PF intima coronel a falar sobre ocultação de corpos
na ditadura
DO RIO DE JANEIRO
22/03/2014 03h10
A Polícia Federal
intimou ontem o coronel reformado Paulo Malhães, 76, a prestar depoimento à
Comissão Nacional da Verdade sobre a ocultação dos restos mortais de vítimas da
ditadura.
O oficial, que diz
ter dado uma "solução final" à ossada do ex-deputado Rubens Paiva,
agora afirma que corpos de vítimas da Casa da Morte de Petrópolis (RJ) tinham
os corpos mutilados e jogados em um rio.
A casa foi mantida
clandestinamente pelo Exército como local de tortura e morte de um número
estimado em até 24 presos políticos.
Em depoimento à
Comissão da Verdade do Rio, reproduzido ontem pelo jornal "O Globo",
Malhães disse que os corpos tinham as barrigas cortadas e eram arremessados em
sacos com pedras, para que não flutuassem.
Juliana Dal Piva - 07.dez.2012/Folhapress
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Manifestantes em frente à Casa da Morte de Petrópolis, na região
serrana do Rio
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Antes disso, os
militares arrancavam as arcadas dentárias e os dedos das mãos para evitar que
as vítimas fossem identificadas, de acordo com o relato do coronel.
"Jamais se
enterra um cara que você matou. Se matar um cara, não enterro. Há outra solução
para mandar ele embora. Se jogar no rio, por exemplo, corre", disse.
"Como ali,
saindo de Petrópolis, onde tem uma porção de pontes, perto de Itaipava. Não com
muita pedra. O peso [do saco] tem que ser proporcional ao peso do adversário,
para que ele não afunde, nem suba", afirmou.
Malhães descreveu a
técnica para ocultar corpos como um "estudo de anatomia". "Todo
mundo que mergulha na água, fica na água, quando morre tende a subir. Incha e
enche de gás", disse.
"Então, de
qualquer maneira, você tem que abrir a barriga, quer queira, quer não. É o
primeiro princípio. Depois, o resto, é mais fácil. Vai inteiro. Eu gosto de
decapitar, mas é bandido aqui", disse, referindo-se à Baixada Fluminense,
onde mora.
LOCALIZAÇÃO
O coronel disse
duvidar que os restos mortais das vítimas sejam encontrados. "Não acredito
que, em sã consciência, alguém ainda pense em achar um corpo", afirmou.
Ele acrescentou que a
cúpula do Ministério do Exército tinha conhecimento do que acontecia em
Petrópolis.
Nos anos 90, o
ex-sargento Marival Chaves, que também atuou na região serrana do Rio, deu
outra versão. Ele disse que os corpos de vítimas da Casa da Morte eram
esquartejados e enterrados aos pedaços.
O coronel reformado
Paulo Malhães deverá ser ouvido na próxima terça pela Comissão Nacional da
Verdade.
O coordenador do
órgão, Pedro Dallari, disse que seu relato mostra que o desaparecimento de
presos foi uma política de Estado na ditadura militar.
"É uma barbárie.
Não tenho a menor dúvida de que esses atos aconteciam com o conhecimento e o
aval da cúpula do regime", disse.
Ainda segundo Dallari, "isso afasta a versão, sempre repetida por militares, de que as violações de direitos humanos decorriam de excessos de alguns agentes".
Ainda segundo Dallari, "isso afasta a versão, sempre repetida por militares, de que as violações de direitos humanos decorriam de excessos de alguns agentes".
Esses homens agiam
com respaldo institucional", afirmou o coordenador.
O CASO RUBENS PAIVA
QUEM ERA Nascido em 1929,
Rubens Beyrodt Paiva era engenheiro. Foi eleito deputado em 1962. Após o golpe,
foi cassado e se exilou na Europa. Em 1965, voltou ao Brasil e mudou-se para o
Rio, de onde manteve contato com exilados
A PRISÃO Em 20 de janeiro de
1971, duas mulheres foram presas com cartas de exilados que seriam entregues a
Paiva. Ele foi preso à tarde, em casa, por agentes da Aeronáutica e levado a
quartel no aeroporto Santos Dumont. À noite, foi levado ao DOI-Codi, na Tijuca
A MORTE Segundo a Comissão
da Verdade, ele foi morto após sessões de tortura no DOI-Codi. Exército
sustenta que ele não morreu no local
Reprodução
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O deputado Rubens Paiva durante CPI na Câmara, em 1963
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Leia mais.
Minha história: Capitão que
deixou Exército para entrar na luta armada lembra de atritos com Dilma
DEPOIMENTO A...
