SUBNOTIFICAÇÃO ACIDENTÁRIA
Seara Alimentos condenada a pagar R$ 14.610.000,00 por dano moral coletivo
(*) Luiz Salvador
A Juíza do Trabalho Zelaide de Souza Philippi da 4ª Vara do Trabalho de Criciúma – SC, julgou procedente a Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho da 12ª Região (SC) , subscrita pelo Procurador Jean Carlo Voltolinido, Processo nº 01839-2007-055-12-00-2, condenando a Seara Alimentos a pagar indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 14.610.000,00, correspondendo a 10% do seu lucro líquido auferido no ano de 2010.
Na instrução processual restaram provados os gravíssimos procedimentos adotados pela empresa em desrespeito à legislação protetora da saúde dos trabalhadores, que eram submetidos a trabalhar em meio ambiente desequilibrado e agressivo, sem o fornecimento dos meios de proteção eficientes a neutralizar os riscos de acidentes e ou dos adoecimentos ocupacionais ocorridos, subnotificando a comunicação dos acidentes e adoecimentos ocupacionais, sendo que para mascarar a ocorrência dos infortúnios laborais, quando não exigia trabalho dos adoecidos, exigia a batida do ponto, ainda que o trabalhador pudesse ser dispensado do trabalho.
Conclui a sentença com base nas provas coletadas que a empresa implantava de ritmo frenético de trabalho, em ambiente hostil e com tarefas repetitivas, altamente propensas ao desenvolvimento de doenças ocupacionais, restando evidenciadas uma verdadeira legião de trabalhadores afastados da demandada, alguns em situação irreversível de incapacidade laboral, sem emissão de CAT, o que comprova a prática das repudiadas subnotificações acidentárias.
Essa questão da prática de mercado de subnotificar os acidentes de trabalho é por demais conhecida, sendo que em razão disso o próprio governo aprovou no Parlamento duas ferramentas úteis ao INSS , o NTEP e o FAP
Pelo NTEP o INSS pode conceder o benefício acidentário (B-91), ainda que o empregador não tenha emitido a CAT – Comunicação de Acidentes de Trabalho, ainda que o empregador tenha dúvida se a ocorrência se caracteriza e ou não como acidente, porque a legitimidade pelo reconhecimento do acidente não é do empregador, mas do próprio INSS.
A obrigação de assegurar meio ambiente de trabalho equilibrado, livre de risco de acidente e ou de acidentes ocupacionais é do empregador, sendo que se a doença e ou a sequela laboral não for considerada como acidentária, o trabalhador tem direito, igualmente, ao recebimento do auxílio-doença, mas o previdenciário (B-31), cujo benefício pago ao segurado, por não ter fonte de custeio próprio, como ocorre com os acidentários (SAT), o recurso sai do caixa geral da previdência, provocando os seguidos anúncios do governo com o “ déficit” na concessão dos benefícios previdenciários (auxílio doença-comum).
Até o momento em que inexistia normatização legal para regular o NTEP e o FAT era prática comum de mercado, não se emitir a CAT, que por lei é obrigatória, mas se encaminhava o trabalhador acidentado e ou lesionado para o INSS, visando a obtenção pelo trabalhador segurado do auxílio doença-comum (B-31). Mas o INSS sabedor dessas repudiadas práticas de mercado passou a incluir os valores gastos com o benefício previdenciário no cálculo do FAP, dificultando, assim, aos não investidores em prevenção e descumpridores das normas de segurança e medicina do trabalho, de se beneficiarem da redução das respectivas alíquotas relativas ao SAT, descontadas em folha de pagamento para o financiamento dos acidentes de trabalho.
Com isso, o mercado reagiu, passando, agora a mascarar os gravames ocupacionais ocorridos, não mais encaminhando seus trabalhadores adoecidos ao INSS para receberem o benefício, ainda que previdenciário (auxílio doença-comum, B-31), mas exigindo trabalho, ainda que doentes e ou quando não, a assinatura do ponto e logo dispensados, mascarando-se, dessa forma as ocorrências danosas à saúde física e mental de seus trabalhadores.
Além da condenação da empresa demanda no pagamento de indenização por dano social, houve também condenação por litigância de má-fé e imposição de diversas obrigações de fazer, com as respectivas cominações, acaso haja incumprimento.
(*) Luiz Salvador é advogado trabalhista e previdenciarista em Curitiba-Pr, Ex-Presidente da ABRAT (www.abrat.adv.br), Presidente da ALAL (www.alal.com.br), Diretor do Depto. de Saúde do Trabalhador da JUTRA (www.jutra.org), assessor jurídico de entidades de trabalhadores, membro integrante, do corpo técnico do Diap, do corpo de jurados do TILS – Tribunal Internacional de Liberdade Sindical (México), da Comissão Nacional de Relações internacionais do CF da OAB Nacional e da Comissão de “juristas” responsável pela elaboração de propostas de aprimoramento e modernização da legislação trabalhista instituídas pelas Portarias-MJ 840, 1.787, 2.522/08 E 3105/09, E-mail: luizsalv@terra.com.br, site: www.defesadotrabalhador.com.br
LEIA A ÍNTEGRA DA SENTENÇA
Poder Judiciário Federal
Justiça do Trabalho – 12ª Região
4.ª Vara do Trabalho de Criciúma – SC
Processo nº 01839-2007-055-12-00-2
Termo de Audiência
Aos 15 (quinze) dias do mês de julho de dois mil e onze, às17h00min, na sala de audiências da 4ª Vara do Trabalho de Criciúma-SC, por ordem da Exma. Juíza do Trabalho Zelaide de Souza Philippi, foram apregoadas as partes Ministério Público do Trabalho e outro (2), autores, e Seara Alimentos S.A., ré, para leitura e publicação de sentença.
S E N T E N Ç A
I- RELATÓRIO
O Ministério Público do Trabalho ajuizou, em 05/06/2007, Ação Civil Pública em face de Seara Alimentos S.A. Relata que instaurou procedimento investigatório a partir da demissão por justa causa de dez funcionárias da ré, que se ausentaram por alguns minutos da sala de cortes por não aguentarem o frio intenso do local. Assevera, que, a partir das diligências realizadas, constatou a precariedade das condições de trabalho na empresa, com temperaturas abaixo de 10ºC e carga de trabalho exaustiva, circunstâncias que ensejam número crescente de empregados doentes e incapacitados para o trabalho. Transcreve inúmeros depoimentos de empregados da ré relatando condições desumanas de trabalho. Ressalta o dever do empregador de oferecer meio ambiente de trabalho salubre aos empregados, bem assim reputa violado o princípio da dignidade da pessoa humana. Requer a condenação da empresa ré, em sede de antecipação de tutela, a ser confirmada ao final, nos seguintes títulos:
a) implantar sistema de pausas para descanso de 20min para cada período de
1h40min de trabalho, conforme estabelecido no art. 253 da CLT, incluindo a disponibilização de local adequado à fruição das pausas, dotado de mesas e cadeiras em número suficiente ao conforto dos trabalhadores, sob pena de multa diária de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais); b) não exigir dos empregados a prorrogação da jornada de trabalho, limitando-a a, no máximo, 6h40min de trabalho por dia, correspondente a quatro períodos de 1h40min, alternados com folgas de 20min, sob pena de multa diária de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais); c) garantir aos empregados, a qualquer momento da jornada de trabalho, a saída do posto de trabalho para que satisfaçam suas necessidades fisiológicas, sob pena de multa diária de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais); d) considerar como jornada de trabalho efetiva o tempo gasto para troca de roupas e uniformes, correspondente a 10min na entrada e igual lapso na saída, sob pena de multa diária de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais); e) aceitar atestados médicos de outros profissionais, ainda que não sejam da empresa, acatando o período de afastamento e o tratamento sugeridos, sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por cada atestado recusado, mediante comprovação pelos empregados diretamente ou pelo sindicato respectivo; f) diagnosticar, de forma precoce, as doenças e os agravos à saúde relacionados ao trabalho, e afastar o empregado do trabalho sobre o qual haja suspeita de estar acometido de doença profissional, custeando integralmente o tratamento respectivo – por conta própria ou mediante plano de saúde –, sob pena de pagamento de multa de R$ 100.00,00 (cem mil reais) para cada omissão verificada; g) notificar as doenças profissionais comprovadas ou objeto de suspeita encaminhando o trabalhador à Previdência Social para avaliação e, se for o caso, estabelecimento do Nexo Técnico Epidemiológico na forma da nova legislação, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para cada caso não notificado; e h) pagar indenização ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, no valor de R$ 150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de reais).
Deu à causa o valor de R$ 150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de reais), bem como juntou os documentos de fls. 59/2302, referentes, em síntese, aos laudos do INSS acerca de trabalhadores afastados da empresa ré, tabelas de controle de acidentes de trabalho, e registros de temperaturas da sala de cortes (tabelas internas da empresa, registros do SIF e do termógrafo instalado).
Na decisão de fls. 2305/2321, a Exma. Juíza Desirre Dorneles de Ávila Bollmann deferiu a medida cautelar requerida pelo autor, determinando àempresa ré a implementação imediata dos procedimentos requisitados nos itens "a" a "g" do petitório, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 100.000,00(cem mil reais) em relação a cada item descumprido. Reputou presente, para tanto, o fumus boni juris, porquanto o ramo de atividades da ré emprega rotinas de trabalho altamente propensas à geração de doenças profissionais, bem assim que, em inúmeras demandas em tramitação perante este Foro Trabalhista de Criciúma, recusa-se a empresa a admitir qualquer responsabilidade pelos casos de LER/DORT verificados, tampouco demonstrando qualquer intuito de prevenir o aparecimento de novos casos. Entendeu caracterizado, outrossim, o periculum in mora, diante do comprometimento da dignidade e da saúde dos trabalhadores, expostos a condições de trabalho subumanas.
Citada, a requerida formulou pedido de reconsideração da antecipação de tutela deferida (fls. 2344/2351), com a apresentação dos documentos de fls. 2352/2574.
Rejeitado o pedido de reconsideração formulado, na decisão de
fls. 2577/2584.
Mediante requerimento, foi determinada a inclusão, no polo ativo da demanda, do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carnes e Derivados, Frangos, Rações Balanceadas, Alimentação e Afins de Criciúma e Região, na condição de assistente do Ministério Público do Trabalho (fl. 2658).
Opôs o Ministério Público do Trabalho, à fl. 2660, embargos declaratórios frente à decisão que concedeu a antecipação de tutela pleiteada, os quais foram impugnados pela ré às fls. 2670/2673. Postulou, em síntese, fosse esclarecida a extensão da medida liminar concedida, se restrita à unidade da ré
em Forquilhinha/SC ou aplicável também às demais unidades.
Designada audiência inaugural pelo Juízo (fls. 2662/2667), tendo sido discutidas pelas partes as determinações constantes da antecipação de tutela deferida, sem conciliação.
Postulou a ré, novamente, a cassação dos efeitos da liminar quanto às pausas na jornada (fls. 2684/2686), juntando ofício do Serviço de Inspeção Federal (SIF), do Ministério da Agricultura, no qual exige que os procedimentos de abate de aves sejam contínuos, de modo a evitar contaminação (fls. 2687/2688). Impugnou, ainda, a inclusão do sindicato como assistente do autor (fls. 2681/2683), bem como formalizou proposta de acordo às fls. 2689/2693.
Os pedidos foram rejeitados na decisão de fls. 2697/2700, mantendo-se incólume a decisão liminar deferida, bem assim a assistência litisconsorcial do sindicato obreiro. No tocante à proposta de conciliação, foi determinada a intimação do sindicato para manifestação.
Manifestou-se a ré às fls. 2873/2879, afirmando, em linhas gerais, que não houve resposta do Ministério Público do Trabalho acerca da proposta de acordo formalizada, razão pela qual pleiteia o afastamento do Douto Procurador do Trabalho do caso e a indicação de substituto.
Em nova audiência (fls. 2884/2885), foi apresentada contraproposta pelo Ministério Público do Trabalho, não aceita pela empresa ré.
Foi deferido pelo Juízo, outrossim, a juntada de novos documentos pelo autor (fls. 2887/2901), bem assim a abertura de prazo para defesa da ré.
Em contestação (fls. 2903/2951), a requerida suscitou as seguintes preliminares: a) indeferimento da petição inicial, porquanto não discriminados os beneficiários da demanda, e porque vários funcionários receberam as verbas reclamadas na rescisão contratual, o que faria incidir a Súmula 330 do TST; b) coisa julgada, ao argumento de que vários empregados já pleitearam, em ações judiciais próprias com sentença transitada em julgado, o pagamento das verbas requeridas pelo autor; c) transação, porque várias das demandas individuais dos empregados foram alvo de conciliação quanto às verbas reclamadas; d) litispendência, porquanto permanecem em trâmite várias demandas individuais com objeto idêntico à presente; e) ausência dos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo, sob o fundamento de que não foram esgotadas todas as possibilidades de conciliação quanto às verbas ora postuladas, sequer tendo sido submetida a controvérsia à Câmara de Conciliação Prévia; e f) inépcia da petição inicial, ao argumento de que carecem de causa de pedir as pretensões de utilização do banheiro a qualquer tempo pelos empregados e indenização ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, bem como porque formula o Ministério Público do Trabalho pedido genérico, não identificando os empregados beneficiários. Em prejudicial de mérito, outrossim, postula a incidência da prescrição quinquenal e bienal.
No mérito, propriamente dito, impugna as pretensões lançadas à inicial, nos seguintes termos: a) em relação ao pedido de intervalos do art. 253 da CLT, sustenta que os registros de temperatura corretos não se encontram nos termógrafos, sujeitos a oscilações, mas sim nos documentos denominados CEP – Sistema de Controle Estatístico do Processo, que apresentam temperaturas superiores a 10ºC na sala de cortes, o que afastaria o direito pretendido; entende, ainda, que os empregados da sala de cortes não estariam sujeitos ao dispositivo legal em comento, pois este disciplina a atividade em câmaras frigoríficas, situação absolutamente diversa; b) quanto à prorrogação de jornada, entende que a pretensão do Ministério Público do Trabalho contraria dispositivos legais e constitucionais, que permitem o elastecimento da jornada mediante o pagamento de adicional mínimo de 50%; c) quanto à indenização ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, salienta que tem por objetivo pressionar a empresa e encerrar suas atividades; d) no tocante ao uso dos banheiros, ressalta que a empresa concede dois intervalos diários para este fim, de oito minutos cada; além disso, refere que os empregados podem se ausentar para uso do banheiro em qualquer momento da jornada, bastando que informem ao líder de linha para que providencie a substituição; e) em relação à troca de uniforme, entende sem objeto o pedido, visto que desde 2006 a empresa vem integrando referido lapso na jornada de trabalho; f) quanto à aceitação de atestados médicos de outros profissionais, afirma que a pretensão tem por fulcro os depoimentos unilaterais de empregados revoltados com a empresa, possivelmente por questões salariais, bem assim que o procedimento decorre dos abusos cometidos pelo sindicato obreiro, cujos médicos fornecem atestados aleatoriamente, sem qualquer razoabilidade em relação ao histórico médico de cada funcionário; escora-se, ainda, no conteúdo da Súmula 15 do TST e do art. 75 do Decreto-Lei 3.048/99; g) no tocante ao diagnóstico precoce das doenças profissionais, sustenta que o autor distorce a
realidade dos fatos, visto que ignora todas as medidas preventivas adotadas pela empresa, que dispõe de ampla área médica, com clínicos gerais, ginecologistas e médicos do trabalho, além de fisioterapeutas e fonoaudiólogos, bem assim institui procedimentos de rodízio de funções, ginástica laboral e remanejamento de postos de trabalho; e h) em alegações finais, impugna os depoimentos colhidos pelo autor, visto que unilaterais e tendenciosos, além de instruídos pelo sindicato obreiro; salienta, ainda, a juntada de abaixo assinado pelos funcionários da empresa repudiando a presente demanda; reputa manifestamente excessivos os valores pleiteados, capazes de inviabilizar a manutenção da atividade produtiva da ré, contrariando inclusive o disposto no art. 412 do Código Civil. Requer, por fim, a expedição de ofícios ao INSS e ao Procurador-Chefe do Ministério Público do Trabalho em Santa Catarina, bem assim a produção de prova pericial.
Juntou os documentos de fls. 2952/4696, que se referem, em linhas gerais, aos controles de temperatura realizados, tanto pelo termógrafo quanto pelo CEP; legislação do Ministério da Agricultura, bem assim ofício dirigido à ré quanto à manutenção da temperatura na sala de cortes abaixo de 10ºC, por exigência do mercado externo; fotos da sala de cortes, do frigorífico e do local destinado ao descanso dos trabalhadores durante as pausas no trabalho; abaixo assinado dos funcionários repudiando a presente Ação Civil Pública; contratos
alusivos aos programas de ginástica laboral implementado na empresa; CATs
emitidas e documentação relativa aos benefícios concedidos pelo INSS; relatórios de entrega de EPIs aos empregados, com o respectivo certificado de aprovação;
Perfil Profissiográfico Previdenciário relativo aos empregados e LTCAT da empresa; controles de pausas realizadas em outros setores que não a sala de
cortes; cartões-ponto; e, por fim, cópias das Ações Coletivas propostas frente à
empresa e subsídios jurisprudenciais.
Manifestação do Ministério Público do Trabalho acerca da contestação e dos documentos juntados pela empresa, às fls. 4700/4735, tendo impugnado pormenorizadamente cada uma das prefaciais suscitadas. No mérito, reitera os termos da inicial, reputando comprovado, pelos próprios registros de termógrafo juntados aos autos, que a temperatura na sala de cortes era inferior a 10ºC, ensejando a incidência do art. 253 da CLT. Requer, outrossim, a aplicação da pena por litigância de má-fé à demandada, porquanto, mesmo ciente da inexistência de Câmara de Conciliação Prévia nesta localidade, suscita a preliminar correspondente, no intuito único de tumultuar o andamento do feito.
Junta, ainda, os documentos de fls. 4737/4919, referentes à calibração do termógrafo utilizado na sede ré e laudos do INSS relativos aos trabalhadores
acidentados na empresa.
O sindicato assistente, por sua vez, manifesta-se às fls. 4923/4928. Impugna, inicialmente, o pedido de afastamento do Exmo. Procurador do Trabalho subscritor da petição inicial, aduzindo que não cabe ao Juízo determinar quem representará qualquer dos litigantes, tratando-se, no caso, de matéria de competência interna do Ministério Público do Trabalho. Reputa desnecessária a produção de prova a respeito das condições de trabalho na empresa ré, classificando-as como fato público e notório (art. 334, I, do CPC).
Entende que a própria coação lançada pela ré frente ao Poder Judiciário, ameaçando fechar a unidade produtiva caso mantida a medida liminar, já exemplifica o tratamento dispensado aos funcionários. Reitera a aplicabilidade do art. 253 da CLT, acrescentando que a documentação juntada pela ré refere-se à insalubridade, pelo que irrelevante. Entende incontroversa, ainda, a manutenção da temperatura na sala de cortes abaixo de 10ºC, porquanto a própria ré admite que antes do deferimento da liminar exportava produtos para o Canadá, mercado que exigia temperatura inferior a 10ºC. Noticia o descumprimento da medida liminar, tanto em relação à concessão das pausas quanto no tocante à não emissão de CAT quando verificada doença profissional. Junta os documentos de fls. 4931/4965, que, no seu sentir, evidenciam a inobservância da liminar.
Na decisão de fls. 4971/4972, foram julgados procedentes os embargos de declaração opostos pelo parquet, tendo a Exma. Juíza prolatora da decisão liminar esclarecido que os efeitos da aludida medida ficariam restritos às unidades fabris da ré localizadas no âmbito da competência territorial desta Vara do Trabalho. No tocante ao pedido da ré de substituição do Procurador do
Trabalho em atividade nos autos, entendeu a Magistrada que encontra óbice no art. 128, § 5º, inciso I, alínea "b", da Constituição Federal, referente à garantia de inamovibilidade dos membros do Ministério Público. Quanto ao pedido de expedição de ofício ao INSS, para que informasse quanto ao afastamento de empregados da ré em decorrência de LER/DORT, reputou desnecessária, porquanto já juntados referidos documentos aos autos. Rejeitou, outrossim, o pleito de realização de perícia formulado pela ré, aduzindo que a matéria tratada nos autos é essencialmente de direito. Determinou a juntada, pela empresa ré, dos originais dos documentos requeridos pelos autores, bem assim a designação de audiência de instrução.
Diante daquela decisão, opôs a demandada embargos declaratórios (fls. 4978/4982), objetivando a manifestação do Juízo acerca dos seguintes temas: a) não enquadramento dos embargos do MPT (fl. 2660) nas hipóteses do art. 535 do CPC; b) necessidade de substituição do Procurador do Trabalho em atividade nos autos, em decorrência de manifesto interesse público, conforme exceção ao dispositivo constitucional apontado; e c) necessidade de realização de perícia, na medida em que o art. 253 da CLT tem aplicabilidade restrita às câmaras frigoríficas.
Na audiência de instrução, às fls. 4987/4994, foi postulada pelo Ministério Público do Trabalho a declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 16 da Lei 7.347/85, com redação dada pela Lei 9.494/97, para que fosse dado alcance estadual à decisão proferida nos presentes autos, atingindo as demais
unidades da ré que registram temperaturas inferiores a 10ºC nas respectivas salas de corte. Foram colhidos, ainda, os depoimentos do representante da empresa ré e de uma testemunha indicada pelo Juízo. Reconsiderou o Juízo, em parte, a decisão de fls. 4971/4972, determinando a realização de perícia concernente à temperatura na sala de cortes, com adiantamento de honorários
pela demandada.
Réplicas da ré acerca das manifestações do Ministério Público do Trabalho e de seu assistente às fls. 5586/5592 e 5593/5595, respectivamente, oportunidades em que reiterou o pedido de cassação dos efeitos da medida liminar deferida. Na manifestação de fls. 5610/5611, ainda, pretende a demandada a substituição do perito designado pelo Juízo, asseverando que não tem qualificação profissional para abordar assunto de tamanha complexidade, que, por sua natureza, tem implicações médicas.
Nos autos AG-MS 00420-2007-000-12-00-5, foi dado provimento ao Agravo Regimental interposto pela demandada, tendo os Exmos Juízes da 2ª Seção Especializada deste TRT-SC decidido cassar os efeitos da medida liminar que deferiu a tutela antecipada postulada nos autos (fls. 2305/2321), tudo conforme certidão de fls. 5649.
Na decisão de fls. 5653/5655, foram rejeitados pela Magistrada sentenciante os embargos de declaração opostos pela ré (fls.4978/4982), porquanto a remoção por interesse público de membro do parquet dependeria da observância de uma série de requisitos especiais, cuja avaliação não compete a este Juízo. No tocante ao requerimento da ré de substituição do perito, foi rejeitado, porquanto notória a capacidade daquele profissional, com anos de atuação neste Foro Trabalhista. Por fim, restou deferido o pedido formulado pelo autor de que fossem riscadas as expressões injuriosas empregadas pela ré na manifestação de fls. 5586/5592.
Através de Cartas Precatórias enviadas à 1ª Vara do Trabalho de Itajaí/SC e à 1ª Vara do Trabalho de Jundiaí/SP, foram ouvidas duas testemunhas arroladas pela ré (fls. 5669/5670 e 5687, respectivamente). Requereu o perito nomeado pelo Juízo sua destituição do encargo (fl. 5690), sendo nomeado substituto à fl. 5693.
