quarta-feira, 11 de abril de 2012

REFORMA LABORAL DISFARÇADA



                               Seminário em Curitiba, Mesa de Abertura

TERCEIRIZAÇÃO PRECARIZADORA

Em vias de ser aprovada na Câmara Federal uma disfarçada reforma laboral precarizadora do trabalho humano.





(*) Luiz Salvador

Tramita em fase já muito adiantada na Câmara Federal o Projeto de Lei  –PL 4330/04, de autoria do deputado Sandro Mabel (PMDB-GO), em apreciação na CCJ – Comissão de Constituição e Justiça (Relator e' Artur Maia, PMDB-BA) que acaso aprovado segue direto ao Plenário da Câmara e depois ao Senado.

Na verdade, apesar das aparências e dos discursos de que o projeto seja um avanço social, na prática corresponde a uma verdadeira reforma laboral precarizadora das relações de trabalho no Brasil, legalizando uma inconstitucional locação de trabalho humano, que não pode ser considerado mercadoria para que seja legalizada através da aprovação desse PL 4330/04, utilizando-se de artifícios jurídicos, onde dois contratantes, tomador e locador de mão de obra, se sirvam desse mecanismo de intermediação de força de trabalho humano, afrontando diversos princípios fundantes da República Federativa do Brasil, dentre os quais, o da dignidade da pessoa humana, o dos valores sociais do trabalho, (CF, art.  1º, incisos III, IV), o da valorização do trabalho humano e os ditamos da justiça social, o princípio da isonomia, o princípio protetor contra quaisquer tipos de discriminação, o do não retrocesso social, art. 7º, Caput, que ao elencar um rol enumerativos de direitos assegurados a todos os trabalhadores, não exclui outros direitos que visem os avanços e à melhoria da condição social do trabalhador, exatamente porque o capital tem uma função social prevalente e não meramente patrimonialista, como pretende o malsinado projeto.

Contra a aprovação dessa disfarçada reforma laboral trabalhista, diversas entidades da sociedade civil organizada aprovaram a constituição de um Fórum Nacional Permanente em Defesa dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização que está promovendo discussões e debates a respeito do que implica em retrocesso social a aprovação do PL 4330/04.

A ALAL – Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas (www.alal.com.br), como entidade integrante do FÓRUM, também patrocinou a realização de outros seminários regionais para o debate do tema, sendo o primeiro em Curitiba, realizado no dia 9 de abril/2012 e outro em Brasília, realizado em 10.04.2012, com a participação de diversas entidades participantes, dentre as quais entidades sindicais, a ANAMATRA, a ANPT,  dentre outras, apoiadoras da iniciativa.

Um dos expositores que participaram e participam da iniciativa é o Dr. Luis Enrique Ramírez, Vice-Presidente da ALAL, que analisou o PL4330/04, com base nos princípios fundantes universais da dignidade humana e do papel do capital com sua função social, por assegurar a empregabilidade digna e de qualidade e não buscar a prevalência do patrimonialismo que cria uma sociedade de excluídos, discriminados, desesperançados, desiludidos.

LEIA A ÍNTEGRA DA PALESTRA DO JURISTA ARGENTINO DR. LUIS ENRIQUE RAMIRES, VICE-PRESIDENTE DA ALAL.

NÃO AO RETROCESSO SOCIAL

A terceirização e a Carta Sóciolaboral Latino-Americana

(*) Luis Enrique Ramírez

ALAL, desde seu nascimento, e particularmente a partir da reforma estatutária de 2008 (México), tem rejeitado a tentação de se tornar uma entidade meramente acadêmica, cuja função geralmente se esgota no debate doutrinário. A Associação entende que no Direito de Trabalho a neutralidade é impossível, e que os autodenominados operadores científicos do direito, na verdade, sempre falam de algum lugar próximo aos concretos interesses em jogo.

Por tal motivo, a ALAL se define como uma ferramenta de luta, como um instrumento para ajudar á construção de uma nova ordem social, na qual a dignidade do ser humano em geral, e a da pessoa que trabalha em particular, ocupe o centro da cena. Para a ALAL, a defesa dos direitos e interesses da classe trabalhadora constitui sua razão de ser. E deste lugar eu vou falar.

