Conheça o PL
4330, que quer a terceirização sem limites, legalizar o aluguel de pessoas e prejudicar
os trabalhadores, a sociedade e a economia
(*) Maximiliano Nagl
Garcez
Durante a tensa campanha eleitoral de 2014,
elaborei artigos alertando para os sérios riscos que Marina Silva e Aécio Neves
trariam para os trabalhadores, caso eleitos.
Denunciei a defesa da terceirização sem limites que
Marina Silva fez em seu programa de governo, por meio de artigos publicados
pelo Diap, pelo Viomundo e em páginas de diversas entidades de movimentos
populares e entidades sindicais, bem como a proposta da candidata de
desmantelar a Justiça do Trabalho.
Do mesmo modo, analisei os graves retrocessos que a
eleição de Aécio Neves traria para os trabalhadores, no Conversa Afiada (sobre
sua atuação como Senador e Governador), no site do Diap (“Dissecando Aécio”,
analisando em detalhes suas propostas), no Brasil247, na Revista Fórum e em entrevista para a rádio da Rede Brasil
Atual.
Por isso, considero justo também criticar
entrevista que foi dada em 29.12.2014 no Valor Econômico pelo futuro ministro
da Fazenda, Joaquim Levy, que lamentavelmente defendeu o PL 4330 (que
analisarei neste breve artigo):
“Claro! E o mais interessante é que nos últimos 15
anos também superamos em boa parte a dualidade no mercado de trabalho, com a
formalização crescente da economia e ampliação da força de trabalho mais
treinada. Essa formalização, sublinhe-se, deveu-se largamente à abertura
econômica e à facilidade do investimento externo, que criaram incentivos para
as empresas arrumarem as contas e aumentarem de valor. Ela, aliás, vai se
acelerar se a lei regendo a terceirização, em tramitação no Congresso, for
aprovada”.”
Como veremos, a Constituição Federal de 1988 é
claro impedimento à eliminação e limitação dos direitos trabalhistas e
sindicais, proposta pelo PL 4330, de 2004, seja sob o nome de “terceirização”
(em sua versão original) quanto na regulamentação da “prestação de serviços”
(no também precarizante Substitutivo proposto na Comissão Especial que analisou
a proposição).
Também demonstrarei que a aprovação do PL 4330 não
criaria empregos, não favoreceria a economia, e traria inúmeros prejuízos não
somente aos trabalhadores, mas a toda a sociedade.
Infelizmente, está pronto para a pauta do Plenário
da Câmara dos Deputados o PL 4330, o que significa uma iminente e séria ameaça
aos trabalhadores, aos sindicatos, à sociedade e à democracia.
Veremos a seguir que é evidente a
inconstitucionalidade, injustiça e inconveniência do PL 4330.
1. PRINCÍPIO
DA IGUALDADE
A principal inconstitucionalidade do PL 4330 reside
no princípio da igualdade, contido no art. 5º., caput, da Constituição Federal.
Está inserido no rol dos direitos
fundamentais do cidadão, categoria de direitos que não estão afetos a
restrições infraconstitucionais, o que significa que não podem ser limitados
pelo ordenamento jurídico, seja quanto à regulamentação, efetivação ou
exercício desses direitos.
Ao prever uma esfera de direitos ao terceirizado
muito inferior ao trabalhador contratado diretamente pela empresa tomadora, há
flagrante violação ao princípio da isonomia.