Opôs a demandada exceção de suspeição frente à Exma. Juíza Desirre Dorneles de Ávila Bollmann, que presidiu todas as audiências pregressas realizadas nos autos, e ao Exmo. Procurador do Trabalho Jean Carlo Voltolini,
subscritor da petição inicial. No tocante à Magistrada, assevera, em síntese: a)
que agiu com manifesto abuso de poder e ilegalidade no deferimento da liminar, que qualifica como aviltante, a qual foi posteriormente cassada junto ao E. TRT;
b) que faz pré-julgamento do feito, visto que, em que pese todas as provas em sentido contrário, tem deferido as pausas do art. 253/CLT em demandas individuais; c) que trata de forma desigual as partes nas audiências designadas, as quais servem apenas à execração pública da empresa ré; d) designação de prazo exíguo para manifestar-se acerca das réplicas do autor e do sindicato assistente, absolutamente incompatível com a complexidade da matéria abordada e o volume de documento juntados no presente feito; e e) envio de notícias desabonadoras à empresa para publicação no sítio do E. TRT na internet. Quanto ao Exmo. Procurador do Trabalho, assevera que faz da presente ação verdadeira vendeta pessoal, não medindo esforços a encerrar as atividades da empresa ré nesta localidade. Relata que o representante do parquet recusa-se a receber os representantes da empresa, confisca documentos, distorce documentos e laudos juntados aos autos e postula multas milionárias. Às audiências realizadas, ressalta que a postura do Exmo. Procurador foi absolutamente incompatível com a função da instituição que representa, tentando sempre tomar o controle dos trabalhos, tudo com a conivência da Magistrada excepta. A requerida juntou, outrossim, laudo pericial realizado por seu assistente técnico às fls. 5697/5717.
Apresentado laudo técnico pelo perito designado pelo Juízo, às fls. 5730/5811, tendo concluído que a alta incidência de temperatura abaixo de 10ºC, na sala de cortes, esteve restrita ao período compreendido entre março/2004 e junho/2007, tendo sido aferida, na data da perícia, temperaturas superiores àquela marca. Salientou, outrossim, a insuficiência dos equipamentos de proteção disponibilizados pela empresa ré quanto ao frio, tanto em relação às
luvas quanto ao moletom. Salientou, outrossim, seu entendimento de que inexiste diferença, para fins de enquadramento no art. 253 da CLT, entre as câmaras frigoríficas e as salas de cortes, bastando ao empregado trabalhar em ambiente artificialmente frio.
Manifestou-se o MPT às fls. 5832/5850, aduzindo, quanto à exceção de suspeição, que intempestiva, porquanto cabia à ré suscitá-la na primeira oportunidade em que se manifestasse nos autos, o que não observou.
De todo modo, salienta que a medida, como tantas outras intentada pelos patronos da ré, tem intuito exclusivamente protelatório, objetivando tumultuar o
andamento da demanda. Sustenta a inexistência de fundamentos fáticos e jurídicos para o afastamento das autoridade exceptas, tentando a demandada
provocar, deliberadamente, situação de fictícia animosidade a fim de corroborar
sua tese. Requer, novamente, a aplicação da pena por litigância de má-fé. No
tocante ao laudo pericial, impugna as medições lançadas pelo perito, aduzindo que causa estranheza o fato de terem sido aferidas, na data da inspeção, temperaturas muito superiores a 12ºC, inclusive em desrespeito à legislação nacional de produção de alimentos.
O sindicato assistente, outrossim, fez coro às alegações do Ministério Público do Trabalho, impugnando a exceção de suspeição suscitada e requerendo a aplicação da pena por litigância de má-fé à requerida.
Rejeitada a exceção de suspeição às fls. 5864/5865, tendo o Exmo. Juiz Erno Blume considerado preclusa a matéria, porque, remontando fatos ocorridos à época da propositura da demanda, não foi levantada no momento processual oportuno, ou seja, na primeira oportunidade de manifestação pela primeira.
Na manifestação de fls. 5876/5879, a demandada reputa nulo o laudo pericial produzido nos autos, ao argumento de que o perito realizou inspeções complementares sem a devida intimação à ré. Superada a nulidade, impugna o conteúdo do laudo pericial, aduzindo que o perito lança mão de conceitos aleatórios desprovidos de fundamentação técnica, fabricando gráficos incompreensíveis e tecendo considerações que fogem em muito à sua qualificação profissional, tendo inclusive de terceirizar parte da tarefa. Finaliza
requerendo a substituição do perito e a realização de nova inspeção, ou o acolhimento do laudo produzido pelo assistente técnico da empresa, não impugnado por nenhum dos litigantes.
Manifestou-se o Ministério Público do Trabalho às fls. 5986/6062, oportunidade em que impugnou o laudo pericial produzido pelo assistente técnico da demandada. Reitera, outrossim, a constatação do perito judicial de que havia
alta incidência de temperaturas abaixo de 10ºC na sala de cortes, bem assim de que ingênua a conclusão de que, na data da perícia, a temperatura excedia a 12ºC, o que representaria violação às normas sanitárias nacionais e internacionais. Impugna, ademais, a limitação temporal constante do laudo para as temperaturas inferiores a 10ºC, cujo termo foi fixado em junho/2007, aduzindo que não foi analisado o período posterior. Relata a juntada de e-mail oriundo da própria ré atestando a manutenção da temperatura abaixo de 10ºC (fl. 5944).
Rebela-se contra a falta de urbanidade do advogado Washington Teles Freitas
Jr., patrono da demandada, que ironiza e menospreza tanto o Procurador do Trabalho atuante nos autos como o perito judicial e o próprio Poder Judiciário, conduta que não pode passar impune. Reputa comprovado, a partir do documento de fl. 2889 que a empresa, mesmo quando não está produzindo para o Canadá, mantém a temperatura da sala de cortes inferior a 10ºC, o que torna devidas as pausas previstas no art. 253 da CLT. Reitera a impugnação ao novo sistema de controle de temperatura adotado pela ré a partir de julho/07, considerando estranho que, logo após a propositura da presente Ação Civil Pública, subitamente substituísse a medição por termógrafos, que comprovavam a manutenção da temperatura abaixo de 10ºC. Ressalta o conteúdo dos laudos do INSS juntados aos autos, que comprovam a não emissão de CAT pela empresa quando verificada doença profissional, na tentativa de se esquivar de suas obrigações legais. Requer: a) o indeferimento do pedido de destituição do perito judicial e a manutenção integral do laudo produzido; b) sejam riscadas do processo as expressões injuriosas empregadas pelo patrono da ré; c) sejam desentranhados os documentos de fls. 5945/5981; d) seja desconsiderado o laudo pericial produzido pelo assistente técnico da empresa; e) seja aplicada à empresa a pena por litigância de má-fé; f) seja encerrada a instrução processual e entregue a prestação jurisdicional; e g) sejam adotadas posturas firmes a fim de preservar o nível das discussões, rechaçando-se a deselegância do advogado indicado.
Nova manifestação da ré às fls. 6114/6123, ocasião em que impugna os documentos juntados pelo autor, qualificando-os como fruto do desespero daquela parte, que já vislumbra a improcedência da ação. Salienta a ausência de fundamentos técnicos a corroborar a versão patronal, bem assim defende o conteúdo do laudo pericial produzido por seu assistente técnico, que reflete corretamente as condições de trabalho na sala de cortes. Novamente requer a destituição do perito judicial designado nos autos, aduzindo que não qualificado a analisar questão de tamanha complexidade. Opõe-se à pretensão de desentranhamento de documentos formulada pelo autor, aduzindo que o Laudo
Técnico de Avaliação Ocupacional juntado às fls. 5945/5981 avaliou todos os
postos de trabalho da Unidade de Forquilhinha. Por fim, impugna a pretensão de pagamento de indenização ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) no importe de R$ 150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de reais), aduzindo que se trata de vingança pessoal do representante do parquet, absolutamente desproporcional à extensão de qualquer dano social verificado nos autos.
A requerida juntou, ainda, as notas fiscais relativas aos equipamentos de proteção adquiridos (fls. 6304/7320), documentos que não foram conhecidos pelo Juízo, conforme despacho de fl. 6301.
À audiência de fl. 7328, requereram as partes a suspensão do feito por quinze dias, para tentativa de conciliação, o que foi deferido pelo Magistrado. Postulou a ré, outrossim, a reconsideração do despacho de fl. 6111, item 2, no tocante à juntada das notas fiscais relativas aos EPI adquiridos.
No despacho de fl. 7338, foi reconsiderado o teor dos despachos de fls. 6296 e 6301, a fim de evitar futura arguição de nulidade processual, abrindo-se prazo aos autores para se manifestarem acerca dos documentos juntados pela ré (notas fiscais dos equipamentos de proteção).
Manifestaram as partes, às fls. 7331/7334 e 7339, o insucesso das tentativas de conciliação empreendidas, com a juntada das atas de audiências administrativas realizadas na sede do autor.
Através da petição de fl. 7378, foi noticiada pelo sindicato assistente a concessão de efeitos modificativos aos embargos de declaração opostos nos autos do MS 00420-2007-000-12-00-5, conforme decisão cuja cópia foi juntada às fls. 7379/7388, sendo restabelecidas, em sua maioria, as medidas constantes da liminar deferida nos presentes autos (fls. 2305/2321). Assevera,
contudo, que a demandada não vem cumprindo aquela decisão, buscando a
adoção de medidas aptas a garantir a efetividade do comando judicial.
Designada nova audiência (fls. 7389/7395), agora presidida por essa juíza sentenciante, restaram infrutíferas as tentativas de conciliação, ante a disparidade das propostas apresentadas pelos litigantes. Passando-se à instrução processual, foram ouvidas duas testemunhas trazidas pelo Ministério Público do Trabalho e duas pela parte ré. Declararam os litigantes, à ocasião, não terem interesse na conciliação, bem como não terem mais provas a produzir, à exceção da juntada de documentos pela ré alusivos à contradita das testemunhas ouvidas a requerimento do autor, o que foi deferido.
Juntou a ré, às fls. 7397/7614, os documentos referentes às demandas individuais propostas pelas testemunhas trazidas pelo autor contra a empresa, que, no seu sentir, comprovam a ausência de isenção de ânimo para depor, justificando a contradita lançada em audiência e rejeitada pelo Juízo.
Alegações finais do Ministério Público do Trabalho, por memoriais, às fls. 7616/7630. Em relação ao pedido de concessão das pausas do art. 253 da CLT, em síntese, refere: a) o E. TRT-SC manteve parcialmente a medida liminar determinada nos presentes autos, o que demonstra sensibilidade daquele órgão quanto à saúde dos empregados da ré, expostos a condições de
trabalho absolutamente hostis, que compreendem ritmo frenético de trabalho, com movimentos repetitivos e em ambiente frio; b) a empresa ré foi duas vezes autuada pelo Ministério do Trabalho e Emprego por não conceder as pausas previstas no art. 253 da CLT, mesmo em relação a trabalhadores expostos a temperatura de até 25ºC negativos; c) juntou pesquisa realizada com os empregados da ré que, no seu sentir, representam alarmante retrato das condições desumanas de trabalho oferecidas pela empresa; d) os laudo periciais do INSS denotam a legião de empregados da empresa afastados do trabalho por doenças profissionais, sem a lavratura de CAT pelo empregador, o que igualmente é notório ante o expressivo número de demandas individuais com aquele objeto em tramitação nas Unidades Judiciárias de Criciúma; e) as
medições de temperatura oriundas da própria demandada (tabela interna e registros dos termógrafos) dão conta de que os empregados da sala de cortes
são submetidos a temperaturas inferiores a 10ºC, o que igualmente foi reconhecido pelo representante da ré à audiência de fls. 2697/2700, quando
admitiu que o Canadá, um dos mercados para o qual são exportados os produtos da SEARA, exige a manutenção da sala de cortes em temperaturas inferiores àquele marco; f) o laudo pericial produzido nos autos, bem assim o depoimento prestado pelo fiscal do SIF, igualmente, denotam que a temperatura da sala de cortes era inferior a 10ºC; g) o LTCAT apresentado sequer contempla o frio como agente nocivo, tendo a empresa, após a alegação pelo autor, juntado "novo" laudo apócrifo referente àquele agente, o que revela descaso com a saúde dos trabalhadores naquelas condições; h) os EPI oferecidos pela demandada mostraram-se imprestáveis a proteger os empregados do frio, conforme aferido pelo perito judicial designados nos autos; i) a atual jurisprudência do TST não faz distinção, para efeito de concessão das pausas legais, entre câmara frigorífica e qualquer ambiente artificialmente frio, caso da sala de cortes da empresa ré. No tocante ao pedido 3 da inicial – garantia de saída dos empregados a qualquer tempo para irem ao banheiro – salienta que a ré não comprovou a assertiva de que bastava comunicar ao superior hierárquico para o trabalhador se ausentar, não tendo indicado sequer uma testemunha da área de produção. Quanto ao pedido de integração na jornada de trabalho do tempo destinado à troca de uniformes (item 4 da inicial), assere que apenas parte dos trabalhadores da ré estão sob guarida da ação coletiva intentada para este fim pelo sindicato, pelo que não há falar em perda de objeto da presente Ação Civil Pública. Em relação ao pedido 5 da inicial (aceitação de atestados médicos de outros profissionais, que não aqueles integrantes dos quadros da empresa), reputa comprovado que a ré coage os empregados a trabalharem mesmo doentes, bem assim sustenta a inconstitucionalidade da Súmula 15 do TST. Quanto aos pedidos 6 e 7 da inicial, referentes ao diagnóstico e notificação de acidentes de trabalho ao INSS, reitera que os laudos médicos do ente previdenciário, que reconhecem o nexo de causalidade das lesões com o trabalho, comprovam a prática da ré de sonegar a notificação correspondente. Por fim, renova o pedido de condenação da demandada ao pagamento da multa por litigância de má-fé.
O sindicato assistente, por sua vez, juntou alegações finais escritas à fl. 7633, oportunidade em que adverte acerca da existência de requerimento pendente de análise, bem assim transcreve os termos do depoimento prestado pelo ex-médico do trabalho da empresa na RT 418-2008-027-12-00-6.
A demandada, por fim, igualmente protocolou razões finais por memoriais, nos quais destaca, preliminarmente, a nulidade do processo por quebra dos princípios constitucionais e judiciais de igualdade e disciplina judiciária (arts. 125 do CPC e 5º e 103-A da Constituição Federal), bem assim por cerceamento de defesa, ante o indeferimento da nova prova pericial postulada.
Salienta que a presente demanda não passa de um "castelo de cartas" criado
pelo autor, inocentemente influenciado pelo sindicato assistente, destacando o
"calvário" que sofre há quatro anos para fazer valer suas garantias legais e
constitucionais. Relata os métodos ilegais adotados pelo parquet, cujas violações às normas legais culminaram no indevido ajuizamento da presente ação. Ressalta o absurdo procedimento adotado nos autos, tendo sido deferida medida liminar absolutamente carente de provas (tanto que posteriormente cassada pelo E. TRT em Agravo Regimental), somente sendo designada audiência inicial em razão dos insistentes protestos da empresa. No mérito, salienta: a) que os documentos trazidos aos autos, mesmo aqueles que acompanharam a petição inicial, denotam que a temperatura na sala de cortes sempre foi superior a 10ºC, o que afastaria a concessão das pausas pretendidas; b) que o termógrafo utilizado apresentava oscilações de temperatura, razão pela qual foi substituído por sistema de medição mais fidedigno; c) que a sala de cortes da empresa não se assemelha às câmaras frigoríficas contempladas no art. 253 da CLT, sendo esse outro fator a afastar o
direito às pausas durante a jornada de trabalho; d) que o MPT se vale de depoimentos de pessoas há muito desligadas da empresa, bem assim de indivíduos cujo perfil ético e moral não baliza a credibilidade de suas assertivas, ao contrário da prova testemunhal produzida pela empresa, constituída de pessoas isentas, técnicas e livres de qualquer interesse; e) o laudo pericial produzido nos autos é nulo, diante da total carência de conhecimento técnico do perito, que sequer sabia operar seus equipamentos, tendo terceirizado essa tarefa a outrem, devendo ser considerados apenas os laudos juntados aos autos pela empresa; f) as testemunhas do autor foram contraditadas à audiência, tendo restado comprovado que carecem de isenção de ânimo ara depor, porquanto são "co-participes" no "rol de absurdos" que motivou a propositura da presente demanda; g) a nulidade da decisão que rejeitou a suspeição da Exma. Juíza Desirre Dorneles de Ávila Bollmann, tendo sido prolatada mais de seis meses após a arguição, certamente no intuito de aguardar a remoção daquela Magistrada, cuja conduta abusiva e incompatível inclusive foi reconhecida pelo E.TRT, na decisão que cassou a medida liminar deferida; h) a irregularidade de representação do sindicato assistente, porquanto a procuração de fls. 2658/2659 não encontra-se acompanhada da ata de eleição de seu outorgante e dos estatutos societários, requerendo o desentranhamento de todas as manifestações daquela parte. Por fim, impugna uma a uma as pretensões da petição inicial: em relação às pausas, novamente afirma que a temperatura na sala de cortes não atrai a incidência do dispositivo legal apontado pelo MPT; quanto à prorrogação de jornada, aduz que os empregados atualmente estão submetidos a jornada de 7h20min diários, pelo que inócua a pretensão; quanto às idas ao banheiro, assevera que as próprias testemunhas do autor reconhecem a existência de dois intervalos específicos para este fim, bem assim que, sendo necessário, basta ao empregado comunicar o supervisor para que designasse substituto; no tocante à troca de uniforme, salienta que a pretensão encontra óbice na coisa julgada material, porque, em razão de sentença prolatada em ação coletiva movida pelo sindicato assistente, desde 2006 integra aquele período na jornada de trabalho
para todos os fins; em relação aos atestados médicos, novamente entende sem objeto o pedido, porquanto sempre aceitou atestados de profissionais não ligados à empresa, apenas rejeitando aqueles manifestamente fraudulentos e
incompatíveis com o histórico médico do trabalhador; no tocante ao diagnóstico e notificação das doenças profissionais ao INSS, sustenta que cumpre todas as
disposições legais pertinentes, sendo os documentos apresentados pelos autores oriundos de médicos corruptos, associados a fraudes na concessão de benefícios previdenciários; repudia a "maliciosa" nota juntada pelo autor em memoriais, oriunda do Serviço de Distribuição de Feitos deste Foro de Criciúma, aduzindo que o sistema judiciário trabalhista incentiva o ajuizamento gratuito de demandas inconsequentes e absurdas; por fim, quanto ao pleito de indenização ao "famigerado" FAT, relata que não causou qualquer dano à sociedade, bem assim que o valor postulado é "delirante", capaz de inviabilizar a manutenção da atividade produtiva da ré, deixando desamparados os cerca de 8.000 trabalhadores diretos e indiretos aos quais dá sustento.
Não havendo mais provas a serem produzidas, a instrução processual foi encerrada.
Razões finais escritas, renovando as partes os protestos lançados.
Propostas conciliatórias rejeitadas.
É o relatório.
DECIDO:
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Preliminar de nulidade processual
Suscita a demandada, em razões finais, a preliminar de nulidade de todo o processado, por quebra dos princípios legais de igualdade, disciplina judiciária, ampla defesa, contraditório e presunção de inocência, e, ainda, pela não observância do direito de petição, por cerceamento de defesa e pela formação de Juízo ou Tribunal de Exceção. Sustenta, em linhas gerais, que a presente demanda tem por fulcro vingança pessoal dirigida pelo Exmo. Procurador do Trabalho contra a empresa, promovendo investigações sigilosas das quais só teve notícia quando do ajuizamento da Ação Civil Pública. Relata ter sofrido calvário, no curso da lide, para fazer valer suas garantias legais e constitucionais, numa “inglória luta” para que fosse observada a igualdade entre os litigantes e o devido processo legal. Ressalta a postura incompatível da Exma. Juíza Desirre Dorneles de Ávila Bollmann, que, mesmo absolutamente carente de provas, deferiu prematura e abusiva antecipação de tutela – que posteriormente foi cassada no E. TRT –, sequer se dignando a marcar audiência conciliatória no feito.
Sem razão.
O sistema de nulidades do processo trabalhista preconiza que não haverá declaração de nulidade processual senão quando os atos inquinados ocasionarem manifesto prejuízo às partes litigantes, conforme dicção do art. 794 da CLT (princípio da transcendência). Dispõe, ainda, no artigo seguinte (795), que o reconhecimento da nulidade dependerá de provocação das partes, na primeira oportunidade que tiverem para se manifestar nos autos (princípio daconvalidação).
Nesse contexto, entendo, primeiramente, que preclusa a arguição de nulidade suscitada em razões finais. Isso porque as razões lançadas pela ré denotam fatos há muito passados, remontando aos procedimentos investigatórios do Ministério Público do Trabalho que culminaram na propositura da presente Ação Civil Pública, bem assim insurgindo-se contra a atuação da Exma. Juíza
Desirre Dorneles de Ávila Bollmann, que presidiu as primeiras audiências designadas no feito, e que atualmente sequer encontra-se lotada no Foro Trabalhista de Criciúma. Aliás, no tocante à Magistrada em questão, as assertivas da ré inclusive já foram rechaçadas, por idênticos fundamentos, na decisão de fl. 5864, que julgou a exceção de suspeição suscitada.
Saliento, por oportuno, que desde o início da demanda, cuja tramitação já completa quatro anos, teve a demandada inúmeras oportunidades de se manifestar nos autos, sobretudo após a concessão da medida liminar pela Magistrada em questão (fator principal a justificar a alegada nulidade processual), não tendo, oportunamente, suscitado a nulidade, o que fez somente em razões finais. Veja-se, por exemplo, a manifestação de fls. 2344/2351, imediatamente posterior à concessão da tutela antecipada pela Magistrada referida, em que não faz a demandada menção a qualquer nulidade, seja da decisão em si, seja dos procedimentos adotados pelo autor anteriormente à propositura da demanda, limitando-se a requerer a reconsideração da decisão. Igualmente ocorreu na audiência de fls. 2662/2667, quando não arguiu a demandada qualquer nulidade.
Assim, não arguida a nulidade processual no momento oportuno, entendo preclusa a discussão da matéria.
De todo modo, ainda que assim não fosse, razão não assistiria à ré. Isso porque as argumentações lançadas em razões finais não demonstram, de forma cristalina, eventual prejuízo sustentado pela empresa capaz de ensejar a
nulidade. Em verdade, limita-se a demandada a lançar mão de assertivas absolutamente genéricas, revelando sofrer “calvário” na “inglória” luta para preservação de suas garantias constitucionais, sem, no entanto, indicar precisamente que atos do Juízo importaram nessa situação.
Igualmente revolta-se contra o Ministério Público do Trabalho, cujas atitudes, ainda nos procedimentos preparatórios ao ajuizamento da presente demanda, teriam importado em violação às suas garantias constitucionais. Não identifica, contudo, em que consistiram esses procedimentos, limitando-se a asseverar que não intimada a se manifestar naquela fase, o que, além de inverídico (tanto que presenciou a visita dos representantes do órgão à sede da empresa), seria justificável ante a natureza investigatória da diligência.
Ora, em atenção ao aludido art. 794 da CLT, é imprescindível à declaração de nulidade o apontamento inequívoco de prejuízo sofrido pela parte, não servindo a esse fim as evasivas e genéricas assertivas lançadas pela requerida em razões finais (fls. 7635/7644).
De mais a mais, reitero que a presente demanda já tramita há mais de quatro anos, contando atualmente com nada menos que 40 volumes, pelo que incompreensíveis as alegações da demandada, em razões finais, de que não teria sido observados os princípios constitucionais da ampla defesa, contraditório, igualdade entre as partes e devido processo legal. Isso porque, no curso desse 40 volumes, foi oportunizada à ré toda e qualquer manifestação que achasse conveniente, muitas vezes inclusive empregando termos deselegantes em relação ao Juízo e aos demais litigantes. Igualmente, teve a ré a faculdade de juntar toda a sorte de documentos que entendesse apropriada, inclusive após a contestação. Veja-se, igualmente a título de exemplo, os documentos de fls. 6304/7320 (notas fiscais relativas aos equipamentos de proteção disponibilizados), que, embora intempestivamente juntados – visto que não acompanharam a defesa –, foram conhecidos pelo Juízo justamente para prevenir eventual arguição de nulidade (despacho de fl. 7338).
