TRT15 decide pela legalidade da greve dos
trabalhadores da COSTECH e reconhece a representatividade do sindicato dos
Metalúrgicos de Campinas
(*) Luiz Salvador
Como decorrência desses fatos, os trabalhadores da Costech deflagaram movimento de greve que durou aproximadamente 60 dias, greve essa que recebeu o devido apoio do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região.
PROCESSO Nº 0000385-86.2012.5.15.0000DCG
ATOS ANTISSINDICAIS. DUMPING SOCIAL. DANO SOCIAL. REPERCUSSÃO ATUAL E FUTURA NA SOCIEDADE. FIXAÇÃO PRUDENTE DE INDENIZAÇÃO ADICIONAL DE OFÍCIO EM DISSÍDIO COLETIVO
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(*) Luiz Salvador
O Tribunal Regional do Trabalho da Décima Quinta
Região (Campinas), em sede de Dissídio Coletivo de Greve, PROCESSO Nº
0000385-86.2012.5.15.0000DCG, Relator Desembargador, Dr. SAMUEL HUGO LIMA, decide
pela legalidade da greve dos trabalhadores da COSTECH, empresa terceirizada da
SANSUNG, na montagem de celulares e declara
a ilegalidade da terceirização precarizadora, enquadra suas atividades na
atividade fim da tomadora e reconhece a legitimidade do sindicato dos
Metalúrgicos de Campinas e Região para representar sindicalmente os
trabalhadores terceirizados, registrados pela COSTECH ENGENHARIA LTDA.
A Sansung Eletronics, Campinas, terceirizando parte
de suas atividades-fins, contratou a Costech Engenharia Ltda como empresa
prestadora de serviços na área de montagem de celulares, sabidamente
pertencente à categoria dos metalúrgicos,
atuando já em seu início de atividades no interior do complexo fabril da sua
tomadora de serviços (SAMSUNG), sendo que a partir de dezembro de 2011, mudou-se
para outro local, às pressas, fazendo alteração contratual de sua razão social,
objetivando ao que se depreende do exame do Acórdão em comento, fugir do
enquadramento sindical da categoria dos metalúrgicos, permitindo-lhe a redução
de seus custos com mão de obra, já que deixou de aplicar as vantagens de
condições de vida, de trabalho e de salário previstas nos Acordos Coletivos
firmados pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região, flexibilizando e
precarizando as condições de trabalho de seus empregados.
Como decorrência desses fatos, os trabalhadores da Costech deflagaram movimento de greve que durou aproximadamente 60 dias, greve essa que recebeu o devido apoio do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região.
A Costech, por seu turno, judicializou a questão, aforando
medida cautelar inominada, cumulada com pedido de liminar e efeito cominatório
em face do SINDICATO DOS METALÚRGICOS DE CAMPINAS, AMERICANA, INDAIATUBA,
HORTOLÂNDIA, NOVA ODESSA, MONTE MOR, PAULÍNIA, VALINHOS E SUMARÉ, pretendendo a
declaração judicial de representatividade sindical do Sindicato dos Empregados
em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros, Colocação e Administração de
Mão-de-Obra, Trabalho Temporário, com a exclusão da representatividade do
Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região, objetivando a declaração da
ilegalidade da greve, o impedimento da prática de atos que impeçam a exploração
da atividade econômica da suscitante e a garantia da atuação de no mínimo 50%
dos trabalhadores de cada setor, em cada turno. O pedido de liminar não foi
atendido, ao entendimento de não se tratar de atividade essencial. O pedido foi
autuado como Dissídio de Greve.
Instruído o processo, o TRT concluiu pela não
abusividade da greve, pela representatividade do Sindicato dos Metalúrgicos de
Campinas e Região, pela prática de atos anti-sindicais, pela ilegalidade da
terceirização, condenando a Costech a pagar as diferenças salariais resultantes
dos Acordos Coletivos firmados pelo Sindicato dos Metalúrgicos, bem como a
pagar R$50.000,00, como “DANO SOCIAL (“DUMPING SOCIAL”).
Leia a íntegra do Acórdão:
PROCESSO Nº 0000385-86.2012.5.15.0000DCG
DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE
SEÇÃO DE DISSÍDIOS COLETIVOS
SUSCITANTE:
|
COSTECH ENGENHARIA LTDA.
|
SUSCITADO:
|
SINDICATO DOS
METALÚRGICOS DE CAMPINAS, AMERICANA, INDAIATUBA, HORTOLÂNDIA NOVA ODESSA,
MONTE MOR, PAULÍNIA, VALINHOS E SUMARÉ
|
ABUSIVIDADE DA GREVE.
ALTERAÇÃO ILEGAL DE ESTATUTO SOCIAL OBJETIVANDO REENQUADRAMENTO SINDICAL.
CONDUTA ANTISSINDICAL. Não se considera abusiva a greve deflagrada por
sindicato profissional que atua em defesa de sua organização, bem como de sua
categoria, em face de evidente conduta antissindical de empregador, configurada
pela alteração jurídica de seu objeto social, com a finalidade única de
furtar-se ao seu inequívoco enquadramento sindical e ao cumprimento dos acordos
e convenções coletivas firmadas. No presente caso, a atividade-fim do
empregador identifica-se com a atividade desenvolvida pela tomadora de seus
serviços, configurando-se a ilicitude da terceirização da mão-de-obra,
reforçada pela contratação de outra prestadora de serviços, sem provar a
necessidade de contratação temporária. Lícita, portanto, a autodefesa coletiva.
ATOS ANTISSINDICAIS. DUMPING SOCIAL. DANO SOCIAL. REPERCUSSÃO ATUAL E FUTURA NA SOCIEDADE. FIXAÇÃO PRUDENTE DE INDENIZAÇÃO ADICIONAL DE OFÍCIO EM DISSÍDIO COLETIVO
A prática de atos antissindicais por intermédio do
“dumping social”, com repercussão em toda a sociedade, não pode ser
menosprezada pelo Judiciário Trabalhista. Não se pode ignorar que tal ato
prejudica não apenas os trabalhadores, bem como a razoável duração dos demais
processos decorrentes da propositura de novas reclamatórias postulando os
direitos decorrentes, mas a própria economia, na medida em que provocará a
concorrência desleal com os demais empresários. Pior ainda, constitui perigoso
precedente, que poderá ser copiado pelos demais concorrentes.
