidade que podem ser cometidos por presidentes. Por vezes consegue reunir num só artigo uma tipificação que faz sentido com uma redação que atenda aos requisitos da boa técnica legislativa, mas muitas vezes não.
Dispositivos que não significam nada abundam. O campeão é o célebre "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo" (art. 9º, 7 - item 44 do resumo ao lado). Ganha uma comenda presidencial de mérito quem for capaz de definir objetivamente e sem margem a disputa o que significa "dignidade", "honra" e "decoro".
A frouxidão nas tipificações se alastra por todo o diploma. Um dos mais vazios é: "negligenciar a arrecadação das rendas, impostos e taxas" (art. 11, 5 - item 61). Que diabos significa "negligenciar" aqui?
Por vezes, o defeito não está na redação, mas no conteúdo da norma, que exige da autoridade coisas que não estão sob seu controle: "permitir, de forma expressa ou tácita, a infração de lei federal de ordem pública" (art. 8º, 7 - item 36).
Mais controverso é o art. 7º, 9 (item 28), que torna crime "violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no artigo 157 da Constituição". Como o dispositivo faz referência à aposentada Carta de 1946, não é certo que ele ainda vigore.
Mas, como a Constituição de 88 também tem capítulos dedicados a direitos individuais e sociais, não dá para afirmar peremptoriamente que não. E entre os direitos sociais elencados na atual Carta, vale lembrar, estão normas programáticas, como a de que o salário mínimo deve ser suficiente para "moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social", que não se tornarão realidade tão cedo.
É claro que, mesmo num julgamento político, como é o impeachment, uma acusação juridicamente bem fundamentada, baseada em tipificações mais precisas, ajuda. Não é por outra razão que, no momento, a parte da oposição disposta a afastar a presidente se concentra na parte econômica da 1.079, que traz alguns dispositivos que servem para questionar as pedaladas fiscais.
Trata-se dos art. 10, 6 (item 50), que veda "ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal" e do 11, 2 e 3 (itens 58 e 59), que proíbem "abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais" e "contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal".
Estratégias políticas à parte, a verdade é que a 1.079 é tão ampla e tão vaga que todos os que se sentaram na cadeira presidencial desde 1950 poderiam ser acusados de violar algum de seus mandamentos. E apenas um dos mandatários sofreu de fato o impeachment. Não por acaso ele enfrentava uma explosiva combinação de crise política com ruína econômica.
Uma hipótese para explicar o fenômeno é considerar que as indeterminações da 1.079 não sejam um acidente parlamentar, mas o resultado de um caso pensado. Isso faz mais sentido se olharmos de perto para a evolução do instituto do impeachment, que tem uma história recheada de ambiguidades.
Ele surgiu na Inglaterra medieval como um procedimento penal que permitia atingir autoridades. Como em caso de impeachment elas eram julgadas pelo Parlamento, e não pelas cortes, controladas pela Coroa, havia uma chance de os amigos do rei serem condenados.
À medida, porém, que as instituições foram se tornando melhores e mais impessoais, esse mecanismo foi perdendo o sentido. Foi usado esporadicamente na Inglaterra em algumas intrigas palacianas. Os americanos, porém, decidiram reavivá-lo no final do século 18, adaptando-o para o sistema presidencialista. Deixaram bem claro, em primeiro lugar, que ele se aplicava também ""e talvez principalmente– ao presidente.
A Constitução (art. 2, 4) reza: "O Presidente, o Vice-Presidente, e todos os funcionários civis dos Estados Unidos serão afastados de suas funções quando indiciados e condenados por traição, suborno, ou outros crimes de responsabilidade e contravenções ("high crimes and misdemeanors")". É uma expressão curiosa, que abarca dos piores crimes a pequenos delitos.
Nos debates constitucionais travados à época fica mais ou menos claro que o impeachment à americana era menos um procedimento penal e mais um mecanismo político de o país poder destituir certos mandatários. Benjamin Franklin chegou a afirmar que, historicamente, a maneira pela qual as pessoas se livravam de líderes detestáveis era o assassinato.
O impeachment seria, portanto, uma alternativa mais civilizada. George Mason chegou a defender que a "má administração" figurasse entre as razões para o impeachment, mas a posição mais conservadora, liderada por James Madison, acabou triunfando.
