Os
equívocos do Partido dos Trabalhadores e
o
sonho de Lula
Durante quatro a
cinco décadas houve vigorosa movimentação das bases populares da sociedade
discutindo que “Brasil queremos”, diferente daquele que herdamos. Ele
deveria nascer de baixo para cima e de dentro para fora, democrático,
participativo e libertário. Mas consideremos um pouco os antecedentes
histórico-sociais para entendermos por quê esse projeto não conseguiu
prosperar.
É do conhecimento
dos historiadores, mas muito pouco da população, como foi cruenta a nossa
história tanto na Colônia, na Independência como no reinado de Dom Pedro I, sob
a Regência e nos inícios do reinado de Dom Pedro II. As revoltas populares, de
mamelucos, negros, colonos e de outros foram exterminadas a ferro e fogo, a
maioria fuzilada ou enforcada. Sempre vigorou espantoso divórcio entre o Poder
e a Sociedade. Os dois principais partidos, o Conservador e o Liberal, se
digladiavam por pífias reformas eleitorais e jurídicas, porém jamais abordaram
as questões sociais e econômicas.
O que predominou foi
a Política de Conciliação entre os partidos e as oligarquias mas sempre
sem o povo. Para o povo não havia conciliação mas submissão. Esta estrutura
histórico-social excludente predominou até aos nossos dias.
No entanto, pela
primeira vez, uma coligação de forças progressistas e populares, hegemonizadas
pelo PT, vindo de baixo, chegou ao poder central. Ninguém pode negar o fato de
que se conseguiu a inclusão de milhões que sempre foram postos à margem.
Far-se-iam em fim as reformas de base?
Um governo ou
governa sustentado por uma sólida base parlamentar ou assentado no poder social
dos movimentos populares organizados.
Aqui se impunha uma
decisão. Na Bolívia, Evo Morales Ayma buscou apoio na vasta rede de movimentos
sociais, de onde ele veio como forte líder. Conseguiu, lutando contra os
partidos. Depois de anos, construiu uma base de sustentação popular, de
indígenas, de mulheres e de jovens a ponto de dar um rumo social ao Estado e
lograr que mais da metade do Senado seja hoje composta por mulheres. Agora os
principais partidos o apoiam e a Bolívia goza do maior crescimento econômico do
Continente.
Lula abraçou a outra
alternativa: optou pelo Parlamento no ilusório pressuposto de que seria o
atalho mais curto para as reformas que pretendia. Assumiu o
Presidencialismo de Coalizão. Líderes dos movimentos sociais foram
chamados a ocupar cargos no governo, enfraquecendo, em parte, a força popular.
Para Lula, mesmo
mantendo ligação com os movimentos de onde veio, não via neles o sustentáculo
de seu poder, mas a coalizão pluriforme de partidos. Se tivesse observado um
pouco a história, teria sabido do risco desta política de Coalização que
atualiza a política de Conciliação do passado.
A Coalizão se faz à
base de interesses, com negociações, troca de favores e concessão de cargos e
de verbas. A maioria dos parlamentares não representa o povo mas os interesses
dos grupos que lhes financiam as campanhas. Todos, com raras exceções, falam do
bem comum, mas é pura hipocrisia. Na prática tratam da defesa dos bens
particulares e corporativos. Crer no atalho foi o sonho de Lula que não
pode se realizar.
Por isso, em seus
oito anos, não conseguiu fazer passar nenhuma reforma, nem a política, nem a
econômica, nem a tributária e muito menos a reforma agrária. Não havia base.
A “Carta aos
Brasileiros” que na verdade era uma Carta aos Banqueiros, obrigou Lula a
alinhar-se aos ditames da macroeconomia mundial. Ela deixava pouco espaço para
as políticas sociais que foram aproveitadas tirando da miséria 36 milhões de
pessoas. Nessa economia, o mercado dita as normas e tudo tem seu preço. Assim
parte da cúpula do PT, metida nessa Coalizão, perdeu o contato orgânico com as
bases, sempre terapêutico contra a corrupção. Boa parte do PT traiu sua
bandeira principal que era a ética e a transparência.
E o pior, traiu as
esperanças de 500 anos do povo. E nós que tanta confiança depositávamos no
novo, com as milhares comunidades de base, as pastorais sociais e os grupos
emergentes… Elas aprenderam articular fé e política. A mensagem originária de
Jesus de um Reino de justiça a partir dos últimos e da fraternidade viável,
apontava de que lado deveríamos estar: dos oprimidos. A política seria uma
mediação para alcançar tais bens para todos. Por isso, as centenas de CEBs não
entraram no PT; fundaram células dele e grupos, como instrumento para a
realização deste sonho.
O partido cometeu um
equívoco fatal: aceitou, sem mais, a opção de Lula pelo problemático
presidencialismo de coalizão. Deixou de se articular com as bases, de formar
politicamente seus membros e de suscitar novas lideranças.
E aí veio a
corrupção do “mensalão” sobre o qual se aplicou uma justiça duvidosa que a
história um dia tirará ainda a limpo. O “petrolão” pelos números altíssimos da
corrupção, inegável, condenável e vergonhosa, desmoralizou parte do PT e parte
das lideranças, atingindo o coração do partido.
O PT deve ao povo
brasileiro uma autocrítica nunca feita integralmente. Para se transformar numa
fênix que ressurge das cinzas, deverá voltar às bases e junto com o povo
reaprender a lição de uma nova democracia participativa, popular e justa que
poderá resgatar a dívida histórica que os milhões de oprimidos ainda esperam
desde a colônia e da escravidão.
Apesar de tudo, e
quer queiramos ou não, o PT representa, como disse o ex-presidente uruguaio
Mujica, quando esteve entre nós, a alma das grandes maiorias empobrecidas e
marginalizadas do Brasil. Essa alma luta por sua libertação e o PT redimido
continua sendo seu mais imediato instrumento.
Quem cai sempre pode
se levantar. Quem erra sempre pode aprender dos erros. Caso queira permanecer e
cumprir sua missão histórica, o PT faria bem em seguir este percurso redentor.
*Leonardo Boff,
escreveu: Depois de 500 anos que Brasil queremos, Vozes. Petrópolis
2000.
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