A omissão silenciosa e o avanço da precarização trabalhista: as
perspectivas do governo Dilma em 2015. Entrevista especial com Giovanni Alves
“Caso não tenhamos crescimento do
PIB em 2015 — e muito provavelmente também em 2016 —, teremos anos difíceis
devido à política de ajuste e ao cenário adverso da economia internacional”,
adverte o sociólogo.
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As dificuldades do próximo governo
Dilma estão diretamente relacionadas com o cenário
internacional, que ainda se recupera das consequências da crise
econômica de 2008. Diante da instabilidade externa, a meta do
segundo mandato será “crescer o PIB”, já que o
crescimento da economia é a condição necessária para dar continuidade à
política de aumento progressivo do salário mínimo, à manutenção dos empregos e
à ampliação das políticas sociais. “O desafio do novo governo Dilma
é fazer omeletes sem quebrar ovos, isto é, fazer o proclamado ajuste
fiscal sem reduzir significativamente o gasto
público e degradar programas sociais”, pontua Giovanni Alves, em entrevista concedida à IHU
On-Line por e-mail.
Ao enfrentar um dos “mais conservadores
congressos da história da República brasileira”, o segundo mandato da presidente
Dilma deverá ser marcado por uma “omissão silenciosa” ao não se
empenhar para ampliar direitos trabalhistas,
nem para deter “inciativas parlamentares que signifiquem o aumento da
precariedade salarial”. “Provavelmente, o governo não deve apoiar a aprovação
da redução da jornada de trabalho, nem colocar-se contra a ampliação da
terceirização”, lamenta. E acrescenta: “A eleição para a presidência da Câmara
dos Deputados é um importante elemento de conjuntura política logo no começo de
2015. Caso ganhe Eduardo Cunha,
do PMDB, o governo deverá ter muitas dificuldades para fazer passar seus
projetos no Legislativo”.
Giovanni Alves (foto
abaixo) é professor da Faculdade de Filosofia e Ciências do Departamento de
Sociologia e Antropologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho – Unesp, no campus de Marília. Livre-docente em teoria sociológica,
é mestre em Sociologia e doutor em Ciências Sociais pela Unicamp. Atualmente,
desenvolve o projeto de pesquisa “A derrelição de Ícaro – Sonhos,
expectativas e aspirações de jovens empregados do novo (e precário) mundo do
trabalho no Brasil (2003-2013)”. É autor de, entre outras obras, Dimensões
da precarização do trabalho – Ensaios de sociologia do trabalho
(Bauru: Projeto editorial praxis, 2013).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como avalia a
reeleição da presidente Dilma?
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Foto: Anamatra
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Giovanni Alves - A
reeleição da presidente Dilma Rousseff
ocorreu num cenário político-eleitoral caracterizado, por um lado, pela pesada manipulação
midiática por parte da direita organizada contra o
governo e o PT; e por outro lado, por uma conjuntura política, social e
econômica, interna e externa, bastante adversa para as forças progressistas de
esquerda que compõem a frente política do neodesenvolvimentismo.
A eleição presidencial de 2014 foi uma das eleições para presidente da
República mais acirradas desde 1989. Não se tratou apenas da persistente
campanha da grande mídia — rádio, TV, revistas e jornais — contra o governo e o
PT, visando desgastar a sua imagem. Na verdade, desde 2003, o desgaste da
imagem do PT tem sido ininterrupto. Apesar disso, pesquisas de opinião ainda
consideram o PT o partido político preferido dos brasileiros — principalmente
nas regiões Norte e Nordeste, tendo em vista a sua identificação com uma das
lideranças políticas de esquerda mais carismática da vida nacional: Luís
Inácio Lula da Silva.
Portanto, apesar da campanha midiática contra Lula
e Dilma e o PT, o mais
paradoxal é que grande parte da população brasileira beneficiada pelos programas sociais
do governo manteve-se fiel a eles, votando no governo, embora não votando
necessariamente em parlamentares do PT e de esquerda.