Cabe indagar à demandada, nesse sentido: ante as inúmeras oportunidades em que teve vistas dos autos e se manifestou, onde exatamente reside a violação ao princípio do contraditório? Considerando que todos os documentos apresentados pela ré, alguns inclusive impertinentes às questões tratadas, foram juntados aos autos, em que consiste a quebra da igualdade entre as partes ou a ofensa à ampla defesa? Que procedimento adotado pelo Juízo, especificamente, importou em violação ao devido processo legal? Diante das inúmeras manifestações da ré no corpo dos autos, em que circunstâncias não foi observado o direito de petição? A argumentação da ré, lançada em razões finais, não traz qualquer resposta, apenas as assertivas evasivas e genéricas já
mencionadas, que não podem prevalecer.
Tampouco há falar em cerceamento de defesa, sobretudo pelo indeferimento da produção de nova prova pericial nos autos, reputando a empresa imprestável o laudo de fls. 5730/5811. Isso porque o Magistrado goza de ampla liberdade na condução do processo, por força do que dispõe o art. 765 da CLT, tendo a prerrogativa de indeferir as diligências que repute desnecessárias à solução do feito. No caso dos autos, entendendo suficiente a prova pericial produzida, cujo requerimento partiu da própria demandada à contestação, justificável o indeferimento da produção de nova prova, mormente porque garantida à ré a juntada de laudo pericial em sentido contrário (fls. 5697/5717), produzido por seu assistente técnico.
Nesse sentido:
CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. O indeferimento de pedido de ouvida de testemunha não configura cerceamento de defesa quando o Juízo firmou seu convencimento com base no conjunto probatório dos autos. O Magistrado dispõe de ampla liberdade na direção do processo (artigo 765 da CLT), podendo determinar as provas necessárias à instrução do feito, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias (artigo 130 do
CPC). (RO 05860-2009-028-12-00-6, Rel. Juíza Maria de Lourdes Leiria, publicado no TRTSC/DOE em 13-05-2011) NULIDADE DO PROCESSO POR CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. As normas dos arts. 765 da CLT e 130 do CPC asseguram ao magistrado ampla liberdade na direção do processo, conferindo-lhe poderes para indeferir diligências inúteis ou meramente protelatórias. Assim, quando as provas dos autos, especialmente a pericial, são suficientes para o Juízo formar seu convencimento, justifica-se o indeferimento da oitiva de testemunhas. (RO 02906-14.2010.5.12.0014, Rel. Juíza Lília Leonor Abreu, publicado no TRTSC/DOE em 20-06-2011).
Por fim, igualmente carece de razão a ré quando alega, no intuito de ver declarada a nulidade processual, a formação de Tribunal de Exceção, proibida pelo inciso XXXVI do art. 5º da Carta Magna. De início, porque referida assertiva é manifestamente inovatória, não havendo qualquer menção quando da primeira manifestação da ré. Segundo, porque, a toda evidência, a demanda foi proposta perante o órgão previamente instituído e competente para o julgamento das questões suscitadas, conforme critérios estabelecidos no art. 114 da própria Constituição Federal. Tanto é assim que, posteriormente a ré logrou êxito, ao menos momentaneamente, em cassar a medida liminar deferida pelo Juízo junto ao Tribunal ad quem.
Pelo que, não verificando nos autos qualquer vício capaz de ensejar a nulidade processual, rejeito a prefacial suscitada.
2. Preliminar de nulidade da decisão de fl. 5864
Reitera a demandada, ainda em razões finais, a prefacial de nulidade da decisão em epígrafe, que rejeitou a exceção de suspeição lançada frente à Exma. Juíza Desirre Dorneles de Ávila Bollmann. Assevera, em síntese que referida sentença somente foi prolatada 6 meses após a propositura da exceção, certamente no intuito de aguardar a remoção da Magistrada em questão para a Vara do Trabalho de Timbó. Salienta que a conduta abusiva da Magistrada somente restou comprovada a partir da decisão do E. Regional Catarinense que cassou a liminar concedida, razão pela qual inexiste preclusão a ser declarada.
Novamente sem razão.
A decisão de fl.5864, prolatada pelo Exmo. Juiz Erno Blume, rejeitou a exceção de suspeição lançada em face da Magistrada Desirre Dorneles de Ávila Bollmann, ao argumento de que preclusa a matéria, não tendo sido suscitada pela demandada na primeira oportunidade em que se manifestou nos autos.
Primeiramente, saliento que a presente questão já foi decidida em primeira instância, razão pela qual a prefacial suscitada pela demandada em razões finais não é mais passível de análise por este Juízo, cabendo à empresa renová-la em eventual recurso ordinário, a fim de que seja analisada pelo Tribunal ad quem.
De todo modo, entendo pertinentes algumas considerações a respeito da matéria. De início reitero a tese de preclusão aventada na decisão, porquanto, reputando suspeita a Magistrada referida a partir da concessão da tutela antecipada requerida, cabia à demandada ter se manifestado àquela ocasião, e não aguardado o resultado do Mandado de Segurança interposto junto ao E. TRT. Em outras palavras, não foi a cassação da liminar (ato sequer praticado pela excepta), que tornou suspeita, aos olhos da ré, a Exma. Juíza Desirre, e sim a concessão da medida liminar pleiteada pelo autor, razão pela qual a partir daquele momento deveria ter se insurgido.
Por outro lado, saliento que a mera reforma da decisão de origem no órgão ad quem, ou mesmo a cassação de medida liminar deferida (que, digase de passagem, foi posteriormente restabelecida), não torna suspeito o Magistrado a quo, a quem é garantida a plena independência para formar seu convencimento, desde que fundamentada a decisão (art. 93, inciso IX, da Constituição Federal), o que foi observado pela Juíza excepta. Caso contrário,
adotada à risca a ótica da demandada, não haveria Juiz de primeiro grau isento
no Poder Judiciário nacional, visto que absolutamente todos já tiveram decisões reformadas nas instâncias superiores.
Rejeito.
3. Preliminar de inépcia/indeferimento da petição inicial
Argui a empresa ré, em contestação, a prefacial de indeferimento da petição inicial, ao argumento de que o autor não individualizou os beneficiários da presente Ação Civil Pública, não havendo identidade fática e jurídica em relação a cada trabalhador, cabendo a cada um, individualmente, postular em
Juízo as verbas que entende devidas. Salienta, outrossim, que vários empregados, quando da rescisão contratual, receberam valores a título de horas extras, o que importa na incidência da quitação prevista na Súmula 330 do TST.
Suscita, ainda, a inépcia da inicial, ao argumento de que carecem de causa de pedir as pretensões de autorização de ida dos funcionários ao banheiro em qualquer tempo e de indenização ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, bem assim que o Ministério Público do Trabalho formula pedido genérico, não identificando os tutelados pela demanda.
Carece de razão, novamente.
Na petição inicial, narrou o Ministério Público do Trabalho ter instaurado procedimento investigatório, a partir da demissão por justa causa de nove empregadas da ré, no qual foram apuradas condições extremamente precárias de trabalho na empresa, com ritmo alucinante de trabalho, em ambiente hostil e com atividades repetitivas, altamente propícias ao desenvolvimento de doenças profissionais incapacitantes. Postulou, nesse contexto, a adoção de uma série de medidas, entre elas a integração de pausas durante a jornada e a impossibilidade de prorrogação.
Nesse contexto, tem-se que a presente demanda busca imputar à demandada uma série de obrigações de fazer e não fazer com relação à coletividade dos empregados a ela vinculados. Trata-se, a toda evidência, de ação que visa a tutelar direitos e interesses de natureza coletiva, conceituados pelo art. 81, parágrafo único, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor, como “os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”.
O caso dos autos se amolda perfeitamente ao dispositivo legal transcrito, porquanto os beneficiários da Ação Civil Pública, embora indeterminados, são determináveis, compreendendo a coletividade dos empregados da empresa ré (presentes e futuros), a ela unidos por relação jurídica uniforme, qual seja, o vínculo empregatício.
Por outro lado, compartilho do entendimento esposado pelo autor na manifestação de fls. 4700/4735, de que a própria ré, em contestação, delimita os beneficiários da presente Ação Civil Pública, expressamente referindo-se aos empregados dos setores de corte, estocagem, encaixotamento e paletização, em flagrante contradição à prefacial ora suscitada. Aliás, compulsando a contestação juntada (fls. 2903/2951), bem assim as inúmeras manifestações da demandada no curso dos autos, concluo que não sofreu ela qualquer prejuízo em sua defesa, tendo refutado especificamente todas as pretensões lançadas pelo parquet.
Em se tratando de ação que tem por fulcro a preservação do meio-ambiente de trabalho nas unidades da demandada, a titularidade inegavelmente cabe ao Ministério Público, por força do que dispõe o art. 129, inciso III, da Carta Magna1, e não aos trabalhadores de forma individual, razão pela qual não há falar em incidência da quitação prevista na Súmula 330 do TST.
De todo modo, vale lembrar que não postula o MPT o pagamento das horas extras sonegadas – o que poderia gerar duplicidade em relação àquelas percebidas por cada empregado quando da rescisão contratual –, mas a proibição da empresa de exigir sobrejornada dos trabalhadores expostos àquelas condições hostis de trabalho (obrigação de não-fazer), objeto que, de natureza indisponível, não admite quitação ou transação.
1 São funções institucionais do Ministério Público (...) promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.
Assim, não há falar em cumulação indevida de lides, como aduz a ré em contestação, porquanto há nos autos uma única lide, proposta pela autoridade à qual a Constituição Federal confere a defesa da ordem pública e dos direitos coletivos e difusos.
Por outro lado, carece de razão ao suscitar a inépcia da inicial ao argumento de que os itens 3 (garantia aos empregados de saída do posto de trabalho, a qualquer tempo, para a satisfação de suas necessidades fisiológicas) e 7 (indenização ao Fundo de Amparo ao Trabalhador) careceriam de causa depedir, o que não se verifica.
Primeiramente, relatou o Ministério Público do Trabalho à inicial ambiente de trabalho absolutamente inadequado na unidade inspecionada da ré, sendo expostos os trabalhadores a condições incompatíveis com a garantia da dignidade da pessoa humana. Entre as medidas que reputou necessárias à melhora das condições de trabalho, bem assim à minimização dos riscos de doenças ocupacionais, elencadas à fl. 45, encontra-se expressamente a “garantia aos empregados da ré de, a qualquer momento da jornada, possam sair do posto de trabalho para que satisfaçam suas necessidades fisiológicas”, restando caracterizada a causa de pedir.
Ademais, o pedido 7 da inicial foi alvo de tópico próprio na fundamentação da causa de pedir (item 16, fls. 54/55), tendo o Ministério Público do Trabalho ressaltado a má-fé da empresa demandada ao praticar atos tendentes a impedir a aplicação das normas trabalhistas, colocando a obtenção de lucro acima das limitações fisiológicas e da própria saúde dos empregados, conduta que inclusive, no seu sentir, poderia ser enquadrada em diversos tipos penais. Nesse contexto, reputando comprovado o dano social emergente, requereu a condenação da empresa ao pagamento de indenização ao FAT, pelo que não se pode cogitar de ausência de causa de pedir.
Rejeito.
4. Preliminar de coisa julgada
A demandada suscita, outrossim, a prefacial de coisa julgada, sob o fundamento de que vários empregados já ajuizaram reclamatórias trabalhistas contra a empresa postulando verbas idênticas àquelas pretendidas na presente
Ação Civil Pública (pausas do art. 253 da CLT, horas extras, etc.), tendo algumas daquelas demandas individuais já transitado em julgado, pelo que incidiria à espécie o disposto no art. 467 do CPC.
Consoante preconizam os arts. 467 e 468 do CPC, a coisa julgada material é a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, que passa a ter força de lei nos limites da lide e das questões discutidas.
Como já referido, a presente demanda contempla direitos de âmbito coletivo, tendo por escopo a proteção do meio-ambiente de trabalho na empresa demandada, cuja titularidade, por força do aludido art. 129, III, da Constituição Federal, é destinada ao Ministério Público. Assim inexiste identidade entre as questões ora discutidas e aquelas eventualmente abordadas em demandas individuais aforadas por trabalhadores da ré, a quem faltaria legitimidade à defesa dos direitos coletivos cuja tutela ora se pretende.
Em outras palavras, não se pode confundir o objeto da ação individual, que visa a remediar ofensa ao direito particular do trabalhador reclamante, com as pretensões lançadas na presente Ação Civil Pública, que, de modo muito mais abrangente, postula a condenação da empresa em obrigações de fazer e não fazer tendentes à melhora do ambiente de trabalho de toda a coletividade dos empregados, presentes e futuros.
A título de exemplo, numa demanda individual postularia o trabalhador o pagamento de horas extras já prestadas e não adimplidas, ao passo que, na demanda coletiva análise, postula o Ministério Público do Trabalho a impossibilidade de a demandada exigir a prestação de horas extras, no presente e futuro, de todos os trabalhadores em situação precária de trabalho, objetos que, claramente, não se confundem.
Nesse sentido:
DIREITOS COLETIVOS E INDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EXTENSÃO DA COISA JULGADA. A tutela perseguida em ação civil pública não dispensa a investigação das condições concretas dos contratos de trabalho envolvidos naquela discussão. Isso porque a tutela coletiva visa somente à proteção de interesses não individualizáveis, impondo, na hipótese de interesses coletivos (art. 81, II, do CDC), simples obrigação de fazer ou não fazer em prol de um grupo de sujeitos, sem determinar conseqüências individuais específicas, cuja investigação somente se dará em ação individual. (Proc. ROV 02415-2005-036-12-00-5, Rel. Juíza Ligia Maria Teixeira Gouvêa, publicado no DJ/SC em
06-10-2006)
De mais a mais, ainda que assim não fosse, cabia a demandada, ao aduzir a existência de processos com objeto idêntico ao da presente demanda com sentença transitada em julgado, elencar, ao menos sob a forma de exemplos, algumas dessas decisões, de modo a permitir ao Juízo avaliar, especificadamente em relação a cada ação, os efeitos da coisa julgada. Não o fez, contudo, limitando-se a asserir, de forma genérica, a existência de uma “série considerável” de ações individuais, o que não pode prosperar.
Rejeito a preliminar.
5. Preliminar de carência de ação. Transação
Argui a demandada, por outro lado, a preliminar de carência de ação, aduzindo que muitas demandas individuais com objetos semelhantes àqueles ora analisados já foram alvo de transação na Justiça do Trabalho, pelo que não poderiam ser modificados por decisão proveniente da Ação Civil Pública em análise.
Carece de razão, contudo.
O acordo celebrado entre as partes e homologado pelo Juízo competente tem força de sentença irrecorrível, a teor do que dispõe o art. 831 da CLT, revestindo-se dos efeitos da coisa julgada material. Tanto é assim que a Súmula 259 do TST preceitua que somente pode ser atacado por ação rescisória.
Assim, o que pretende a demandada, em última análise, é a incidência da coisa julgada decorrente dos dissídios individuais, neste caso resolvidos pela conciliação, ao caso dos autos, o que remete à argumentação expendida no item anterior.
Reitero, nesse contexto, que eventuais acordos celebrados em ações individuais – as quais sequer foram elencadas pela ré em contestação –, não se confundem com o objeto da presente ação pública, proposta pelo órgão constitucionalmente competente à defesa dos direitos e interesses coletivos e
difusos, pelo que não há falar em carência de ação.
Rejeito.
6. Preliminar de litispendência
Pretende a demandada a extinção do feito sem resolução do mérito quanto ao pedido de integração do tempo destinado à troca de uniformes na jornada de trabalho, por litispendência em relação às demandas aforadas pelos empregados de forma individual e também pelo sindicato assistente. Aponta a ação 1367/2006, em tramitação perante a 3ª Vara do Trabalho de Criciúma.
A litispendência se configura quando se repete ação judicial idêntica em curso em sua tríplice identidade (partes, pedido e causa de pedir) (CPC, art. 301 e §§). Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.
Compulsando as cópias da AT 01367-2006-053-12-00-4 (fls.4061/4079), proposta pelo sindicato que, nestes autos, figura como assistente litisconsorcial do Ministério Público do Trabalho, verifico que aquela demanda teve causa de pedir e pedidos diversos daqueles abordados na presente Ação Civil Pública. Com efeito, naquela petição inicial discorre o sindicato-autor acerca das cláusulas convencionais que previam a compensação de jornada, as quais, no
seu sentir, não vinham sendo observadas pela empresa. Requereu, assim, fosse compelida a ré a limitar a compensação aos termos previstos nos instrumentos normativos vigentes, sob pena de pagamento de multa.
Nesses termos, inexiste, a meu ver, a tríplice identidade caracterizadora da litispendência, porquanto, na demanda aforada pelos sindicato, não é abordada de forma específica a questão alusiva à integração do tempo despendido na troca de uniformes à jornada de trabalho.
Por outro lado, embora não apontada especificamente na contestação, aforou o sindicato obreiro também a demanda AT 02603-2006-053-12-00-4 (fls. 4080/4086), na qual requereu justamente a integração daquele período na jornada de trabalho, reputando que representaria tempo à disposição do empregador (art. 4º da CLT), em razão das normas sanitárias às quais está sujeita a atividade da ré. Constou do pedido: “seja concedida liminarmente tutela antecipada, fixando-se exíguo prazo e com pesada multa diária no caso de descumprimento, para determinar à ré que instale o relógio ponto na entrada de sua Unidade, passando os trabalhadores a registrar sua jornada na chegada e saída de suas dependências, abrigando, assim, o tempo necessário à troca de roupas” (fl. 4085).
Contudo, em que pese a aparente identidade de causa de pedir e pedidos, não há falar em litispendência, porquanto o titular da ação, no caso em tela, é o Ministério Público do Trabalho, no exercício de sua função constitucional de defesa dos direitos e interesses coletivos e difusos. Não há, assim, a identidade de partes passível de gerar a litispendência.
Quanto aos efeitos das decisões prolatadas nos autos 2603/06 sobre a presente demanda, ante a identidade de objeto, é matéria afeita ao mérito, e como tal será analisada.
Rejeito.
7. Preliminar de ausência dos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo
Argui a demandada a prefacial em epígrafe, ainda, sob alegação de que, anteriormente à propositura da Ação Civil Pública em análise, não foram esgotadas todas as tentativas de conciliação entre os litigantes, em contrariedade ao que preceituam a cláusula 44ª das Convenções Coletivas vigentes e o art. 11, § 4º, da Lei 10.192/01. Assevera, outrossim, que sequer foi a demanda submetida à apreciação da Comissão de Conciliação Prévia, pelo que incidente à hipótese o disposto no art. 625-D da CLT.
Novamente sem razão.
Primeiramente, sequer comprovou a demandada a existência de Comissão de Conciliação Prévia na região de sua unidade produtiva (Forquilhinha), tendo o Ministério Público do Trabalho expressamente noticiado o contrário, tanto que suscitou a litigância de má-fé da empresa por arguir preliminar que sabe ser infundada.
Por outro lado, não vislumbro a carência de ação alegada, porquanto a submissão à comissão de conciliação prévia é faculdade da parte e não há comissão prévia para a sua não observância. Tanto é assim que o art. 625-A da CLT expressamente prevê que os sindicatos e as empresas “podem” instituir as CCP, do que não exsurge qualquer obrigatoriedade.
Entendimento em sentido contrário, diga-se de passagem, importaria na inconstitucionalidade do instituto, porquanto conflitante com o disposto no inciso XXXV, do art. 5º, da Carta Magna, que consagra o princípio da inafastabilidade da jurisdição.
Nesse sentido:
SUBMISSÃO DO CONFLITO A CÂMARA DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. DESNECESSIDADE. GARANTIA CONSTITUCIONALDO DIREITO DE AÇÃO E PRINCÍPIOS DA PROTEÇÃO, DA CELERIDADE E DA ECONOMIA PROCESSUAL. O instituto da Comissão de Conciliação Prévia constitui livre opção das partes para a solução do litígio de forma conciliada e extrajudicial, mas não é pressuposto processual em vista da garantia constitucional do direito de ação (art. 5º, inc. XXXV) e dos princípios da proteção, da celeridade e da economia processual. (Proc. 01907-2008-038-12-00-9, Rel. Juiz Roberto Basilone Leite, publicado no TRTSC/DOE em 31-03-2011). SUBMISSÃO DA DEMANDA À COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. COMPREENSÃO ACERCA DO ART. 625-D DA CLT. O art. 625-D da Consolidação das Leis do Trabalho, acrescentado pela Lei nº 9.958, de 12-01-2000, estabelece que qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão Prévia, instituída no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria. Contudo, esse mandamento não tem vigor para transformar a submissão à Comissão de Conciliação Prévia em condição ou pressuposto processual, não encerra cominação expressa e não pode ser interpretado de maneira tal a instituir restrições ao direito de ação, com vistas ao disposto no inc. XXXV do art. 5º da Constituição da República. (Proc. 05362-2009-005-12-00-0, Rel. Juíza Lourdes Dreyer, publicado no TRTSC/DOE em 14-09-2010).
Ademais, ainda que existisse Comissão de Conciliação Prévia no âmbito da demandada, restaria inócua a submissão da presente demanda, na medida em que, no curso dos presentes autos – que, repita-se, já contam com 40 volumes –, foram empreendidas pelo Juízo todas as tentativas possíveis de conciliação, não tendo demonstrado a empresa verdadeiro intuito de solucionar o litígio. Veja-se, por exemplo, que a contraproposta apresentada pelo autor à audiência de fls. 2884/2885 sequer foi considerada pela empresa, que mantevese irredutível à proposta por ela apresentada às fls. 2689/2693, que não contemplava a concessão das pausas do art. 253 da CLT.
O mesmo ocorreu, ademais, ao final da instrução processual, quando adiada a audiência de fl. 7328 para tentativa de acordo, tendo a empresa refutado aquela possibilidade na manifestação de fls. 7331/7334. Assim, eventual inexistência de proposta conciliatória previamente ao ajuizamento da Ação Civil
Pública, além de não obrigatória, em se tratando de procedimento investigatório, restou amplamente suprida pelas inúmeras chances dadas aos litigantes da presente demanda para formalizarem acordo, não tendo a demandada demonstrado autêntico intuito de conciliar.
Não há falar, outrossim, em violação aos instrumentos normativos vigentes entre a empresa e os trabalhadores, porquanto não oponíveis frente ao titular da presente Ação Civil Pública, o Ministério Público do Trabalho, que não tomou parte na negociação coletiva que os precedeu. Tampouco se pode cogitar de infringência ao art. 11, § 4º, da Lei 10.192/01, na medida em que aborda a propositura de dissídio coletivo, hipótese absolutamente diversa daquela tratada nos autos.
Por fim, ressalto que a presente Ação Civil Pública tem por objeto a tutela de direitos coletivos relacionados ao meio-ambiente de trabalho, de natureza indisponível em âmbito não judicial, razão pela qual extremamente restrita a possibilidade de conciliação nos autos, outro fator a tornar inócua a submissão do feito à Comissão de Conciliação Prévia.
Rejeito.
8. Prejudicial de mérito. Prescrição bienal e quinquenal
Pretende a demandada, em prejudicial de mérito, a incidência da prescrição quinquenal e bienal, na forma do art. 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal.
Contudo, não há prescrição quinquenal a ser declarada, porquanto não pretende o Ministério Público do Trabalho o pagamento de qualquer verba trabalhista, sobretudo com exigibilidade há mais de cinco anos. O que pretende o autor da presente Ação Civil Pública é a adoção de medidas, no presente e futuro, destinadas a minimizar o risco de desenvolvimento de doenças ocupacionais pelos empregados, mediante o oferecimento de ambiente de trabalho mais salubre (obrigações de fazer e não fazer), além do pagamento de
indenização ao FAT decorrente do dano social verificado.
No tocante à prescrição bienal, igualmente incabível, porquanto a demanda em análise não se refere aos contratos de trabalho já extintos da demandada (há mais de dois anos), mas aos contratos em vigor e àqueles futuramente celebrados, visando a proteger a coletividade dos trabalhadores presentes e futuros da empresa.