Identificado o “dumping”, os prejuízos causados e o
risco para a sociedade, pode o Judiciário, para cumprir o dever de estabelecer
a justa recomposição, conceder indenização adicional de ofício em favor de
estabelecimento local benemerente. Assim, apesar da regra geral insculpida no
art. 460 do CPC, a interpretação sistemática da legislação (arts. 461, § 5º, do
CPC; 186, 187, 404, 883, 944 e 927 do CC; 81, 84 e 100, do CDC) abre um leque
de opções proporcionais à extensão do dano, especialmente nos feitos coletivos,
mediante a fixação prudente e equilibrada de indenização adicional. Devida,
assim, indenização adicional em favor de entidade benemerente.
COSTECH ENGENHARIA LTDA. aforou
medida cautelar inominada, cumulada com pedido de liminar e efeito cominatório
em face do SINDICATO DOS METALÚRGICOS DE CAMPINAS, AMERICANA, INDAIATUBA,
HORTOLÂNDIA, NOVA ODESSA, MONTE MOR, PAULÍNIA, VALINHOS E SUMARÉ. Noticiou
deflagração de movimento grevista precedido do comunicado de 08/03/2012 (fls.
26/28). Teceu considerações quanto à representatividade do sindicato suscitado,
alegando que ele não é o legítimo representante legal da categoria profissional
de seus empregados. Invocou os requisitos da Lei de Greve, para deliberar e
deflagrar o movimento paredista. Alegou que: não foram feitas reivindicações, apenas
ameaças de paralisação total das atividades; não há informação do “quorum” da
assembleia que decidiu pela greve; e, de forma abusiva e ostensiva, o suscitado
tem impedido a entrada daqueles empregados que não aderiram à greve. Assevera
que a discussão da pauta de reivindicações, somente ocorrerá com o término da
greve. Pede concessão de liminar, a fim de impedir a prática de atos que
impeçam a exploração da atividade econômica da suscitante; de proibir a
coibição moral dos empregados não aderentes à greve; garantir a atuação de no
mínimo 50% dos trabalhadores de cada setor, em cada turno. Por essas razões,
pede a declaração de abusividade e ilegalidade da greve deflagrada e a
determinação de imediato retorno dos trabalhadores às suas atividades.
Diante da demonstração de ânimo
dos trabalhadores em dar efetivo início do movimento paredista, o feito foi
recebido como dissídio coletivo de greve, com a devida reautuação. Restou
indeferido o pedido liminar (fl. 81), pois a atividade econômica da suscitante
não ser essencial.
Audiência de tentativa de
conciliação e instrução (fls. 85/86) realizada em 21/03/2012, com o
comparecimento das partes e do D. Representante do Ministério Público do
Trabalho. Juntada de contestação (fls. 87/101), procuração (fl. 102), ata
de posse (fls. 103/108), estatuto social (fls. 109/120), comunicado
de greve (fls. 122/125) e demais documentos (fls. 123/264).
O suscitado (fls. 87/264)
alega, preliminarmente, que a suscitante além de contratar seguranças e empresa
privada de segurança, está acompanhada da Polícia Militar, acrescentando que os
trabalhadores em greve e os diretores sindicais são ameaçados, agredidos,
espancados e intimidados, apenas por exercerem seus direitos de greve. No
mérito, aduz que pela ausência do pedido formal de ilegalidade da greve, essa
não pode ser declarada. Alega que detém a representatividade sindical dos
empregados da suscitante desde a sua instalação, sendo que a mera alteração do
objeto social da suscitante não pode resultar na modificação da entidade
sindical que representa a categoria profissional, porque “OS TRABALHADORES SÃO
OS MESMOS, OS SERVIÇOS REALIZADOS SÃO OS MESMOS, NADA JUSTIFICA A MUDANÇA DE
REPRESENTAÇÃO DOS TRABALHADORES”. Argumenta que há recusa em receber e discutir
a pauta de negociação e que houve observância legal dos requisitos da greve.
Pede a concessão de liminar para que a suscitante retire os seguranças
contratados com a finalidade de coibir o movimento paredista.
Réplica da suscitante às fls.
267/291, com a notícia de deferimento de liminar concedida em interdito
proibitório (proc. nº 0000403-75.2012.5.15.0043) nos seguintes termos: “Acolho,
portanto, liminarmente o pedido expresso na inicial, para determinar que o
Sindicato e seus representantes com autuação no movimento paredista em
andamento abstenham-se de impedir o livre acesso de pessoas e empregados às
dependências do Autor, bem como se abstenham de turbar a posse do imóvel da
empresa, no qual ela exerce suas atividades econômicas, mantendo desobstruídas
as vias de acesso a referido imóvel, sob pena de multa em favor do Autor no
valor de R$20.000,00 (vinte mil reais) para cada ato que realizem que contrarie
o teor desta decisão.” (fl. 288)
Parecer da Exma. Procuradora do
Trabalho, Dra. Renata Cristina Piaia Petrocino, opinando pela legalidade e
não-abusividade do movimento paredista, com o regular pagamento dos dias
parados.
Indeferida a liminar requerida
em contestação. (fls. 313/313 v).
A suscitante pede a intimação do
Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros,
Colocação e Administração de Mão-de-Obra, Trabalho Temporário, Leitura de
Medidores e Entrega de Avisos do Estado de São Paulo (SINDEEPRES), pois, no seu
entender, trata-se o presente dissídio de disputa intersindical, entre o
referido sindicato e o suscitado.
Em nova manifestação, o
suscitado alega que a suscitante realizou a contratação de novos trabalhadores,
com piso salarial inferior ao piso normativo da categoria, bem como, sem
determinação judicial, estabeleceu o não pagamento salarial dos trabalhadores
em greve. Requer o pagamento desses salários, sob pena de multa cominatória e o
julgamento da lide, em face da impossibilidade de qualquer transação.
É o relatório.
V O T O
1.-Conheço do presente dissídio
coletivo, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.
2.- Representatividade sindical
O tema foi enfrentado tanto na
exordial, quanto na contestação.
Aliás, a suscitante pleiteou
(fls. 321/323) a intimação do Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação
de Serviços a Terceiros, Colocação e Administração de Mão-de-Obra, Trabalho
Temporário, Leitura de Medidores e Entrega de Avisos do Estado de São Paulo
(SINDEEPRES), alegando que o presente litígio trata de disputa intersindical
entre esse sindicato e o sindicato suscitado.
De se estranhar o pedido, pois
foi a própria suscitante que decidiu propor a ação apenas contra o sindicato
suscitado.
A presente ação, ainda que em caráter incidental tenha que
decidir a respeito de representatividade sindical, de longe se trata de disputa
intersindical. Ora, se houvesse qualquer interesse do SINDEEPRES em integrar a
presente lide, competia a ele fazer uso da medida processual cabível e não o
fez. Por fim, esclareça-se que a suscitante, nos termos do art. 6º do CPC, não
possui legitimidade para postular em nome próprio sobre direito alheio.