Outros problemas de conjuntura tornaram esta eleição presidencial uma das mais
difíceis para o PT — pelo menos desde 2003. Primeiro, a conjuntura política
mostrou um governo debilitado pela corrosão de sua base política no Congresso,
com parte do PMDB se rebelando contra o governo. A frente política do
neodesenvolvimentismo fraturou-se com a saída do PSB, que lançou como candidato
Eduardo Campos à presidência da República. Às dificuldades com
sua base parlamentar, que reclamava da falta de diálogo de Dilma com os
parlamentares, somava-se a crise da economia brasileira — o
baixo crescimento do PIB e as pressões inflacionárias passaram
a preocupar o Palácio do Planalto.
Os aumentos contínuos da taxa
básica de juros pelo Banco Central
mostravam um governo disposto a ceder às pressões do capital financeiro para
evitar a escalada inflacionária. Entretanto, os empresários mantinham-se
indispostos a investir, não apenas pela discordância com a macroeconomia
heterodoxa do Ministro da Fazenda Guido
Mantega, mas principalmente pela recusa da
presidenta Dilma em fazer uma Reforma Trabalhista que
significasse a redução do “custo Brasil” por meio da espoliação de direitos
trabalhistas. Mas o problema dos investimentos privados na economia brasileira
tinha a ver também com as incertezas da economia mundial,
cuja crise financeira global de 2008 reacendeu a paralisia dos investimentos
produtivos, provocando a queda do PIB nos países capitalistas centrais em
2012-2014. Na última metade da década de 2010, no plano internacional o cenário
da economia mundial é bastante desanimador para os países ditos
“emergentes" — como o Brasil — devido principalmente à queda dos preços
das commodities (incluindo o petróleo) e à desaceleração da economia da China e
também da União Europeia. Ao mesmo tempo, o crescimento da economia nos EUA é
medíocre, apesar dos esforços do Federal Reserve de levantá-la por meio da redução da
taxa de juros.
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"Nos
últimos dez anos, os governos neodesenvolvimentistas voltaram-se prioritariamente
para atender às demandas dos ‘pobres’. Entretanto, fizeram muito pouco para
melhorar a qualidade de vida das camadas médias assalariadas nas metrópoles
brasileiras"
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Segundo governo Dilma
Portanto, o segundo governo Dilma
deverá encontrar uma conjuntura internacional bastante adversa e totalmente
diferente daquela conjuntura do capitalismo global da década de 2000, que
caracterizaram os governos Luiz Inácio Lula da Silva.
Ao mesmo tempo, em 2014 assistimos, por conta da questão da Ucrânia, o
surgimento da “nova guerra fria" (EUA X Rússia), com os EUA
buscando preservar a todo custo a hegemonia do dólar no mercado mundial; como
parte da disputa geopolítica mundial temos a
presença na América Latina de dois modelos de protagonismo capitalista (Aliança
do Pacífico versus Mercosul). Como não poderia deixar de ser, a eleição
brasileira tornou-se parte da geopolítica do xadrez internacional. O que
significa que a direita brasileira tornou-se mais voraz, pressionada pela nova
escalada de ofensiva do capital que ocorre hoje no plano geopolítico
mundial.
No plano social, acumularam-se, no Brasil,
insatisfações nas camadas médias desde as jornadas de 2013. Nos últimos dez
anos, os governos neodesenvolvimentistas
voltaram-se prioritariamente para atender às demandas dos “pobres".
Entretanto, fizeram muito pouco para melhorar a qualidade de vida das camadas
médias assalariadas nas metrópoles brasileiras.
Pelo contrário, o “choque de capitalismo” do neodesenvolvimentismo,
o modo de vida just-in-time, vida reduzida (tempo de vida reduzido a tempo de
trabalho) e os péssimos serviços públicos provocaram, nas camadas médias
assalariadas, profunda insatisfação social. Apesar da inquietação social, os
protestos de rua em 2014, principalmente durante a Copa do Mundo,
não conseguiram repetir os fenômenos das jornadas de massa de 2013.