É evidente que os trabalhadores e os sindicatos vêem a chamada “terceirização” como uma ameaça a seus direitos. Sobre isto, com certeza, falarão os palestrantes que me sucederão no uso da palavra.

No entanto, a terceirização é apenas um aspecto, uma consequência, de um modelo econômico vigente no mundo, e de um sistema de relações de trabalho que esse modelo impõe.

Por isso, na ALAL, vimos dizendo desde há vários anos, que os trabalhadores têm que superar a etapa de ficar à defensiva, de dizer apenas o que não querem, e definir qual é o modelo de sociedade em que eles querem viver e qual é o sistema de relações de trabalho que consideram justo. E aqui aparece a Carta Sociolaboral Latino-americana, sobre a qual estamos trabalhando na ALAL.

A globalização que impõe o sistema capitalista, desenhada a partir dos interesses das grandes corporações transnacionais, demanda aos povos que pretendem resisti-la uma resposta também global. Por isso a ALAL sustenta enfaticamente que a América Latina não tem futuro e que não haverá emancipação para nossos povos sem uma autêntica integração regional.

Não existe região do planeta que esteja em melhores condições para avançar em um processo de integração que a América Latina. E não estamos nos referindo a uma integração econômica, que se limita a estabelecer normas tarifárias e alfandegárias. Estamos falando de uma autêntica integração social, política e econômica, que tome conta de tudo o que identifica e une a América Latina, respeitando as diferenças nacionais.

Temos uma história em comum desde a época da colonização pelos países ibéricos. A maioria da população atual fala línguas idênticas ou semelhantes e abraça uma mesma filosofia religiosa. Portanto, não existem esses ódios ou enfrentamentos étnicos ou religiosos que dilaceram outras regiões do planeta. As correntes migratórias também têm sido praticamente as mesmas, o que tem reforçado mais ainda nossa idiossincrasia comum.

É preciso acrescentar a tudo isso o fato de que os processos políticos por que passaram nossos países desde a Independência foram sugestivamente idênticos, especialmente durante o século XX. Não foi por acaso que, em determinado momento, na América Latina toda tenha havido ditaduras militares. Nem foi por acaso que quando as classes dirigentes locais garantiram submissão aos poderes mundiais, a democracia retornou a estas terras de forma quase simultânea. É claro que, em geral, elas eram democracias formais, com governos muito permeáveis aos ditados do poder econômico e financeiro mundial. Também não é obra da casualidade que quando o chamado neoliberalismo entra na moda, em cada um dos países latino-americanos se desata com fúria, e ao mesmo tempo, uma ofensiva contra os direitos e conquistas dos trabalhadores, com idênticos dogmas e receitas.

É evidente que, do ponto de vista desses poderes, a América Latina é percebida como uma unidade. O paradoxal é que nós não a vemos desse modo ou, talvez, que não sejamos capazes de agir em consequência.

Por outro lado, há na região uma conjuntura histórica inédita, que cria as condições ideais para avançar em um autêntico processo de integração. Com suas diferentes realidades, o Uruguai, a Bolívia, a Argentina, o Paraguai, o Equador, a Venezuela, a Nicarágua e Cuba passam por processos políticos que nos permitem ser otimistas. Há, em geral e com suas nuanças, coincidências em seus governos de que não há futuro para seus povos se eles não se unem na luta por construir uma ordem social justa e solidária, e se não enfrentam em conjunto os poderosos interesses internacionais que buscam mantê-los isolados e fracos.

Colocada assim, dramaticamente, a necessidade de avançar decididamente na integração latino-americana, a ALAL vêm lutando, partindo de sua incumbência no mundo do trabalho, para estabelecer em todos nossos países um novo modelo de relações de trabalho, frente ao século XXI (Carta de Cochabamba, Bolívia, 07/12/2007).

Na Assembleia Geral Ordinária celebrada na cidade do México a 23 de outubro de 2009, a ALAL avançou mais ainda e propôs que esse modelo de relações de trabalho fosse vertido em uma espécie de Carta Sociolaboral Latino-americana.

Por que uma Carta Sociolaboral?