Pelo que, rejeito a arguição.
MÉRITO
1. Trabalhadores em ambiente artificialmente frio. Concessão das pausas do art. 253 da CLT.
Relata o Ministério Público do Trabalho, na petição inicial, ter instaurado procedimento investigatório frente à demandada a partir da demissão por justa causa de nove funcionárias da sala da cortes, que, não aguentando o frio intenso do local, saíram da linha de produção por alguns minutos para se aquecerem. A partir da oitiva daquelas trabalhadoras, segundo a inicial, constatou o autor que frequentemente reclamavam ao superior hierárquico acerca do frio no local de trabalho, jamais tendo sido tomada qualquer atitude pela empresa.
Ressalta que, em diligência da Delegacia Regional do Trabalho, restou autuada a empresa ré pela não concessão das pausas do art. 253 da CLT aos trabalhadores dos setores de encaixotamento, paletização e câmara de estocagem, que trabalhavam em temperaturas inferiores ao limite de 10ºC, estabelecido no parágrafo único do referido dispositivo legal. No tocante à sala de cortes, embora aferida pela DRT temperatura entre 10 e 11ºC, entende tratar-se de fraude perpetrada pela demandada, no sentido de conferir falsa legalidade à sonegação das pausas, porquanto confiaram os fiscais nos registros do termômetro do local, que, segundo os trabalhadores, fica sempre naquela temperatura.
Afirma que, a partir dos depoimentos das trabalhadoras demitidas, bem assim de inúmeros outros ainda em atividade, realizou diligência junto à empresa, ocasião em que apurou, através dos documentos requisitados, a manutenção de temperaturas inferiores àquelas medidas pela Delegacia Regional de Trabalho, capazes de gerar o direito às pausas do aludido dispositivo legal.
Ressalta, nesse sentido, o conteúdo das tabelas internas de temperatura da empresa, oriundas dos próprios computadores inspecionados no local, que revelam temperaturas na base de 8ºC, inferiores ao limite legal. Aponta, ainda, os registros do SIF – Sistema Federal de Inspeção –, do Ministério da Agricultura, que, embora devam ser analisados com extrema cautela, igualmente denotam ocasiões em que a temperatura esteve abaixo de 10ºC.
Contudo, entende que a prova plena e irrefutável da temperatura na sala de cortes exsurge dos registros de termógrafo da empresa, que registram a temperatura do local durante toda a jornada de trabalho, assemelhando-se aos
tacógrafos de ônibus/caminhões. Referidos documentos, juntados pelo autor às
fls. 1477/2302, revelam temperaturas inclusive abaixo de 5ºC, o que ilustra o descaso da empresa com a saúde de seus trabalhadores. Entende, inclusive, que não seria ético à demandada se opor ao conteúdo daqueles documentos, nem tampouco requisitar a produção de prova em sentido contrário, porquanto
oriundos da própria empresa.
Nesse contexto, reputa caracterizado que a ré tem, em verdade, dois controles distintos de temperaturas, um refletindo a realidade à qual expostos os trabalhadores, e outro fictício, sempre apontando temperatura superior a 10ºC,
destinado a mascarar situação de ilegalidade pela não concessão das pausas do art. 253 da CLT. Salienta, ademais, que, embora registrem os termógrafos e os controles do SIF temperaturas na base de 8ºC, a temperatura ocupacional dos trabalhadores era ainda menor, porque os instrumentos de medição, conforme aferido em diligência na sede da empresa, ficavam à altura de 2,14m, sendo ainda inferior a temperatura nas regiões dos membros inferiores e do tronco dos trabalhadores. Entende que deve ser considerado, outrossim, que os empregados manuseavam produtos em temperaturas ainda inferiores (carcaças de frangos, por exemplo), pelo que o frio nas mãos era ainda mais intenso. Reputa aplicáveis, por analogia, as disposições constantes da NR-29, do Ministério do Trabalho e Emprego. Por fim, salienta a insuficiência dos equipamentos de proteção disponibilizados pela demandada, porquanto aqueles entregues durante a inspeção, inclusive juntados ao processo, não apresentam as mínimas condições de uso.
Postula seja compelida a demandada a implantar sistema de pausas para descansos de 20min para cada 1h40min de trabalho, com a disponibilização aos empregados de local apropriado à fruição daqueles
intervalos.
A demandada, em contestação, refuta um a um os argumentos do Ministério Público do Trabalho. Entende que a atuação do parquet nos presentes autos é absolutamente anômala, porquanto foge à sua atribuição constitucional de defesa dos direitos fundamentais e da ordem jurídica. Sustenta que os registros de termógrafos, considerados prova plena pelo autor, são altamente sujeitos a oscilações e descalibragens, não servindo a avaliar a temperatura na sala de cortes. Referidos documentos, segundo a defesa, servem apenas como referência aos fiscais do SIF, para a avaliação do cumprimento das normas sanitárias referentes à temperatura da carne das aves abatidas, pelo que não apenas ética como necessária a contraposição por outros elementos probatórios.
Assevera que a real temperatura da sala de cortes encontra-se consignada nos documentos denominados Sistema de Controle Estatístico do Processo – CEP, que revela medições superiores a 10ºC no local, desobrigando
a concessão das pausas pretendidas. Entende estranha a pretensão de que seja fornecido local apropriado à fruição das pausas, porquanto o próprio autor pode constatar, na diligência realizada na sede da empresa, que referido local já existe,conforme fotos que anexa às fls. 3181/3182 (volume 19).
Ressalta a inaplicabilidade do art. 253 da CLT ao caso em análise, porquanto refere-se ao trabalho em câmaras frigoríficas, hipótese absolutamente diversa em relação aos trabalhadores da sala de cortes da empresa. Salienta, outrossim, que a concessão das pausas encontraria óbice nas próprias normas
sanitárias, visto que, conforme orientações expedidas pelo Ministério a Agricultura, as atividades de abate devem ser ininterruptas, de modo a evitar a
contaminação do produto final.
Pois bem.
Primeiramente, não assiste razão à demandada no tocante à diferenciação, para fins de aplicação do art. 253 da CLT, entre as câmaras frigoríficas e a sala de cortes da empresa. Isso porque o dispositivo legal em comento, em que pese indique os trabalhadores de câmaras frigoríficas como destinatários das pausas, tem aplicabilidade ampla aos demais empregados submetidos a condições análogas, expressamente prevendo, em seu parágrafo único, aqueles que exercem atividades em ambientes artificialmente frios.
Desta forma, o intervalo previsto no dispositivo legal em comento tem por escopo a proteção do empregado que labora em qualquer ambiente artificialmente frio, não se restringindo àquele em atividade em câmara frigorífica.
Tanto é assim que, ao abordar o agente insalubre frio, a NR 15 do TEM expressamente alude, em seu Anexo 9, às “atividades ou operações executadas no interior de câmaras frigoríficas, ou em locais que apresentem condições similares” (grifei). Entendimento diverso, inclusive, fugiria ao caráter tuitivo do Direito do Trabalho, que não concebe a proteção de um grupo de trabalhadores em detrimento de outros que se encontrem em situações semelhantes, uma vez que os efeitos do frio sobre o corpo humano não diferem entre empregados em atividade em câmaras frigoríficas e aqueles que trabalham em outros ambientes artificialmente frios.
Nesse sentido a jurisprudência do C. TST: HORAS EXTRAS. AMBIENTE ARTIFICIALMENTE FRIO. I NTERVALOS. ART. 253 E PARÁGRAFO ÚNICO DA CLT. O art. 253 da CLT prevê o intervalo de vinte minutos a cada uma hora e quarenta minutos de labor contínuo, para os empregados que trabalham no interior de câmara frigorífica ou para os que movimentam mercadorias do ambiente quente ou normal para o frio e vice-versa. O parágrafo único, por seu turno, elucida que o preceito inscrito no caput há de ser compreendido com olhos postos em ambientes artificialmente frios. A constatação de trabalho em condições que se enquadram nos mínimos a que alude a lei, de manifesta insalubridade e óbvia nocividade à saúde, recomenda a concessão dos intervalos em questão, de vez que presentes os requisitos previstos pelo legislador. (TST/RR719.679/2000.5 - Ac. 3ªT. - Rel. Juiz Convocado Alberto LuizBresciani de Fontan Pereira - DJU 06.02.04). RECURSO DE REVISTA. INTERVALO INTRAJORNADA DO ART. 253 DA CLT. RECUPERAÇÃO TÉRMICA. AMBIENTES ARTIFICIALMENTE FRIOS. SIMILARIDADE COM AS CÂMARAS FRIGORÍFICAS. NÃO CONCESSÃO DAS PAUSAS. HORAS EXTRAS. 1. O art. 253 da CLT, que assegura intervalos para recuperação térmica aos empregados que laboram no interior de câmaras frigoríficas e aos que movimentam mercadorias do ambiente quente ou normal para o frio e vice-versa, merece interpretação extensiva, ao influxo não apenas do princípio da
proteção, norteador do Direito do Trabalho como também dos princípios da prevenção do dano ao meio ambiente - exteriorizado, na esfera trabalhista, no art. 7º, XXII, da Carta Política-, e da máxima efetividade dos preceitos constitucionais, este hábil a viabilizar a concretização do direito a um meio
ambiente do trabalho equilibrado, saudável e seguro (CF, arts. 200, caput e inciso VIII, e 225) e do direito à saúde (CF, arts. 6º e 196), de fundamentalidade manifesta, dada a importância de que se revestem -tanto para o gozo dos direitos de vida, liberdade e igualdade, quanto para o próprio princípio da dignidade da pessoa humana- (SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7ª. ed. - Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,
2007). 2. À interpretação literal do art. 253 da CLT se sobrepõem a exegese sistemática e a teleológica, à luz em especial do princípio do in dubio pro dignitate, que respalda - e ipõe – a concessão de tais intervalos também aos trabalhadores que permanecem, ao longo da jornada, sob temperaturas inferiores às previstas no parágrafo único do referido dispositivo legal. 3. Além
do amparo do Anexo 9 da NR 15 da Portaria 3214/78 do MTE, que trata da insalubridade causada pelo frio, a NR 29 também do MTE, ao disciplinar o trabalho portuário,fixa parâmetros para a -jornada de trabalho em locais frigorificados- com idênticos tempos de exposição e de pausa tanto para os sujeitos, em seu trabalho, a temperaturas típicas de câmaras frias, quanto para os que laboram em temperaturas superiores, mas aquém dos limites do art. 253 da CLT, considerada a zona climática dos serviços. 4.Impositivo considerar tais marcos, objeto de destaque também no Manual de Riscos Físicos da FUNDACENTRO (1991), para identificar os beneficiários do preceito, não estipuladas, na NR 15, Anexo 9, do MTE, temperaturas limítrofes para a caracterização da insalubridade. 5. Os óbices invocados em absoluto autorizam a pretendida restrição da tutela, até porque o mencionado Anexo 9 não visa a resguardar dos efeitos nocivos do frio apenas os trabalhadores expressamente citados na literalidade do caput do art. 253 da CLT, e sim todos os que laboram -em locais que apresentem condições similares, que exponham os trabalhadores ao frio-, caso dos setores de corte e desossa dos frigoríficos.
Recurso de revista conhecido e não provido. (TST/RR 204800-95.2008.5.18.0191 - Ac. 3ªT. - Rel. Ministra Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, publicado em 20/08/2010). Ressalto, ainda, decisão proveniente do E. TRT da 24ª Região: INTERVALO PARA DESCANSO. TRABALHO EM AMBIENTE REFRIGERADO. ART. 253 DA CLT - O trabalho em ambiente artificialmente refrigerado que enseja a concessão do intervalo previsto no art. 253 da CLT não é apenas aquele realizado no interior das câmaras frigoríficas ou dos que movimentam mercadorias do ambiente quente normal para frio e vice-versa, pois abarca também todos os empregados que laboram em condições cuja temperatura no local de trabalho seja inferior aos limites previstos no parágrafo único do referido artigo. Trata-se de norma de ordem pública que tem amparo no Texto Maior (art. 7º, inc. XXII) visando à proteção da saúde do trabalhador, bem ou direito de natureza fundamental (arts. 6º e 196). A norma garantidora do direito não permite exegese restritiva. Recurso empresarial desprovido. (TRT 24ª Região, RO 00336/2008-094-24-00-0 – Ac. 2ºT – Rel. Des. Francisco das C. Lima Filho – DEJT N.º 433 de 05/03/2010).
A fundamentação deste último acórdão explicita com brilhantismo as razões pelas quais a aplicação do art. 253 da CLT não deve sofrer a restrição preconizada pela ré. Discorreu o Magistrado: “O art. 253 da CLT, justamente por se tratar de norma que versa sobre proteção à saúde do trabalhador, direito de natureza fundamental, integra o que doutrinariamente se denomina bloco de constitucionalidade. De acordo com a doutrina, o bloco de constitucionalidade é composto por “um conjunto de princípios e regras de valor constitucional para designar o conjunto de normas situadas ao nível constitucional, cujo respeito se impõe à lei”. Por isso, o valor a ser conferido ao texto constitucional é que se torna fundamental para o alicerce do bloco de constitucionalidade. Se deve entender, nessa perspectiva, que estão compreendidos por “Constituição” não somente o texto, mas também todos os outros valores normativos para os quais são remetidos, como ocorre com a norma do art. 253 da CLT que, mesmo não estando no corpo da Carta Suprema, tutela o direito à saúde do trabalhador e, por consequência, a própria vida, valores ou bens de natureza fundamental, cuja proteção encontra assento nos artigos 1º, 6º, 7º e 196 da Carta de 1988.
Assim, referida norma protetora, por integrar o bloco de constitucionalidade, não pode receber interpretação restritiva de modo a se entender que o escopo do legislador foi proteger, apenas aqueles que “trabalham no interior das câmaras frigoríficas” ou “que
movimentam mercadorias do ambiente quente normal para o frio e viceversa”.
De fato, as normas relativas à saúde, higiene e segurança do trabalhador, a par de sua natural relevância social, por tutelarem um dos mais importantes direitos fundamentais sociais, que na verdade constitui uma dimensão do direito à vida, qual seja, a saúde, encontram fundamento não apenas no art. 7º, XXII, mas também, como acima anotado, nos arts. 6º e 196 da Carta Magna. Por conseguinte, elas são dotadas de efeito e aplicabilidade imediata (art. 5º, § 1º).
Além desses contornos eminentemente jurídicos, não há como deixar de reconhecer que também está intimamente ligado à vida, valor integrante de todo o sistema de proteção aos direitos fundamentais do trabalhador, qual seja, a dignidade humana.
Por todos esses aspectos, as referidas normas, de nítido caráter tutelar, merecem interpretação e aplicação que mais se aproximem do fim último por elas pretendido, qual seja, a proteção à saúde do trabalhador, dimensão do direito à própria vida. Até porque é entendimento assente na doutrina e na jurisprudência que as normas protetoras dos direitos fundamentais devem ser sempre interpretadas em benefício da vítima da eventual agressão.
Em que pesem as opiniões em contrário, conclui-se que o escopo da norma do art. 253 não foi o de restringir o trabalho apenas àqueles que laboram no interior das câmaras frigoríficas ou na movimentação de mercadorias entre ambientes quentes e frios. Antes, foi o de compatibilizar o trabalho em condições adversas pelo frio com a
necessária pausa de que o organismo necessita para se manter fisiologicamente íntegro.
Alcança, portanto, todos aqueles trabalhadores que laboram em ambientes frios, refrigerados artificialmente, conforme as gradações especificadas no parágrafo único do mencionado dispositivo celetista.”
Por outro lado, igualmente carente de razão a ré quando reputa inviável a concessão das pausas, porquanto os procedimentos de abate de aves, conforme preconizam as normas sanitárias, devem ser contínuos, de forma a evitar o perigo de contaminação. Isso porque o cumprimento das normas sanitárias pela empresa, por óbvio, não a desonera do cumprimento das regras
trabalhistas, se inserindo nos riscos da atividade econômica, que de forma alguma podem ser transferidos aos empregados (art. 2º, caput, CLT). Em outras palavras, frente às normas sanitárias e trabalhistas, não tem a empresa demandada o condão de “escolher” aquelas que pretende aplicar, devendo encontrar meios para cumprir ambas (estabelecendo, por exemplo, esquema de revezamento, em que alguns funcionários permanecem na linha de produção, enquanto outros usufruem as pausas). Nesse sentido, o ofício oriundo do SIF (fls. 2687/2688, volume 17), ao contrário do que alega a empresa, não representa salvo-conduto à inobservância da legislação trabalhista, tampouco sendo da competência daquele órgão qualquer orientação a respeito da matéria.
Outrossim, não merecem consideração os abaixo-assinados juntados pela demandada às fls. 2589/2651 (volume 17), nos quais os funcionários supostamente repudiam as assertivas do Ministério Público do Trabalho referentes à precariedade das condições de trabalho na empresa.
Primeiramente, porque, como já referido na análise das preliminares suscitadas
pela ré, a presente Ação Civil Pública tem por fulcro a defesa do meio-ambiente
de trabalho na sede da empresa, objetivando o cumprimento das normas de medicina e segurança do trabalho, que, por natureza, constituem direitos indisponíveis. Assim, ainda que descontentes os empregados com a concessão das pausas (por motivo incompreensível, já que seriam integradas na jornada de trabalho), a eles não é dado transigir acerca da aplicação do art. 253 da CLT, porquanto trata-se de norma cogente, cuja aplicabilidade não se encontra na órbita de disposição das partes.
Ademais, seria por demais ingênuo pensar que os empregados, sem nenhuma pressão da empresa ré, teriam de tal forma se organizado a repudiar a presente Ação Civil Pública, quando esta só poderia lhes trazer benefícios. Nesse contexto, o Direito do Trabalho vê com extrema cautela manifestações como aquelas constantes dos abaixo-assinados, pois raramente exprimem os reais anseios da categoria, sendo, quase sempre, fruto de coação exercida pelo empregador, mediante ameaças de rescisão do vínculo empregatício. No caso dos autos, aliás, fosse a categoria realmente contrária ao ajuizamento da demanda, com certeza se faria ouvir por seu ente representativo, o sindicato obreiro, que, pelo contrário, apoia integralmente a iniciativa do Ministério Público do Trabalho, inclusive figurando como seu assistente litisconsorcial.
Superadas as questões prejudiciais arguidas pela ré, passo a analisar a aplicabilidade do art. 253 da CLT aos trabalhadores da empresa, sobretudo aqueles em atividade na sala de cortes.
Preceitua o aludido dispositivo legal: Art. 253 - Para os empregados que trabalham no interior das câmaras frigoríficas e para os que movimentam mercadorias do ambiente quente ou normal para o frio e vice-versa, depois de 1 (uma) hora e 40
(quarenta) minutos de trabalho contínuo, será assegurado um período de 20 (vinte) minutos de repouso, computado esse intervalo como de trabalho efetivo. Parágrafo único - Considera-se artificialmente frio, para os fins do presente artigo, o que for inferior, nas primeira, segunda e terceira zonas climáticas do mapa oficial do Ministério do Trabalho, Industria e Comercio, a 15º (quinze graus), na quarta zona a 12º (doze graus), e nas quinta, sexta e sétima zonas a 10º (dez graus).
Conforme disposto na Portaria nº 21/1994, do MTE, o Estado de Santa Catarina encontra-se enquadrado na zona climática mesotérmica branda, cujo limite de temperatura é de 10ºC. A controvérsia reside, assim, na temperatura à qual efetivamente encontram-se expostos os empregados da empresa ré, se capaz ou não de gerar a incidência do dispositivo legal supra transcrito.
A questão é de grande complexidade, visto que, compulsando os autos, deparo-me com nada menos que quatro formas de controle de temperatura no âmbito da empresa demandada, com resultados díspares, que merecem minuciosa análise.
O primeiro sistema de controle de temperatura juntado aos autos refere-se à Tabela Interna de Dados de Temperatura da empresa ré, requisitados pelo Ministério Público do Trabalho quando da diligência realizada e juntados às fls. 752/789, 803/847 e 1019/1386 (volumes 4 a 7). Referidos documentos revelam medições realizadas por termômetro de bulbo durante vários horários da jornada de trabalho, apontando a temperatura da amostragem, a média verificada e a amplitude.
A análise daqueles documentos revela, primeiramente, que houve alta incidência de temperaturas inferiores a 10ºC até meados de 2006. Veja-se, por exemplo, o dia 15/05/2006 (fl. 765), quando todas as dezenove medições realizadas durante a jornada de trabalho apontaram temperaturas inferiores a
10ºC (entre 9 e 9,5ºC). A partir de novembro/2006 (fl. 768), outrossim, embora os documentos denotem diminuição na frequência de temperaturas inferiores a 10ºC, na maior parte dos dias ao menos uma medição realizada constatava violação àquele limite, o que, em primeira análise, importaria na concessão das pausas pretendidas pelo Ministério Público do Trabalho.
O segundo sistema de controle de temperatura na sede da demandada, igualmente abordado à inicial, diz respeito aos documentos oriundos do Serviço de Inspeção Federal (SIF), do Ministério da Agricultura, juntados às fls. 848/1018 (volumes 5 e 6).
Referidas avaliações, realizadas pelo aludido órgão público em média duas vezes ao dia, a fim de resguardar o cumprimento das normas sanitárias referentes ao abate de aves, igualmente denotam inúmeras ocasiões em que a temperatura da sala de cortes era inferior a 10ºC, jamais apontando temperaturas superiores aquela marca. Veja-se, novamente a título de exemplo, o dia 16/05/2006, quando averiguadas pelo fiscal as temperaturas de
8ºC às 6h05min e de 8,5ºC às 18h35min (fl. 849). Igualmente ocorreu no dia 23/08/2006 (fl. 935), quando ambas as medições, realizadas às 15h e 20h, aferiram a temperatura na sala de cortes de 9ºC.
O terceiro modo de aferição da temperatura, considerado pelo Ministério Público do Trabalho como prova plena e irrefutável da fraude perpetrada pela ré, refere-se aos registros de termógrafos, juntados às fls.1477/2302 (volumes 8 a 15) e 4995/5474 (volumes 28 a 30). Trata-se, dentre os registros juntados aos autos, do único sistema que abrange de forma contínua, e não por meio de medições por amostragem, a temperatura na sala de cortes da demandada.
Compulsando aqueles documentos, constato que efetivamente denotam a ocorrência, durante a maior parte da jornada de trabalho dos empregados da sala de cortes, de temperaturas inferiores a 10ºC. Por exemplo, aponto os dias 23/01/2006 e 10/04/2007 (fls. 1891 e 2255, respectivamente), quando a temperatura na sala de cortes (traço vermelho dos discos) permaneceu, em quase todo o período, inferior ao limite legal, somente sendo aumentada durante algumas horas da madrugada, para a faixa de 20ºC, provavelmente em
razão da higienização diária procedida no local (procedimento relatado às fls.
3184/3185, volume 19), conforme asserido à contestação.
Por fim, o último meio de controle de temperatura existente nos autos, que segundo a demandada é o mais fidedigno, constitui-se nos documentos denominados Sistema de Controle Estatístico do Processo – CEP, instituídos a partir de 2005, cujo controle eletrônico foi juntado às fls. 2952/3173 (volumes 18 e 19) e os relatórios às fls. 3470/3479 (volume 20).
Referidos documentos, especialmente os relatórios apontados, igualmente revelam alta incidência de temperaturas abaixo de 10ºC até junho/2007, época em que, segundo a tese patronal, a empresa exportava produtos para o Canadá, país cujas normas sanitárias exigim a manutenção de temperatura inferior àquela marca. A partir da concessão da medida liminar nos presentes autos – datada de 05/06/2007 –, sustenta a ré que manteve a temperatura acima de 10ºC, tendo suspendido as exportações para o mercado canadense.
Diante dos diversos sistemas de controle de temperatura anexados aos autos, sustenta o Ministério Público do Trabalho que são mais fidedignos os registros oriundos dos termógrafos, porque compreendem a totalidade da jornada de trabalho dos empregados (e não apenas medições por amostragem), e as tabelas internas, porque produzidas pela própria demandada.