Apesar disso, os indicadores sociais do governo Dilma
mantiveram-se positivos em 2014 — o desemprego aberto nas metrópoles manteve-se
baixo, apesar do crescimento medíocre da economia brasileira.
No cenário eleitoral, a morte
de Eduardo Campos num acidente aéreo ainda não
explicado fez ascender o fenômeno político da terceira via da candidatura de Marina
Silva, que ocupou a vice-presidência da chapa do
PSB. Pela primeira vez, diminuíram-se, naquele momento, as chances de reeleição
de Dilma Rousseff logo no primeiro turno. Entretanto,
com o tempo, a candidatura de Marina Silva perdeu fôlego eleitoral para a
candidatura de Aécio Neves, do PSDB.
Ocorreu a polarização clássica direita x esquerda, ou seja, PSDB x PT. O discurso antipetista cresceu principalmente nos estados de hegemonia
liberal — Sul e Sudeste. O recorte de classe na sociedade
brasileira tornou-se nítido nas eleições de 2014: as camadas populares, a
classe trabalhadora e a população mais pobre beneficiada pelos programas
sociais identificavam-se com a candidatura de Dilma Rousseff;
e uma parcela das novas camadas médias e a classe média tradicional e a grande
burguesia industrial-financeira passaram a identificar-se com as candidaturas
de Marina Silva e Aécio Neves.
A disputa crucial era saber quem iria enfrentar a candidata do PT, Dilma
Rousseff, no segundo turno das eleições
presidenciais.
A esquerda e a incapacidade
alternativa
Por outro lado, o PSOL e a esquerda
socialista radical (PCB, PCO, PSTU), mais uma vez dividida
politicamente, incapaz de constituir uma frente política de esquerda socialista
capaz de disputar a hegemonia social com a frente política do
neodesenvolvimentismo e com a direita reacionária e conservadora, demonstraram,
mais uma vez, sua insignificância política. O segundo turno das eleições foi
bastante disputado, com as pesquisas eleitorais indicando empate técnico entre Dilma
e Aécio. Por muito pouco, Dilma
Rousseff ganhou as eleições presidenciais,
com o apoio da militância social e dos estados mais beneficiados pelos
programas sociais do neodesenvolvimentismo. Os
erros de estratégia política do PSDB também custaram caro. As eleições
de 2014 demonstraram ser, na reta final, uma disputa clara
entre esquerda e direita e, principalmente, uma disputa de classe.
É importante salientar o significado da vitória de Dilma
Rousseff para o cenário da disputa geopolítica
internacional: a vitória de Dilma Rousseff significou, no plano da política
externa, a persistência do não alinhamento automático com a política externa
dos EUA e o prosseguimento do projeto hegemônico dos BRICS
como modelo de desenvolvimento capitalista alternativo — o que não é pouca
coisa. Estamos vivendo um período de aprofundamento dos conflitos silenciosos
entre os dois blocos de poder do capital (EUA-União Europeia versus
Rússia-China). No cenário interno, a vitória de Dilma significou
derrotar eleitoralmente a direita conservadora e reacionária que, após as
eleições, frustrada em seu intento de chegar ao governo, prossegue com sua
verve midiática de sangrar persistentemente a imagem do “governo
do PT”.
Na verdade, devido à escalada da ofensiva do
capital no plano mundial, a direita no Brasil — e na América Latina — tende a
adotar a política de “guerra permanente”, buscando desgastar a imagem do
governo. A vitória de Dilma mostrou, apesar dos
pesares de um partido que se burocratizou e distanciou-se dos movimentos sociais
e das lutas populares, a capacidade de
luta da militância e dos simpatizantes do PT. A questão é saber se o governo
Dilma e o PT saberão aproveitar a
força da militância nesta conjuntura ímpar de reação conservadora. O que se
percebe é que, diante da pressão midiática e das dificuldades da economia
interna e externa, sob fogo cruzado da direita reacionária, o segundo governo
Dilma vacila e titubeia, correndo o risco de paralisar-se. A
vitória de Dilma representou a vitória da centro-esquerda num
cenário político, social e econômico adverso, uma adversidade sistemática nunca
vista pelos governos neodesenvolvimentistas. Deve-se exigir do governo
Dilma o compromisso de manter conquistas da classe
trabalhadora, sob pena de frustrar sua base eleitoral. Ao expor seus candentes
limites e seu próprio mal-estar, o neodesenvolvimentismo acirrou as disputas
internas no interior da frente política.