A
jurisprudência do E. STF demonstra que a proposição, caso venha a ser
transformada em lei (o que, diga-se de passagem, consideramos altamente
indesejável, ante sua completa inadequação com nosso ordenamento jurídico),
seria considerada manifestamente inconstitucional: “O princípio da isonomia,
que se reveste de auto-aplicabilidade, não é – enquanto postulado fundamental
de nossa ordem político-jurídica – suscetível de regulamentação ou de
complementação normativa. Esse princípio – cuja observância vincula,
incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público – deve ser
considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir
privilégios (RDA 55/114), sob duplo aspecto: (a) o da igualdade na lei; e (b) o
da igualdade perante a lei. A igualdade na lei – que opera numa fase de
generalidade puramente abstrata – constitui exigência destinada ao legislador
que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de
discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade
perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que,
na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem
tratamento seletivo ou discriminatório. A eventual inobservância desse
postulado pelo legislador imporá ao ato estatal por ele elaborado e produzido a
eiva de inconstitucionalidade.” (STF – MI 58, Rel. p/ o ac. Min. Celso de
Mello, julgamento em 14-12-1990, Plenário, DJ de 19-4-1991.) negritamos
E o STF possui até mesmo julgado tratando
exatamente da aplicação do art. 5º., caput, da CF às relações de trabalho,
afirmando que “nosso sistema constitucional é contrário a tratamento
discriminatório entre pessoas que prestam serviços iguais a um empregador” (RE
161.243, Rel. Min. Carlos Velloso, voto do Min. Néri da Silveira, julgamento em
29-10-1996, Segunda Turma, DJ de 19-12-1997.), o que mostra sem sombra de
dúvidas a flagrante inconstitucionalidade do PL 4330.
O caput do art. 5º. deve ser interpretado em
conjunto com os seguintes incisos do art. 3º. da CF:
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e
solidária;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
A vedação do tratamento discriminatório na seara
trabalhista, previsto não apenas no referido art. 5º. caput, mas também no art.
7º, XXXII da CF, XXXII, da Lei Maior, já foi utilizada pelo TST para aplicar os
terceirizados os mesmos direitos do trabalhador contratado diretamente. Tal
tratamento igualitário é rechaçado pelo PL 4330 e pelo Substitutivo, o que
demonstra sua inconstitucionalidade: “1. A teor da orientação jurisprudencial
383/SDI-I do TST, desempenhadas, pelo empregado contratado mediante empresa
interposta, funções inerentes à atividade-fim do tomador dos serviços, a
revelar quadro de terceirização ilícita, impõe-se, por aplicação analógica do
art. 12, alínea a, da Lei nº 6.019/74, forte no princípio da isonomia (art. 5º,
caput, da Constituição da República), e na vedação do tratamento
discriminatório (art. 7º, xxxii, da Lei Maior), o reconhecimento dos mesmos
direitos assegurados aos empregados do tomador dos seus serviços que exerçam as
mesmas funções, inclusive aqueles previstos nos instrumentos coletivos da
respectiva categoria profissional”. (Tribunal Superior do Trabalho TST; RR
126600-11.2009.5.03.0077; Terceira Turma; Relª Minª Rosa Maria Weber Candiota
da Rosa; DEJT 17/06/2011; Pág. 992)
2. PL
DESRESPEITA O VALOR SOCIAL DO TRABALHO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O art. 1º da Constituição Federal Brasileira coloca
o valor social do trabalho, ao lado da dignidade da pessoa humana, como bens
juridicamente tutelados e como fundamento para a construção de um Estado
Democrático de Direito.
A interpretação e a aplicação do Direito do
Trabalho estão obrigatoriamente condicionadas aos princípios constitucionais de
valorização do trabalho e do trabalhador como fator inerente à dignidade da
pessoa humana. Ao se eleger a dignidade do ser humano como fundamento da
República Federativa do Brasil, constitucionalizam-se os princípios do direito
laboral, com força e imperatividade aptas a conferir ao trabalho e ao
trabalhador, o significado de sustentação do próprio sistema da nação
brasileira. Tal proceder efetiva o Estado democrático de Direito, fazendo com
que os objetivos políticos decididos pela Constituição sejam atingidos por meio
de todo o ordenamento jurídico.