Assevera que referidos documentos representam prova plena e irrefutável da
manutenção da temperatura na sala de cortes abaixo de 10ºC, tornando obrigatória a concessão das pausas previstas no art. 253 da CLT.
A empresa ré, por sua vez, entende fidedignos apenas os registros do Sistema de Controle Estatístico do Processo – CEP, instituído justamente para a aferição mais precisa da temperatura na sala de cortes.
Assevera que referido sistema veio justamente a substituir os termógrafos, cujas medições estavam sujeitas a oscilações e descalibragens, o que retira a
credibilidade dos dados apontados pelo Ministério Público do Trabalho.
Ademais, a fim de complementar a prova documental produzida nos autos, bem assim evidenciar, dentre as formas de controle de jornada apontadas pelas partes, qual a mais precisa, foi determinada pelo Juízo a realização de perícia técnica, cujo laudo foi juntado aos autos às fls. 5730/5811 (volume 31). Por ocasião da perícia (05/11/2008), realizou o perito termometria na sala de cortes, sendo o local, em razão da grande extensão, dividido em 4 partes ou zonas. Salientou que foram medidas as temperaturas do ar (a 1,1 metro do chão, com termômetro de bulbo seco), dos produtos manipulados pelos empregados e do chão (ambos através de pirômetro).
A tabela obtida através da medição da temperatura do ar (fl. 5755) indica que a temperatura, quando medida por termômetro de bulbo seco (a forma mais apropriada de aferição), nunca esteve em patamar inferior a 10ºC, variando, na data da inspeção, entre 11,2ºC (medição realizada às 14h50min) e14,8ºC (medição das 14h). Acrescentou o perito, ainda, as medições realizadas em 13/11/2008, quando compareceu à sede da empresa para inspeções determinadas em duas demandas individuais, que aferiram temperaturas entre
10,1ºC e 12,6ºC. Por fim, registrou o perito as médias das medições realizadas
em cada uma das áreas da sala de cortes, conforme tabela de fl. 5756: 11,8ºC na zona 1; 10,7ºC na zona 2; 13ºC na zona 3; e 14,8ºC na zona 4.
Contudo, embora tenham as medições realizadas durante a inspeção aferido temperaturas superiores a 10ºC, advertiu o perito que os documentos carreados aos autos evidenciam histórico da reclamada de manter seus trabalhadores expostos a temperaturas inferiores àquele patamar.
Salientou o perito que, pelos Controles de Temperatura do SIF, houve alta incidência entre março/2004 e junho/2007 (a partir de então não há mais registros nos autos), mantendo-se a média da temperatura entre 8 e 10ºC, à exceção dos períodos de higienização do local.
Por todo o exposto, avaliando os elementos probatórios trazidos aos autos, reputo fidedignas as medições dos registros de termógrafos apresentados pelo Ministério Público do Trabalho, porquanto realizados pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF), do Ministério da Agricultura, justamente a fim de avaliar o cumprimento das normas sanitárias alusivas ao abate de aves.
Nesse contexto, entendo que carece de provas a assertiva da ré de que referido instrumento estaria sujeito a oscilações, não apontando medidas precisas da temperatura na sala de cortes. Inicialmente, porque o documento de fls. 4737/4738 (volume 26), oriundo da Fundação CERTI, da Universidade Federal de Santa Catarina, atesta a calibração do termógrafo. Como salientou o técnico naquele documento, o termógrafo da empresa requerida estava funcionando corretamente no dia da calibração (24/07/2007), estando igualmente corretos os registros anteriores àquela data.
Em segundo lugar, porque, compulsando os aludidos controles, constato que a temperatura no mais das vezes mantinha-se estável durante todo o dia, não havendo a constante oscilação apontada pela empresa ré em contestação. Reitero, nesse sentido, o exemplo acima apontado, referente ao dia 10/04/2007 (fl. 2255), quando a temperatura teve variações mínimas, em nenhum momento, durante as 24 horas apuradas, ultrapassando a marca de 10ºC. Repito, ainda, que o sistema em questão destinava-se ao controle de temperatura pelo SIF, não sendo crível que aquele órgão, a quem compete avaliar o cumprimento das normas sanitárias na sede da demandada, empregaria forma de controle não fidedigna. Tanto é assim que o fiscal do SIF Laércio dos Santos Crocetta, ouvido por determinação do Juízo na audiência de fls. 4987/4994 (volume 28), relatou que, embora oscilações tenham sido verificadas no aparelho da demandada, o sistema de termógrafo funciona perfeitamente quando bem calibrado, manutenção que cabe à empresa.
Aliás, embora impugne a demandada aqueles documentos, justamente porque consignam alta incidência de temperaturas inferiores a 10ºC, referiu à contestação (fl. 2923) que, até a concessão da tutela antecipada nos presentes autos, exportava produtos para o Canadá, mercado cujas normas sanitárias exigiam a manutenção da temperatura em patamar abaixo daquela marca. Ou seja, reconhece a empresa a manutenção da temperatura na sala de cortes abaixo de 10ºC, justamente na forma consignada nos registros de termógrafos e do SIF, sendo este outro fator a apontar a veracidade daqueles documentos.
Ademais, o próprio representante da empresa reconheceu que, até 2007, o termógrafo era o sistema utilizado para a avaliação da temperatura da sala de cortes, somente sendo substituído pelo CEP a partir do ajuizamento da presente Ação Civil Pública (fl. 4988, volume 28). Ora, caso efetivamente considerasse a demandada não confiáveis os registros do termógrafo, certamente não teria mantido aquele sistema na sala de cortes durante tanto tempo, visto que não havia imposição pelo Serviço de Inspeção Federal neste sentido (depoimento do fiscal Laércio, fl. 4989). Assim, a própria demandada se contradiz, porquanto, embora afirme que os registros do termógrafo não eram fidedignos, manteve-os como meio principal da medição de temperatura da sala de cortes até 2007.
Todavia, referidos documentos não contemplam o período transcorrido durante o trâmite da presente Ação Civil Pública, uma vez que o último registro de termógrafo juntado aos autos pelo Ministério Público do Trabalho remonta a 01/06/2007 (fl. 2901, volume 18), tendo o perito, durante a inspeção realizada na sede da empresa, constatado que o termógrafo encontrasse desativado.
No tocante às tabelas internas da demandada, igualmente não contemplam o período atual, não servindo a avaliar se permanecem os empregados da sala de cortes sujeitos a temperaturas passíveis de enquadramento do art. 253, § único, da CLT.
Finalmente, os registros do Sistema de Controle Estatístico do Processo – CEP, cujos relatórios foram apresentados pela demandada às fls. 3470/3479, devem ser analisados com profunda ressalva, porquanto trata-se de documentos unilateralmente produzidos pela empresa, passíveis de manipulação.
Vale lembrar que, como bem salientou o autor à fl. 4724, os relatórios do CEP, ao contrário dos termógrafos, são preenchidos de forma manual, o que representa porta aberta a todo e qualquer tipo de fraude.
Ademais, confrontando os registros do CEP e aqueles oriundos dos termógrafos, verifico que constantemente apresentavam variações de temperatura, do que se depreende que apenas um do sistemas indicava a real
temperatura na sala de cortes. Por exemplo, no aludido dia 10/04/2007, o relatório do CEP, na primeira coluna, aponta média de temperatura de 10,1ºC (fl. 3478,volume 20), ao passo que o termógrafo (fl. 2255, volume 15), como já referido, não indica nenhum momento da jornada de trabalho em que a temperatura tenha superado a marca de 10ºC (quanto mais a média referida). Assim, entre os registros do CEP, preenchidos manualmente pela demandada, e os do termógrafo, produzidos pelo órgão público competente e não passível de adulteração, inegavelmente deve ser privilegiado o conteúdo deste último
sistema.
Aliás, como igualmente bem observado pelo Ministério Público do Trabalho em sua manifestação de fls. 4700/4735 (volume 26), causa estranheza o fato de que, imediatamente após a propositura da Ação Civil Pública em análise, tenha a reclamada subitamente alterado o sistema de medição de temperatura na sala de cortes, lançando ao descrédito o sistema anteriormente utilizado (termógrafo), sob a alegação de que sujeito a oscilações, e implantando novo
sistema, supostamente mais preciso. Ora, se o termógrafo da demandada foi,
durante anos, utilizado na medição da temperatura, bem assim foi devidamente
calibrado, conforme ofício enviado pela Fundação CERTI, porque imediatamente após a propositura da presente demanda foi substituído pelo sistema CEP? E porque referido sistema CEP, que, segundo a versão da defesa, foi instituído ainda em 2002, não foi apresentado aos Exmos. Procuradores do Trabalho que conduziram diligência na sede da demandada anteriormente ao ajuizamento da Ação Civil Pública? A inexistência de respostas, nas manifestações da empresa, acerca de tais indagações, a meu ver, enfraquece sensivelmente a credibilidade dos aludidos documentos.
Nesse contexto, concluo que, dentre os diversos sistemas de controle de jornada anexados aos autos, apenas aqueles alusivos aos termógrafos e às medições realizadas pelo SIF reportavam precisamente a temperatura na sala de cortes da empresa demandada. Contudo, como já referido, os documentos em questão não contemplam o período transcorrido durante o trâmite da presente Ação Civil Pública, que já completa quatro anos, pelo que não servem a balizar, isoladamente, a condenação da ré à concessão das pausas. Em outras palavras, ainda que os documentos em questão revelem a
manutenção de temperatura inferior ao limite do art. 253, parágrafo único, da CLT, referem-se ao período até junho/2007, não comprovando que, na presente data, ainda mantenha a empresa temperatura idêntica na sala de cortes.
A própria empresa, nesse sentido, reconhece que mantinha temperatura inferior ao patamar legal, anteriormente à concessão da tutela antecipada nos autos, porquanto exportava produtos para o Canadá, mercado cujas normas sanitárias exigiam aquela medida. A partir de então, diz a empresa, deixou de exportar para aquele país, razão pela qual manteve a temperatura
superior a 10ºC.
Por conseguinte, a única aferição de temperatura disponível no período posterior à propositura da demanda em análise, e também a mais isenta e atual, é aquela oriunda do laudo pericial juntado aos autos (fls. 5730/5811,
volume 31). Naquela ocasião, como já referido, realizou o perito a medição da
temperatura da sala de cortes mediante a divisão do local em 4 áreas, aferindo
temperaturas que variaram de 11,2ºC (medições realizada às 14h50min) e 14,8ºC (medição das 14h). Assumida a veracidade daquelas medições, estaria isenta a requerida da concessão de pausas do aludido dispositivo legal.
Nesse sentido, rechaço as razões lançadas pela demandada nas manifestações de fls. 5876/5879 e 6114/6123 (volumes 32 e 33, respectivamente), nas quais impugna o laudo pericial. Primeiramente, porque
inverídica a assertiva de que teria o perito realizado inspeções complementares, nos dias 11 e 13/11/2008, sem cientificar as partes. Com efeito, como aludido no próprio laudo pericial, naquelas datas o profissional em questão realizou perícias decorrentes de ações individuais, propostas por empregados da demandada – no âmbito das quais foi devidamente cientificada a empresa –, tendo-as juntado à Ação Civil Pública como mero subsídio. Segundo, porque os critérios de aferição foram absolutamente corretos e claros, assim como a análise dos sistemas de medição pretéritos, conforme documentos trazidos aos autos pelos litigantes. Terceiro, porque a competência e a capacidade técnica daquele profissional são absolutamente visíveis a partir do minucioso trabalho realizado, sendo igualmente de conhecimento deste Juízo ante a sua constante designação para atuar em demandas individuais no Foro Trabalhista de Criciúma.
Abro um parêntese, aqui, para lamentar, profundamente, os termos empregados pelo patrono da ré na aludida manifestação, que fogem ao dever de urbanidade e respeito entre os participantes que deve pautar o andamento do processo. Isso porque, ao impugnar o laudo, utiliza-se o advogado de termos pejorativos em relação ao profissional, aduzindo por exemplo, que este frequentou “sessões de tanglo manglo” e ultrapassou os “pórticos do além”
para justificar suas conclusões, ou de que o trabalho sequer “pode ser titulado
como laudo pericial” (fls. 5877 e 6116, volumes 32/33). Ora, ainda que discorde a ré do conteúdo do laudo pericial, deve manifestar-se de forma respeitosa, não tecendo considerações que atinjam a honra e a dignidade do profissional
designado pelo Juízo. Infelizmente, aliás, referido tratamento beligerante foi
destinado pelo advogado em questão ao próprio Ministério Público do Trabalho (o que motivou a ordem do Juízo de que fossem riscadas as expressões injuriosas empregadas, conforme decisão de fls. 5653/5655, volume 31) e à Exma. Juíza Desirre Dorneles de Ávila Bollmann, que conduziu as primeiras audiências da presente demanda, na qual teria preparado “verdadeiro circo de horrores para a empresa”, na intenção de coagi-la (fl. 5679).
Conquanto afastada a impugnação ao laudo pericial, saliento que também aquelas medições devem ser analisadas com ressalvas, na medida em que realizadas mediante prévia intimação das partes, tendo a demandada a chance de, ciente do exato momento da perícia, ajustar a temperatura do ambiente da maneira que lhe aprouvesse. Essa prática, tendente a ludibriar o avaliador, aparentando falsa legalidade da não concessão das pausas, é claramente visível quando da visita dos representantes do Ministério Público do Trabalho à empresa, dias antes da propositura da Ação Civil Pública em análise. Com efeito o termógrafo de fl. 2901 (volume 18) evidencia que, no dia da diligência (01/06/2007), às 10h, a temperatura da sala de cortes, que durante toda a madrugada anterior foi inferior a 10ºC, foi aumentada acima daquele patamar, situação que perdurou por aproximadamente 1 hora (período em que os Procuradores do Trabalho permaneceram no local), sendo então novamente reduzida. Nada impede que tenha agido assim também quando da perícia realizada nos autos. Aliás, ante tal prática lamentável, causa estranheza a revolta manifestada pela ré quanto à realização de “perícias complementares” na sede da empresa supostamente sem intimação (assertiva inverídica, como já referido), pois, caso mantivesse a temperatura realmente sempre acima de 10ºC, nenhum prejuízo adviria à empresa da realização de medições a qualquer momento, mesmo sem ciência prévia.
Estranhamente, ainda, a tabela apresentada pelo perito à fl. 5755 indica várias medições superiores a 12ºC. Veja-se que, de 10 medições realizadas pelo perito à ocasião, 6 apresentaram temperatura superior àquela marca, chegando a 14,8ºC às 14h00min, o que contraria as normas sanitárias nacionais e internacionais tendentes ao abate e processamento de aves, levando ao descarte da produção. Compartilho, nesse particular, do entendimento esposado pelo autor na manifestação de fls. 5986/6062 (volume 32), de que não é crível que a demandada, uma das maiores empresas do setor no mundo, que além de atender o mercado interno, exporta produtos para uma infinidade de países, opere habitualmente com temperaturas superiores a 12ºC, infringindo assim as normas nacionais e internacionais pertinentes. Tal circunstância, a meu ver, traduz mais um indício de que a temperatura analisada pelo perito quando da inspeção não era aquela à qual habitualmente submetidos os empregados, tendo sido alterada a fim de se afastar do limite de 10ºC estabelecido pelo parágrafo único do art. 253/CLT.
Por fim, como já referido, a própria demandada, em contestação (fl. 2923, volume 18) reconheceu que, anteriormente à antecipação de tutela
deferida nos autos, mantinha a temperatura na sala de cortes inferior a 10ºC, por força das exigências sanitárias de um dos mercados para os quais exportava (Canadá). Nesse contexto, embora tenha a empresa asserido que, a partir da decisão exarada, mantem a temperatura acima daquele índice, tendo suspendido as exportações para o Canadá, que aliás, há um bom tempo (que, por absoluta falta de comunicação entre os órgãos governamentais) não faz mais essa exigência.
Pelo exposto, não pode esta Magistrada confiar cegamente nas medições do laudo pericial de fls. 5730/5811 e, com fulcro nelas, indeferir o pedido declinado à exordial. Tampouco pode-se pautar a decisão, exclusivamente, nos sistemas de controle juntados aos autos pelo Ministério Público do Trabalho, que, embora consignem alta incidência de temperaturas inferiores a 10ºC, referem-se apenas ao período anterior à propositura da Ação Civil Pública em análise (ou seja, há mais de 4 anos), não avaliando a temperatura à qual são atualmente submetidos os trabalhadores da sala de cortes.
A melhor solução à questão em análise, a meu ver, importa na imposição de obrigação alternativa à empresa ré, com fulcro nos arts. 252 e seguintes do Código Civil, que contemple tanto a manutenção da sala de cortes com temperaturas acima de 10ºC, quanto abaixo daquele índice.
Assim, condeno a empresa demandada, com fulcro no art. 253 da CLT, a conceder aos trabalhadores, independentemente do setor, pausas de 20 minutos para cada 1 hora e 40 minutos trabalhados, sempre que a temperatura aferida no local de trabalho for inferior a 10ºC, conforme limite
estabelecido no parágrafo único daquele dispositivo, ficando desobrigada caso a temperatura seja superior a esta marca.
Para tanto, uma vez verificada a possibilidade de adulteração do sistema atualmente empregado na requerida (CEP), e havendo controvérsia quanto à temperatura somente em relação à sala de cortes, deverá ser restabelecida a medição no local por termógrafo, periodicamente calibrado, método que, no caso dos autos, constitui-se o único hábil e fidedigno a avaliar a temperatura de forma contínua, durante 24 horas diárias. Referidas informações deverão ficar em local visível aos funcionários da sala de cortes, bem assim ser disponibilizadas, a qualquer momento, ao Ministério Público do Trabalho e
ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carnes e Derivados,
Frangos, Rações Balanceadas, Alimentação e Afins de Criciúma e Região,
mediante simples requerimento. Deverá a empresa, ainda, instalar quatro termômetros de bulbo seco na sala de cortes, conforme as quatro zonas indicadas no laudo pericial de fls. 5730/5811, à altura de 1,1 metros do chão
(equivalente àquela aferida pelo perito), cujas medições poderão ser verificadas, a qualquer momento e sem aviso prévio à empresa, por qualquer trabalhador, pelo Ministério Público do Trabalho ou pelo Sindicato Assistente.
Caso mantida a temperatura abaixo de 10ºC, outrossim, deverá a ré, além de conceder as pausas, disponibilizar local adequado à fruição respectiva pelos trabalhadores, dotado de mesas e cadeiras em número suficiente a atender a demanda do setor. Não serve a este fim, diga-se de passagem, o espaço fotografado às fls. 3181/3182 (volume 19), porquanto insuficiente a atender a todos os funcionários, sendo visível que apenas alguns encontram-se sentados, ante a insuficiência de cadeiras/poltronas, aguardando a imensa maioria em pé.
O descumprimento da ordem judicial, seja pela manutenção da temperatura abaixo de 10ºC, sem a concessão das pausas, seja pela não disponibilização de espaço apropriado à fruição respectiva, importará no pagamento de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por dia em que verificada a omissão, sem limitação.
2. Prestação de horas extras. Sobrejornada Pretende o Ministério Público do Trabalho, outrossim, seja proibida a empresa ré de exigir a prestação de horas extras dos trabalhadores, ante a penosidade das tarefas empreendidas. Salienta que a atividade na demandada, notadamente aquela prestada na sala de cortes, envolve a prestação de tarefas repetitivas e com exposição ao frio, sem os equipamentos de proteção apropriados, circunstâncias que têm gerado uma infinidade de trabalhadores doentes e incapacitados. Salienta, outrossim, que postula a ré junto ao Ministério do Trabalho a redução do intervalo intrajornada, medida que, no seu entendimento, viria a precarizar ainda mais as condições dos trabalhadores. Entende, assim, que a jornada de trabalho deve ficar restrita a quatro períodos de 1h40min, intercalados com pausas de 20min.
A demandada, em contestação, considera que o pedido foge à missão institucional do Ministério Público, de defesa da Constituição, porquanto a norma fundamental, em seu art. 7, incisos XIII e XVI, expressamente prevê a possibilidade de prorrogação da jornada de trabalho, como também referem os
arts. 59 e 61 da CLT. Assevera, ainda, que os critérios de prorrogação e compensação de jornada encontram-se previstos nos instrumentos coletivos sucessivamente firmados com o sindicato dos trabalhadores, o que atrairia igualmente a incidência do inciso XXVI do aludido dispositivo constitucional.
De todo modo, assevera que, em relação aos trabalhadores da sala de cortes, vem sendo observada a jornada de 7h20min, sem prorrogação, pelo que inócua a pretensão lançada.
Vejamos.
A Constituição Federal, em seu art. 7º, inciso XIII, estatui os limites de duração normal jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 semanais, facultada a compensação e a redução por meio de acordo coletivo. Nessa esteira, o inciso XVI do aludido dispositivo preconiza o pagamento do serviço extraordinário prestado com adicional de, no mínimo, cinquenta por cento. A CLT, por sua vez, estabelece, em seu art. 59, que “a duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho”.
Os dispositivos citados, primeiramente, não impõem qualquer óbice à prorrogação de jornada, desde que observado o limite de 2 horas diárias e o pagamento do adicional mínimo. Contudo, o art. 60 da CLT, atendendo às normas de medicina e segurança do trabalho, e, por consequência, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, expressamente ressalva os trabalhadores expostos a condições de trabalho insalubres.
Preceitua aquele dispositivo:
Art. 60 - Nas atividades insalubres, assim consideradas as constantes dos quadros mencionados no capítulo "Da Segurança e da Medicina do Trabalho", ou que neles venham a ser incluídas por ato do Ministro do Trabalho, Industria e Comercio, quaisquer prorrogações só poderão ser acordadas mediante licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho,
as quais, para esse efeito, procederão aos necessários exames locais e à verificação dos métodos e processos de trabalho, quer diretamente, quer por intermédio de autoridades sanitárias federais, estaduais e municipais, com quem entrarão em entendimento para tal fim.
Pelos termos do dispositivo transcrito, o legislador reduziu severamente a possibilidade de prorrogação da jornada em ambiente insalubre – certamente em razão dos efeitos negativos sobre a saúde dos empregados e a propensão ao acontecimento de acidentes de trabalho ou ao desenvolvimento de doenças profissionais – condicionando-a à obtenção de licença prévia da autoridade competente, sobre a qual não se tem notícia nos autos.
O Ministério Público do Trabalho, como já referido, relata na petição inicial quadro absolutamente desolador das condições a que expostos os trabalhadores da sala de cortes da demandada, salientando o caráter repetitivo
das atividades e a inexistência de equipamentos de proteção aptos a elidir o contato com o frio, o que, segundo sua tese, é fator determinante à alta incidência de afastamentos previdenciários verificada na empresa.
A questão cinge-se, assim, em avaliar se as condições de trabalho referidas caracterizam ambiente insalubre, de modo a inviabilizar a prorrogação de jornada sem a observância dos requisitos citados no art. 60 da CLT.
Nesse sentido, dispõe o Anexo 9, da NR 15, do Ministério do Trabalho e Emprego: “As atividades ou operações executadas no interior de câmaras frigoríficas, ou em locais que apresentem condições similares, que exponham os trabalhadores ao frio, sem a proteção adequada, serão consideradas insalubres em decorrência de laudo de inspeção realizada no local de trabalho”.
Não há falar, inicialmente, em diferenciação entre a Câmara frigorífica e a sala de cortes da demandada, visto que, além dos argumentos expendidos no item anterior, a própria literalidade da norma regulamentadora prevê os ambientes que apresentem condições similares. Por outro lado, para fins de insalubridade pela exposição ao frio, a análise deve se pautar pelos limites estabelecidos no art. 253 da CLT, que, em seu parágrafo único, estabelece o índice de 10ºC em relação ao Estado de Santa Catarina.