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"A
esquerda não tem quadros hábeis política e ideologicamente para administrar o
país. O partido não forma quadros médios, não investe em formação e educação
capazes de dar um horizonte político-ideológico às lideranças políticas"
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Congresso conservador
Em seu segundo mandato, Dilma
Rousseff enfrenta um dos mais conservadores congressos da
história da República brasileira. Coloca-se cada vez mais a necessidade de um
salto de qualidade na intervenção social dos partidos de esquerda que apoiam o
governo — PT e PCdoB, principalmente no plano da comunicação social, inserção
nos movimentos sociais e luta ideológica na sociedade brasileira, sob pena de a
ação voraz da direita organizada pautada pela mídia hegemônica pôr em risco a
própria democracia. O eleitor que vota na esquerda, em geral, é muito frágil
politicamente porque historicamente o PT nunca investiu na formação política —
inclusive de quadros políticos. Na verdade, a esquerda não tem quadros hábeis
política e ideologicamente para administrar o país. O partido não forma quadros
médios, não investe em formação e educação capazes de dar um horizonte
político-ideológico às lideranças políticas. O que explica a perda da esquerda
na luta pela hegemonia social. Burocratizado, afastado dos movimentos sociais,
mero partido eleitoral, parte dele envolvido em escândalos de corrupção, o PT
precisa renovar-se sob pena de não conseguir ir além dos limites do neodesenvolvimentismo.
A eleição para a presidência da Câmara dos
Deputados é um importante elemento de conjuntura política logo no começo de
2015. Caso ganhe Eduardo Cunha, do PMDB, o
governo deverá ter muitas dificuldades para fazer passar seus projetos no
Legislativo. Talvez o maior desafio para a presidente Dilma
seja chegar incólume em 2018, evitando, deste modo, as práticas golpistas de
direita.
IHU On-Line - A presidente e sua
equipe econômica anunciaram que no próximo ano serão feitos alguns cortes,
incluindo cortes sociais, embora durante a campanha eleitoral o discurso fosse
de manter os investimentos sociais. Como esses cortes devem repercutir em
relação aos salários dos trabalhadores? Qual deve ser a tendência do governo
Dilma em relação à pauta trabalho?
Giovanni Alves - O
Brasil é um país capitalista, portanto, o salário dos trabalhadores
é uma variável do crescimento do PIB
da economia. Caso o país volte a crescer com mais pujança, haverá boas
negociações coletivas no setor privado, melhores condições para se negociar
salários e planos de carreira no setor público e aumento
real do salário-mínimo. Entretanto, caso não tenhamos
crescimento do PIB em 2015 — e muito provavelmente também em 2016 —, teremos
anos difíceis devido à política de ajuste e ao cenário adverso da economia
internacional. A prioridade de ajuste das contas públicas e os juros elevados
contribuirão para o baixo crescimento do PIB.