Uma Carta Sociolaboral, emanada de um tratado internacional multilateral, deve atuar como uma legislação laboral supranacional que conterá normas plenamente operacionais e imediatamente aplicáveis, ou seja sem necessidade de ratificação ou regulamentação por parte dos países assinantes. Ela fixará um comum denominador no nível de tutela dos trabalhadores latino-americanos, que evitará o dumping social e o deslocamento dos capitais para países da região que oferecem uma mão de obra barata, tal como hoje acontece com o Peru e a Colômbia, por dar apenas alguns exemplos.

Seria uma ingenuidade dos trabalhadores do Brasil ou da Argentina, ou de qualquer país, crer que podem ter uma legislação interna que os proteja dos efeitos nefastos da terceirização, por exemplo, se as empresas podem se instalar livremente em países latino-americanos que lhes garantam uma grande flexibilidade para terceirizar seus processos produtivos.

Esse plexo normativo que estamos projetando, que deve ser absolutamente operacional e exigível, atuará também como um dique de contenção frente à nova ofensiva que o neoliberalismo lançou contra os direitos dos trabalhadores, tal como se pode comprovar com as tristes e recentes experiências da Grécia, de Portugal, da Espanha e outros países europeus, que nos retrotraem ao pior da década de ´90. Bilhões de dólares para socorrer bancos e empresas e, paralelamente, desregulamentação, flexibilização laboral, rebaixamentos salariais, eliminação de direitos da Previdência Social, etc. Em definitiva, um novo espólio à classe trabalhadora, que paga um alto preço para superar, supostamente, uma crise que não provocou. Mais uma vez, a velha receita neoliberal que considera os trabalhadores estranhos nas épocas de bonança econômica, mas que os associa às perdas durante as crises.

O conteúdo da Carta Sociolaboral

A proposta da ALAL não se limita a uma simples cristalização de direitos e conquistas laborais, amontoados em um único plexo normativo. O que se projeta é muito mais ambicioso: é um modelo de relações de trabalho em que cada direito ou garantia guarda absoluta coerência com uma forma de olhar para o mundo do trabalho. As normas propostas não são avulsas ou isoladas, mas se relacionam entre si formando uma sólida estrutura legal. Todas elas reconhecem como denominador comum a intenção de proteger a pessoa que trabalha, sobre a base do reconhecimento de que o ser humano deve ser centro de todo ordenamento social.

Nosso modelo de relações de trabalho tem como eixo a dignidade da pessoa que trabalha em relação de dependência, o que leva a ter que resignificar todos os conceitos do mundo laboral.

Colocar a dignidade da pessoa que trabalha por conta alheia no centro da cena não é um capricho. É a simples consequência de reconhecer que no contrato laboral o trabalhador se compromete física, mental, emocional e espiritualmente e, portanto, não é possível separar o que se faz daquele que o faz.

No contrato laboral sempre está em jogo a dignidade da pessoa que trabalha por conta alheia. E, a partir deste reconhecimento, começam a ser resignificados todos os conceitos, e se manifestan como naturais os direitos da Carta Sociolaboral Latino-americana:

P Direito de livre circulação pelo espaço comunitário, com identidade de direitos de trabalho e da Previdência Social;

P Direito ao trabalho, porém ao trabalho digno, não a qualquer trabalho;

P Estabilidade laboral efetiva, que é a mãe de todos os demais direitos;

P Garantias efetivas de cobrança de salário. A fome de hoje não pode ser remediada amanhã;

P Relações de trabalho democráticas e participativas. O trabalhador como sujeito ativo, que conserva os direitos que tem como cidadão;

P Liberdade e democracia sindical;

P Justiça do trabalho rápida e eficiente. No há maior flexibilização laboral que uma justiça laboral lenta e ineficiente;

P A vida e a saúde do trabalhador como valores a proteger, sem importar os custos. É preciso eliminar o “imposto de sangue” que hoje pagam os trabalhadores.

O que fazemos com a terceirização?

Como já disse, a terceirização é uma  consequência natural e necessaria da globalização econômica e financeira e, portanto, responde a sua lógica e a seus princípios. Em seu código genético está o aumento da taxa de lucro, o melhoramento da competitividade, uma maior rentabilidade, a eficiência técnica e, fundamentalmente, a flexibilidade necessária para se adaptar a mercados mutáveis demais. A contrapartida é a busca da redução dos custos laborais e a transferência dos riscos da empresa aos trabalhadores.