Nesse sentido:
INSALUBRIDADE. FRIO. O Anexo 9 da NR-15 considera insalubre a atividade que exponha o trabalhador ao frio, sem a devida proteção. O anexo, contudo, não faz referência a patamares de temperatura, o que é realizado pelo parágrafo único do art. 253 da CLT, que, para a zona climática da região sul do
país, considera artificialmente frio o ambiente com temperatura inferior a 10°C. (RO 00665-2006-046-12-00-9, Rel. Juíza Sandra Márcia Wambier, publicado no TRTSC/DOE em 09/05/2008).
A questão da temperatura, de outra parte, já foi abordada à exaustão no item anterior da presente sentença, sendo desnecessárias maiores considerações.
Cumpre analisar, assim, a eficácia dos equipamentos de proteção disponibilizados pela demandada, se aptos a elidir o contato com o agente nocivo frio, nas ocasiões em que os controles da sala de cortes (a serem implantados conforme determina o item anterior) indicarem temperatura inferior ao limite de 10ºC.
O perito designado nos autos, ao analisar os EPIs encontrados na ré, referiu ter encontrado quatro luvas fornecidas, referindo: “Destas 4 luvas somente a 2ª. e 4ª. possuem CA, descritos na ficha de EPI's, sendo que nenhuma destas com função protetiva contra agentes térmicos (figura 38 e 39). Além do mais a 2ª. luva que consta o CA na ficha de EPI's não possui em sua estrutura, conforme verificado no dia da perícia e nas amostras de luvas anexadas ao processo, nenhuma marcação indelével do número do CA em inobservância do item 6.9.3 da NR 6. Constatamos, portanto, durante a perícia a falta de uso de EPI's que neutralizassem a exposição das mãos dos funcionários ao agente frio”.
Prossegue: “Por outro lado também verificamos as fichas de controle e entrega de EPI's que constam a entrega da luva com CA 12115, responsável pela proteção das mãos contra agentes térmicos. Segundo o Site do Ministério do Trabalho e Emprego o CA 12115, oferece proteção térmica entre-10ºC a 50ºC em operações intermitentes de até 15 segundos”. Revela, ainda, que, segundo o fabricante, o termo referido significa “15s em uso e outros 15s para voltar ao normal”. Em outro trecho, assevera: “Analisando as atividades dos funcionários da linha de produção, verificamos que estes se encontram na maioria do tempo em contato com as peças de frango a serem beneficiadas, ficando expostos ao frio das peças de forma quase contínua. Dessa forma, não fornecendo tempo eqüitativo de descanso para recuperação da temperatura normal da luva, recuperação esta necessária para a luva possuir a capacidade de proteção ao frio na temperatura requerida, fazendo com que o EPI não realize sua função de proteger contra o frio” (fl. 5769, volume 31). No tocante à proteção para o tronco, aduziu o perito que os equipamentos disponibilizados pela demandada eram insuficientes até setembro/2006, quando a empresa teria providenciado a substituição por soft/moletons com CA para proteção contra o frio.
Nesse contexto, concluiu: “Fazendo a intersecção dos períodos correspondentes por estes fatores (tabela 10 e 11) temos que em todo o tempo
não prescrito os funcionários que exerceram as funções de Ajudante de produção I, Ajudante de produção II e Ajudante de produção III, tiveram suas atividades executadas em ambiente artificialmente frio sem a proteção adequada. Com relação aos funcionários que exerceram as funções de Supervisor de produção, Apoio de linha, Controle de qualidade, ITO – Instrutor de treinamento Operacional, e Auxiliar de Inspeção no período de mar/04 a set/06, tiveram suas atividades executadas em ambiente artificialmente frio sem a proteção adequada, correspondente a intersecção entre os períodos de temperatura abaixo de 10ºC e Soft/moteton sem CA” (fl. 5782/5783).
Desta forma, considerando a alta incidência de temperaturas abaixo de 10ºC na sala de cortes da demandada (como já referido no item anterior), a inexistência de sistema confiável de medição até a presente data no local, e a conclusão do perito de que os trabalhadores lotados na função de Ajudante de Produção I, II e III laboram em contato com o agente nocivo frio, tendo apresentado temperaturas das mãos inferiores ao limite legal, entendo aplicável, parcialmente, a exceção contida no art. 60 da CLT.
Pelo que, defiro em parte o pedido formulado, para determinar que abstenha-se a empresa ré de exigir a prestação de horas extras dos empregados lotados nas funções de Ajudante de Produção I, Ajudante de Produção II e Ajudante de Produção III, por inseridos na hipótese de incidência do art. 60 da CLT, salvo se observadas as exigências contidas naquele dispositivo (licença prévia das autoridades competentes).
Quanto aos demais empregados, não haverá óbice à prestação de horas extras, desde que observados os ditames do art. 7º, inc. XIII e XVI da Constituição Federal e arts. 59 e seguintes da CLT, e, ainda, as normas coletivas relacionadas à compensação de jornada.
O descumprimento da ordem judicial importará no pagamento de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia e por empregado lotado nos cargos elencados compelido à prestação de horas extras, sem limitação.
3. Troca de uniformes. Integração à jornada de trabalho. Pretende o Ministério Público do Trabalho, outrossim, seja compelida a empresa ré a reconhecer, como tempo integrante da jornada de trabalho para todos os fins, o período destinado à troca de uniformes. Ressalta que o aparelhamento para o trabalho, dado o ramo de atividades da demandada, integra os riscos da atividade econômica, pelo que cabível a remuneração daquele interregno.
A demandada, em contrapartida, reputa sem objeto o pedido, porquanto, por força da ação coletiva indicada em preliminar de litispendência, desde agosto/2006 já vem incluindo na jornada de trabalho o tempo referente à troca de uniformes.
Razão assiste à ré.
Como já referido quando da análise da prefacial de litispendência suscitada pela demandada, foi proposta pelo sindicato dos trabalhadores, que nos presentes autos atua como assistente, a demanda AT 02603-2006-053-12-00-4
(fls. 4080/4086, volume 23), na qual postulou a integração do período destinado à troca de uniformes na jornada de trabalho, por considerar que representa tempo à disposição do empregador, nos termos do art. 4º da CLT. Constou do pedido:
“seja concedida liminarmente tutela antecipada, fixando-se exíguo prazo e com
pesada multa diária no caso de descumprimento, para determinar à ré que instale o relógio ponto na entrada de sua Unidade, passando os trabalhadores a registrar sua jornada na chegada e saída de suas dependências, abrigando, assim, o tempo necessário à troca de roupas” (fl. 4085).
O Juízo da 3ª Vara do Trabalho de Criciúma, conforme pesquisa realizada no sítio deste Regional na internet, deferiu parcialmente a tutela antecipada requerida, determinando, em decisão datada de 10/08/2006, que a Seara Alimentos S/A passasse a incluir na jornada de trabalho o tempo destinado à troca de uniformes, registrando os horários de entrada dos funcionários a partir
da chegada na empresa e os horários de saída após a retirada da indumentária.
A medida liminar foi confirmada na decisão principal, tendo constado da sentença: “Uma vez que a natureza da atividade econômica e produtiva desenvolvida pela ré exige o uso de roupas adequadas, por medida de higiene e segurança do trabalho, com fulcro no art. 4.º da CLT, considero tempo destinado à colocação e retirada do uniforme com tempo à disposição do empregador”. A decisão em questão foi mantida na instância superior, tendo sido rejeitados os recursos ordinários interpostos por ambas as partes.
Atualmente, o processo encontra-se aguardando julgamento de Agravo de Instrumento interposto pelo sindicato-autor junto ao TST, ante o não recebimento de seu Recurso de Revista, no qual postulava a ampliação do tempo arbitrado na origem. A empresa ré, por sua vez, sequer apresentou Recurso de Revista, restando transitado em julgado o acórdão que reconheceu o tempo destinado à troca de uniforme como integrante da jornada de trabalho.
Assim, havendo decisão passada em julgado prevendo a integração daquele período na jornada de trabalho, sobre a qual não há notícia de descumprimento pelo sindicato obreiro (nesse sentido, inclusive, o depoimento testemunhal colhido às fls. 5669/5670, volume 31), entendo que efetivamente carece de objeto o pedido lançado pelo Ministério Público do Trabalho.
Indefiro.
4. Uso do banheiro. Pausas a qualquer momento da jornada.
Postulou o Ministério Público do Trabalho, outrossim, seja estabelecida garantia aos funcionários da empresa acionada de, a qualquer momento da jornada de trabalho, satisfazerem suas necessidades fisiológicas, sob pena de imposição de multa diária de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Asseverou, para tanto, que os procedimentos investigatórios realizados comprovaram a existência de dois exíguos intervalos para esta finalidade, sendo que fora destes não é autorizada a saída do funcionário da linha de produção, prática que, segundo seu entendimento, viola o princípio da
dignidade da pessoa humana.
A empresa ré, em contrapartida, reputa inócua a pretensão, porquanto, além de dois intervalos preestabelecidos para esta finalidade durante a jornada de trabalho, no importe de 8 minutos cada, autoriza aos empregados a saída do local de trabalho a qualquer tempo para que satisfaçam suas necessidades, bastando ao trabalhador que comunique ao fiscal responsável a fim de que este providencie substituto. O mero aviso ao superior hierárquico, entende, não caracteriza óbice à ida ao banheiro, visto que a substituição por outro operador lhe garante todo o tempo necessário à observância das normas de higiene.
A prova testemunhal colhida nos autos, contudo, contraria a tese da ré. Com efeito, constou do depoimento da testemunha Valdirene João Gonçalves da Silva: “que tinha dois horários previstos para ir ao banheiro, cinco minutos antes e cinco minutos após; que a ida ao banheiro fora destes horários era muito difícil pois tinha que pedir para o apoio de linha que, normalmente, que deixava ir ao banheiro mas sempre questionava antes, tendo que justificar a ida como estar com infecção urinária ou no período menstrual, que segundo as palavras do apoio de linha queria ir ao banheiro porque não queria trabalhar; que essa forma foi em toda a contratualidade da depoente; que nunca teve negada a ida, mas sempre foi questionada; que teve colegas suas que teve negada a ida ao banheiro citando a Sra. Rosane e
a Sra. Brandina; indagada sobre a época em que ocorreram estes fatos disse que sempre ocorreu; que sempre tinha alguém que reclamava; que a depoente nunca teve negado pois sempre insistia com o apoio de linha para que fosse liberado alegando que estava naqueles dias, que o apoio de linha pergunta em que dias e a depoente respondeu então mais alto que estava
menstruada” (fls. 7390/7391, volume 39, grifei).
As testemunhas trazidas pela ré, por outro lado, nada esclareceram quanto à autorização para uso do banheiro, apenas referindo, aquela ouvida por meio de Carta Precatória (fls. 5669/5670), a existência de pausas pré-determinadas para aquele fim, fato incontroverso nos autos.
O depoimento transcrito revela procedimento bastante diverso daquele narrado à contestação, não sendo exigida do empregado apenas a mera comunicação ao superior hierárquico, devendo este formular pedido de ida ao banheiro, passível de indeferimento. Ainda, referido requerimento deveria
ser justificado ao fiscal de linha, situação que importava absoluto constrangimento aos trabalhadores, compelidos a discutir, na presença de todos os colegas, as razões pelas quais deveria se ausentar para ida ao banheiro.
Ora, foge à razoabilidade, por exemplo, exigir de uma trabalhadora que, na presença de todos os demais colegas, informe em voz alta que encontra-se menstruada (como ocorreu com a testemunha), razão pela qual deveria fazer uso do banheiro.
Ainda que se sustente que para o trabalhador sair da linha de produção tenha que ser colocado outro para assumir a tarefa naquele instante, certo é que a conduta de “pedir para ir ao banheiro” – ainda mais tendo de justificar, sem a menor discrição, o porquê – não mais se justifica no atual estágio civilizatório das relações trabalhistas.
Não há motivo para uma preocupação de segurança quando um trabalhador sai do posto de trabalho, a não ser um abuso do poder diretivo para controle sobre a própria pessoa, nas suas necessidades fisiológicas, o que não é permitido pelo Direito. O poder diretivo do empregador tem limites que não podem espraiar sobre a integridade física e psíquica do trabalhador.
Ademais, uma vez necessária a ida do trabalhador ao banheiro, a qualquer momento da jornada de trabalho, a existência ou não de substituição acessível é questão afeita exclusivamente ao empregador, uma vez que a ele incumbem os riscos do negócio jurídico (art. 2º, § 2º, da CLT). O simples preestabelecimento de intervalos fixos para este fim, por si só, já evidencia o intuito da demandada de controlar a utilização dos banheiros, o que mostra-se
inconcebível ante a constatação de que se está lidando não com máquinas, mas com seres humanos.
Vale lembrar que a Constituição Federal prevê, como fundamentos do Estado Democrático de Direito, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, incisos II, III e v), valores absolutamente incompatíveis com o procedimento adotado pela demandada. Com efeito, é inegável que a instabilidade emocional experimentada pelo empregado que, a cada ida ao banheiro, se vê obrigado a se justificar perante o superior hierárquico na presença de todos os seus colegas, implica violação àqueles dispositivos, atingindo sua honra, sua dignidade e o valor de seu trabalho.
Nesse sentido a jurisprudência atual do C. TST: RECURSO DE REVISTA. 1. LIMITAÇÃO AO USO DO BANHEIRO - DANO MORAL - DESRESPEITO AO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. A conquista e afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural - o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego. O direito à indenização por danos moral e material encontra amparo no art. 186, Código Civil, c/c art. 5º, X, da CF, bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional, mormente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana e da valorização do trabalho humano (art. 1º, da CR/88).
Na hipótese, foi consignado pelo Tribunal Regional que houve ofensa à dignidade dos Reclamantes, configurada na situação fática de restrição ao uso do banheiro, em prol da produtividade. A empregadora, ao adotar um sistema de fiscalização que engloba inclusive a ida e controle temporal dos empregados ao banheiro, ultrapassa os limites de atuação do seu poder diretivo para atingir a liberdade do trabalhador de satisfazer suas neessidades
fisiológicas, afrontando normas de proteção à saúde e impondo-lhe uma situação degradante e vexatória. Essa política de disciplina interna revela um exercício despropositado de poder, autorizando a condenação no pagamento de indenização por danos morais. Ora, a higidez física, mental e emocional do ser humano são bens fundamentais de sua vida privada e pública, de sua intimidade, de sua auto-estima e afirmação social e, nessa medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição Federal (artigo 5º, V e X). Agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da Carta Magna, que se agrega à genérica anterior (artigo 7º, XXVIII, da CF). Recurso não conhecido, no aspecto. (RR – 19700-20.2007.5.20.0006, Ac. 6ªT., Rel. Ministro Mauricio Godinho Delgado, publicado em 06/05/2011).
RECURSO DE EMBARGOS. DANO MORAL. SUBMISSÃO DE EMPREGADA AO CONTROLE DE HORÁRIO PARA UTILIZAÇÃO DO BANHEIRO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. A dignidade é a pedra angular de todos os outros direitos e liberdades da pessoa humana: todas as pessoas são iguais, devem ser tratadas com respeito e integridade, e a violação deste princípio deve ser sancionada pela lei. Pelo princípio da dignidade humana cada ser humano possui um direito intrínseco e inerente a ser respeitado.Todas as condutas abusivas, que se repetem ao longo do tempo e cujo objeto atenta contra o SER humano, a sua dignidade ou a sua integridade física ou psíquica, durante a execução do trabalho merecem ser sancionadas, por colocarem em risco o meio ambiente do trabalho e a saúde física do empregado. Um meio ambiente intimidador, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo que se manifesta por palavras, intimidações, atos gestos ou escritos unilaterais deve ser coibido por expor a sofrimento físico ou situações humilhantes os empregados. Nesse contexto, o empregador deve envidar todas as medidas necessárias para prevenir o dano psicossocial ocasionado pelo trabalho. Na particular hipótese dos autos, deve-se levar em consideração que nem todos os empregados podem suportar, sem incômodo, o tempo de espera para o uso dos banheiros, sem que tal represente uma agressão psicológica (e mesmo fisiológica). A indenização em questão tem por objetivo suscitar a discussão sobre o papel do empregador na garantia dos direitos sociais fundamentais mínimos a que faz jus o trabalhador. Embargos conhecidos e desprovidos. (E-RR – 65900-97.2006.5.01.0055,SBDI-1, Rel. Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, publicado em 25/02/2011).
Desta forma, comprovada a existência de dois intervalos preestabelecidos para o uso do banheiro, bem assim que, fora daqueles períodos, é compelido o trabalhador justificar pormenorizadamente qualquer necessidade (e não apenas comunicar, como informa a ré), situação que causa inegável constrangimento, entendo merecer guarida a pretensão lançada à inicial.
Pelo que, defiro o pedido para determinar à empresa ré que garanta, a qualquer momento da jornada de trabalho, sem necessidade de justificativa e independentemente da possibilidade de substituição, a saída dos trabalhadores de seus postos de trabalho para o uso dos banheiros, sem qualquer controle de tempo, bastando que comuniquem ao fiscal responsável.
O descumprimento da ordem judicial importará no pagamento de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por cada ocasião em que, comunicando o empregado ao superior hierárquico, tiver negado o direito de ir ao banheiro ou for compelido a se justificar para tanto.
5. Aceitação de atestados médicos. Profissionais não ligados à empresa ré.
Na petição inicial, o Ministério Público do Trabalho relatou a precariedade do atendimento médico prestado pela demandada aos trabalhadores. Salientou que, conforme apurado nos procedimentos que antecederam a propositura da demanda, os médicos da empresa raramente afastam os trabalhadores com sintomas de doenças ocupacionais, receitando remédios para dor e obrigando-os a retornarem à linha de produção. Ressalta, ainda, que não são aceitos atestados de outros médicos, mantendo-se a prestação de serviços nos mesmos moldes. Pretende, em síntese, seja compelida a empresa a receber os atestados médicos de outros profissionais, acatando o tratamento recomendado e o período de afastamento prescrito.
A demandada, em contestação, refere que o pedido é formulado com base em depoimentos tendenciosos e unilaterais de pessoas visivelmente revoltadas com a empresa, por questões salariais, nada tendo a ver com a recusa de atestados médicos. Sustenta que sua prática encontra-se autorizada pelo art.
75 do Decreto-Lei 3.048/99, bem assim pela Súmula nº 15 do TST, bem assim que decorre dos abusos cometidos pelos médicos do sindicato e por outros da região, que fornecem atestados médicos aleatórios, extensos e sem qualquer relação com o histórico do funcionário. Reputa violado o art. 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal.
Pois bem.
O art. 75 do Decreto-Lei 3.048/99, apontado à contestação, preceitua:
Art. 75. Durante os primeiros quinze dias consecutivos de afastamento da atividade por motivo de doença, incumbe à empresa pagar ao segurado empregado o seu salário. (Redação dada pelo Decreto nº 3.265, de 1999). § 1º Cabe à empresa que dispuser de serviço médico próprio ou em convênio o exame médico e o abono das faltas correspondentes aos primeiros quinze dias de afastamento. (...). No mesmo sentido o art. 60, § 4º, da Lei 8.213/91, que prevê: § 4º A empresa que dispuser de serviço médico, próprio ou em convênio, terá a seu cargo o exame médico e o abono das faltas correspondentes ao período referido no § 3º, somente devendo encaminhar o segurado à perícia médica da Previdência Social quando a incapacidade ultrapassar 15 (quinze) dias.
A Súmula nº 15 do Tribunal Superior do Trabalho, por sua vez, determina que “a justificação da ausência do empregado motivada por doença, para a percepção do salário-enfermidade e da remuneração do repouso semanal, deve observar a ordem preferencial dos atestados médicos estabelecida em lei”. A Súmula nº 282, igualmente tratando da matéria, dispõe: “Abono de faltas. Serviço médico da empresa. Ao serviço médico da empresa ou ao mantido por esta última mediante convênio compete abonar os primeiros 15 (quinze) dias de ausência ao trabalho”.
Embora referidos dispositivos apontem a preferência do médico da empresa a fim de abonar eventuais faltas dos trabalhadores nos quinze dias que precederem o encaminhamento ao ente previdenciário, em detrimento de outros profissionais, entendo que tal benefício não pode ser absoluto, importando na desconsideração de atestados médicos indistintamente, sem qualquer justificativa plausível.
A prova testemunhal colhida nos autos, neste sentido, evidencia que era praxe a recusa de atestados médicos de profissionais não ligados à demandada, sem qualquer justificativa ou mesmo averiguação das patologias indicadas. Veja-se, primeiramente, o que referiu a testemunha Valdirene João Gonçalves da Silva: “saiu em 2005 estando aposentada por invalidez, em razão de lesão no ombro; que antes de seu afastamento procurou um médico particular ortopedista, cujo nome não se lembra o qual forneceu um atestado de quatro dias; que a médica da empresa de nome Dirce não validou a licença e disse que a depoente estava apenas com dor muscular e que deveria tomar um remédio para apenas para essa causa; que acredita que estes fatos ocorrem uns seis anos antes de seu afastamento; (…) que em novembro de 2004, a depoente foi ao departamento médico da empresa, onde foi atendida pelo Dr. Milton; que na época já sentia formigamentos no braço e no
punho, e muita dor; que fez um exame de ultrasom antes das férias e o Dr. Milton quando viu que seu braço estava bem ruim, prescreveu um tratamento; que no retorno o Dr. Milton estava de férias e foi atendida por outro médico que disse que era para continuar trabalhando; que trabalhou por uns dois dias com os dedos atrofiados e pediu nova ajuda ao departamento médico, tendo ido umas dez vezes; que o outro médico sugeriu que a depoente fosse alterada de função, mas disse que nem para isso tinha condições pois sentia muita dor e não conseguia fazer atividades básicas” (fl. 7390, volume 39, grifei).
O depoimento transcrito, prestado por trabalhadora atualmente inválida para o trabalho, a meu ver, denota a insuficiência do serviço médico da empresa, bem assim o descaso com que são tratados os trabalhadores.
Com efeito, salienta a testemunha ter sido receitado tratamento e afastamento do serviço por médico particular, o que não foi acatado pela médica da empresa, que limitou-se, sem qualquer exame complementar ou justificativa, a referir que tratava-se de dor muscular e que deveria retornar ao trabalho.
Posteriormente ao início dos sintomas que a incapacitaram para o trabalho, retornou ao serviço médico da empresa, tendo sido novamente orientada a
continuar trabalhando.
Por outro lado, a testemunha Osvaldo Garcez Dutra Junior, trazida pela ré, contraria a própria versão patronal, visto que indica minucioso procedimento de averiguação dos atestados médicos oriundos de profissionais não ligados à empresa, o qual compreendia a inspeção do paciente e a avaliação se a doença apontada no atestado seria ou não incapacitante para o trabalho (fls. 7392/7393). Ora, na contestação a demandada não faz qualquer alusão a
avaliação dos atestados médicos em questão, limitando-se a referir que não
são aceitos em razão de abusos verificados (fl. 2946, volume 18). Em outras
palavras, pelos termos da defesa, inexiste sequer a possibilidade de aceitação do atestado médico, o qual é imediatamente descartado pelo serviço médico da empresa.
De mais a mais, o depoimento da testemunha Valdirene faz coro a inúmeros outros empregados que, em demandas individuais que tramitam perante este Foro Trabalhista de Criciúma, sustentam o descaso e o desrespeito com que são tratados no serviço médico da ré, que não demonstra autêntica preocupação com a saúde dos trabalhadores, ignorando todos os sintomas apresentados e limitando-se a receitar analgésicos para que retornem ao trabalho. Tal procedimento, visualizado quase que diariamente por esta Magistrada, certamente é determinante no altíssimo número de afastamentos previdenciários na empresa ré, visto que sonega medidas preventivas tendentes a resguardar a saúde dos trabalhadores até que estes se veem forçados a deixar suas atividades.