A proteção da dignidade da pessoa humana e do valor
social do trabalho impede que qualquer norma que a viole (como tenta fazer o PL
4330) seja considera constitucional. Tal princípio impede qualquer atitude ou norma que diminua o
status da pessoa humana enquanto indivíduo, cidadão e membro da comunidade. O
tratamento dado ao terceirizado no PL 4330 e no Substitutivo da Comissão
Especial e do Deputado Arthur Maia, visto somente como um mero fator de
produção, viola frontalmente tais princípios contidos no art. 1º. da Carta
Magna.
3. DA
ULTRAJANTE POSSIBILIDADE DE TERCEIRIZAÇÃO DE TODA ATIVIDADE EMPRESARIAL NO PL E
NO SUBSTITUTIVO DA COMISSÃO ESPECIAL
Prevê o art. 2º do Substitutivo: “Empresa
prestadora de serviços a terceiros é a empresa especializada que presta à
contratante serviços determinados e específicos.”
Não há qualquer critério previsto no Projeto para
afirmar se um objeto social é específico ou genérico.
A proposta tem como objetivo acabar com a discussão
atividade-fim e atividade-meio.
A diferenciação entre atividade-fim e
atividade-meio serve como um limite claro à terceirização, e tem permitido
coibir tal prática por meio da Justiça do Trabalho. A análise da atividade-fim é voltada à
atuação da empresa tomadora de serviços.
Já o Substitutivo tira totalmente o foco da empresa
tomadora de serviços, ao propor um novo parâmetro: objeto social
específico/objeto social genérico.
Específico é ainda mais genérico e vazio do que atividade-fim. O que
seriam serviços indeterminados? Quem contrata a e paga algo indeterminado?
Vejamos os parágrafos 1º. e 2º. do art. 2º :
“§ 1º A empresa prestadora de serviços deverá ter
objeto social único, sendo permitido mais de um objeto apenas quando se tratar
de atividades correlatas.
§ 2º A empresa prestadora de serviços é responsável
pelo planejamento e pela execução dos serviços, nos termos previstos no
contrato entre as partes.”
Se aprovado o PL, já não há limite para o que a
empresa tomadora de serviços pode terceirizar.
A análise passa a ser somente para que tipos de
serviços a empresa prestadora pode oferecer (qualquer um, desde que relativo a
um objeto social específico – e ainda com a porta para atividades correlatas).
A proposta do PL 4330 é clara: acabar com a
discussão atividade-fim e atividade-meio, permitindo a terceirização de
qualquer atividade empresarial e de qualquer setor de uma empresa.
Uma grande empresa, no modelo defendido pelo PL
4330, nem mesmo precisaria ter trabalhadores. Poderia ter apenas contratos com
outras empresas, que alugariam trabalhadores para o empresário, reduzindo o
obreiro a uma mera mercadoria. E estas outras empresas terceirizadas, por sua
vez, também não necessitariam ter trabalhadores: poderiam alugá-los de uma
outra empresa, quarteirizada (ou quinterizada). Uso a expressão alugar pois
infelizmente a proposta na prática acaba sendo o ultrajante aluguel de pessoas
(proibido desde a Lei Áurea), e não o que o PL eufemisticamente chama ser
“terceirização”.
Ou seja: a empresa tomadora de serviços pode se
tornar apenas uma administradora do CNPJ da empresa, terceirizando todo e
qualquer atividade. E o trabalhador terceirizado, segundo o PL e o Substitutivo
do Deputado Arthur Maia, poderá ser quarteirizado, quinterizado – ou seja,
transformado em uma mercadoria, o que vai contra o princípio que determinou a
fundação da OIT, da qual participou o Brasil: “O trabalho não é uma
mercadoria.”
4. PL 4330 É
CLARAMENTE ANTISSINDICAL – VIOLAÇÃO AO ART. 8º. DA CF
Prevê o art. 8º, caput, da CF que é ”livre a
associação profissional ou sindical”, sendo sua criação “definida pelos
trabalhadores” (inciso II).
