O poder mundial e nós
Por Adriano Benayon | Brasília, 25/09/2015
Defino o capitalismo como um sistema econômico e político no qual
capitais privados vão sendo cada vez mais concentrados nas mãos de poucos
oligarcas dominantes. Isso lhes permite conquistar não só as grandes empresas
financeiras e produtivas, mas também o Estado.
2. Isso acontece sob regimes abertamente fascistas e também sob regimes
aparentemente democráticos, em que o dinheiro e a mídia, a serviço dos
oligarcas, controlam o sistema político e o resultado das eleições.
3. O capitalismo nos países centrais, mercê notadamente de guerras que
envolveram os aspirantes à hegemonia, tornou-se, ao longo dos últimos 350 anos,
um sistema de poder mundial, sob a hegemonia do capitalismo britânico, que
depois consolidou sua associação com o norte-americano, formando o império
angloamericano.
4. Atualmente, restam duas potências não subordinadas ao império, China
e Rússia, capazes de propiciar equilíbrio na balança do poder mundial. Sem esse
equilíbrio, não há como país algum, no mundo, desenvolver-se.
5. Veja-se a anomia prevalente no cenário mundial, do início dos anos
1990 até há pouco, período em que o império angloamericano cometeu colossais
genocídios: na Iugoslávia, seguindo-se Iraque, Afeganistão, novamente Iraque,
Líbia, para citar só alguns. Agora, em pauta, a Síria.
6. O auge da tirania imperial corresponde no Brasil aos governos Collor
e FHC. Na Argentina, ao de Menem, e mais exemplos vergonhosos mundo afora.
7. O enfraquecimento e dissolução da União Soviética haviam deixado o
planeta à mercê do império, secundado por seus satélites.
8. Mas a China vem ganhando poder em todos os campos, e a Rússia
reafirma-se como potência nuclear e balística de grande porte.
9. Isso lhes dá autonomia nas decisões políticas e econômicas, e limita
um pouco a tirania exercida pelo império angloamericano em âmbito global.
10. Se se tivessem mantido abertos à influência do império, não teriam
alcançado o status de potências mundiais. Para tanto, precisaram de regime
centralizado e fechado.
11. As histórias da Coreia do Sul e de Taiwan ilustram a mesma
constatação: para se desenvolverem, tiveram governos militares nacionalistas,
devido a circunstâncias especiais: a presença do comunismo na China e na Coreia
do Norte, com apoio do Exército Vermelho da China de Mao Dze Dong. Este havia
empurrado os partidários de Chiang Kai Chek para Taiwan (Formosa), onde se
instalaram sob a proteção da esquadra norte-americana.
12. Em suma, os EUA precisavam deixar fortalecer-se aqueles dois países,
empobrecidos pela exploração colonial e pela ocupação japonesa, além de
devastados por guerras, antes e durante a 2ª Guerra Mundial. Do contrário, seus
povos seriam reunidos a seus compatriotas sob governos comunistas.
13. Em nossa história, como na da Argentina, houve progressos para o
desenvolvimento, exatamente sob regimes autoritários, no período entre-guerras
da 1ª metade do Século XX e durante a 2ª Guerra Mundial.
14. O senador Severo Gomes, desaparecido no mar, em 1992, comentava que
a arrancada para o desenvolvimento da Argentina e do Brasil fora possível
graças ao relativo isolamento comercial propiciado pela 1ª Guerra Mundial
(1914-1918) e pela depressão dos anos 1930, seguida da 2ª Guerra Mundial
(1939-1945).
15. A melhora das estruturas econômica e social só se pode realizar sob
condições de poder central forte, como, no Brasil, as dos anos subsequentes à
Revolução de 1930 e no Estado Novo (1937-1945), mercê da consciência
nacionalista do Exército e da visão esclarecida e habilidade do presidente
Vargas.
16. Como tenho exposto, Vargas foi injusta e incessantemente acoimado de
ditador por agentes do império, horrorizado com a perspectiva de o País atingir
o desenvolvimento econômico e social.
17. Por isso não cessavam de injuriar o presidente os adeptos do império
angloamericano, fosse fascinados pela democracia de molde ocidental, fosse a
soldo daquele império.
18. Tive, com frequência, ocasião de trocar ideias com Severo Gomes,
empresário e antigo ministro da Indústria e Comércio (MIC) no governo do
general Geisel. Também, com outros grandes brasileiros: o general Andrada
Serpa, o físico Bautista Vidal (secretário de Tecnologia Industrial do MIC com
Severo Gomes e criador do Programa do Álcool, Energia da Biomassa), e o Dr.
Enéas Carneiro.
19. Todos tinham consciência plena de que o desenvolvimento só é
possível com autonomia nacional e que um dos requisitos para esta existir é a
autonomia industrial e tecnológica, inclusive com domínio da energia nuclear
aplicada à defesa.