Não se olvida que ao empregador, quando dotado de serviço médico, é conferida a faculdade de recusar atestado médico de profissional externo. Todavia, referido direito não é absoluto, devendo ser exercido de forma minuciosamente justificada, expondo as razões da discordância do médico da empresa e o tratamento que entende pertinente. Não é o que ocorre na demandada, onde os médicos da empresa recusam atestados de outros profissionais sem qualquer justificativa, sequer avaliando as patologias constatadas e as possibilidades de tratamento, limitando-se a determinar ao trabalhador que retorne a seu posto.
Novamente vale-se a demandada, aqui, de assertivas evasivas a fim de justificar a recusa, uma vez que noticia abusos cometidos pelos médicos da região, notadamente aqueles pertencentes aos quadros do sindicato obreiro, que teriam fornecido atestados em excesso, não avaliando o histórico médico dos trabalhadores. Todavia, não aponta sequer um exemplo desse abuso, ou seja, um caso em que tenha sido fornecido atestado médico dissociado do histórico funcional do trabalhador, pelo que não merece consideração à assertiva. Aliás, se refere a empresa a ocorrência de abuso pelos médicos do sindicato, com muito mais propriedade, porque de forma comprovada nos autos, refere o Ministério Público do Trabalho o abuso perpetrado pelos médicos da SEARA, visto que enquanto não acometidos de doenças profissionais incapacitantes, são os empregados compelidos a continuar trabalhando.
De todo modo, ainda que tivesse a demandada apresentado de forma clara, um a um, os supostos abusos cometidos pelos médicos do sindicato dos trabalhadores, saliento que não serviria a motivar a rejeição indiscriminada e sem qualquer justificativa de todos os atestados médicos oriundos de profissionais externos, sobretudo ante a precariedade do atendimento prestado no serviço médico da empresa.
Saliento, ainda, que o próprio depoimento da testemunha Osvaldo, trazida pela demandada, indica a insuficiência do setor médico da empresa, visto que refere: “que trabalha na ré desde 02/04/2007 e em média três médicos, dois do trabalho e uma ginecologista”. Ora, é inconcebível que apenas 3 médicos, sendo uma ginecologista, deem conta de atender a uma demanda de mais de 2.500 funcionários em atividade na unidade de Forquilhinha (conforme refere a própria ré em razões finais), circunstância corroborada pelos inúmeros depoimentos de trabalhadores colhidos pelo Ministério Público do Trabalho anteriormente ao processo (que, se não têm força idêntica aos depoimentos testemunhais, porque não colhidos frente ao Juízo, tampouco podem ser totalmente desconsiderados, por não comprovada qualquer coação), que relatam as dificuldades que experimentavam quando do agendamento de consultas, sendo por vezes atendidos apenas depois de uma semana. Nesse contexto, ante a insuficiência do serviço médico da empresa, incapaz de suprir as necessidades do expressivo número de funcionários em atividade, se torna ainda mais inconcebível a recusa injustificada de atestados fornecidos por profissionais externos.
Por fim, não há falar em violação ao art. 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal, na medida em que sequer explicita a demandada, de forma clara, que cláusula convencional impediria a aceitação de atestados fornecidos por médicos não ligados à empresa.
Pelo que, defiro o pedido formulado, para determinar que a ré passe a aceitar atestados médicos de profissionais não ligados à empresa, acatando o tratamento e o período de afastamento prescritos, sem qualquer limitação.
Caso descumprida a ordem judicial, deverá a demandada pagar multa no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em relação a cada atestado médico recusado, mediante comprovação do sindicato assistente ou diretamente pelos trabalhadores.
6. Diagnóstico precoce de doenças e agravos à saúde relacionados com o trabalho. Emissão de CAT.
Na petição inicial, como já referido, relata o Ministério Público do Trabalho ter apurado, através de procedimento investigatório, as condições de trabalho absolutamente desumanas às quais são expostos os empregados da demandada, compreendendo o trabalho em ambiente hostil (pela exposição ao
frio), com ritmo frenético (ante a constante exigência de produção pelos fiscais de linha) e movimentos repetitivos, sem a adoção de medidas tendentes a resguardar a integridade física dos trabalhadores. Salienta o parquet, outrossim, que o descaso da demandada em relação às normas de medicina e segurança do trabalho, pelo emprego das aludidas metodologias de produção, importa em altíssimo número de trabalhadores doente e/ou incapacitados para o trabalho. Nada obstante, assevera que a empresa tenta a todo o custo se elidir de qualquer responsabilidade, na medida em que, embora ciente das doenças profissionais desenvolvidas pelos empregados, deixa de encaminhá-los ao INSS, rejeitando a emissão de CAT.
A fim de corroborar sua tese apresenta extenso rol de funcionários afastados, conforme avaliação do ente previdenciário, em decorrência de doenças profissionais, inclusive reconhecidas por esta Justiça Especializada, sem que tenha a empresa ré, em nenhum dos casos, emitido a CAT. Salienta, outrossim, o conteúdo dos documentos oriundos da própria ré, cujos registros denotam uma infinidade de queixas pelos trabalhadores relacionadas a lesões, a maioria delas ignorada pelo setor médico.
Pretende, nesse contexto, seja compelida a empresa demandada a: a) diagnosticar, de forma precoce, as doenças e os agravos à saúde relacionados ao trabalho, afastando o trabalhador sobre o qual haja suspeita de doença profissional, custeando integralmente o tratamento respectivo, de forma direta ou através de plano de saúde instituído para este fim; e b) notificar as doenças profissionais comprovadas ou objeto de suspeita, encaminhando o empregado ao INSS para avaliação do Nexo Técnico Epidemiológico na forma da nova legislação. Requer, ainda, o arbitramento de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em relação a cada
caso não diagnosticado ou notificado à Previdência Social.
Defende-se a empresa ré, sustentando, em síntese, que o autor distorce os fatos, ensejando a aplicação da pena por litigância de má-fé. Aduz tratar-se de empresa absolutamente organizada, contando com SESMIT, amplo serviço médico, incluindo profissionais de fisioterapia e fonoaudiologia, bem assim
que empreende sistemas de rodízio de funções, ginástica laboral e
remanejamento de postos de trabalho. Salienta que tanto o MPT quanto o
sindicato assistente ignoram o conteúdo da cláusula 38ª e 39ª dos instrumentos
coletivos vigentes, que expressamente abordam a prevenção de lesões por
esforço repetitivo (LER/DORT), bem assim a readaptação dos funcionários
acidentados, independentemente de culpa da empresa.
Entende que o autor e o sindicato assistente ignoram a legislação previdenciária, em especial o Decreto 3.048/99, que estabelece que trabalhadores devem ser encaminhados ao INSS, bem assim reputa violado o princípio da legalidade, insculpido no art. 5º, inciso II, da Carta Magna.
Pois bem.
O art. 20 da Lei 8.213/91, ao conceituar as doenças profissionais e do trabalho, integrantes do gênero doenças ocupacionais, assim prevê: Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas: I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada
atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social; II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I. Por outro lado, o art. 21-A do mesmo diploma legal, acrescido pela Lei 11.430/06, estabelece a competência do INSS para a aferição do Nexo Técnico Epidemiológico, assim dispondo: Art. 21-A. A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças - CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento. § 1o A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo. § 2o A empresa poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.430, de 2006).
Ademais, o art. 22 daquela Lei estabelece o dever do empregador de notificar ao INSS os acidentes de trabalho ocorridos ou as doenças ocupacionais equiparadas: Art. 22. A empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social. § 1º Da comunicação a que se refere este artigo receberão cópia fiel o acidentado ou seus dependentes, bem como o sindicato a que corresponda a sua categoria. § 2º Na falta de comunicação por parte da empresa, podem formalizá-la o próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública, não prevalecendo nestes casos o prazo previsto neste artigo. (...)
A obrigação em questão é reforçada pelo art. 169 da CLT, com redação dada pela Lei ./514/77, que dispõe: Art. 169 - Será obrigatória a notificação das doenças profissionais e das produzidas em virtude de condições especiais de trabalho, comprovadas ou objeto de suspeita, de conformidade com as instruções expedidas pelo Ministério do Trabalho.
A leitura conjunta dos dispositivos legais transcritos, nesse contexto, evidencia que considera-se doença ocupacional aquela desenvolvida em razão do trabalho, subdividindo-se o gênero em doença do trabalho (aquela desencadeada por condições especiais em que realizado o trabalho) e doença
profissional (pelo exercício de trabalho peculiar a uma atividade e constante de rol elaborado pelo MTE). Evidencia, ainda, que compete ao empregador encaminhar o trabalhador ao ente previdenciário mediante a lavratura da CAT, a partir da mera suspeita de doença ocupacional, ainda que futuramente
afastado o nexo de causalidade pelo INSS. Caso furte-se desse ônus, a legislação garante que a omissão seja suprida por outros meios, cabendo aos sujeitos indicados no aludido § 2º a comunicação ao órgão previdenciário (entre eles o próprio trabalhador e o sindicato respectivo), sem afastar, contudo, a responsabilidade do empregador.
A respeito da emissão da CAT, discorre o doutrinador Sebastião Geraldo de Oliveira2: “O primeiro passo para o reconhecimento de qualquer direito ao empregado que sofreu acidente de trabalho ou situação legalmente equiparada é a comunicação da ocorrência à Previdência Social, cuja legislação, no Brasil, incorporou a infortunística do trabalho. Com o objetivo de facilitar a concessão
rápida dos benefícios e, ainda, diante do caráter social do seguro acidentário, a norma legal atribui ao empregador a obrigação de expedir a comunicação do acidente, ficando dispensada, assim, a vítima ou seus dependentes da iniciativa do requerimento. (…). O acidente de trabalho pode ser o fato gerador de diversas e sérias consequências jurídicas que se refletem no contrato de trabalho, na esfera criminal, nos benefícios acidentários, nas ações regressivas promovidas pela Previdência Social, nas indenizações por responsabilidade civil, na Inspeção do Trabalho, no pagamento de indenização de seguros privados que cobrem a morte ou a invalidez permanente, e na reação corporativa do sindicato da categoria profissional. (2.2 Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional / OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de)..
Com receio de tantas repercussões onerosas, muitos empregadores sonegam a comunicação, procurando impedir a publicidade do sinistro. O legislador, no entanto, com o objetivo de combater a subnotificação, instituiu normas visando a facilitar a comunicação do acidente e ampliar a sua divulgação entre todos os interessados, para que possam tomar as medidas que entenderem cabíveis. Assim, no caso de omissão ou resistência do empregador, a CAT também pode ser emitida pelo próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública, mesmo após vencido o prazo para a comunicação pela empresa.
(…)
Assim, a partir do momento em que surge a 'suspeita diagnóstica' de doença relacionada ao trabalho, é dever do empregador e direito do empregado a emissão de CAT. De qualquer forma é necessário que haja alguma alteração, sintoma ou sinal clínico que possa levar à 'suspeita', para não cair no excesso oposto de emissão de CAT pela simples desconfiança ou mero capricho por parte do empregado.
(…)
Vale enfatizar que a CAT deverá ser preenchida em todos os casos em que ocorrer acidente ou doença ocupacional, mesmo que não haja afastamento do trabalho ou incapacidade. Sabe-se, porém, que a subnotificação nos acidentes que não acarretam afastamento é grande, até porque é muito difícil o fato ser
detectado pela fiscalização.”
Ressalto que a Constituição Federal, conforme comando do art.7º, inciso XXII, garante ao trabalhador a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. No mesmo sentido
a NR-1, item 1.7, do Ministério do Trabalho e Emprego, e o art. 19, § 1º, da Lei
8.213/91, que reforçam a responsabilidade do empregador no cumprimento das
normas de segurança e medicina do trabalho. Certamente a emissão da CAT
insere-se nessa responsabilidade, visto que a prevenção dos riscos no trabalho compreende também o diagnóstico precoce das doenças ocupacionais
verificadas, de modo a possibilitar o pleno restabelecimento do trabalhador. A
omissão do empregador nesse sentido, e a manutenção do empregado em atividades relacionadas à lesão, por outro lado, no mais das vezes provocam o
agravamento do quadro, sendo encaminhado à Previdência Social somente
quando instalada a incapacidade, por vezes de forma irreversível.
Por outro lado, a prova carreada aos autos, a meu ver, corrobora integralmente a versão do autor, evidenciando a prática da demandada de, a todo custo, omitir a notificação das doenças profissionais verificadas em suas - unidades produtivas. Primeiramente, saliento o conteúdo do depoimento da testemunha Valdirene João Gonçalves da Silva, empregada que, a partir dos trinta e cinco anos, teve de ser afastada do trabalho em razão de doença ocupacional, estando atualmente inválida. Relatou a testemunha: “saiu em 2005 estando aposentada por invalidez, em razão de lesão no ombro; que antes de seu afastamento procurou um médico particular ortopedista, cujo nome não se lembra o qual forneceu um atestado de quatro dias; que a médica da empresa de nome Dirce não validou a licença e disse que a depoente estava apenas com dor muscular e que deveria tomar um remédio para apenas para essa causa; que acredita que estes fatos ocorrem uns seis anos antes de seu afastamento; que a depoente passou a procurar outro médico particular somente após ter sido afastada; que não foi emitido CAT no seu caso; que em novembro de 2004, a depoente foi ao departamento médico da empresa, onde foi atendida pelo Dr. Milton; que na época já sentia formigamentos no braço e no punho, e muita dor; que fez um exame de ultrasom antes das férias e o Dr. Milton quando viu que seu braço estava bem ruim, prescreveu um tratamento; que no retorno o Dr. Milton estava de férias e foi atendida por outro médico que disse que era para continuar trabalhando; que trabalhou por uns dois dias com os dedos atrofiados e pediu nova ajuda ao departamento médico, tendo ido umas dez vezes; que o outro médico sugeriu que a depoente fosse alterada de função, mas disse que nem para isso tinha condições pois sentia muita dor e não conseguia fazer atividades básicas; posteriormente, foi atendido pelo Dr. Milton que concedeu um atestado de 15 dias e que era para fazer a abertura de CAT no RH; que chegando ao RH, o pessoal não concedeu a abertura de CAT e fizeram propostas para a depoente para que apenas viesse até a empresa mas que não se afastasse pelo INSS; que o seu afastamento só ocorreu e a emissão da CAT, quando procurou o Sindicato que a encaminhou para o benefício; que um dia foi procurada pelo superintendente da empresa de nome MARCOS para que não emitisse a CAT; que o médico da empresa, depois de uma reunião com os diretores da empresa, disse para a depoente que era para ir na empresa bater o cartão e não trabalhar, alegando que fazia o que lhe era mandado;
que os últimos fatos ocorreram por volta de janeiro de 2005; que a depoente sempre trabalhou na desossa da coxa; que sempre atendeu os tratamentos médicos da empresa, inclusive fisioterapia” (fl. 7390, volume 39, grifei).
O depoimento em questão dá conta de procedimento absolutamente lamentável da empresa ré, que, além do flagrante descumprimento das normas alusivas à medicina e segurança do trabalho, também tenta ao máximo se eximir de seu dever legal de notificação dos casos suspeitos de doença profissional ao ente previdenciário, de modo a possibilitar o afastamento do trabalhador até a recuperação. Ora, é inconcebível, no meu sentir, que, dada a gravidade do quadro da testemunha, inclusive com exames e atestado médico fornecido por ortopedista, tenha a demandada simplesmente ignorado o estado de seu braço. Mais grave: uma vez ciente da incapacidade da trabalhadora, ainda assim não lavrou a CAT, tendo lançado a indigna proposta de que comparecesse à sede da empresa apenas para registrar o ponto, não sendo obrigada a trabalhar.
A atitude da ré, somada a todas as demais infrações legais verificadas no curso da presente Ação Civil Pública, evidencia profundo descaso com a saúde dos trabalhadores, visto que, no caso da aludida testemunha, além de sonegar toda a sorte de medidas preventivas ao agravamento da lesão desenvolvida (readaptação de função, por exemplo), mesmo posteriormente, sabedora de sua responsabilidade e do irreversível quadro de incapacidade laboral, tentou eximir-se da notificação do caso ao INSS, negando-se a emitir a CAT, o que somente foi feito pelo sindicato. Pergunta-se aos representantes da demandada: caso aceita a aviltante proposta formulada à trabalhadora, que melhora em seu quadro poderia ocasionar a circunstância de comparecer à empresa para bater o ponto, lá aguardando o transcurso da jornada de trabalho, sem qualquer tratamento médico? Referido tratamento é digno para com a trabalhadora que, justamente pelas precárias condições de trabalho oferecidas pela empresa, encontra-se atualmente inválida?
Infelizmente, contudo, o caso da testemunha em questão não é isolado, uma vez que tramitam perante a Justiça do Trabalho Catarinense inúmeros outros abordando situações semelhantes, de doenças profissionais desenvolvidas em razão das técnicas de produção adotadas pela demandada.
Veja-se, nesse sentido, as inúmeras CATs de trabalhadores da demandada emitidas (a grande maioria lavrada pelo sindicato dos trabalhadores, e não pela
empresa) e os laudos técnicos do INSS trazidos pelo Ministério Público do Trabalho, juntados aos autos às fls. 268/751 (volumes 2, 3 e 4). Referidos documentos evidenciam a legião de trabalhadores afastados da demandada, alguns em situação irreversível de incapacidade laboral, não tendo a empresa implementado qualquer medida preventiva a mudar este quadro.
A título de exemplo, indico o trabalhador Edson Formaeski, que por ocasião da perícia tinha apenas 23 anos. O laudo referido aponta: “Segurado trabalha como atendente de produção em indústria. Sua função é desempenhada na desossa (6 coxas por minuto) há um ano. Refere que anteriormente não trabalhava e que após tres meses nesta função iniciou com dor no ombro esquerdo que piora gradativamente” (fl. 667, volume 4). Concluiu a médico, à
época, que acometido o trabalhador de lesões no ombro, havendo incapacidade laborativa. Posteriormente, em exame datado de 09/02/2006, quase dois anos após o afastamento inicial, continuava o trabalhador inapto (fl. 668).
Nesse sentido, ainda, a relação apresentada pelo Ministério Público do Trabalho em razões finais (fls. 7619/7620), conforme certidão exarada pelo Serviço de Distribuição de Feitos deste Foro de Criciúma, que indica a absurda quantidade de demandas trabalhistas tramitando frente à empresa Seara Alimentos S/A, grande parte delas com pedidos relacionados à acidentes de trabalho ou doenças profissionais. Aliás, referida certidão nada tem de “maliciosa”, como assere a demandada à fl. 7643, explicitando com precisão o
número de ações em que figura como ré. Ademais, merece repúdio a assertiva de que o sistema judiciário trabalhista incentiva o ajuizamento de demandas “absurdas e inconsequentes”, que, além de inverídica, não se relaciona àquelas ações apontadas na certidão respectiva, a maioria com decisões de parcial procedência.
A reforçar a omissão patronal, ainda, os controles de acidentes de trabalho apresentados pelo Ministério Público do Trabalho às fls. 1388/1420, oriundos do setor de segurança própria empresa, que indicam, por exemplo, a ocorrência de 100 comunicações no setor de Abate II, no primeiro trimestre de 2007, o que adquire contorno grave ante a constatação de que, à época, apenas 129 funcionários trabalhavam no local. Ora, ainda que muitas das ocorrências comunicadas não se revestissem de qualquer gravidade, o fato de que a imensa maioria dos funcionários do setor sofreu alguma lesão (ainda que de natureza leve), revela, além da efetiva precariedade das condições de trabalho oferecidas, indício considerável da subnotificação de acidentes de trabalho ou doenças equiparadas à Previdência Social.
Vale lembrar, nesse sentido, que a testemunha Osvaldo Garcez Dutra Junior aponta que “em 2008, foram emitidas oito CATs por doença ocupacional, em 2009, cinco” (fl. 7392, volume 39). Não existe menção de qualquer mudança no processo produtivo da ré durante o período de tramitação da presente Ação Civil Pública, razão pela qual presume-se que, nos anos que seguiram o ajuizamento (2008 e 2009), o número de comunicações de ocorrências permaneceu nos mesmo patamares. Nesse contexto, cabe indagar:mantido o mesmo padrão de comunicações registrado em 2007, no total de 2208 em três meses (fl. 1388), ainda que se considere que a imensa maioria refere-se a casos sem qualquer gravidade, é crível que, durante todo o ano de 2008,
apenas 8 ocorrências tenham gerado a emissão de CAT pela empresa? E apenas 5 em 2009? Parece-me que não, o que corrobora a tese de subnotificação, pela Seara Alimentos, das doenças profissionais verificadas na Unidade de Forquilhinha.
A atitude da demandada, assim, contraria os dispositivos legais e constitucionais supra indicados, especialmente o art. 7º, XXII, da Carta Magna, ignorando as queixas dos trabalhadores em relação a possíveis doenças ocupacionais e mantendo-os nas mesmas atividades até o agravamento do quadro e o afastamento forçoso do trabalho. Ressalto, mais uma vez, que a mera suspeita de desenvolvimento de doença profissional deve, necessariamente, gerar a emissão da CAT, de modo a possibilitar a avaliação do Nexo Técnico Epidemiológico pelo ente previdenciário.
Saliento, ademais, que a emissão da CAT não gera, isoladamente, qualquer penalização ao empregador, visto que não incumbe a este a avaliação do nexo de causalidade, mas sim ao INSS. Nesse sentido, transcrevo novamente a lição de Sebastião Geraldo de Oliveira.
“A emissão da CAT não significa automaticamente que houve confissão da empresa quanto à ocorrência de acidente de trabalho, porquanto a caracterização oficial do infortúnio é feita pela Previdência Social, depois de comprovar o liame causal entre o acidente e o trabalho exercido.
(…)
Como se vê, o acidente ou doença comunicado pela empresa pode ser ou não caracterizado tecnicamente como acidente de trabalho. Se a Perícia indicar que não há nexo causal do acidente ocorrido com o trabalho, o INSS reconhecerá apenas o acidente de qualquer natureza, conferindo à vítima os benefícios previdenciários cabíveis, mas não os direitos acidentários. Igual desfecho ocorrerá se a doença, mesmo considerando-se as possíveis concausas, não estiver relacionada ao trabalho.”
Nesse contexto, a circunstância de ter o empregador expedido CAT – no cumprimento de seu dever legal – não necessariamente implicará em qualquer direito acidentário ao empregado (notadamente a estabilidade do art.118 da Lei 8.213/91) e muito menos na responsabilidade civil da empresa, somente passível de reconhecimento perante o Poder Judiciário. A comunicação, assim, tem por fulcro apenas o encaminhamento do trabalhador sobre o qual haja suspeita de incapacidade ao órgão previdenciário, a este cabendo avaliar a ocorrência do nexo de causalidade entre a lesão e as atividades laborais. Desta forma, como bem ilustra a doutrina transcrita, a CAT emitida pelo empregador não tem efeito de confissão do nexo causal, cuja análise não lhe compete.
Por tal razão, não favorece à tese defensória a circunstância de que, dos laudos apresentados pelo Ministério Público do Trabalho junto à petição inicial (volumes 2 a 4), vários empregados tenham sido afastados para gozo de auxílio-doença previdenciário (código 031), e não acidentário, não tendo sido
vislumbrado pelo INSS o nexo de causalidade. Isso porque, ainda que posteriormente afastado o nexo causal pelo órgão previdenciário, permanece a
obrigação do empregador notificar os casos suspeitos de desenvolvimento de
doença profissional. Em outras palavras, ciente o empregador da lesão, tem o
dever legal de notificar à Previdência Social, ainda que a perícia daquele órgão
posteriormente conclua pela inexistência de relação com as atividades (ocasião
em que, constatada a incapacidade laboral, será o trabalhador afastado por auxílio-doença simples, que não gera estabilidade provisória).
Não favorecem à ré, outrossim, as medidas preventivas supostamente implementadas em relação às doenças ocupacionais (ginástica laboral de fls. 3372/3389, Perfil Profissiográfico Previdenciário de fls. 4238/4243 e LTCAT de fls. 4244/4327, por exemplo), visto que além de ineficazes, como evidenciado pelo número de trabalhadores incapacitados da ré, habitualmente visualizado neste Foro de Criciúma, não tem qualquer relevância à presente questão. Lembro que a controvérsia diz respeito não ao reconhecimento da doença ocupacional, hipótese que demandaria a análise dos métodos preventivos implementados, mas da obrigação de notificação ao INSS dos casos suspeitos.
