Banco paga
palestras de juízes do trabalho que julgam seus processos
RICARDO
MENDONÇA
EDITOR-ADJUNTO DE PODER
ALEXANDRE ARAGÃO
DE SÃO PAULO
Quatro
ministros do TST (Tribunal Superior do Trabalho) receberam pagamentos do
Bradesco para proferir palestras no banco desde 2013, mas não se declaram
impedidos de julgar processos que têm o banco como parte.
O
mais frequente é o atual corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ministro João
Batista Brito Pereira, que, em dois anos e meio, recebeu R$ 161,8 mil do banco
por uma sequência de 12 palestras.
O
site do TST informa que Brito Pereira relata hoje dez processos envolvendo o
Bradesco no tribunal, a mais alta instância da Justiça trabalhista. Ele também
atua em casos de interesse do banco sem ser relator, mas o site não informa
esse total. Em seu histórico, já tomou decisões favoráveis e contrárias à
instituição.
Os
outros três magistrados que receberam do Bradesco são o presidente do TST,
Antonio José de Barros Levenhagen, que ganhou R$ 12 mil por uma palestra e
aparece como relator de seis casos; Guilherme Augusto Caputo Bastos, R$ 72 mil
por seis palestras, 170 ações relatadas; e Márcio Eurico Vitral Amaro, que
relata 152 processos, mas não informa quanto recebeu.
Os
dados sobre as palestras e os pagamentos foram fornecidos pelos próprios
magistrados em resposta a um pedido da Folha com base na Lei de Acesso a
Informações.
Nesses
eventos, os ministros trataram de temas como dano moral, terceirização e novas
súmulas, entre outros. Eles sustentam que não há conflito de interesse em jogo
e que os serviços prestados ao banco não interferem nos julgamentos.
A
reportagem perguntou ao Bradesco quanto investe em palestras de magistrados e
se membros de outras cortes também costumam ser contratados, mas o banco não
respondeu. Afirmou apenas que proporciona "meios de atualização
profissional aos seus colaboradores" e que esses meios "envolvem
contratações de profissionais, conforme área de interesse".
REGRA
A
Lei Orgânica da Magistratura, norma que define regras para a organização dos
tribunais e o trabalho dos juízes, tem um artigo que permite o "exercício
de cargo de magistério superior, público ou particular". Mas não cita a
hipótese de palestras fora de estabelecimentos de ensino.
O
CNJ (Conselho Nacional de Justiça) já produziu resolução sobre patrocínio de
empresas privadas em eventos da magistratura. Mas nunca abordou a questão
específica de palestras remuneradas.
Em
relação ao impedimento no instante de julgar, a legislação também é omissa.
Entre
as regras do Código de Processo Civil que determinam o impedimento da atuação
do juiz numa ação estão as situações em que o magistrado, seu cônjuge ou
parente é parte do processo.
A
mesma norma diz que o juiz pode declarar a própria suspeição quando sente que
há algum conflito ético. Mas é uma decisão de foro íntimo, que depende da
convicção do próprio magistrado.
PROCEDIMENTO
Dos
27 ministros do TST, 24 responderam ao questionário da Folha que pedia a
lista de palestras ministradas desde 2013 com data, local, contratante e
remuneração bruta.
O
maior grupo é o de oito ministros que nada cobraram por palestras. Entre eles
estão Ives Gandra da Silva Martins Filho, que disse ter feito 17 palestras, e
Kátia Magalhães Arruda, que listou 15 eventos.
Quatro
ministros afirmaram que não deram nenhuma palestra desde 2013. E outros oito
declararam remuneração em ao menos uma, mas na maioria desses casos foram
eventos para faculdades, associações ou órgãos do próprio Judiciário. A maioria
recebendo entre R$ 1.000 e R$ 2.000 por evento.
Os
exemplos de empresas privadas que remuneraram ministros por palestras são
minoria. Além do Bradesco, há uma firma de engenharia chamada LGF e o Grupo
Libra, que administra concessões no setor portuário.