Pois bem.
Segundo o suscitado, a autora, por
volta de 2008, instalou-se juntamente com a empresa SAMSUNG, produtora de
celulares, na cidade de Campinas, em local comum, utilizando de espaço físico
distinto, funcionava dentro das dependências da SAMSUNG, utilizando o serviço
de portaria dessa empresa. Argumentou ainda, que competia à autora realizar a
montagem de aparelhos celulares, atividade-fim da tomadora SAMSUNG, e que,
apesar dessa terceirização, os empregados da autora estavam devidamente
assistidos por ele (suscitado). Acrescentou que: ultimamente a prestação desses
serviços era realizada única e exclusivamente para a SAMSUNG; já houve a
prestação desse mesmo serviço à Motorola, que também se dedica à produção de
celulares; houve abrupta alteração do contrato social da suscitante, com o fito
de modificar a representação sindical de seus empregados.
Em réplica, a suscitante confirmou
a instalação de sua sede no “centro fabril da empresa SAMSUNG, que conforme
é sabido, pertence a categoria dos metalúrgicos já que produz celulares”
(fl. 271). Também alegou que vinha sofrendo significativa mudança estrutural,
empresarial e formal, com o objetivo de se constituir de forma solidificar,
“como empresa prestadora de serviços na área
de montagem sem depender diretamente e unicamente da empresa SAMSUNG,
razão pela qual deu início a sua regularização em termos de atividade e objeto
empresarial, enquadramento sindical e adequações referentes à sede” (fl. 271, grifei)
Ilustrou ainda, sua forma de
atuação na prestação de serviços de montagem:
“as empresas que a contrata manda carcaças,
por exemplo, e a empresa autora monta uma parte e devolve para as empresas” (fl.273).
E, acrescentou:
“a empresa autora não pode ser considerada uma
empresa de metalurgia, pois se assim for todas as empresas, de certo modo,
devem ser representadas por tal sindicato, pois ao manusear tais elementos
referentes a metalurgia já estaria configurada a sua representação.” (fl. 273).
Como se vê, o serviço prestado
pela suscitante às tomadoras é imprescindível à confecção dos aparelhos
celulares até que possam ser considerados produtos finalizados e acabados, o
que, em princípio, constitui atividade-fim das tomadoras. Note-se ainda que, ao
descrever o desenvolvimento de sua atividade econômica, a suscitante informou:
“Ora, no caso dos autos a empresa não produz celulares, apenas monta uma
parte deste e devolve para a tomadora de serviços.” (fl.273, grifei).
Nesse sentido, considerando-se a mera montagem de parte dos aparelhos celulares,
e os termos da Súmula nº 331, III do C. TST, não há meio de configurar a
atividade econômica preponderante da suscitante como a de serviços
especializados ligados à atividade-meio dos tomadores, porque também disso não
se trata essa atividade. Assim, a única hipótese admissível é qualificar a
atividade desenvolvida pelo suscitante como atividade-fim das tomadoras.
Ainda
que assim não fosse, como se sabe, a terceirização tem sido, infelizmente, uma
forma muito utilizada de contratação de mão-de-obra qualificada para prestar
serviços em todas as áreas, em todo o Brasil. Não é possível que se reconheça
uma categoria genérica de “trabalhadores terceirizados”.
Para se
definir uma categoria, não é viável que se adote uma concepção generalizada.
Necessário se faz observar a união de interesses dos trabalhadores. A unicidade
sindical deve ser respeitada. Todavia, não pode ser invocada em detrimento de
outro princípio balizador do Direito Coletivo, o da autonomia sindical. Os
sindicatos são formados pela vontade e união de trabalhadores com mesmos
interesses e necessidades. E não é concebível que isso seja afastado. A
unicidade sindical deve ser preservada em harmonia com a autonomia sindical. E
não é o sindicato a base da conceituação da categoria, mas diversamente, é a
categoria que formará o sindicato que irá representá-la em seus interesses.
Ora, o
enquadramento sindical do trabalhador deve se pautar pela atividade
preponderante da empresa. No caso dos autos, evidenciada a indevida admissão de
prestadores de serviço para execução da atividade-fim, os seus enquadramentos
se darão em conformidade com a atividade preponderante da empresa tomadora de
serviços. Assim, se a SAMSUNG tem a metalurgia como sua atividade
preponderante, seus trabalhadores prestadores de serviços inequivocamente serão
enquadrados na categoria dos metalúrgicos.
Destarte, acolho a
representatividade sindical arguida em contestação, para reconhecer o suscitado
como legítimo representante da categoria profissional dos empregados da
suscitante.
3.- Dissídio coletivo de
greve - abusividade.
A suscitante afirmou que não
foram observados os requisitos da Lei nº 7.783/89, inclusive no tocante à
frustração da negociação e ao “quórum”, dentre outros. Alegou ainda que não
houve oportunidade de negociação prévia com o suscitado ou perante a Delegacia
Regional do Trabalho e que tampouco foi comprovada sua recusa em receber a
pauta de reivindicações. Sustentou ainda que desconhece o estatuto do
suscitado, bem como o “quórum” mínimo estabelecido para deflagração da greve,
questionando se ele foi atingido, uma vez que não está comprovado.
Passo, pois, a tratar da
discussão concernente à alegada abusividade da greve em si.
Consta do comunicado de greve
que a paralisação foi motivada pela seguinte pauta de reivindicações:
- indevida terceirização da
atividade principal da COSTECH ENGENHARIA LTDA., com a consequente precarização
das condições do contrato de trabalho;
- inaceitável
demissão por justa causa aplicada a um empregado (Sr. Rafael Cerqueira Lima) e
para o qual perseguem a reintegração;
- discussão
da redução da jornada de trabalho;
- readequação
do transporte fornecido para o deslocamento dos empregados até a empresa;
- discussão
das condições gerais de segurança e saúde, de alimentação (quantidade e
qualidade);
- desconto
da contribuição sindical à correta entidade sindical.
Em regra, é necessário que o
sindicato profissional obtenha da categoria a devida autorização para deflagrar
movimento paredista, em assembleia geral devidamente convocada para esse fim.
Ocorre que, no presente caso, restaram frustradas as tentativas de negociação
prévia (fl. 92), e, como bem apontado pela Exma. Procuradora do Trabalho, houve
a infrutífera tentativa de realização de assembleias pelo suscitado (fl. 296).
No mais, dentre as
reivindicações, o suscitado apontou a indevida terceirização da atividade-fim
da suscitante, sob pena de precarização das condições de trabalho ali
oferecidas, supressão de direitos conquistados em acordos e convenções
coletivas, bem como, redução salarial a patamar inferior ao mínimo legal.