O PL 4330 e o Substitutivo sob análise na prática
significam que o empregador escolherá quais sindicatos representarão seus
trabalhadores, em clara violação à liberdade sindical. Na prática, pretende a
aniquilação do movimento sindical, que tem sido nas últimas décadas uma das
principas forças-motrizes da democracia, da sociedade civil organizada e da
resistência ao projeto autoritário-neoliberal. Por isso, significa também uma
disfarçada Reforma Política, a fim de silenciar os trabalhadores e seus
trabalhadores.
Os referidos dispositivos constitucionais seriam
violados, caso fosse permitida a terceirização de atividade-fim. O TST já
analisou de modo detalhado tal questão, em acórdão da SDI-1: “Nº
TST-E-RR-586341/1999.4 “De outro giro, a
terceirização na esfera finalística das empresas, além de atritar com o eixo
fundamental da legislação trabalhista, como afirmado, traria consequências
imensuráveis no campo da organização sindical e da negociação coletiva. O caso
dos autos é emblemático, na medida em que a empresa reclamada, atuante no setor
de energia elétrica, estaria autorizada a terceirizar todas as suas atividades,
quer na área fim, quer na área meio. Nessa hipótese, pergunta-se: a CELG,
apesar de beneficiária final dos serviços prestados, ficaria totalmente
protegida e isenta do cumprimento das normas coletivas pactuadas, por não mais
responder pelas obrigações trabalhistas dos empregados vinculados aos
intermediários? Não resta dúvida de que a consequência desse processo seria,
naturalmente, o enfraquecimento da categoria profissional dos eletricitários,
diante da pulverização das atividades ligadas ao setor elétrico e da
consequente multiplicação do número de empregadores. Todas essas questões estão
em jogo e merecem especial reflexão.”
Convém destacar que o STF coloca a liberdade
sindical como predicado do Estado Democrático de Direito: “A liberdade de
associação, observada, relativamente às entidades sindicais, a base territorial
mínima – a área de um Município –, é predicado do Estado Democrático de
Direito. Recepção da Consolidação das Leis do Trabalho pela Carta da República de
1988, no que viabilizados o agrupamento de atividades profissionais e a
dissociação, visando a formar sindicato específico.” (RMS 24.069, Rel. Min.
Marco Aurélio, julgamento em 22-3-2005, Primeira Turma, DJ de 24-6-2005.)
Não foi à toa que a Constituição Federal de 1988
garantiu poderes significativos aos sindicatos. O constituinte reconheceu no
sindicato um importante instrumento de democratização, de inclusão social e de
elevação da condição da classe trabalhadora. O movimento sindical é parte
estruturante e relevante do Estado Democrático de Direito.
O PL 4330 faz parte da campanha permanente de
ataque aos movimentos populares, e em especial às entidades sindicais, e que
conta com apoio da maior parte da grande mídia. Um exemplo lamentável foi a
capa da revista britânica The Economist (bastião do neoliberalismo mundial) de
julho de 2011 (http://www.economist.com/node/17851305/), demonizando os
sindicatos do setor público.
Tais agressões injustificadas ao movimento sindical
não são gratuitas. Devem-se ao fato de que graças ao movimento sindical e ao
conjunto dos movimentos populares é que tem sido possível resistir no Brasil à
implementação de um agressivo projeto neoliberal, desejado de modo
indisfarçável por diversos setores da grande imprensa.
Por isso, é necessário lembrar permanentemente à
sociedade brasileira, seja por meio das mídias alternativas e sindicais ou pela
própria mídia convencional, que foi graças em boa parte ao movimento sindical
que hoje possuímos no Brasil e em boa parte do mundo:
· a
limitação por lei da jornada de trabalho;
·
descanso aos domingos e feriados;
·
férias;
·
intervalos para descanso e repouso;
·
salário mínimo;
·
Seguridade Social;
·
décimo-terceiro salário;
·
proibição do trabalho escravo e do trabalho infantil;
·
seguro-desemprego;
·
jornada de 8 horas diárias e direito a hora extra;
· e que
muitas conquistas da população, como o SUS, o direito a educação pública e
gratuita, e o próprio direito ao voto e à democracia foram em boa parte fruto
da luta do movimento sindical.
