APAEST
DESASTRE AMBIENTAL EM
MG: Samarco foi negligente e omissa, afirma engenheiro
O
rompimento de duas barragens da mineradora Samarco, no distrito de Bento
Rodrigues, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais, no dia 5 de novembro
último, deixou um rastro de destruição ainda incalculável. Até o dia 10, quatro
mortes foram confirmadas, mas há pessoas ainda desaparecidas e mais de 500
desabrigadas, e o Rio Doce foi contaminado pelos rejeitos da atividade de
extração do minério de ferro, com a morte de centenas de peixes. Para Celso
Atienza, diretor da Associação Paulista de Engenharia de Segurança do Trabalho
(Apaest), não há dúvida que a culpa dessa catástrofe, como ele mesmo define, é
da mineradora – que tem 50% de suas ações nas mãos da Vale e a outra metade pertence
à australiana BHP Billiton. Confira, a seguir, a entrevista sobre o tema com o
profissional.
Foto: Jéssica Silva/Seesp
Para Atienza, mineradora deve ser responsabiliada totalmente sobre os
danos causados à sociedade e ao meio ambiente
Como
engenheiro de segurança do trabalho como o senhor avalia o acidente em Bento
Rodrigues?
Celso Atineza – Essa tragédia só
aconteceu por pura omissão e negligência da Samarco. Isso está muito claro para
mim, porque vimos que não existia um plano de emergência.
O
que é esse plano?
Celso Atienza – Um empreendimento
dessa magnitude teria de ter esse plano, que significa estabelecer
procedimentos que não estão dentro da atividade em si da mineradora. Isso
significa, por exemplo, estabelecer uma forma emergencial e eficaz de
comunicação com a comunidade local sobre qualquer tipo de perigo. O impacto que
se cria num acidente desse tipo extrapola a atividade econômica em si, quem
sofre com ele é a sociedade. A falta de medidas de prevenção causou um acidente
ambiental gravíssimo, que impede, inclusive, a possibilidade da pesca no rio.
Não
podemos comunicar, por telefone, um rompimento da barragem na hora em que a
lama está descendo para 600 pessoas. Isso é inadmissível. Aquela população,
assim como o meio ambiente, estava totalmente vulnerável à atividade da
mineradora. Isso é um crime. Deveria existir toda uma sinalização prévia e
preparada para esse tipo de emergência, com alarme sonoro e procedimento de
evacuação da cidade, tudo isso compõe o plano de emergência.
Por
que isso não ocorreu?
Celso Atienza – Dizem agora que
estão adotando os procedimentos do plano de emergência, mas isso não é verdade,
porque ele não existia. E todo mundo estava ciente do rompimento da estrutura
da barragem. Não é uma coisa que podemos chamar que foi um acidente. Com
certeza já existiam sinais que a estrutura estava ruim.
Esse
rompimento não acontece de uma hora para outra?
Atienza – Não. Ele dá
avisos. A geotecnia, por exemplo, tem um processo de engenharia onde pode ser
identificada a movimentação de terra e da própria barragem.
Como
a empresa deve ser punida e responsabilizada?
Atienza – Considero errado
falar apenas em bloquear quase R$ 300 milhões da empresa como multa. A pena que
se deve dar à empresa não é só a multa, é obrigá-la a reparar totalmente os
prejuízos causados à sociedade e ao meio ambiente, independente de qualquer
coisa, porque ele criou o dano social. Além das mortes dos trabalhadores e de
outras pessoas, que entram na parte acidentária, porque para mim isso não foi
acidente, mas omissão e negligência.
E
essa lama é tóxica?
Atienza – Sim. A atividade
faz a decomposição dos minérios. Por que os peixes morrem? Porque tem os
rejeitos minerais com um volume grande de material pesado. O que podemos
discutir é o grau de toxicidade, mas o efeito já foi devastador. Se a água do
rio já não pode ser bebida é porque ela não é mais própria para consumo. E
também não é própria para a vida marinha do rio. Quanto tempo levará para o rio
ser recuperado, já falam em mais de 100 anos? O Rio Doce é transfronteiriço.
Ele já chegou à cidade de Governador Valadares (MG) e ao Estado do Espírito
Santo. Quem é que tem a culpa? É a Samarco.
Isso
demonstra claramente que a empresa teria de ter um plano sofisticado de atuação
e de contingência, como bacias de contenção. A parte de engenharia de segurança
não é chamada para atuar, porque ela trabalha com a previsão da catástrofe para
evitá-la. Temos uma mentalidade diferente da do empreendedor ou do gestor que
está preocupado apenas com a produção. O engenheiro de segurança não vai fazer
a extração do minério, mas mostrar todos os perigos que envolvem a atividade e
como evitar os riscos.
A
mineração é uma atividade de alto risco.
Atienza – De altíssimo
risco. E tem a Vale por trás de tudo isso, uma empresa que não agrega nenhum
valor à economia nacional. Ela extrai minério sem agregar valor à produção e à
indústria nacional, que geraria mais empregos. Tudo isso não é levado em
consideração na análise de um empreendimento desse porte. É uma atividade de
alto grau de risco, que agora deixou de ser risco e passou a ser de perigo
iminente. Uma população está sendo privada do abastecimento de água, existe a
contaminação do solo, do rio, a perda de casas, mortes, a destruição da vida de
toda uma comunidade foi levada pela lama da negligência.
Quem
faz essa descontaminação?
Atienza – Deve ser o
empreendedor, não há dúvida. Ele deve assumir todo esse trabalho de
descontaminação e reparação à sociedade.
Como
um acidente desses acontece? E a fiscalização da atividade?
Atienza – Esse é outro
tipo de problema grave. A fiscalização é feita por auditores contratados pela
empresa. Isso é errado. O governo teria de mudar e criar um sistema de
fiscalização tendo à frente o Ministério do Trabalho, que agora foi fundido ao
da Previdência Social, o que prejudica toda essa atividade. Quem fiscaliza as
normas de segurança que não existem e não são respeitadas dentro da empresa?
Repito, deve ser o Ministério do Trabalho. A empresa pode fazer uma auditoria
para se “autochecar”, mas não fiscalizar. O que se faz, mais uma vez, é correr
atrás da catástrofe. Não podemos subestimar as ações que podem ocorrer. Temos
uma técnica da análise de falhas, que significa analisar um projeto e levantar
todas as hipóteses e situações que podem ocorrer. O que se deve buscar é a
ausência total de riscos. Até tanques de decantação deveriam ter sido
discutidos e previstos. Por que os rejeitos tinham de descer? Por que não se
fez uma contenção de encosta?
Precisa-se
pensar, inclusive, se não dá para tratar esses rejeitos de material orgânico
poluente persistente de outra forma. Sabemos que qualquer desastre não dá
chance ao meio ambiente e à vida humana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário