De
Novo no Parlamento
Proposta
do negociado sobre o legislado
Durante o Governo
do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, e sob a justificativa de
flexibilizar e modernizar as relações de trabalho, prestigiando a negociação
coletiva que terminaria por gerar novos empregos, o Governo enviou ao Congresso
Nacional Projeto de Lei alterando a redação do art. 618 da CLT, que depois de
acalorados debates e protestos dos partidos de oposição, entre eles o Partido
dos Trabalhadores, foi aprovado pela Câmara dos Deputados e depois de ser
encaminhado ao Senado foi retirado pelo Governo do também ex-Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva que, por sinal era um ferrenho crítico da Proposta.
Agora, quando o
Partido dos Trabalhadores se encontra no Governo e ante uma das mais graves
crises política, moral e financeira enfrentadas pelo Pais, fruto de muitos e
inegáveis equívocos do Governo da atual Presidente, a idéia é novamente
desengavetada pelo Relator da Medida Provisória Medida Provisória Nº 680, de 6
de julho de 2015, que Institui o Programa de Proteção ao Emprego e dá outras
providências, sob o argumento de propiciará que as próprias categorias, por
meio do diálogo, da negociação coletiva resolvam seus conflitos sem necessidade
de judicialização.
Não há dúvida que o
diálogo e a negociação coletiva devem ser incentivados como importante e válido
mecanismo de composição conflitos entre categorias e por isso mesmo, deve ser
incentivada.
Todavia, a
negociação coletiva, como tive oportunidade de afirmar em vários momentos de
Livro sobre o tema (Negociação Coletiva e Boa-Fé), não pode ser um cheque em
branco outorgado aos sindicatos para negociarem o que bem quiserem; antes, tem
balizas que se revelam especialmente na impossibilidade de disposição de
direitos integrantes daquilo que com muita felicidade Maurício Godinho Delgado
chama de padrão mínimo civilizatório, ou seja, direitos natureza fundamental,
especialmente aqueles tutelados em nível constitucional.
Nesse quadro,
ninguém poderia ser contrário a proposta que valorize o diálogo, a negociação,
pois como lembrou o Ministro Luis Roberto Barroso em recente julgado (RE
590.415-SC:
A negociação
coletiva é uma forma de superação de conflito que desempenha função política e
social de grande relevância. De fato, ao incentivar o diálogo, ela tem uma
atuação terapêutica sobre o conflito entre capital e trabalho e possibilita que
as próprias categorias econômicas e profissionais disponham sobre as regras às
quais se submeterão, garantindo aos empregados um sentimento de valor e de
participação. É importante como experiência de autogoverno, como processo de
autocompreensão e como exercício da habilidade e do poder de influenciar a vida
no trabalho e fora do trabalho. É, portanto, um mecanismo de consolidação da
democracia e de consecução autônoma da paz social.
O reverso também
parece ser procedente. A concepção paternalista que recusa à categoria dos
trabalhadores a possibilidade de tomar as suas próprias decisões, de aprender
com seus próprios erros, contribui para a permanente atrofia de suas
capacidades cívicas e, por consequência, para a exclusão de parcela
considerável da população do debate público.
Entretanto, para
que se possa falar de negociação válida, além dos limites antes mencionados,
necessário que tenhamos sindicatos fortes e representativos que possam negociar
com um razoável poder de barganha, de modo que a negociação não termine sendo,
como é na grande maioria dos casos, uma repetição daquilo que se encontra
garantido na Lei ou apenas instrumento flexibilização quando não renúncia a
direitos, inclusive alguns de natureza indisponível.
Desse modo, é
preciso muita cautela com essas propostas surgidas da cartola em épocas de
crise, de modo a se evitar que em nome de diálogo, se venha impor ao
trabalhador apenas renuncia a direitos especialmente aqueles tutelados por
normas de indisponibilidade absoluta.
Não há dúvida que
precisamos superar um protecionismo exagerado que não tem lugar na atualidade,
que ao invés de proteger termina prejudicando o trabalhador, e incentivar os
mecanismos negociais como forma de composição de conflitos e conquista de
direitos. Porém, não se pode de uma só tacada permitir que direitos
conquistados ao longo de um processo histórico de muitas lutas e renuncias,
previstos em normas constitucionais e Convenções Internacionais de Proteção aos
Direitos Humanos incorporadas ao ordenamento jurídico nacional, sejam
simplesmente abolidos por meio de uma negociação coletiva que no Brasil,
infelizmente, nem sempre é marcada pelo equilíbrio de força entre as
categorias. Afinal, este valioso mecanismo não foi criado para essa finalidade.
Penso, com o devido
respeito, que se deva fazer uma grande discussão com os trabalhadores e
empreendedores antes que a Proposta seja apreciada, especialmente porque
surgida de repente, em plena crise de desemprego, e mais que isso, sequer
constava da Medida Provisória que disciplina o Plano de Proteção do
Emprego.
Para o leigo que
possa acreditar no discurso “modernizador" feito por alguns, a mudança
proposta parece boa, especialmente porque defendida como forma de diálogo e
manutenção do emprego. Mas é necessário cautela e uma discussão mais ampla do
alcance dessa Medida, a fim de que não se torne em instrumento de mera renuncia
a direitos.
Nesse quadro,
embora veja com bons olhos a ideia de valorizar a negociação coletiva como
mecanismo de composição de conflitos e conquista de direitos e até mesmo de
adequação setorial à realidade econômica e financeira das empresas que precisam
ser preservadas, pois são elas que geram trabalho e emprego, defendo uma
discussão mais ampla da proposta de modo que não seja mais uma medida que tenta
superar uma crise que transcende o viés financeiro e que não foi criada quer
pelos trabalhadores quer pelos empreendedores.
DEVAGAR COM O ANDOR PARA NÃO QUEBRAR O SANTO!!!
(*) O autor é Desembargador do TRT da
24a Região. Mestre e doutor em Direito Social pela UCLM - Espanha.
Link: http://www.jornaldoestadoms.com/2015/10/artigo-proposta-do-negociado-sobre-o.html
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