Por que algumas fotos comovem mais do que outras?
Leonardo Sakamoto
A
foto do menininho sírio, afogado e morto em uma praia da Turquia, foi
transformada em símbolo da crise humanitária que envolve diretamente
três continentes pelo que ela tem de comum e não de especial: poderia
ser o filho de qualquer um com suas roupas e seu corte de cabelo comuns.
Mais do que isso: de bruços e com a face voltada para a areia, ele não
tinha um rosto. E, portanto, representava os rostos de muitas crianças.
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Uma
foto como essa, lançada em meio à necessidade de chamar atenção a um
tema, com forte carga simbólica da desgraça que está em curso e entregue
à sociedade de forma incompleta (sem rosto) para ser preenchida pelos
que a consumirem com fragmentos de seus próprio registros pessoais são
raras. E, por isso, não podem ser desperdiçadas. Devem ser usadas para
chocar, mobilizar, agir.
Enquanto
isso, fotos envolvendo crianças em situações tristes são muitas e
circulam no dia a dia em todo o mundo. Algumas ganham destaque, por
conta dos elementos que comentei acima ou quando governos decidem
transforma-las em peças publicitárias. Outras, não. Da mesma forma, o
desaparecimento de Amarildo, no Rio de Janeiro, se tornou simbólico pelo
contexto em que aconteceu, logo após as grandes manifestações de 2013,
que também reclamaram da violência policial. Mesmo que ele tenha sido
apenas um diante de tantos desaparecimentos que são colocados na conta
da polícia.
Soldado turco olha corpo de menino sírio, morto na tentativa de travessia para a Grécia (Fotos: Nilufer Demir/Reuters)
Se a
criança fosse negra, teria tido o mesmo impacto? Fotos com meninos e
meninas em pobreza extrema na África já circularam o mundo e foram
fundamentais para a conscientização da população e para a tomada de
certas ações. Mas caíram no esquecimento, da mesma forma que a imagem do
menino na praia também vai cair.
Neste
caso em especial, o fato da cor de pele do rapaz ser a mesma da maioria
da Europa contribui com o processo de empatia local. Após ela ganhar o
mundo, o governo inglês aceitou receber uma parte dos refugiados.
A questão étnica, claro, é um dos elementos do reconhecimento do outro
como um igual, mas não o único.
Há
fotos de crianças trabalhando em bordeis no Brasil, sendo escravizadas
na produção de tapetes no Paquistão ou tornadas soldados-mirins por
grupos paramilitares em Gana. Tiveram maior ou menos apelo e capacidade
de mobilização dependendo do quanto geram empatia com a população e a
elite local ou global, de quem as chancela e as distribui e do momento
em que ganham o mundo. Pois, a meu ver, para poderem “surfar'' e atingir
mais gente, precisam surgir como “argumentos de comprovação
de denúncia'' e não como “propostas de pauta em si''.
A
indignação por uma problema social nunca exclui a indignação por outro e
jogar para baixo do tapete os incômodos que também dizem respeito a
todos nós não fazem eles desaparecerem. Sei que não é fácil criar as
condições para que algo desperte compaixão e, de lá, ação. Mas se não
puder ser pela emoção, que nos dediquemos ao outro pela lógica e a
razão.
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