De qualquer maneira, os Pais Fundadores pareciam acreditar que a necessidade de o impeachment ser aprovado primeiro pela Câmara e, depois, pelo Senado, aí por maioria de 2/3, funcionava como contrapeso eficaz à imprecisão dos delitos que podem motivar o pedido de afastamento. O pequeno número de autoridades efetivamente julgadas e condenadas ao longo dos últimos dois séculos ""oito–parece dar razão a eles.
O Brasil, quando se tornou uma República, basicamente reproduziu o instituto do impeachment reinventado pelos americanos. A 1.079 é uma versão longa e burocratizada da expressão "high crimes and misdemeanors" que figura na Constituição dos EUA.



Não há motivos para tirar Dilma do cargo, diz Setubal
Para presidente do Itaú Unibanco, saída da presidente traria instabilidade
Banqueiro diz que pedaladas, embora graves, não justificam impeachment, e é preciso discutir o país
DAVID FRIEDLANDERDE SÃO PAULO
Uma das vozes mais influentes do empresariado brasileiro, o banqueiro Roberto Setubal faz uma defesa contundente da permanência da presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. Impeachment por corrupção, "pelo que vi até agora, não tem cabimento", afirma o presidente do Itaú Unibanco.
"Pelo contrário, o que a gente vê é que Dilma permitiu uma investigação total sobre o tema." Outro argumento usado pela oposição, as manobras para melhorar as contas do governo (pedaladas fiscais), podem "merecer punição", mas não são "motivo para tirar a presidente", segundo o banqueiro.
Maior banco privado do país, o Itaú foi fortemente hostilizado pelo PT na campanha presidencial de 2014.
Na visão de Setubal, tirar a presidente do poder agora "criaria uma instabilidade ruim para nossa democracia". Na semana passada, entidades do setor econômico fizeram manifestações públicas pela estabilidade do país.
A seguir, trechos da entrevista à Folha na sexta (21).
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Folha - A presidente Dilma está sofrendo ameaça de um processo de impeachment, pressão por sua renúncia e manifestações de rua contra seu governo. O sr. vê motivos para tirá-la do Planalto?
Roberto Setubal - Nada do que vi ou ouvi até agora me faz achar que há condições para um impeachment. Por corrupção, até aqui, não tem cabimento. Não há nenhum sinal de envolvimento dela com esquemas de corrupção.
Pelo contrário, o que a gente vê é que Dilma permitiu uma investigação total sobre o tema [corrupção na Petrobras]. Era difícil imaginar no Brasil uma investigação com tanta independência. A Dilma tem crédito nisso.
E as pedaladas fiscais?
Isso é grave e pode merecer algum tipo de punição. Mas não me parece ser motivo para tirar a presidente. Até porque presidentes anteriores a ela passaram por situações semelhantes. Seria um artificialismo querer tirar a presidente neste momento. Criaria uma instabilidade ruim para nossa democracia.
Empresários dizem que, se o vice Michel Temer entrasse no lugar de Dilma, o país teria mais chance de sair da crise...
Não se pode tirar um presidente do cargo porque ele momentaneamente está impopular. É preciso respeitar as regras do jogo, precisa respeitar a Constituição. Eu sou a favor da Constituição.
Como avalia o comportamento da oposição nessa crise?
Não vou falar especificamente da oposição. Mas o que está faltando é discutir o país. Há uma grande discussão sobre poder e pouca discussão sobre o país. Precisamos debater quais as reformas necessárias para que o país possa se recuperar. Só estou vendo muita discussão de poder pelo poder.
Os empresários saudaram Joaquim Levy [Fazenda] como ideal para tirar o país da crise econômica. Por que ele não está dando certo?
Ele está fazendo as coisas certas, mas os efeitos positivos ainda não vieram. Vai muito além da capacidade de um ministro, sozinho, resolver os problemas do país. Ele precisa de apoio político tanto da presidente como do Congresso.
O governo usou bancos públicos novamente para salvar a economia, política já criticada por Levy. Não é um sinal de que o ministro está fraco?
Não vejo isso como uma direção do governo –se ficar nisso, claro. Acho uma medida pontual, sem muito impacto na economia.

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