Pois bem.
Sem adentrar ao mérito da curiosa
circunstância de que a suscitante iniciou suas atividades no interior do
complexo fabril da sua tomadora de serviços (SAMSUNG) e, posteriormente, em
dezembro de 2011, teve “que sair de sua sede e mudar-se, as pressas, para um
outro local” (fl. 271), sem apresentar qualquer justificativa para
tanto, vejamos outros aspectos que envolvem a presente discussão.
Com efeito, sobreleva nos
presentes autos a discussão de terceirização, em sucessão. Diga-se, numa
primeira etapa, a terceirização da atividade-fim da SAMSUNG, realizada pela
suscitante; e numa segunda, da atividade-fim da suscitante, por intermédio da
Prest Service Recursos Humanos (quarteirização). No tocante à terceirização,
diga-se, da primeira etapa, alega a suscitante que foi promovida a sua
alteração social, em dezembro de 2011, quanto à sua reestruturação:
“B) ALTERAÇÃO DO RAMO DE
ATIVIDADE
1.2 – Alterar o ramo de
atividade de
(a) Prestar
serviços de montagem de circuitos eletrônicos; e
(b) Participar
em outras sociedades.
Para o ramo de
atividade de:-
(a)
Prestação de Serviços em Montagem de
Produtos em Geral
(b)
Participar em outras sociedades”
Segundo a suscitante
(fl. 271), essa alteração social visou a não dependência direta e
exclusiva de uma única tomadora de serviços, no caso concreto, da SAMSUNG.
Importa também salientar outra relevante justificativa da suscitante, para a
alteração social mencionada:
“Vale deixar claro que tal procedimento
fora realizado tendo por bem que por ser a suscitante empresa prestadora de
serviço de montagem, não possui condições de se adequar as convenções e
acordos coletivos do Sindicato dos Metalúrgicos, já que há diferenças
gritantes tanto no que concerne a atividade em si quanto no que tange as
condições econômicas lato sensu.” (fl. 272, grifei).
Ora, não obstante o entendimento
deste Relator quanto ao enquadramento sindical aplicável aos trabalhadores
prestadores de serviços, exposto no item anterior, de que a representação se
dará pelo sindicato do tomador de serviços, no presente caso é patente que a
atividade preponderante da suscitante se confunde com a atividade-fim da
tomadora dos serviços (SAMSUNG) do ramo de metalurgia. No caso concreto, a
alteração jurídica do objeto social da suscitante, por si só, não é suficiente
para afastar essa confusão. Isso, sem adentrar no mérito do item “b” de seu
ramo de atividade – “Participar em outras sociedades” – porquanto enseja
uma gama infindável e indeterminada de atividades econômicas, para as quais
seriam necessários, além do contrato social, outros elementos para melhor
definir o enquadramento sindical mais adequado e que, aliás, não acompanharam
os presentes autos.
Em verdade, a suscitante busca
com a alteração de seu objeto social esquivar-se de seu inequívoco
enquadramento sindical e assim, isentar-se do cumprimento das condições
econômicas e sociais firmadas nos acordos e convenções coletivas com o
suscitado. Segundo suas próprias justificativas, faltam-lhe condições
econômicas de adequação àquelas cláusulas normativas estabelecidas. Oportuno
salientar que a suscitante, como empregadora, deve assumir os riscos do seu
negócio (art. 2º § 2º da CLT) e não, simplesmente, repassá-los ao trabalhador
na forma pretendida, em evidente prejuízo ao obreiro.
Seguramente, com a alteração
social levada a efeito, há evidente prejuízo ao trabalhador, bem como à sua
organização sindical, porque lhe foi furtada a representação sindical sem
qualquer fundamento legal. Portanto, em evidente conduta antissindical
merecedora de proteção por esta Justiça Especializada.
Diga-se que, como empresa interposta,
a suscitante não observou que, embora admissível, a terceirização não pode se
desenvolver de forma irrestrita, com o objetivo de fraudar os direitos e
conquistas daqueles que são a força motriz para o desenvolvimento de sua
própria atividade econômica. Tampouco se permitirá que seja tomadora de
serviços, sem a observância das restrições legais e em detrimento, uma vez
mais, dos trabalhadores.
Apenas para argumentar, é de
amplo conhecimento que o fenômeno da terceirização traz consigo efeitos não
desejados aos trabalhadores, tais como precarização da saúde e segurança de
trabalho, grande rotatividade de mão-de-obra, entre outros. A título de
ilustração, consigno que, em outubro de 2011, na audiência pública realizada no
C. TST a respeito da terceirização de mão-de-obra, o presidente da Associação
Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Dr. Sebastião Vieira Caixeta,
informou que naquele momento havia no Ministério Público cerca de 14 mil
procedimentos que investigam a terceirização ilegal, e que são 1.500 ações
civis públicas e quase 2.400 termos de ajuste de conduta, obtendo-se assim, a “noção
da dimensão dessa precarização e do descumprimento da legislação”[1].
Portanto, uma vez que cabe ao
Sindicato zelar pela preservação das conquistas obtidas para a categoria
profissional que representa, ou, que tenha a representação ameaçada ou afastada
indevidamente, entendo que sua motivação para deflagrar a greve é legítima,
justificando-se a autodefesa coletiva, devendo, assim, ser declarada sua
legalidade e não abusividade.
Não é demais lembrar que a
suscitante, reconhecendo a sua condição de empresa que deveria se submeter às
normas negociadas pelo sindicato suscitado, efetuou o recolhimento das
contribuições sindicais de 2007 a 2011 (fls. 300/306).
Também é irrelevante que a
suscitante também estaria prestando serviços para outras empresas do ramo da
confecção de aparelhos celulares. Repita-se: tratando-se de terceirização de
atividade-fim da tomadora dos serviços, os empregados terceirizados têm direito
aos mesmos direitos trabalhistas dos empregados diretamente empregados por ela,
tomadora.
Portanto, é manifestamente
ilegal a contratação de serviços temporários (vg., fl. 205), especialmente no
período de greve (vg., fl. 241), o que é expressamente vedado na Lei de Greve
(art. 7º, parágrafo único).
4.- Das reivindicações
Verificada a não abusividade da
greve, evidentemente se fará a apreciação da pauta de reivindicações, nos
termos do artigo 8º da Lei nº 7.783/1989 (Lei de Greve), ora transcrito:
“Art. 8º A Justiça
do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do
Trabalho, decidirá sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das
reivindicações, cumprindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente
acórdão.”