A terceirização é, então, uma estratégia do capitalismo globalizado, que claramente prejudica os trabalhadores, já que seus direitos são a variável de ajuste do sistema.

A resposta dos trabalhadores a uma ofensiva global contra seus direitos, não pode ser local, isto é, limitada a um país, porque as possibilidades de sucesso são praticamente nulas. O internacionalismo que postulava em seus albores o movimento sindical, é hoje uma dramática necessidade desta conjuntura histórica.

Por isto tudo, na ALAL estamos impulsionando uma Carta Sociolaboral Latino-americana.     

Em nosso projeto, o ponto 16 (dezesseis) estabelece: “Garantia de cobrança dos créditos laborais, estabelecendo-se a responsabilidade solidária de todos os que na cadeia produtiva se aproveitam ou beneficiam da força de trabalho assalariada.”

Eu acho que, até que a correlação de forças permita proibir ou limitar a terceirização, no mínimo os trabalhadores devem contar com a garantia de que todos aqueles que na cadeia produtiva obtêm algum benefício do trabalho humano, serão solidariamente responsáveis do pagamento dos créditos de trabalho. E que os trabalhadores terão iguais direitos, no plano individual e coletivo.

É claro que numa matéria em que impera o princípio de primazia da realidade, devem ser proibidos e punidos todos os casos de fraude laboral, onde o que busca a terceirização é eludir a responsabilidade do beneficiário final do trabalho prestado, desmelhorar as condições de trabalho, diminuir os custos e dificultar a ação coletiva dos trabalhadores.

Também é claro que o Direito do Trabalho, cujo objetivo é a proteção da pessoa que trabalha por conta alheia, deve ser naturalmente desconfiado a respeito das relações “triangulares”, já que a relação de trabalho deve se dar, naturalmente, entre o trabalhador e aquele que se beneficia com sua atividade. A “intermediação”, em qualquer nível e com qualquer intensidade, deve ser considerada, no mínimo, “suspeita” de fraude laboral.

Que acontece na Argentina?

No meu país, a legislação laboral sempre apontou para a questão da solidariedade do empregador ou empresário principal, mais do que para a proibição ou limitação da terceirização. É claro que com diferente intensidade, conforme a conjuntura histórica.

Em nossa Lei de Contrato de Trabalho, sancionada no ano 1974, a solidariedade era intensa. A ditadura militar, como era de prever, modificou a norma legal e flexibilizou enormemente a responsabilidade do empresário principal.

Essa norma se mantém ainda vigente, porém os tribunais de trabalho a tem interpretado de maneira restrita, fazendo responsável solidário o empresário principal, na maioria dos casos.

A legislação argentina é muito estrita com a fraude laboral; no entanto, a norma tem escassa eficácia.  Assim, por exemplo, as regulamentações sobre agências de serviços temporários ou de trabalho eventual, ou sobre cooperativas de trabalho, limitam enormemente sua utilização, mas, na prática, são ferramentas muito difundidas da intermediação fraudulenta.

Por incapacidade na fiscalização, ou por falta de decisão política, o Estado fracassa em perseguir e eliminar estas práticas empresárias.

(*) Luis Enrique Ramírez, Vice-presidente da ALAL, advogado, assessor jurídico de entidades sindicais na argentina e professor universitário

NB. A matéria foi inserida no BLOG ALAL INLUDENTE: http://alalincludente.blogspot.com/, por  Luiz Salvador, Ex-Presidente da ABRAT (www.abrat.adv.br), Presidente da ALAL (www.alal.com.br), Diretor do Depto. de Saúde do Trabalhador da JUTRA (www.jutra.org), assessor jurídico de entidades de trabalhadores, membro integrante, do corpo técnico do Diap, do corpo de jurados do TILS – Tribunal Internacional de Liberdade Sindical (México), da Comissão Nacional de Relações internacionais do CF da OAB Nacional e da Comissão de “juristas” responsável pela elaboração de propostas de aprimoramento e modernização da legislação trabalhista instituídas pelas Portarias-MJ 840, 1.787, 2.522/08 E 3105/09, E-mail: luizsalv@terra.com.br, site: www.defesadotrabalhador.com.br

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