quarta-feira, 18 de novembro de 2015

DESASTRE AMBIENTAL EM MG: Samarco foi negligente e omissa, afirma engenheiro




APAEST

DESASTRE AMBIENTAL EM MG: Samarco foi negligente e omissa, afirma engenheiro

O rompimento de duas barragens da mineradora Samarco, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais, no dia 5 de novembro último, deixou um rastro de destruição ainda incalculável. Até o dia 10, quatro mortes foram confirmadas, mas há pessoas ainda desaparecidas e mais de 500 desabrigadas, e o Rio Doce foi contaminado pelos rejeitos da atividade de extração do minério de ferro, com a morte de centenas de peixes. Para Celso Atienza, diretor da Associação Paulista de Engenharia de Segurança do Trabalho (Apaest), não há dúvida que a culpa dessa catástrofe, como ele mesmo define, é da mineradora – que tem 50% de suas ações nas mãos da Vale e a outra metade pertence à australiana BHP Billiton. Confira, a seguir, a entrevista sobre o tema com o profissional.

Foto: Jéssica Silva/Seesp
Para Atienza, mineradora deve ser responsabiliada totalmente sobre os danos causados à sociedade e ao meio ambiente


Como engenheiro de segurança do trabalho como o senhor avalia o acidente em Bento Rodrigues?
Celso Atineza – Essa tragédia só aconteceu por pura omissão e negligência da Samarco. Isso está muito claro para mim, porque vimos que não existia um plano de emergência.


O que é esse plano?
Celso Atienza – Um empreendimento dessa magnitude teria de ter esse plano, que significa estabelecer procedimentos que não estão dentro da atividade em si da mineradora. Isso significa, por exemplo, estabelecer uma forma emergencial e eficaz de comunicação com a comunidade local sobre qualquer tipo de perigo. O impacto que se cria num acidente desse tipo extrapola a atividade econômica em si, quem sofre com ele é a sociedade. A falta de medidas de prevenção causou um acidente ambiental gravíssimo, que impede, inclusive, a possibilidade da pesca no rio.

Não podemos comunicar, por telefone, um rompimento da barragem na hora em que a lama está descendo para 600 pessoas. Isso é inadmissível. Aquela população, assim como o meio ambiente, estava totalmente vulnerável à atividade da mineradora. Isso é um crime. Deveria existir toda uma sinalização prévia e preparada para esse tipo de emergência, com alarme sonoro e procedimento de evacuação da cidade, tudo isso compõe o plano de emergência.

Por que isso não ocorreu?
Celso Atienza – Dizem agora que estão adotando os procedimentos do plano de emergência, mas isso não é verdade, porque ele não existia. E todo mundo estava ciente do rompimento da estrutura da barragem. Não é uma coisa que podemos chamar que foi um acidente. Com certeza já existiam sinais que a estrutura estava ruim.


Esse rompimento não acontece de uma hora para outra?
Atienza – Não. Ele dá avisos. A geotecnia, por exemplo, tem um processo de engenharia onde pode ser identificada a movimentação de terra e da própria barragem.


Como a empresa deve ser punida e responsabilizada?
Atienza – Considero errado falar apenas em bloquear quase R$ 300 milhões da empresa como multa. A pena que se deve dar à empresa não é só a multa, é obrigá-la a reparar totalmente os prejuízos causados à sociedade e ao meio ambiente, independente de qualquer coisa, porque ele criou o dano social. Além das mortes dos trabalhadores e de outras pessoas, que entram na parte acidentária, porque para mim isso não foi acidente, mas omissão e negligência.


E essa lama é tóxica?
Atienza – Sim. A atividade faz a decomposição dos minérios. Por que os peixes morrem? Porque tem os rejeitos minerais com um volume grande de material pesado. O que podemos discutir é o grau de toxicidade, mas o efeito já foi devastador. Se a água do rio já não pode ser bebida é porque ela não é mais própria para consumo. E também não é própria para a vida marinha do rio. Quanto tempo levará para o rio ser recuperado, já falam em mais de 100 anos? O Rio Doce é transfronteiriço. Ele já chegou à cidade de Governador Valadares (MG) e ao Estado do Espírito Santo. Quem é que tem a culpa? É a Samarco.

Isso demonstra claramente que a empresa teria de ter um plano sofisticado de atuação e de contingência, como bacias de contenção. A parte de engenharia de segurança não é chamada para atuar, porque ela trabalha com a previsão da catástrofe para evitá-la. Temos uma mentalidade diferente da do empreendedor ou do gestor que está preocupado apenas com a produção. O engenheiro de segurança não vai fazer a extração do minério, mas mostrar todos os perigos que envolvem a atividade e como evitar os riscos.

A mineração é uma atividade de alto risco.
Atienza – De altíssimo risco. E tem a Vale por trás de tudo isso, uma empresa que não agrega nenhum valor à economia nacional. Ela extrai minério sem agregar valor à produção e à indústria nacional, que geraria mais empregos. Tudo isso não é levado em consideração na análise de um empreendimento desse porte. É uma atividade de alto grau de risco, que agora deixou de ser risco e passou a ser de perigo iminente. Uma população está sendo privada do abastecimento de água, existe a contaminação do solo, do rio, a perda de casas, mortes, a destruição da vida de toda uma comunidade foi levada pela lama da negligência.


Quem faz essa descontaminação?
Atienza – Deve ser o empreendedor, não há dúvida. Ele deve assumir todo esse trabalho de descontaminação e reparação à sociedade.


Como um acidente desses acontece? E a fiscalização da atividade?
Atienza – Esse é outro tipo de problema grave. A fiscalização é feita por auditores contratados pela empresa. Isso é errado. O governo teria de mudar e criar um sistema de fiscalização tendo à frente o Ministério do Trabalho, que agora foi fundido ao da Previdência Social, o que prejudica toda essa atividade. Quem fiscaliza as normas de segurança que não existem e não são respeitadas dentro da empresa? Repito, deve ser o Ministério do Trabalho. A empresa pode fazer uma auditoria para se “autochecar”, mas não fiscalizar. O que se faz, mais uma vez, é correr atrás da catástrofe. Não podemos subestimar as ações que podem ocorrer. Temos uma técnica da análise de falhas, que significa analisar um projeto e levantar todas as hipóteses e situações que podem ocorrer. O que se deve buscar é a ausência total de riscos. Até tanques de decantação deveriam ter sido discutidos e previstos. Por que os rejeitos tinham de descer? Por que não se fez uma contenção de encosta?

Precisa-se pensar, inclusive, se não dá para tratar esses rejeitos de material orgânico poluente persistente de outra forma. Sabemos que qualquer desastre não dá chance ao meio ambiente e à vida humana. 



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