Passo, pois, a analisar as
reivindicações formuladas pelo sindicato suscitado (fls. 99/100):
a)
os contratos dos trabalhadores
temporários e terceirizados sejam convertidos em contratos de trabalho por
prazo indeterminado e direto com a suscitante, respectivamente;
b)
o piso salarial da suscitante, de
R$ 1.035,00 (um mil e trinta e cinco reais) e assim, diferenças salariais
e reflexos, seja reconhecido para todos os contratos convertidos na forma
supra, nas verbas vencidas e vincendas;
Postula o
suscitado o reconhecimento do vínculo de emprego diretamente com a suscitante,
tomadora dos serviços. Por via de consequência, a conversão dos contratos
firmados com a Prest Service Recursos Humanos Ltda., porque inexistente a
necessidade transitória a justificar o contrato a prazo determinado, bem como
por ter laborado na atividade-fim da suscitante. Invoca a cláusula 63 da
Convenção Coletiva, vigência 01/08/2011 a 31/08/2012:
“MÃO-DE-OBRA
TEMPORÁRIA.
Na
execução de serviços de sua atividade produtiva fabril ou atividade principal,
no segmento representado pela categoria abrangida por esta Convenção Coletiva
de Trabalho e, ainda, nos serviços rotineiros de manutenção mecânica e/ou
elétrica, as empresas não poderão se valer senão de empregados por elas
contratados sob o regime da CLT, salvo nos casos definidos na Lei nº 6.019/74,
e nos casos de empreitada, cujos serviços não se destinam a produção
propriamente dita”(fl.195).
Razão
assiste ao suscitado.
No item anterior, ficou dirimida
a questão da representatividade sindical, reconhecida em favor do suscitado.
Portanto, admite-se a convenção coletiva subscrita pelos sindicatos patronal e
profissional, apresentada às fls. 163/201.
Registre-se que quanto ao
contrato temporário, especificamente, há que se destacar que a Lei nº 6.019/74
estabelece, em seu art. 2º, que o contrato de trabalho temporário poderá ser
celebrado para atender necessidade transitória de substituição de seu pessoal
regular e permanente ou acréscimo extraordinário de serviço. Nota-se no
presente caso, que a cláusula 63, em questão, restringiu ainda um pouco mais a
possibilidade de contratos temporários, impedindo-os no caso de serviços
próprios de produção.
Nesse caso, ainda que a
necessidade transitória alegada estivesse indubitavelmente provada, o que não
ocorreu, a admissão de trabalhadores temporários pela suscitante só é permitida
em se tratando de atividade não vinculada à produção, o que tampouco ocorre. Os
documentos acostados às fls. 205/252, indicam a contratação de empregado para a
função de auxiliar de produção. Significa dizer: nos termos da cláusula
63, não pode ser admitida a contratação temporária de empregados para o
exercício da função de auxiliar de produção.
Assim, nada obstante a
suscitante, na audiência de tentativa de conciliação, alegar que não há em seu
quadro de funcionários trabalhadores temporários ou vínculo com a Prest
Service, bem se vê, às fls. 205/252, contratos de trabalho nessa circunstância.
Por essa razão, considero-os nulos, na forma do art. 9º da CLT, para declarar a
formação do vínculo empregatício diretamente com a suscitante.
Todavia, devem ser considerados
os limites processuais das decisões proferidas em sede de dissídio coletivo,
que não ensejam sentença de natureza condenatória, mas constitutiva.
Destarte, esta SDC se limita a
reconhecer que todos os empregados que prestam serviços à suscitante,
diretamente ou por intermédio da empresa de serviço temporário (Prest Service),
continuam vinculados ao sindicado suscitado. Além disso, como não é possível em
sede de dissídio coletivo de greve deferir diferenças salariais e reflexos, as
parcelas vencidas e vincendas decorrentes da presente decisão deverão ser
postuladas pela via da Ação de Cumprimento.
c)
os empregados dispensados no curso
da greve sejam reintegrados, nas mesmas condições acima;
d)
a empresa se abstenha de realizar
demissões arbitrárias;
e)
a estabilidade seja concedida para
todos os trabalhadores pelo prazo de 120 (cento e vinte dias), declarada a
legalidade do movimento paredista;
f)
o pagamento integral dos dias de
paralisação;
Dispensas arbitrárias no curso da
greve e o não pagamento de salários decorrentes da participação no movimento
paredista configuram-se como verdadeiras condutas antissindicais, por serem
procedimentos desestimulantes e limitadores para o exercício desse direito
garantido constitucionalmente, conforme artigo 9º da Carta Magna. Nesse sentido
ainda, reza o artigo 7º da Lei nº 7.783/89:
“Art. 7º Observadas as condições previstas nesta
Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as
relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção,
laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.
Parágrafo único. É vedada a rescisão de contrato
de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores
substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos arts. 9º e 14.”
Assim, como
mecanismo de tutela das garantias constitucionais, concedo a estabilidade
pleiteada pelo suscitado e restituição das coisas ao seu estado anterior, ou
seja, a reintegração imediata dos trabalhadores dispensados em face da
participação na greve, inclusive daqueles empregados contratados
temporariamente, para os quais está determinada a contratação direta, nos
termos dos pedidos “a” e “b” supra. Os salários e empregos serão assegurados
aos empregados, desde a data do julgamento do dissídio coletivo de greve até 90
dias após a publicação do acórdão, limitado o período total a 120 dias, nos
termos do Precedente Normativo nº 29 da Seção de Dissídios Coletivos deste E.
Regional.
Uma vez
declarada a legalidade e não abusividade da greve, determina-se o pagamento
integral dos dias de paralisação.
g)
Manutenção do visa-vale;
Na audiência de tentativa de
conciliação, a suscitante informou que foi instituída a cesta básica no lugar o
vale cesta/visa-vale sem qualquer impugnação ou manifestação posterior por
parte do suscitado. Assim, resta prejudicado o pedido.
h)
normas de segurança, higiene e
saúde no trabalho sejam adotadas em todo o parque fabril;
Os pedidos são por demais
genéricos, sem nem ao menos indicar quais os problemas havidos,
impossibilitando a apreciação do pedido, nos termos do Precedente Normativo nº
37, da SDC do C. TST.
i)
os horários de ônibus que efetuam
os traslados dos empregados sejam regularizados;
Postulou o suscitado a
regularização dos horários de ônibus. Aduziu que os novos itinerários do
transporte de empregados, decorrentes da mudança da suscitante para a cidade de
Valinhos, aumentaram consideravelmente o tempo de traslado. Não teceu maiores
detalhes ou apresenta provas com respeito do tempo dispendido.
Assim, nada a deferir.
j)
a refeição fornecida no parque
fabril seja de melhor qualidade;
Aduziu a suscitante (fls.
