Barcarena: entre o lucro, a miséria e as
catástrofes
O naufrágio de um
navio com cinco mil bois vivos e a lentidão para resolver danos do desastre
simbolizam modelo de desenvolvimento perverso e injusto
por Edmilson
Rodrigues
Navio
cargueiro afundou com 5 mil bois, causando enormes danos ambientais
O município de
Barcarena, no Nordeste Paraense, não é muito conhecido dos brasileiros, mas o
Porto de Vila do Conde, certamente o é, dada a importância econômica que tem
para o País.
Por ele, são
exportados 443.866 toneladas/ano de bauxita e 5,8 milhões de toneladas/ano
de alumina, sendo também a principal via de escoamento do gado em pé, que tem
no Pará um dos principais fornecedores ao mercado externo.
Sem dúvida, Vila do
Conde é alvo de atenção dos grandes investidores, não apenas pela posição
geográfica estratégica em relação aos mercados da Europa, o Oriente Médio e
América do Norte, mas. É, sobretudo, pelo potencial crescente para tornar-se o
principal porto do Norte para a exportação dos grãos do Centro-Oeste, por conta
do transporte intermodal, de menor custo, que começou a ser viabilizado com a
conclusão das eclusas de Tucuruí – que ainda depende da obra de superação dos
Pedrais do Lourenço, no Sul do Pará, para a viabilidade plena da Hidrovia
Araguaia-Tocantins.
Barcarena é,
portanto, essencial para os negócios de empresas brasileiras e multinacionais,
assim como é muito importante para o superávit na balança comercial brasileira.
Porém, desde a instalação do polo industrial, em 1986, Barcarena só não foi
importante para os brasileiros que vivem nela.
Há mais de 20 anos
acompanho os danos ambientais sofridos pela população barcarenense, seja pelos
vazamentos de rejeito de caulim do fabricante de papel ou pelo despejo de soja
estragada pela transportadora desse produto, que contaminam furos e igarapés,
seja pela poluição atmosférica das fábricas.
Não bastasse tanto
sofrimento e um histórico eivado de inoperância das autoridades responsáveis em
punir os autores dos crimes ambientais, eis que uma tragédia maior ainda assola
Barcarena. No último 6 de outubro, um navio Haidar, de bandeira libanesa,
carregado com quase 5 mil bois vivos, naufragou no porto com 730 mil litros de
combustível nos tanques e toda a carga animal presa aos porões.
Até hoje as
autoridades não conseguiram retirar o combustível e nem as carcaças de animais,
que já vazaram no Rio Pará, se expandindo por cidades e ilhas próximas e
ameaçando o abastecimento de água potável da Região Metropolitana de Belém.
Sem falar nos bois em
decomposição que, em cerca de 300 cabeças, já foram parar nas praias, causando
a interdição de quatro delas, sendo uma do município vizinho de Abaetetuba, e
levando a prefeitura de Barcarena a decretar situação de emergência. Pescadores
e comerciantes que vivem do movimento das praias estão sem água, comida e
impedidos de trabalhar.
O Ministério Público
do Estado do Pará, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública do
Estado do Pará buscam, por meio de ação judicial, a interdição do porto, assim
como responsabilizar a Companhia Docas do Pará (CDP) e as empresas responsáveis
pela carga, Minerva Foods e Global Agência Marítima, a providenciarem garrafões
de água, cestas básicas e o pagamento de um salário mínimo por família atingida
pela tragédia.
A Justiça Federal, no
entanto, concedeu apenas a determinação para o fornecimento de água, o que
vinha sendo feito apenas pela prefeitura, que também distribuiu cestas básicas
e máscaras para a população suportar o forte odor exalado por mais de 300
carcaças que se acumularam nas praias.
A bancada parlamentar
do Pará, da qual faço parte, recorreu à Secretaria Nacional de Defesa Civil e
conseguiu intermediar o diálogo para que fosse firmado um convênio que
possibilitasse recurso financeiro para o atendimento da situação de emergência.
Na condição de membro
da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, solicitei
que fosse realizada uma audiência pública em Barcarena, o que ocorreu no último
dia 16. Pudemos ver de perto o drama social e econômico instalado no município.
Apesar das
determinações judiciais obrigando que as empresas, a CDP, a Global e Minerva
apresentem planos de retirada do combustível e das carcaças do rio Pará, até
agora, um mês depois do acidente, ainda é muito lento o trabalho de atendimento
às vítimas do desastre. A população ainda sofre com a falta de alimentos e está
impedida de realizar plenamente as atividades de pesca e comerciais.
Este desastre e a
falta de prioridade em resolver os danos decorrentes dele são parte de um
modelo de desenvolvimento perverso e injusto. No Pará, produtores de
commodities exportam, por exemplo, madeira e mineral sem que sejam cobrados em
um centavo pela exportação, favorecidos pela Lei Kandir.
Além de não deixar
nenhuma riqueza para o estado, esse tipo de benefício não favorece a produção
industrial que valorizaria nossos produtos e traria mais lucros para nosso
País. Poderíamos, nesse caso, exportar produtos como couro, carne e derivados
lácteos. Ao contrário, os bois são exportados em pé, o que é um atraso do ponto
de vista econômico e uma crueldade do ponto de vista ambiental.
O naufrágio do Haidar
tornou-se o maior acidente ambiental ocorrido em Barcarena, de
proporcionalidade assustadora à população metropolitana e de repercussão
nacional, sobretudo aos grandes empresários que temem a interdição do porto.
Portanto, não nos
esqueçamos do drama enfrentado por milhares de famílias historicamente
abandonadas pelas autoridades, vítimas dos empreendimentos econômicos que
fomentam a miséria social, que prejudicam a qualidade de vida, levando doenças
e fome. É urgente que a Justiça tome providências rápidas e enérgicas para a
solução imediata dessa crise
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