Terrorismo
de Estado: um conceito necessário
“ahora tenemos una nueva clase de terrorismo.
En vez de bombas ruidosas, hay muertes en silencio, secuestro y ejecuciones”
Jorge Luis Borges, em 1981.
O caráter político do aparentemente simples ato de nomear, com o
consequente juízo de valor que lhe está implícito, já é bastante conhecido no
campo das ciências sociais. Conceituações muitas vezes tidas por objetivas e
científicas carregam, intrinsecamente, determinadas perspectivas ideológicas e
interesses particulares.
Exemplo bastante ilustrativo da disputa simbólica que repousa como
pressuposto da atribuição de nomes encontra-se nas análises dos regimes
autoritários. Enquanto que, no Brasil, seus entusiastas preferem o termo
“revolução” para legitimar um governo de fato instituído a partir de um golpe
civil-militar, os críticos comprometidos com a democracia insistem no carácter
ditatorial do regime.
Mas ditadura, conceito bastante utilizado para diversos regimes
políticos em diferentes períodos históricos, talvez não seja a melhor expressão
para dar conta da violência decorrente da onda de golpes que assolou o Cone Sul
na segunda metade do século 20.
Vale, aqui, mais uma vez tentar um aprendizado, apesar de nossas
diferenças, com a vizinha Argentina.
Neste país, que por condições particulares que escapam à pretensão
desse breve artigo já julgou e condenou mais de 800 responsáveis pelos crimes
de lesa humanidade, o período histórico compreendido entre 1976 a 1983 é
chamado de “terrorismo de Estado” pelo movimento de direitos humanos e pelo
Estado democrático de direito.
Tendo seu início marcado por um golpe de Estado, essa fase da
história argentina ficou conhecida, da perspectiva dos militares, como Processo
de Reorganização Nacional, expressão que utilizavam para designar e de certo
modo justificar o regime que comandaram. Mas, da perspectiva da sociedade civil
que resistiu ao autoritarismo e que hoje luta por justiça, consagrou-se a
expressão terrorismo de Estado
Segundo esclarece Rodolfo Matarrollo, a origem do termo remete à
Comissão Argentina dos Direitos Humanos (CADHU), cujos dirigentes se exilaram e
cunharam a expressão “terrorismo de Estado”, que foi veiculada por essa
entidade no “Informe Argentino: Dossier de un genocídio”, publicado em 1977 na
Espanha.
Algumas são as motivações especiais que tornam interessante essa
forma de conceituação.
A primeira delas é o intuito evidente de se apropriar do termo
“terrorismo”, um vocábulo caro aos militares e à sua doutrina da segurança
nacional, invertendo seu sentido mais comum. Tal qualificação foi amplamente
utilizada nas falas oficiais do regime ditatorial argentino para designar a
ação militante de grupos de resistência, de guerrilha urbana e de outros
dissidentes que não se alinhavam ou que simplesmente eram eleitos como
inimigos.
Uma das estratégias centrais de legitimação do novo governo de
fato passou, pela construção de um espectro incerto e vago de subversivo, bem
como daqueles que com este colaboravam, figuras que deveriam ser combatidas em
nome de uma suposta segurança nacional, bem como de valores religiosos e
morais. A supremacia dessa ideologia, muitas vezes, autorizava e demandava uma
atuação preventiva do Estado, no sentido de reprimir a mera virtualidade ou
potencialidade delinquente dos dissidentes políticos ou ideológicos, que poderá
manifestar-se a qualquer momento se não for impedida.
Além disso, o termo “terrorismo de Estado” denota uma estrutura em que diversos níveis hierárquicos e diferentes repartições públicas com seus agentes convertem o desaparecimento forçada e a violação a direitos humanos em uma política não oficializada e assumida, mas generalizada e de Estado.
Nessa linha, refutando categorizações mais tradicionais e universalizantes dos autoritarismos latino-americanos, tais quais ‘burocrático-autoritário’ (Guillermo O’Donnell), ‘antipopular’ (Alain Touraine) ou mesmo fascista, Alejandra Pascual frisa ser preciso enquadrar o essencial desse regime que instaurou o terror a partir do Estado, o que só é possível quando se ajusta o foco para “a natureza do poder exercido e nos objetivos do exercício desse poder (…) A melhor qualificação para o regime daquela época é a de terrorismo de Estado”. No mesmo sentido, o clássico livro de Luis Duhalde (El Estado terrorista argentino. Quince años después, una mirada crítica, Eudeba, 1999) serviu para popularizar a expressão.
Além disso, o termo “terrorismo de Estado” denota uma estrutura em que diversos níveis hierárquicos e diferentes repartições públicas com seus agentes convertem o desaparecimento forçada e a violação a direitos humanos em uma política não oficializada e assumida, mas generalizada e de Estado.
Nessa linha, refutando categorizações mais tradicionais e universalizantes dos autoritarismos latino-americanos, tais quais ‘burocrático-autoritário’ (Guillermo O’Donnell), ‘antipopular’ (Alain Touraine) ou mesmo fascista, Alejandra Pascual frisa ser preciso enquadrar o essencial desse regime que instaurou o terror a partir do Estado, o que só é possível quando se ajusta o foco para “a natureza do poder exercido e nos objetivos do exercício desse poder (…) A melhor qualificação para o regime daquela época é a de terrorismo de Estado”. No mesmo sentido, o clássico livro de Luis Duhalde (El Estado terrorista argentino. Quince años después, una mirada crítica, Eudeba, 1999) serviu para popularizar a expressão.
Portanto, esse conceito, que vem ganhando cada vez mais aceitação
tanto no campo acadêmico quanto na formulação de políticas públicas de justiça
e memória orientadas para o tratamento das violações de direitos humanos desse
período, consegue expressar tanto a intensidade da experiência repressiva
quanto sua amplitude.
Uma reserva, contudo, vale ser feita. O componente civil que deu
sustentação e se beneficiou o economicamente desses regimes de terrorismo de
Estado também deve ser visibilizado e devidamente qualificado em nossas
análises e ações políticas. Só assim será possível construir democracias que
mereçam esse qualificativo.
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