20. O que precede significa que, para o Brasil, é vital ter estratégia
que:
1) contemple estarem as potências hegemônicas intervindo permanentemente
em nosso País;
2) acompanhe a balança do poder em âmbito global, avaliando a medida em
que o império se veja obrigado a concentrar recursos e atenção em outras
regiões.
21. Dado o nosso recuo econômico, financeiro e tecnológico – crescente
nos últimos decênios – a chance de êxito que possa ter o projeto de
sobrevivência do País depende de unir o máximo possível das forças nacionais.
22. Estas têm sido agudamente divididas em direita e esquerda, ao longo
dos últimos 85 anos. O marco foi a Revolução de 1930, a qual abriu a
perspectiva de desenvolvimento do País.
23. Em seguida, o império angloamericano fomentou novos separatismos e
passou a investir mais intensamente em cooptar e corromper locais, notadamente
na mídia, como Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, dono dos Diários
Associados, a maior cadeia jornalística da época.
24. Já no mandato de Vargas assumido em 1951, indagado Chatô, por que
atacava o presidente e abria total espaço na TV a Carlos Lacerda, seu virulento
e audacioso adversário, respondeu: “se ele desistisse de criar a Petrobrás, eu
passaria apoiá-lo e lhe daria espaço em minha rede de comunicação”.
25. Outro, foi o notório Roberto Marinho, dono de O Globo desde 1931. Esse,
desde 1964, recebeu favores oficiais e fartos recursos norte-americanos para
tornar-se dominante na comunicação social.
26. Mais tarde, o império declarou, através de Henry Kissinger, que não
podia tolerar o surgimento de uma potência no Hemisfério Sul. Assim, foram
cavados profundos fossos ideológicos entre brasileiros e n outros modos de
intervenção.
27. Em 1932, Londres fomentou a falsamente denominada Revolução
Constitucionalista, em São Paulo, que se poderia ter transformado em guerra
separatista do Estado onde a industrialização despontava promissora.
28. A constitucionalização real veio em 1934, preparada por Vargas desde
antes daquela teleguiada “revolução”. A insurreição comunista, em 1935, tempo
de grande polarização esquerda/direita, reflexo do cenário europeu antecedente
à 2ª Guerra Mundial.
29. Era muito pequeno o número de operários organizados, e a geopolítica
dava chances nulas de êxito aos comunistas brasileiros: poder naval do império
britânico absoluto no Atlântico Sul, e proximidade dos EUA.
30. Sendo incipiente o desenvolvimento do poder militar da União
Soviética (URSS), não havia como esta apoiar o levante comunista no Brasil.
Ademais, Stalin dava prioridade à infra-estrutura industrial da URSS. Não
apostava na revolução internacional, ao contrário de Trotsky, alijado do poder.
31. Entre os comandados de Prestes, infiltraram-se agentes do
Intelligence Service, o M16 britânico, e os planos dos ataques eram previamente
conhecidos das forças legalistas.
32. O resultado da insurreição de 1935 foi exacerbar a polarização
ideológica, de interesse exclusivo do império anglo-americano.
33. Pior, sua memória tem servido à irracionalidade que faz reprimir,
atribuindo-se-lhes ser comunistas, os que se opõem ao império angloamericano ou
não fecham os olhos aos crimes deste.
34. Seguiu-se o golpe de 1937, que instituiu o Estado Novo, repressor de
comunistas e outros. A geopolítica e a influência da finança angloamericana
determinaram a participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial: bases no Nordeste para
as FFAA dos EUA e envio da Força Expedicionária à Itália, vinculada a comando
norte-americano.
35. Entretanto, o império não hesitou em patrocinar o golpe de 1945 e as
intervenções subsequentes, que prosseguem até hoje, e vêm logrando seus
objetivos desde agosto de 1954:
a) desnacionalizar e a desindustrializar o Brasil, impedindo o
desenvolvimento de tecnologias controladas por empresas nacionais, tanto
privadas como estatais;
b) enfraquecer as Forças Armadas e a capacidade estratégica do País,
indústrias básicas, infra-estrutura e o domínio da energia nuclear;
c) desinformar e abaixar o nível de educação dos brasileiros, investindo
na anticultura e na demolição dos valores éticos indispensáveis à evolução de
nação próspera e equilibrada;
36. Esse processo tem sido realizado não só durante governos claramente
subordinados aos interesses financeiros angloamericanos (Café Filho, JK,
Castello Branco, Collor e FHC).
37. Também, durante os demais, que, no essencial, cederam às pressões
imperiais, não obstante terem tido, setorialmente, patriotas voltados para o
desenvolvimento nacional.
38. Destaque-se, ademais, que eleições dependentes de dinheiro grosso e
grande mídia levaram a desastres de origem parlamentar, inclusive a presente
Constituição e emendas.
Adriano Benayon é
doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização
versus Desenvolvimento.
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