Assim, havendo fundada suspeita de que encontra-se doente o trabalhador, cabe à empresa emitir a CAT independentemente da existência de programas de prevenção.
Destarte, estabelecido o dever do empregador de emitir a CAT, bem assim evidenciada a prática da demandada de impedir, a todo custo, o encaminhamento dos trabalhadores acidentados ou doentes à Previdência Social, compelindo estes a permanecer trabalhando ou, em casos extremos, a comparecerem à empresa apenas para o registro de ponto – caso da testemunha Valdirene –, circunstância que os força a buscarem o auxílio do sindicato respectivo a fim de suprir a omissão da empresa, entendo que merecem acolhimento parcial os pedidos em análise.
Pelo que, defiro os pedidos 6 e 7 da petição inicial, para condenar a empresa ré nas seguintes obrigações de fazer:
a) diagnosticar, de forma precoce, as doenças e os agravos à saúde relacionados ao trabalho, afastando imediatamente o empregado sobre o qual haja suspeita de estar acometido de doença ocupacional;
b) notificar as doenças profissionais comprovadas ou objeto de mera suspeita, lavrando a CAT respectiva a fim de que seja o trabalhador encaminhado ao INSS para avaliação do Nexo Técnico Epidemiológico, na
forma da legislação.
Entendo incabível, contudo, o pedido de que sejam custeadas integralmente pela empresa, ou por plano de saúde por esta implementado, as despesas decorrentes do tratamento médico dos trabalhadores sobre os quais haja diagnóstico ou suspeita de doença ocupacional. Primeiro, porque a condenação demandaria a análise da responsabilidade civil do empregador caso a caso, impossível na presente demanda coletiva, cabendo a cada empregado, individualmente, postular o que entender de direito. Segundo, porque é de conhecimento deste Juízo que a demandada oferece plano de saúde corporativo aos seus empregados. E terceiro porque não há como avaliar, de forma indiscriminada, a possibilidade de tratamento das doenças ocupacionais pelo SUS.
Caso descumprida a ordem judicial, deverá a demandada pagar multa no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em relação a cada doença ocupacional não diagnosticada ou CAT não emitida, mediante comprovação do sindicato assistente ou diretamente pelos trabalhadores.
7. Dano Social. Indenização ao FAT.
Pretende o Ministério Público do Trabalho, por fim, a condenação da demandada ao pagamento de indenização ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, no valor de R$ 150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de
reais). Salienta que a forma de agir da ré merece severa repressão, porquanto
incompatível com o estágio atual das relações trabalhistas. Lembra que os trabalhadores da ré merecem tratamento condizente com o valor constitucional da dignidade da pessoa humana, não se podendo conceber o ambiente de trabalho como uma “verdadeira selva”, onde impera a “lei do mais forte”. Ressalta que a conduta da ré não pode ser remediada somente pelas obrigações de fazer e não fazer postuladas na presente Ação Civil Pública, impondo-se também a condenação a reparar os danos sociais verificados, de natureza difusa e coletiva.
Entende que as algumas práticas da ré, inclusive, poderiam caracterizar ilícitos de ordem criminal, incidindo tipos penais como maus tratos, redução à condição análoga a escravo, omissão de socorro, lesão corporal, constrangimento ilegal, etc.
Justifica o valor pretendido em face do manifesto poderio econômico da empresa demandada, que constitui-se numa das maiores agroindústrias do mundo, auferindo lucros mensais milionários e tendo quase toda a sua produção voltada para o mercado externo. Salienta, a título ilustrativo, que a ré é a única empresa do continente a contar com terminal portuário privativo, localizado no Porto de Itajaí, cujas operações, segundo o site da própria empresa, importam movimentação mensal de 20.000 toneladas, o que serve a evidenciar sua capacidade financeira.
A demandada, em contrapartida, impugna a pretensão. Sustenta que jamais causou qualquer dano social passível de indenização, qualificando como delirante, indevido e ilegal o pedido. Ressalta que, se dano social ocorreu, foi por conta do ajuizamento da presente ação, pelo risco de inviabilização da continuidade do negócio, em prejuízo dos mais de 8.000 trabalhadores que, direta ou indiretamente, retiram da empresa o sustento familiar.
Pois bem.
É entendimento desta Magistrada que a agressão reiterada e continuada aos direitos de ordem trabalhista, pelo empregador, geram danos que excedem à esfera individual, lançando efeitos sobre toda a sociedade – mormente no caso da empresa ré, de imenso porte econômico – e que devem ser reparados. Não é por outra razão que o ordenamento jurídico brasileiro tem buscado, com ênfase cada vez maior, a tutela de direitos que transcendem o plano individual, revestindo-se de natureza difusa ou coletiva.
Nesse sentido, por exemplo a Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos V e X, a Lei 7.347/85 (Ação Civil Pública), a Lei 4.717/65 (Ação Popular), e o Código de Defesa do Consumidor, instrumentos que possibilitam a tutela desses interesses pelo Poder Judiciário.
Na esfera trabalhista, Mauro Schiavi3, citando Pedro Paulo Teixeira Manus, assim conceitua o interesse coletivo: “O interesse coletivo, no direito do trabalho é aquele de que é titular a categoria, ou uma parcela da categoria, como o grupo de empregados de algumas empresas, de uma empresa, ou grupo de empregados de um ou alguns setores de uma empresa. Esse interesse ultrapassa as pessoas que a integram porque indeterminado, sendo
titular o grupo, cujos integrantes podem vir a ser determinados a cada momento e estão ligados entre si por pertencerem à mesma empresa, setor ou categoria profissional”.
Estabelecidos estes conceitos, entendo inegável que a reiterada conduta da ré de desrespeito aos direitos trabalhistas, às normas de segurança e medicina do trabalho, e, em última análise, aos fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, acarreta dano que transcende aos trabalhadores individualmente, atingido toda a categoria
respectiva. Veja-se algumas práticas lesivas da ré apuradas na presente demanda coletiva, e reforçada por inúmeros casos individuais já julgados neste
Foro de Criciúma: a) até a propositura da Ação Civil Pública, mantinha os empregados da sala de cortes em temperaturas sabidamente inferiores a 10ºC,
sem conceder as pausas previstas no art. 253 da CLT; b) impedia que seus
empregados fossem ao banheiro fora dos horários preestabelecidos, compelindo-os, em caso de premente necessidade, a se justificarem na presença de todos os colegas, o que causava manifesto constrangimento; c) rejeitava atestados médicos de profissionais não ligados ao seu serviço de saúde sem nenhuma justificativa, sequer avaliando os exames realizados e o tratamento prescrito, o que, aliado ao descaso dos médicos da empresa, acarretava situação em que os empregados, mesmo com dores, eram compelidos a permanecer trabalhando; d) implantava de ritmo frenético de trabalho, em ambiente hostil e com tarefas repetitivas, altamente propensas ao desenvolvimento de doenças ocupacionais; e e) omitia a notificação de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais à Previdência Social, negando-se a emitir CAT e, em casos extremos, propondo aos empregados que comparecessem à empresa apenas para registrar o ponto.
Referidas práticas, a toda evidência, mostram-se incompatíveis com o atual padrão civilizatório das relações trabalhistas, não sendo concebível que, em pleno século XXI, vejam-se os empregados compelidos a trabalharem em circunstâncias de fazer inveja ao período da Revolução Industrial.
Com efeito, não pode ficar inerte o Poder Judiciário diante desse quadro, que
além dos fundamentos constitucionais acima apontados, atinge também os valores de justiça social e a observância do Estado de Bem Estar Social (Welfare State). (3 Ações de Reparação por Danos Morais Decorrentes da Relação de Trabalho, Editora LTr, 3ª.Edição – 2009). Trata-se de manifesto abuso de direito, que, nas palavras do Exmo. Juiz José Ernesto Manzi4, constitui-se em “uma das formas mais mesquinhas de egoísmo social, pois o arcabouço jurídico e o próprio aparelhamento do Estado são utilizados para, com extrema má-fé (assim tida não a dos incautos, imprudentes, ignorantes ou mal assessorados e sim aquela meditada e objeto de arquitetura jurídica para atuar) buscar perverter o direito, convertendo-o de instrumento da justiça em instrumento da injustiça; de meio de apaziguamento social, em meio de ampliação das distensões; de concretizaçãoda vontade firme e constante de dar a cada um o que é seu (segundo Ulpiano), na institucionalização do locupletamento, do obter o que pertence a outrem, através de estratagemas e intrigas. Nessas hipóteses, o Juiz deve reconhecer, obrigatoriamente, mesmo sem provocação, o dano social, porque o processo possui uma função extraprocessual de extrema relevância, qual seja, a de transmitir aos litigantes in genero a idéia de como o Judiciário interpreta as leis ecomo devem orientar seus comportamentos, de forma a evitar o acionamento judicial.”
A conduta de precarização do trabalho pela demandada, por óbvio, atinge não apenas ao trabalhador individualmente, mas à coletividade destes, que veem impotentes serem rasgadas todas as normas legais e constitucionais relacionadas à valorização do trabalho. Atinge, igualmente, a sociedade local, visto que a empresa, por seu imenso porte, constitui-se na maior empregadora da região, lançando a impressão, aos olhos da comunidade, de tratar-se de terra se lei. Por fim, atinge também o já combalido sistema previdenciário brasileiro, às portas do qual vai bater a legião de trabalhadores incapacitados pelas técnicas brutais adotadas pela empresa ré.
Entendo, assim, que as reiteradas práticas da demandada de desrespeito às normas legais e constitucionais relacionadas ao Direito do Trabalho devem ser desestimuladas, bem assim reparado o dano social causado, na forma dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil5, mediante o arbitramento de indenização que contemple não apenas a gravidade da conduta da demandada e os efeitos maléficos decorrentes, mas também o poderio econômico da empresa. (4 RO 04681-2007-004-12-00-0 -7, publicado no TRTSC/DOE em 21/10/2009. 5 Art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187 - Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único - Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem).
Entendo exagerado, contudo, o valor requerido pelo Ministério Público do Trabalho ao título, de R$ 150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de reais), porquanto, além de desproporcional em relação ao dano, poderia comprometer sensivelmente a manutenção da atividade produtiva da Unidade de Forquilhinha, em prejuízo aos trabalhadores e à própria comunidade, visto que a empresa, como já referido, é a maior empregadora da região. Nesse contexto, não é aconselhável a reparação de um dano social com a prática de outro, que deixaria desamparados os mais de 2.500 funcionários que laboram na unidade fabril da ré, comprometendo decisivamente a economia da região.
Em consulta realizada na internet6, outrossim, constato que o Grupo Marfrig, dono da marca Seara, auferiu, durante o exercício financeiro 2010, lucro líquido de R$ 146.100.000,00 (cento e quarenta e seis milhões e cem mil reais).
Pelo exposto, visando não apenas a reparação do dano social causado pela demandada, mas também a adoção de práticas convergentes ao cumprimento da legislação trabalhista e dos fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, defiro o pagamento de indenização no importe de R$ 14.610.000,00, (quatorze milhões, seiscentos e dez mil reais), correspondente a 10% do lucro líquido do grupo controlador da ré em 2010, o qual reputo compatível com o caráter pedagógico da medida sem, no entanto, comprometer a manutenção da atividade produtiva da ré. Saliento que, embora o lucro respectivo tenha sido apurado em 2010, serve como parâmetro ao arbitramento da indenização, porquanto as lesões cuja reparação se pretende ocorrem há anos na empresa,
estendendo-se até a presente data.
Contudo, reputo não apropriada a destinação do valor respectivo ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), medida que não geraria qualquer benefício direto aos trabalhadores lesados. Vale lembrar que a indenização deferida tem, por escopo principal, a reparação dos males causados pela demandada, o que importa na adoção de práticas relacionadas à recuperação e readaptação no mercado de trabalho dos trabalhadores acidentados e/ou doentes oriundos da empresa.
Nesse contexto, entendo que seria mais apropriada a intimação da Secretaria Estadual de Saúde e do Instituto Nacional do Seguro Social, para que, de forma conjunta, apresentem projeto destinado à recuperação dos trabalhadores e reintegração destes no mercado, em atenção ao que (6 http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/valor/2011/03/31/lucro-damarfrig-
avanca-413-no-quarto-trimestre-de-2010.jhtm) dispõem os arts. 1967 e 2008, incisos I, II e VIII, da Constituição Federal, ficando o valor da indenização, até aquela data, depositado em conta bancária à disposição deste Juízo. Uma vez aprovado o projeto, a quantia será liberada através de alvará, sendo que a execução do mesmo deverá ser fielmente fiscalizada pelos órgãos competentes e pelos autores.
Pelo que, defiro parcialmente o pedido formulado, para condenar a ré ao pagamento de indenização por danos sociais, no valor de R$ 14.610.000,00 (quatorze milhões, seiscentos e dez mil reais), por dano moral coletivo.
Incidirá correção monetária a partir da publicação da presente decisão, nos termos do Enunciado nº 8 deste Regional9.
8. Confirmação da tutela antecipada.
Ante os termos da presente sentença, confirmo a decisão exarada em sede de antecipação de tutela pela Exma. Juíza Desirre Dorneles de Ávila Bollmann, cassada pelo E. TRT e posteriormente restabelecida em parte pela decisão de embargos declaratórios cuja cópia foi apresentada às fls. 5688/5692 (volume 31). Restam ressalvados, todavia, os valores fixados a título de multa pelo não cumprimento da tutela, uma vez que deverão ser observados os ora fixados nesta sentença nos tópicos respectivos.
9. Litigância de má-fé.
Pleiteia o Ministério Público do Trabalho, na manifestação de fls. 4700/4735 (volume 26) a condenação da empresa ré na pena por litigância de má-fé, pela incidência do art. 17, II, do CPC, porquanto, sabedora da inexistência de Comissão de Conciliação Prévia na localidade, suscita a prefacial respectiva, no intuito único de procrastinar o andamento do feito. Ainda, na manifestação de fls. 5832/5850 (volume 31), reitera a pretensão, acrescentando o intuito protelatório inerente à exceção de suspeição arguida, a constante tentativa de intimidação do Juízo e do próprio parquet, e, por fim, o emprego de termos agressivos, injuriosos e ofensivos frente aos demais litigantes. ( 7 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. 8 Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. 9 "INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. TERMO INICIAL. A incidência de correção monetária e juros sobre indenização por danos morais, cujo valor é arbitrado em parâmetros atuais, quando do julgamento, tem como termo inicial a data da publicação da decisão.")
O sindicato assistente, na manifestação de fls. 5859/5860, reforça as razões lançadas pelo MPT, ressaltando o caráter intimidatório da exceção de suspeição arguida.
A demandada, por sua vez, pretende a condenação do autor na penalidade em epígrafe, ao argumento de que distorce os fatos no tocante ao diagnóstico das doenças ocupacionais, uma vez que trata-se de empresa organizada, que conta com serviço médico e empreende sistemas de rodízio de funções, ginástica laboral e remanejamento de postos de trabalho.
Razão assiste ao autor e ao assistente.
A demandada, no curso da presente demanda, vem lançando mão de todo o expediente possível e imaginável no intuito de intimidar o autor, seu assistente litisconsorcial e o próprio Juízo, além de procrastinar o andamento do feito, conduta que não pode passar impune.
Entre as medidas adotadas pela demandada passíveis de enquadramento nos incisos do art. 17 do CPC, saliento as seguintes: a) suscitou prefacial de ausência dos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo, pela não submissão do feito à Comissão de Conciliação Prévia, absolutamente ciente da inexistência daquele órgão na localidade de Forquilhinha, no intuito único de protelar o feito (tanto que, no curso da presente demanda, não demonstrou autêntico intuito de conciliar); b) tentou, de todas as
formas, cercear a atuação do Exmo. Procurador do Trabalho que subscreveu a petição inicial, pleiteando reiteradamente sua substituição (ignorando as garantias constitucionais daquele órgão) e a intervenção do Procurador-Chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 12ª Região; c) tentou, nos mesmos moldes, intimidar os Juízes que atuaram no feito, notadamente a Exma. Juíza Desirre Dorneles de Ávila Bollmann, lançando ameaças veladas de fechamento da Unidade de Forquilhinha em caso de procedência da demanda, bem assim de processos judiciais contra as autoridades em questão por supostos prejuízos causados; e d) arguiu exceção de suspeição absolutamente intempestiva e infundada, novamente com intuito único de causar embaraços ao andamento do feito e coagir as autoridades exceptas.
Como se não bastasse, empregou de forma reiterada o advogado Washington A. Telles de Freitas Júnior, constituído pela ré, expressões irônicas, injuriosas e agressivas em relação aos demais litigantes, ao perito técnico designado nos autos e ao próprio Juízo, olvidando os deveres de lealdade, urbanidade e respeito que, como já referido, devem nortear a atuação das partes. A título de exemplo, referiu o procurador em questão que a presente ação teria sido motivada pelo “grupelho” de funcionárias demitidas por justa causa (fl. 2947), que o perito teria frequentado “sessões de tanglo manglo” para justificar suas conclusões (fl. 5877), que estaria o Ministério Público do Trabalho atuando de maneira “pérfida”, ou de que teria o Juízo armado “circo de horrores para a empresa”, na intenção de coagi-la (fl. 5679).
O desrespeito do procurador em questão tomou proporções de tamanha gravidade que, na decisão de fls. 5653/5655 (volume 31), se viu forçado o Juízo a determinar que fossem riscadas dos autos as expressões injuriosas empregadas na manifestação de fls. 5586/5592 (volume 30).
Pelo que, ante todas as condutas acima elencadas, reputo configurada a litigância de má-fé da empresa demandada, razão pela qual condeno-a ao pagamento de multa de 1% sobre o valor da causa, com fulcro no art. 18 do CPC.
No tocante à alegação lançada pela ré, não vislumbro, na atuação do autor, intuito de distorcer os fatos pertinentes à lide, inclusive aqueles referentes ao diagnóstico das doenças ocupacionais desenvolvidas pelos empregados, pedido que não guarda qualquer relação com os programas preventivos eventualmente instituídos no âmbito da empresa. Indefiro a aplicação da penalidade, sobretudo ante o resultado da demanda. 10. Honorários Periciais
Considerando o zelo, a presteza e a qualidade do trabalho do perito, e, ainda, a complexidade da matéria abordada nos autos, fixo os honorários periciais em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a serem arcados pela ré, sucumbente na pretensão.
11. Expedição de ofícios.
Ante a gravidade das infrações verificadas no curso da Ação Civil Pública, determino a expedição de ofícios, independentemente do trânsito em julgado, à Subseção da OAB de São Paulo, para avaliação da conduta do advogado Washington A. Telles de Freitas Júnior, bem assim ao Ministério Público Estadual da Comarca de Forquilhinhas ( sede da reclamada) e ao INSS, com cópias da presente sentença.
III – Dispositivo.
Conforme exposto, nos autos da Ação Civil Pública em que litigam Ministério Público do Trabalho e outro (2), autores, e Seara Alimentos S.A., ré, decido rejeitar as preliminares de nulidade processual, nulidade da decisão de fl. 5864, inépcia/indeferimento da petição inicial, coisa julgada, carência de ação, litispendência, ausência dos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo, e, ainda, a prejudicial de mérito de prescrição. No mérito, julgo procedentes em parte os pedidos formulados, para, nos termos da fundamentação, que passa a integrar este dispositivo para todos os efeitos, condenar a ré nas seguintes obrigações:
a) De Fazer:
a1) conceder aos trabalhadores, independentemente do setor, pausas de 20 minutos para cada 1 hora e 40 minutos trabalhados, sempre que a temperatura aferida no local de trabalho for inferior a 10ºC, conforme limite estabelecido no parágrafo único daquele dispositivo, ficando desobrigada caso a temperatura seja superior a esta marca. Para tanto, deverá ser restabelecida a medição no local por termógrafo, periodicamente calibrado, cujas informações deverão ficar em local visível aos funcionários da sala de cortes, bem assim ser disponibilizadas, a qualquer momento, ao Ministério Público do Trabalho e ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carnes e Derivados, Frangos, Rações Balanceadas, Alimentação e Afins de Criciúma e Região, mediante simples requerimento. Deverá a empresa, ainda, instalar quatro termômetros de bulbo seco na sala de cortes, conforme as quatro zonas indicadas no laudo pericial de fls. 5730/5811, à altura de 1,1 metros do chão, cujas medições poderão ser verificadas, a qualquer momento e sem aviso prévio à empresa, por qualquer trabalhador, pelo Ministério Público do Trabalho ou pelo Sindicato Assistente.
a2) Caso mantida a temperatura abaixo de 10ºC, outrossim, deverá a ré, além de conceder as pausas, disponibilizar local adequado à fruição respectiva pelos trabalhadores, dotado de mesas e cadeiras em número suficiente a atender a demanda do setor.
a3) O descumprimento da ordem judicial, seja pela manutenção da temperatura abaixo de 10ºC, sem a concessão das pausas, seja pela não disponibilização de espaço apropriado à fruição respectiva, importará no pagamento de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por dia em que verificada a omissão, sem limitação.
b) abster-se de exigir a prestação de horas extras dos empregados lotados nas funções de Ajudante de Produção I, Ajudante de Produção II e Ajudante de Produção III, por inseridos na hipótese de incidência do art.60 da CLT, salvo se observadas as exigências contidas naquele dispositivo, sob pena de pagamento de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia e por empregado lotado nos cargos elencados compelido à prestação de horas extras, sem limitação.
c) garantir, a qualquer momento da jornada de trabalho, sem necessidade de justificativa e independentemente da possibilidade de substituição, a saída dos trabalhadores de seus postos de trabalho para o uso dos banheiros, sem qualquer controle de tempo, bastando que comuniquem ao fiscal responsável, sob pena de pagamento de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por cada ocasião em que, comunicando o empregado ao superior hierárquico, tiver negado o direito de ir ao banheiro ou for compelido a se justificar para tanto.
d) aceitar atestados médicos de profissionais não ligados à empresa, acatando o tratamento e o período de afastamento prescritos, sem qualquer limitação, sob pena de pagamento de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em relação a cada atestado médico recusado, mediante comprovação do sindicato assistente ou diretamente pelos trabalhadores.
e1) diagnosticar, de forma precoce, as doenças e os agravos à saúde relacionados ao trabalho, afastando imediatamente o empregado sobre o qual haja suspeita de estar acometido de doença ocupacional; e notificar as doenças profissionais comprovadas ou objeto de mera suspeita, lavrando a CAT respectiva a fim de que seja o trabalhador encaminhado ao INSS para avaliação do Nexo Técnico Epidemiológico, na forma da legislação.
e2) Caso descumprida a ordem judicial, deverá a demandada pagar multa no importe de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em relação a cada doença ocupacional não diagnosticada ou CAT não emitida, mediante comprovação
do sindicato assistente ou diretamente pelos trabalhadores.
b) de Pagar: indenização por danos sociais, no valor de R$ 14.610.000,00 (quatorze milhões, seiscentos e dez mil reais), nos termos da fundamentação.
Condeno a ré, ainda, ao pagamento de multa por litigância de má-fé, no valor de 1% sobre o valor da causa, na forma do item 9 fundamentação.
Confirmo integralmente a antecipação de tutela 5688/5692, a exceção dos valores da multa pelo eventual inadimplemento que deverão observar os fixados nesta sentença no tópico respectivo.
Sem recolhimentos previdenciários e fiscais.
Honorários periciais arbitrados em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), pela ré, na forma da fundamentação.
Expeça-se, imediatamente, os ofícios determinados no item 11.
Custas de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), calculadas sobre o valor provisoriamente atribuído à condenação de R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais), complementáveis ao final.
Intimem-se as partes.
Transitada em julgado, cumpra-se.
Zelaide de Souza Philippi
Juíza do Trabalho
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