5. PL VIOLA
OS ARTS. 170 E 193 DA CF – FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E PRIMADO DO TRABALHO
Vejamos o contido nos arts. 170 e 193 da CF:
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:
(…)
III – função social da propriedade;
(…)
VIII – busca do pleno emprego;
Art. 193 – A ordem social tem como base o primado
do trabalho e com objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”
Tais dispositivos constitucionais servem também
para demonstrar a inconstitucionalidade do PL 4330 e do Substitutivo, conforme
o seguinte julgado do E. TST: “(…) É inviável o conhecimento dos recursos de
revista por divergência dos arestos apresentados, pois a decisão recorrida está
em consonância com a Súmula nº 331, I, do TST (art. 896, § 4º, da CLT e Súmula
nº 333 do TST). O art. 94, II, da Lei nº 9.472/97 não foi violado, pois não se
pode concluir que, ao dispor que com terceiros o desenvolvimento de atividades
inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de
projetos associados, esteja autorizando a terceirização de serviços inerentes à
atividade-fim das empresas de telecomunicações, sob pena de ferir o disposto no
art. 170, caput, VIII, da Constituição da República, pois a intermediação de
serviço em área-fim das empresas de telecomunicações, sem prévia definição em
Lei, culminaria na desvalorização do trabalho humano e no comprometimento da
busca do pleno emprego (…).” (Tribunal Superior do Trabalho TST; RR
135400-67.2008.5.03.0140; Quarta Turma; Relª Minª Kátia Magalhães Arruda; DEJT
18/03/2011; Pág. 1048)
6. DA
NECESSIDADE DE IMPOR LIMITES À TERCEIRIZAÇÃO
O fenômeno da terceirização é permitido por nosso
ordenamento jurídico somente quanto ao trabalho temporário (Lei. 6.019/74), de vigilantes
(Lei 7.102/83) e de serviços de limpeza e conservação (conforme a Súmula 331 do
TST).
Tal Súmula sabiamente considera ilegal a
terceirização da atividade-fim da empresa. Ou seja, qualquer descentralização
de atividades deverá estar restrita a serviços auxiliares e periféricos à
atividade principal da empresa.
Uma adequada interpretação da Constituição Federal
também permite colocar sérios limites ao fenômeno da terceirização, por meio da
utilização dos princípios constitucionais da valorização do trabalho e da
dignidade humana, como vimos acima.
7. PREJUÍZOS AOS TRABALHADORES E À SOCIEDADE. A
terceirização sem limites, como proposta no PL 4330, gera:
a) a destruição da capacidade dos sindicatos de
representarem os trabalhadores, segundo o TST: “a terceirização na esfera
finalística das empresas, além de atritar com o eixo fundamental da legislação
trabalhista, como afirmado, traria consequências imensuráveis no campo da
organização sindical e da negociação coletiva.(…). Não resta dúvida de que a
consequência desse processo seria, naturalmente, o enfraquecimento da categoria
profissional dos eletricitários, diante da pulverização das atividades ligadas
ao setor elétrico e da consequente multiplicação do número de empregadores.”