Nesses
casos, porém, a Folha não identificou ações no tribunal. Na lista de
contratantes também há entidades sindicais de patrões e de empregados. Caputo
Bastos, por exemplo, diz ter recebido R$ 10 mil por uma palestra na Fecomércio
(Federação do Comércio de São Paulo) e outros R$ 10 mil para falar à Federação
da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso.
A
Firjan (Federação da Indústria do Rio) investiu R$ 15 mil para ouvir
Levenhagen. E o ministro Douglas Alencar Rodrigues diz ter recebido R$ 15 mil
da Força Sindical do Paraná e outros R$ 15 mil da confederação de metalúrgicos,
ligada à Força Sindical.
Três
ministros não informaram os contratantes de suas palestras: Aloysio Corrêa da
Veiga, Cláudio Mascarenhas Brandão e João Oreste Dalazen. Só disseram que esses
rendimentos foram declarados no Imposto de Renda.
Magistrados palestrantes
TRANSPARÊNCIA
O
TST foi mais transparente que o STF (Supremo Tribunal Federal) e o STJ
(Superior Tribunal de Justiça) diante dos pedidos da Folha sobre
palestras de seus membros.
Dos
dez ministros do STF à época, só Celso de Mello respondeu, dizendo que não deu
palestras. Dias Toffoli deu resposta incompleta. A Folha reiterou os
pedidos. Rosa Weber afirmou não ter dado palestras; Luís Barroso disse que isso
constitui atividade particular. Os outros sete ignoraram.
O
STJ reuniu os pedidos feitos aos 33 gabinetes, disse que não tem os dados
organizados e não é obrigado a produzi-los.
OUTRO LADO
Os
ministros do TST que receberam do Bradesco para proferir palestras dizem que,
nos eventos, jamais trataram de aspectos específicos das ações envolvendo o
banco.
"As
palestras não retiram minha isenção [...] Foram de temas genéricos e não
ensejaram discussão sobre caso específico", disse João Batista Brito
Pereira. A remuneração, afirmou, foi definida pelo banco sem sua interferência.
Antonio
Joséde Barros Levenhagen disse que não se deu por impedido de apreciar recursos
de agravo de instrumento que tem o Bradesco como parte pois, em sua palestra,
não tratou "de nenhum caso concreto de interesse do contratante":
"A única palestra que proferi para advogados do grupo Bradesco enfocou,
apenas, tema teórico relacionado à contemporaneidade do Direito do
Trabalho".
Guilherme
Augusto Caputo Bastos disse que não se declara impedido porque o caso "não
estaria enquadrado em nenhuma das hipóteses [de impedimento] tratadas no CPC
[Código de Processo Civil]". Ele ressalta: "Nunca mereci de nenhum
demandante contra o Bradesco a arguição da pecha de impedido ou suspeito para
atuar no caso".
Márcio
Eurico Vitral Amaro disse ter a consciência tranquila pois todas suas decisões
seguiram a jurisprudência majoritária da corte.
"Desafio
a quem quer que seja que demonstre que eu possa ter de algum modo distorcido o
enquadramento jurídico que o tribunal normalmente confere às questões
submetidas a seu julgamento." Ele disse ainda que os honorários foram de
acordo com os valores de mercado.
Douglas
Alencar Rodrigues, que recebeu de entidades sindicais, disse que aceita todos
os convites que recebe "por considerar que a participação em eventos de
cunho científico, remunerados ou não, representa excepcional oportunidade para
troca de experiências".
O
Bradesco não respondeu aos questionamentos da Folha sobre magistrados de
outras cortes contratados, critérios para pagamento e gasto total em palestras
desse tipo.
Diante
das perguntas, informou, por nota: "O Bradesco, por meio de sua
Universidade Corporativa, proporciona condições e diferentes meios de
atualização profissional aos seus colaboradores. Esses meios incluem
treinamentos formais técnicos, acadêmicos, palestras, cursos on-line, dentre
outros programas que, por sua vez, envolvem contratações de profissionais,
conforme área de interesse".
Colaborou MARCELO SOARES editor de "Audiência e
Dados"
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