275/276) que comissão formada pelos próprios empregados, após degustação
havida, decidiu o estabelecimento no qual seriam preparadas as refeições
fornecidas pela suscitante. Quedou-se inerte o suscitado, sem sequer
especificar as reclamações alegadas, restringindo-se a apontar genericamente
problemas com a qualidade e quantidade das refeições. Portanto, indefiro.
k)
as mensalidades sindicais sejam
descontadas dos associados que a autorizaram e seja feito o repasse em seu
favor;
Uma vez reconhecida a
representatividade sindical do suscitado, determina-se o desconto e o repasse
das mensalidades sindicais em seu favor, na forma pleiteada.
l)
apresentação da relação de todos
os empregados contratados nos últimos 12 (doze) meses, bem como, de suas
respectivas documentações, a fim de se apurar as diferenças salariais,
eventualmente devidas;
Conquanto tenha sido reconhecida
a nulidade das contratações temporárias realizadas com a Prest Service e
estabelecida a contratação direta com a suscitante, determino que a suscitante
apresente a relação dos empregados contratados naqueles termos e demais
informações na forma do pedido de item “o” (fl.100), para além daqueles
conhecidos às fls. 205/252.
As diferenças salariais e
reflexos, sobre as parcelas vencidas e vincendas eventualmente apuradas deverão
ser requeridas por meio próprio, em Ação de Cumprimento.
m)
imediata reintegração de empregado
(Sr. Rafael Cerqueira Lima), demitido por justa causa
Deixo de conhecer do pedido.
Tratando-se de interesse concreto, a respeito de um único e determinado
empregado, deve ser dirimido em ação individual.
n)
redução da jornada de trabalho;
O suscitado não apresentou
qualquer fundamentação à reivindicação de redução da jornada de trabalho,
impossibilitando a apreciação do pedido, nos termos do Precedente Normativo nº
37, da SDC do C. TST. Rejeita-se.
5.- Atos antissindicais -
Dano social
O exame dos presentes autos leva
à tranquila conclusão que a suscitante se pauta pela prática reiterada de atos
antissindicais. O mais grave foi a alteração do objeto da sociedade com o
objetivo de reduzir artificialmente os salários dos seus empregados.
Assim procedendo, a suscitante
causou vários prejuízos à sociedade.
O primeiro, sem sombra de
dúvida, foi a redução dos salários dos empregados, inclusive com o subterfúgio
da contratação sob o falso manto do trabalho temporário.
O segundo será a sobrecarga futura
e desnecessária do Poder Judiciário Trabalhista, retardando, assim, o andamento
das demais reclamações trabalhistas.
Mas não é só. O terceiro
prejuízo à sociedade é o rebaixamento artificial do preço dos aparelhos
celulares, provocando, assim, o chamado “dumping social”. Com efeito, assim
procedendo, causou prejuízo aos demais concorrentes, na medida em que poderia
cobrar pelos serviços preço inferior.
Conhecido há
décadas no âmbito comercial, o “dumping” se caracteriza pela deslealdade
praticada por empresa ou empresas em relação às suas competidoras por
intermédio da agressiva redução do preço do seu produto comercializado, para
patamares incompatíveis com a atividade econômica, alcançando valores muitas
vezes inferiores aos próprios custos da produção, praticada durante breve
período, com vistas à eliminação da concorrência. É uma prática comercial na
qual uma ou mais empresas de um país vendem seus produtos, mercadorias ou
serviços por preços extraordinariamente abaixo de seu valor comercial para
outro país, inferiores, até mesmo, ao menor preço cobrado pelo produto no país
exportador, por um tempo certo, objetivando comprometer ou eliminar as empresas
locais concorrentes, com vistas ao domínio do mercado e futura imposição de
preços elevados.
Trata-se,
portanto, de uma prática que atinge diretamente o meio comercial, com
comprometimento empresarial e ruptura, por via oblíqua, no processo de livre
concorrência. De forma imediata o prejuízo recai sobre as empresas concorrentes
e, mediatamente, alcança toda a malha consumidora do produto, cujo preço
alcançará valores mais altos logo após a eliminação das concorrentes.
Logo, há
dano decorrente do sucesso da prática do “dumping”.
O dano individual causado pela
deslealdade em relação às concorrentes identifica-se facilmente. Contudo, em
relação ao dano imposto à coletividade outro é o enredo.
Os chamados
danos sociais, nas palavras de Antônio Junqueira de Azevedo[2],
são aqueles que causam um rebaixamento no nível de vida da coletividade e que
decorrem de conduta socialmente reprováveis. Envolvem interesses difusos e as
vítimas são indeterminadas ou indetermináveis.
Reconhece-se que os direitos sociais, advindos do
Direito Internacional Público, definidos na plataforma dos direitos
fundamentais de segunda geração e recepcionados pela CF/1988, exigem posturas
pró-ativas dos estados para manutenção da justiça social no cenário da
sociedade capitalista contemporânea.
Nesse sentido, torna-se imperioso tratar da medida
ética que se deva depositar sobre os processos de construção de vantagem
econômica sob risco de comprometimento da estabilidade social.
Assim, a vantagem econômica levada a efeito, com
sonegação de direitos e processos fraudulentos de terceirização, em relação às
empresas concorrentes que cumprem as leis trabalhistas, por exemplo, visando a “baratear
o custo da mão de obra”, desdobra-se no chamado “dumping social”,
caracterizado ainda, pela deslealdade na concorrência comercial decorrente da
supressão de direitos sociais dos empregados em relação às empresas cumpridoras
das normas trabalhistas, ocasionando o dano social.
Trata-se, portanto, de conduta
ilícita danosa que desafia ressarcimento, conforme dispõem os artigos 186,187 e
927, todos do Código Civil, com as seguintes redações:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular
de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo
seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),
causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Envolvendo
interesses difusos e vítimas indeterminadas ou indetermináveis, rende-se ensejo
à sua defesa judicial, na forma do artigo 81, I do Código de Defesa do
Consumidor (CDC), cuja redação é a
seguinte:
“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos
dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou
a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa
coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim
entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza
indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato;”
Estabelecida a viabilidade da
tutela coletiva do dano social, torna-se irremediavelmente presente a sua
discussão no âmbito dos dissídios coletivos trabalhistas.
Nesses casos, quando se percebem
condutas socialmente reprováveis, tutelas específicas para cumprimento de
obrigação de fazer e não fazer podem ser determinadas pelo juiz ou
desembargador, para assegurar o resultado prático almejado, ou conceder-se-á
indenização decorrente da conversão da obrigação descumprida em perdas e danos,
quando seja impossível o restabelecimento integral da condição violada,
conforme se extrai do CDC, por meio da análise do caput e do § 1º do artigo 84 do CDC,
cuja redação é a seguinte:
“Art. 84. Na ação que tenha por objeto o
cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela
específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao do adimplemento.
