sábado, 3 de outubro de 2015

DEVAGAR COM O ANDOR PARA NÃO QUEBRAR O SANTO: Proposta do negociado sobre o legislado





De Novo no Parlamento
Proposta do negociado sobre o legislado

 Durante o Governo do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, e sob a justificativa de flexibilizar e modernizar as relações de trabalho, prestigiando a negociação coletiva que terminaria por gerar novos empregos, o Governo enviou ao Congresso Nacional Projeto de Lei alterando a redação do art. 618 da CLT, que depois de acalorados debates e protestos dos partidos de oposição, entre eles o Partido dos Trabalhadores, foi aprovado pela Câmara dos Deputados e depois de ser encaminhado ao Senado foi retirado pelo Governo do também ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, por sinal era um ferrenho crítico da Proposta. 

Agora, quando o Partido dos Trabalhadores se encontra no Governo e ante uma das mais graves crises política, moral e financeira enfrentadas pelo Pais, fruto de muitos e inegáveis equívocos do Governo da atual Presidente, a idéia é novamente desengavetada pelo Relator da Medida Provisória Medida Provisória Nº 680, de 6 de julho de 2015, que Institui o Programa de Proteção ao Emprego e dá outras providências, sob o argumento de propiciará que as próprias categorias, por meio do diálogo, da negociação coletiva resolvam seus conflitos sem necessidade de judicialização. 

Não há dúvida que o diálogo e a negociação coletiva devem ser incentivados como importante e válido mecanismo de composição conflitos entre categorias e por isso mesmo, deve ser incentivada. 

Todavia, a negociação coletiva, como tive oportunidade de afirmar em vários momentos de Livro sobre o tema (Negociação Coletiva e Boa-Fé), não pode ser um cheque em branco outorgado aos sindicatos para negociarem o que bem quiserem; antes, tem balizas que se revelam especialmente na impossibilidade de disposição de direitos integrantes daquilo que com muita felicidade Maurício Godinho Delgado chama de padrão mínimo civilizatório, ou seja, direitos natureza fundamental, especialmente aqueles tutelados em nível constitucional. 

Nesse quadro, ninguém poderia ser contrário a proposta que valorize o diálogo, a negociação, pois como lembrou o Ministro Luis Roberto Barroso em recente julgado (RE 590.415-SC: 

A negociação coletiva é uma forma de superação de conflito que desempenha função política e social de grande relevância. De fato, ao incentivar o diálogo, ela tem uma atuação terapêutica sobre o conflito entre capital e trabalho e possibilita que as próprias categorias econômicas e profissionais disponham sobre as regras às quais se submeterão, garantindo aos empregados um sentimento de valor e de participação. É importante como experiência de autogoverno, como processo de autocompreensão e como exercício da habilidade e do poder de influenciar a vida no trabalho e fora do trabalho. É, portanto, um mecanismo de consolidação da democracia e de consecução autônoma da paz social. 

O reverso também parece ser procedente. A concepção paternalista que recusa à categoria dos trabalhadores a possibilidade de tomar as suas próprias decisões, de aprender com seus próprios erros, contribui para a permanente atrofia de suas capacidades cívicas e, por consequência, para a exclusão de parcela considerável da população do debate público. 

Entretanto, para que se possa falar de negociação válida, além dos limites antes mencionados, necessário que tenhamos sindicatos fortes e representativos que possam negociar com um razoável poder de barganha, de modo que a negociação não termine sendo, como é na grande maioria dos casos, uma repetição daquilo que se encontra garantido na Lei ou apenas instrumento flexibilização quando não renúncia a direitos, inclusive alguns de natureza indisponível. 

Desse modo, é preciso muita cautela com essas propostas surgidas da cartola em épocas de crise, de modo a se evitar que em nome de diálogo, se venha impor ao trabalhador apenas renuncia a direitos especialmente aqueles tutelados por normas de indisponibilidade absoluta. 

Não há dúvida que precisamos superar um protecionismo exagerado que não tem lugar na atualidade, que ao invés de proteger termina prejudicando o trabalhador, e incentivar os mecanismos negociais como forma de composição de conflitos e conquista de direitos. Porém, não se pode de uma só tacada permitir que direitos conquistados ao longo de um processo histórico de muitas lutas e renuncias, previstos em normas constitucionais e Convenções Internacionais de Proteção aos Direitos Humanos incorporadas ao ordenamento jurídico nacional, sejam simplesmente abolidos por meio de uma negociação coletiva que no Brasil, infelizmente, nem sempre é marcada pelo equilíbrio de força entre as categorias. Afinal, este valioso mecanismo não foi criado para essa finalidade. 

Penso, com o devido respeito, que se deva fazer uma grande discussão com os trabalhadores e empreendedores antes que a Proposta seja apreciada, especialmente porque surgida de repente, em plena crise de desemprego, e mais que isso, sequer constava da Medida Provisória que disciplina o Plano de Proteção do Emprego. 

Para o leigo que possa acreditar no discurso “modernizador" feito por alguns, a mudança proposta parece boa, especialmente porque defendida como forma de diálogo e manutenção do emprego. Mas é necessário cautela e uma discussão mais ampla do alcance dessa Medida, a fim de que não se torne em instrumento de mera renuncia a direitos. 

Nesse quadro, embora veja com bons olhos a ideia de valorizar a negociação coletiva como mecanismo de composição de conflitos e conquista de direitos e até mesmo de adequação setorial à realidade econômica e financeira das empresas que precisam ser preservadas, pois são elas que geram trabalho e emprego, defendo uma discussão mais ampla da proposta de modo que não seja mais uma medida que tenta superar uma crise que transcende o viés financeiro e que não foi criada quer pelos trabalhadores quer pelos empreendedores. 

DEVAGAR COM O ANDOR PARA NÃO QUEBRAR O SANTO!!!
 
 (*) O  autor é Desembargador do TRT da 24a Região. Mestre e doutor em Direito Social pela UCLM - Espanha. 


Link: http://www.jornaldoestadoms.com/2015/10/artigo-proposta-do-negociado-sobre-o.html

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