CRISTINA CAMARGO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM BAURU
CRISTINA CAMARGO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM BAURU
22/03/2014 03h15
Assaltos, treinamento de
guerrilha e a morte de um inocente são parte da vida de Darcy Rodrigues, 72. O
capitão do Exército deixou a instituição em 1969 e entrou na luta armada.
Lembra de "duras discussões" com Dilma Rousseff. Mais de 40 anos após
matar um taxista durante um assalto no Rio, diz ainda sentir o "peso"
do crime.
Eu morava em Três Corações
(MG), sem perspectiva de trabalho. Fiz concurso para escola militar e passei.
Pensava, com aquele idealismo juvenil, em contribuir para a formação de uma
sociedade mais avançada.
Jânio Quadros [ex-presidente]
renunciou e houve a tentativa de golpe contra a posse de João Goulart [em 1961].
Comecei a sentir a conspiração dentro do Exército. Em 1962, fui para um
regimento em Quitaúna [SP]. O [Carlos] Lamarca era oficial e me procurou. Eu
articulava os sargentos, e ele, os oficiais.
Depois do golpe, o Lamarca
disse: tenho contato com [o guerrilheiro Carlos] Marighella. Falei: tenho com o
MNR [origem da VPR, organização de luta armada]. Marcamos dia e hora para sair
do quartel [com armas e munição]. Minha mulher, minha filha, a mulher do
Lamarca e os filhos foram para Cuba.
João Rosan -
29.ago.2013/Jornal da Cidade de Bauru
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Capitão Darcy Rodrgues
mostra DVD sobre 1964 em Bauru (SP); ele participou da resistência à ditadura
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Entrei na clandestinidade
após me despedir da família. Fui com o Lamarca para um aparelho [esconderijo]
em janeiro de 1969. Começaram as prisões, crises. A ideia era ir direto para a
zona rural, mas começou a demorar.
Disse ao Onofre Pinto, líder
da VPR: quero participar de ações na cidade. Fizemos uma ação num banco na rua
Piratininga, em São Paulo, que foi um desastre. Saiu tiroteio, morreu um
guarda, um caos. O cara veio atirar em mim, e o Lamarca fez o papel dele [ao
matar o segurança].
Participei de todas as ações
da VPR naquele período. Começou uma discussão com o Colina [outra organização
da luta armada] para uma fusão com a VPR.
A Dilma era meu contato no
Colina. Tivemos discussões duras. A ala militar queria formar um Exército
popular, por meio de guerrilha. A Dilma queria fortalecer o trabalho urbano,
incentivar uma greve geral, tentar uma situação política por meio da luta de
massas. Hoje a história mostra que ela estava certa.
Dilma era e é uma pessoa
dura. Cai na asneira de chamá-la de sargentona quando era ministra -disseram
que ela não gostou. Quando ela veio a Bauru [na campanha de 2010], fui ao
aeroporto encontrá-la. Ela colocou a mão no meu ombro e falou: você está velho,
acabado. Eu disse: vim aqui só para pegar o telefone de seus cirurgiões
plásticos e esteticistas, para ficar bonito igual a você.
No Rio, a organização fez um
[assalto a] banco e foi um desastre. Tinha um motorista de táxi que era
militar, pegou um policial e saiu perseguindo o carro da ação.
Vi que dois companheiros seriam
presos. Foi traumatizante, tive que atirar. Morreu o taxista [Cidelino do
Nascimento]. Isso pesa muito, mas não tive alternativa.
Teve o roubo do cofre do
Adhemar de Barros [ex-governador de São Paulo]. Foi chamado de grande ação, mas
não funcionou direito. Na hora o cofre saiu da prancha colocada para deslizar e
caiu. Tivemos que pegar na unha. Foi uma alegria, aquele monte de dólares.
Fui preso em abril de 1970,
no Vale do Ribeira. Fui torturado ali mesmo. Depois, três vezes ao dia. Trocado
pelo embaixador alemão, fui para a Argélia e depois Cuba, onde fiquei 10 anos.
Fui professor e estudei
economia em Havana. Dois dos meus filhos nasceram lá. Voltei ao Brasil em 1980,
depois da anistia. Era como se tivesse saído no dia anterior. Isso aqui é um país
maravilhoso.
Em Bauru, policiais me
seguiam na rua. Uma vez saí de um escritório e vi um cara atrás de mim. Corri,
parti para cima. Ele disse: só estou cumprindo ordens. Depois virou amigo.
Lembro de uma frase do
Lamarca: morrer é fácil, difícil é carregar os fantasmas dos que se foram.
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