§ 1° A conversão da obrigação
em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se
impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático
correspondente.”
Fixada a verba compensatória de
caráter punitivo derivada do dano social, não há que se falar na sua reversão
diretamente à vítima, desenhando-se destinação a um fundo de proteção
consumeirista (art. 100 do CDC), ambiental ou trabalhista, por exemplo, ou até
mesmo instituição de caridade, a critério do juiz, consoante aplicação
analógica conferida ao disposto no parágrafo único do artigo 883 do Código
Civil (CC), cuja redação é a seguinte:
“Art. 883. Não terá direito à repetição
aquele que deu alguma coisa para obter fim ilícito, imoral, ou proibido por
lei.
Parágrafo único. No caso
deste artigo, o que se deu reverterá em favor de estabelecimento local de
beneficência, a critério do juiz.” (negrito acrescentado)
Trata-se da aplicação da função
social da responsabilidade civil.
Ao cabo, assevero que a
aplicação “ex officio” da condenação à reparação da perturbação social,
medida por sua extensão (artigo 944 do CC), decorre do mesmo fundamento pautado
no ponto de vista social, que elege a conduta judicial repressiva, sob o prisma
da repercussão social da decisão, como importante mecanismo capaz de impedir
que outras pessoas possam sofrer dos mesmos efeitos danosos provocados pela
conduta ilícita da empresa.
Nesse sentido, pode-se utilizar
subsidiariamente o disposto no artigo 404 do CC, cuja redação é a seguinte:
“Art. 404. As perdas e danos,
nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária
segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e
honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.
Parágrafo único. Provado que
os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode
o juiz conceder ao credor indenização suplementar.” (negrito
acrescentado).
Acrescentando,
independentemente da natureza dessa indenização suplementar, é importante
salientar que o § 5º do art. 461 do CPC, objetivando o melhor resultado prático
possível para a lesão, concede ao juiz amplo leque de medidas proporcionais, a
ponto de a enumeração ali relacionada ser meramente exemplificativa.
Sobre
cominação e demanda cominatória é importante ressaltar a precisa lição de
Araken de Assis
“Em primeiro lugar, a pena poderá ser
imposta na sentença ou na decisão antecipatória de ação condenatória.
Contemplado
que esteja o pedido cominatório (art. 287), e a despeito de recomendável sua
formulação, o art. 461, §4º, esclarece que o juiz imporá a multa
‘independentemente de pedido’, na decisão, e o art. 644, caput, acrescenta que
o juiz a fixará, na execução, ‘se omissa a sentença’. Tais dispositivos
elegeram, pois, a coerção patrimonial e o meio executório da execução
específica das obrigações de fazer e de não fazer. Também se aplica tal
mecanismo às prestações para entrega de coisa (art. 461-A, §3º), valendo, neste
caso os referidos poderes do órgão judiciário.
No
direito anterior, o pedido se afigurava obrigatório, se infungível o fazer, e
facultativo se fungível. Mas ao juiz se vedava impô-la de ofício. Como se
percebe, o novo texto passou o preceito à órbita dos poderes do juiz,
dispensada a iniciativa da parte.”
(Manual do processo de execução. 8. ed. rev., atual. e ampl. – São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 549/550. negrito acrescentado).
Tratando-se de uma lesão
metaindividual, com repercussões no futuro, não é possível que o juiz se
acomode a uma decisão burocrática. A condenação, assim, deve ser adequada à
natureza e extensão do dano, sendo importante ouvir a lição de Luiz Guilherme
Marinoni (in “Processo de conhecimento”, vol. 2, pp. 736/737, São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais):
“Em outras palavras, as diversas sentenças e
meios de execução nada mais são que instrumentos técnico-processuais que devem
estar dispostos na lei para que os direitos possam ser efetiva e concretamente
tutelados. Para que tudo isso seja melhor compreendido é importante o seguinte
raciocínio: em primeiro lugar, é necessário conhecer a natureza material e as
tutelas a ele são inerentes. Após, é preciso verificar quais são as sentenças e
meios adequados à prestação dessas tutelas. Se, para o direito ao meio ambiente
saudável, em vista de sua natureza, é imprescindível a tutela inibitória, não há
como se pensar apenas nas sentenças declaratória, constitutiva e condenatória.
É indispensável socorrer-se das sentenças mandamental e executiva e de meios de
execução adequados. Cumpre, então, pesquisar a legislação se tais instrumentos
existem, pena de o processo civil não cumprir sua mais elementar função. Em
nosso caso, as sentenças mandamental e executiva, bem como os meios de execução
adequados à tutela do direito ao meio ambiente saudável (por exemplo), estão
presentes no art. 84 do CDC. Nessa perspectiva, é possível dizer que o processo
civil está adequadamente estruturado para conferir tutela efetiva aos direitos
difusos e coletivos, pois têm sentenças e meios de execução capazes de prestar
as tutelas que lhes são imprescindíveis”.
Vale transcrever
precedente similar neste Egrégio Tribunal, conforme a seguir ementado:
“DANO SOCIAL (“DUMPING SOCIAL”). IDENTIFICAÇÃO: DESRESPEITO DELIBERADO E
REITERADO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. REPARAÇÃO: INDENIZAÇÃO “EX OFFICIO” EM
RECLAMAÇÕES INDIVIDUAIS. Importa compreender que os direitos sociais são o
fruto do compromisso firmado pela humanidade para que se pudesse produzir,
concretamente, justiça social dentro de uma sociedade capitalista. Esse
compromisso, fixado em torno da eficácia dos Direitos Sociais, se
institucionalizou em diversos documentos internacionais nos períodos
pós-guerra, representando, também, um pacto para a preservação da paz mundial.
Esse capitalismo socialmente responsável perfaz-se tanto na perspectiva da
produção de bens e oferecimento de serviços quanto na ótica do consumo, como
faces da mesma moeda. Deve pautar-se, também, por um sentido ético, na medida
em que o desrespeito às normas de caráter social traz para o agressor uma
vantagem econômica frente aos seus concorrentes, mas que, ao final, conduz
todos ao grande risco da instabilidade social. As agressões ao Direito do
Trabalho acabam atingindo uma grande quantidade de pessoas, sendo que destas
agressões o empregador muitas vezes se vale para obter vantagem na concorrência
econômica com relação a vários outros empregadores. Isto implica dano a outros
empregadores não identificados que, inadvertidamente, cumprem a legislação
trabalhista, ou que, de certo modo, se vêem forçados a agir da mesma forma.