(E-RR-586.341/1999.4);
b) baixos salários e o desrespeito aos direitos
trabalhistas, com impactos negativos na economia, no consumo e na receita da
Previdência Social e do FGTS (usado primordialmente para saneamento básico e
habitação), com prejuízos a todos; nesse sentido, convém mencionar as sábias
palavras do magistrado José Nilton Pandelot, ex-presidente da Associação
Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho: “Eu diria que a terceirização
não é o futuro e sim a desgraça das relações de trabalho. Porque essa terceirização
se estabelece na forma de precarização. Ela se desvia da sua finalidade
principal. Não é para garantir a eficiência da empresa. É para reduzir o custo
da mão-de-obra. Se ela é precarizadora, vai determinar uma redução da renda do
trabalhador, vai diminuir o fomento à economia, diminuir a circulação de bens,
porque vai reduzir o dinheiro injetado no mercado. Há um equívoco muito grande
quando se pensa que a redução do valor da mão-de-obra beneficia de algum modo a
economia. Quem compra, quem movimenta a economia são os trabalhadores. Eles têm
que estar empregados e ganhar bem para os bens circularem no mercado. Pode não
ser evitável, mas se continuar dessa forma, com uma terceirização que serve
para a redução e a precarização da mão-de-obra, haverá um grande prejuízo à
cidadania brasileira e à sociedade de um modo geral”;
c) precarização do trabalho e o desemprego. A
alegada “geração de novos postos de trabalho” pela terceirização é uma falácia:
o que ocorre com tal fenômeno é a demissão de trabalhadores, com sua
substituição por “sub-empregados” (vide o exemplo da Argentina e da Espanha nos
anos 90);
d) aumento do número de acidentes do trabalho
envolvendo trabalhadores terceirizados, como já atestou o TST no julgado
supracitado;
e) prejuízos aos consumidores e à sociedade, ante a
profunda diminuição da qualidade dos serviços prestados nas áreas de energia,
água e saneamento, que seriam fortamente afetados pela terceirização ilega;
f) prejuízos sociais profundos. A ausência de um
sistema adequado de proteção e efetivação dos direitos dos trabalhadores, com a
existência de um grande número de trabalhadores precarizados, sem vínculo
permanente, prejudica toda a sociedade, degradando o trabalho e corroendo as
relações sociais: “Como se podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade
de curto prazo? Como se podem manter relações sociais duráveis? Como pode um
ser humano desenvolver uma narrativa de identidade e história de vida numa
sociedade composta de episódios e fragmentos? As condições da nova economia
alimentam, ao contrário, a experiência com a deriva no tempo, de lugar em
lugar, de emprego em emprego. Se eu fosse explicar mais amplamente o dilema de
Rico, diria que o capitalismo de curto prazo corrói o caráter dele, sobretudo
aquelas qualidades de caráter que ligam os seres humanos uns aos outros, e dão
a cada um deles um senso de identidade sustentável.” (SENNETT, Richard. A
Corrosão do Caráter: As Conseqüências Pessoais do Trabalho no Novo Capitalismo.
Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 27).
8. CONCLUSÃO.
Não se pode tratar o trabalhador como uma mera peça
sujeita a preço de mercado, transitória e descartável. A luta contra a
terceirização sem limites e sem proteção aos trabalhadores, como proposto no PL
4330, deve também lembrar à sociedade os
princípios fundamentais de solidariedade e valorização humana, que ela própria
fez constar do documento jurídico-político que é a Constituição Federal, e a
necessidade de proteger a democracia, a coisa pública e a qualidade do serviços
públicos, essenciais para o bem-estar da população.
A aprovação do PL 4330, implementando a
terceirização ampla e irrestrita (na verdade, tratar-se-ia de legalizar o
aluguel de pessoas), ameaça até mesmo a competitividade do Brasil, pois a
implementação de tal temerosa proposta:
- criaria enorme quantidade de trabalhadores
precarizados e descartáveis;
- aumentaria
a desigualdade social;
- tornaria ainda mais frequentes os acidentes e
mortes no trabalho;
- diminuiria o consumo;
- e por fim, prejudicaria não somente a
produtividade e a economia, mas toda a sociedade brasileira.
(*) Maximiliano Nagl Garcez é
Advogado de trabalhadores e entidades sindicais, atuando em Brasília, com
ênfase nos Tribunais Superiores, e consultor em processo legislativo, Diretor
para Assuntos Parlamentares da Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas
– ALAL (www.alal.com.br), Mestre em Direito das Relações Sociais pela
UFPR,Ex-Bolsista Fulbright e Pesquisador-Visitante na Harvard Law School.
Email: max@advocaciagarcez.adv.br.
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