Resultado: precarização completa das relações sociais, que se baseiam na lógica
do capitalismo de produção. O desrespeito deliberado, inescusável e reiterado
da ordem jurídica trabalhista, portanto, representa inegável dano à sociedade.
Óbvio que esta prática traduz-se como “dumping social”, que prejudica a toda a
sociedade e óbvio, igualmente, que o aparato Judiciário não será nunca
suficiente para dar vazão às inúmeras demandas em que se busca, meramente, a
recomposição da ordem jurídica na perspectiva individual, o que representa um desestímulo
para o acesso à justiça e um incentivo ao descumprimento da ordem jurídica.
Assim, nas reclamações trabalhistas em que tais condutas forem constatadas
(agressões reincidentes ou ação deliberada, consciente e economicamente
inescusável de não respeitar a ordem jurídica trabalhista), tais como: salários
em atraso; salários “por fora”; trabalho em horas extras de forma habitual, sem
anotação de cartão de ponto de forma fidedigna e o pagamento correspondente;
não recolhimento de FGTS; não pagamento das verbas rescisórias; ausência de
anotação da CTPS (muitas vezes com utilização fraudulenta de terceirização,
cooperativas de trabalho, estagiários, temporários, pejotização etc.); não
concessão de férias; não concessão de intervalo para refeição e descanso;
trabalho em condições insalubres ou perigosas, sem eliminação concreta dos
riscos à saúde etc., deve-se proferir condenação que vise a reparação
específica pertinente ao dano social perpetrado, fixada “ex officio” pelo juiz
da causa, pois a perspectiva não é a da mera proteção do patrimônio individual,
sendo inegável, na sistemática processual ligada à eficácia dos Direitos
Sociais, a extensão dos poderes do juiz, mesmo nas lides individuais, para
punir o dano social identificado” (TRT 15ª Região, 11ª Câmara, Rel. Juiz Convocado Jorge Luiz
Souto Maior, DJE de 27/04/12).
Pelos fundamentos expostos,
condeno a suscitante ao pagamento de indenização no valor de R$ 50.000,00
(cinquenta mil reais) revertida em favor do CENTRO INFANTIL DE INVESTIGAÇOES
HEMATOLÓGICAS DR. DOMINGOS A. BOLDRINI, que se dedica ao cuidado de crianças,
adolescescentes e adultos jovens portadores de doenças sanguíneas ou de câncer,
por meio de atendimento médico e multiprofissional, desenvolvendo ainda,
atividades de ensino e pesquisa nesse contexto, com sede na Rua Dr. Gabriel
Porto, 1270, Cidade Universitária, Campinas, SP, CEP 13083-210, inscrito no CNPJ sob nº 50.046.887/0001-27,
declarado entidade de Utilidade Pública: Municipal, pela Lei nº 4.967, de 19 de
dezembro de 1979; Estadual, pelo Decreto nº 22.018, de 22 de março de 1984; e
Federal, pelo Decreto nº 88.747, de 26 de setembro de 1983.
6.- Expedição de ofício ao
Ministério Público do Trabalho (MPT)
Face à gravidade dos fatos e
condutas narrados e considerando a nefasta possibilidade de sua propagação,
faz-se imperiosa a comunicação do Ministério Público do Trabalho para que tome
as medidas cabíveis.
Oficie-se.
DISPOSITIVO
Diante do exposto, decido
conhecer do dissídio coletivo de greve instaurado por COSTECH ENGENHARIA LTDA.,
suscitante, para declarar a não abusividade da greve, encampado pelo SINDICATO
DOS METALÚRGICOS DE CAMPINAS, AMERICANA, INDAIATUBA, HORTOLÂNDIA, NOVA ODESSA,
MONTE MOR, PAULÍNIA, VALINHOS E SUMARÉ, suscitado. Decide-se ainda, nos limites
da fundamentação: reconhecer a legitimidade e manutenção da representação
sindical do suscitado para todos os empregados que prestam serviços à
suscitante, diretamente ou por intermédio da empresa de serviço temporário
(Prest Service); determinar a reintegração imediata dos trabalhadores
dispensados em face da participação na greve; determinar o pagamento integral
dos dias de paralisação; conceder-lhes a estabilidade de salários e empregos
desde a data do julgamento do presente dissídio coletivo de greve até 90 dias
após a sua publicação, limitado o período total a 120 dias; determinar o
desconto e o repasse das mensalidades sindicais em favor do suscitado;
determinar que a suscitante apresente a relação dos empregados contratados;
condenar a suscitante ao pagamento da indenização por dano social no valor de
R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) revertida em favor do CENTRO INFANTIL
DE INVESTIGAÇOES HEMATOLÓGICAS DR. DOMINGOS A. BOLDRINI, e, por fim, determinar
a expedição de ofício ao Ministério Público do Trabalho, tudo nos termos da
fundamentação.
Custas no importe de
R$ 1.600,00 pela suscitante, calculadas sobre o valor de
R$ 80.000,00, ora rearbitrado à condenação.
SAMUEL HUGO LIMA – Des.
Relator
ss/cf
[2]
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Por
uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: “o dano social”.
Disponível em:
http://pt.scribd.com/doc/62034200/AZEVEDO-Antonio-Junqueira-Por-Uma-Nova-Categoria-de-Dano-Na-Responsabilidade-Civil-o-Dano-Social,
p. 380/381. Acesso em 07/05/2012.
Link: http://consulta.trt15.jus.br/consulta/owa/pProcesso.wListaProcesso?pTipoConsulta=PROCESSO&pArgumento1=385&pArgumento2=2012&pArgumento3=000&pArgumento4=
Link: http://consulta.trt15.jus.br/consulta/owa/pProcesso.wListaProcesso?pTipoConsulta=PROCESSO&pArgumento1=385&pArgumento2=2012&pArgumento3=000&pArgumento4=
(*) Luiz Salvador é advogado trabalhista e previdenciarista em Curitiba-Pr, Ex-Presidente da ABRAT (www.abrat.adv.br), Presidente da ALAL (www.alal.com.br), Diretor do Depto. de Saúde do Trabalhador da JUTRA (www.jutra.org), assessor jurídico de entidades de trabalhadores, membro integrante, do corpo técnico do Diap, do corpo de jurados do TILS – Tribunal Internacional de Liberdade Sindical (México), da Comissão Nacional de Relações internacionais do CF da OAB Nacional e da Comissão de “juristas” responsável pela elaboração de propostas de aprimoramento e modernização da legislação trabalhista instituídas pelas Portarias-MJ 840, 1.787, 2.522/08 E 3105/09, E-mail: luizsalv@terra.com.br, site: www.defesadotrabalhador.com.br
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