A preocupação do governo é que isso implique em
aumento dos índices de desemprego e crescimento da precarização salarial. A adoção de políticas de austeridade
faz o governo Dilma correr o risco de corroer sua base
social e seu capital político. Por outro lado, visando garantir a retomada dos
investimentos, o novo governo Dilma deve evitar
confrontar os empresários — pelo contrário, a crise das contas públicas
tornou-se motivo das pressões do capital para reduzir direitos dos
trabalhadores. Provavelmente, o governo não deve apoiar a aprovação da redução
da jornada de trabalho, nem colocar-se contra a ampliação da terceirização. A
regra é a omissão silenciosa — não se empenhará para ampliar direitos
trabalhistas, nem deterá iniciativas parlamentares que signifiquem o aumento da
precariedade salarial (seria difícil imaginar Dilma vetando a PL 4330, o
projeto de lei que amplia a terceirização do trabalho no país, caso passe pelo
Congresso Nacional — só se houver ampla mobilização popular — o que é
improvável). Provavelmente Dilma adotará a política
clássica do lulismo, um lulismo de crise —
o que é pior. Entretanto, não acredito que a política macroeconômica
ortodoxa a ser adotada pelo novo governo não tenha freios que
possam evitar que programas sociais
historicamente vitrines dos governos neodesenvolvimentistas
sejam prejudicados. Numa situação de crise externa e ofensiva interna da
Direita, o governo deve manter-se na defensiva, visando preservar trincheiras
sociais (eis, por exemplo, o equilíbrio dinâmico entre Joaquim Levy
na Fazenda e Nelson Barbosa
no Planejamento).
O novo governo deve operar no interior daquilo
que chamei de limites do neodesenvolvimentismo.
O governo encontra-se refém do Estado neoliberal
que ele próprio preservou como estratégia de governabilidade. Diante do
esgotamento das forças vivas do neoliberalismo no
sentido de incapacidade de conduzir novos avanços sociais por conta do gasto
público, é preciso colocar no horizonte as reformas sociais que, para serem
efetivadas, pressupõem a reforma política capaz de
resgatar a representação popular e construir uma nova institucionalidade
democrática. Uma reforma política progressista torna-se indispensável para a
tradição política das demandas dos movimentos sociais ascendentes e o resgate
da representação política do povo brasileiro. É preciso mudar o Estado
brasileiro caso o governo neodesenvolvimentista
queira avançar, senão tornar-se-á não apenas refém de seus limites, mas cairá
irremediavelmente para a direita neoliberal.
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"O tema da valorização do salário-mínimo deve
ser mais um elemento de disputa interna no governo"
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IHU On-Line - Será possível
continuar aumentando progressivamente o valor do salário mínimo?
Giovanni Alves -
Existe um acordo entre o governo e as Centrais
Sindicais pela valorização do salário-mínimo.
Nesse caso, o salário-mínimo é reajustado de acordo com o índice de crescimento
do PIB da economia mais um percentual real. Portanto, a valorização do
salário-mínimo depende, deste modo, do crescimento do PIB da economia
brasileira. Em 2015 deve ocorrer uma nova negociação entre governo
e centrais sindicais, num
cenário de fragilização política e social do sindicalismo brasileiro. Enfim,
não vai ser fácil manter a Política de Valorização do Salário-mínimo
tal como está, devido a pressões da direita ortodoxa que incrustou-se no
Ministério da Fazenda. Por outro lado, a valorização do salário-mínimo
tornou-se um trunfo para as forças progressistas do governo
Dilma. Portanto, em 2015, o tema da valorização do
salário-mínimo deve ser mais um elemento de disputa interna no governo. Mais
uma vez teremos a disputa política no interior do governo entre as duas almas
do neodesenvolvimentismo (entre aqueles que cultuam o ajuste das contas
públicas a qualquer custo e aqueles que priorizam o crescimento e
desenvolvimento social).
IHU On-Line - O senhor concorda com
as análises que afirmam que o governo está preparando uma “minirreforma da
previdência”, sem utilizar esse nome para não assustar os trabalhadores? Em que
consiste essa minirreforma?
Giovanni Alves -
Não sei se o governo está preparando uma minirreforma da Previdência Social
para 2015. Há muita especulação política. O próprio ministro Guido
Mantega desmentiu que isso pudesse ocorrer, embora o certo é
que ocorra um ajuste fiscal.
A nova equipe da economia brasileira,
visando acalmar o mercado, pode propor algo neste sentido. Não me estranharia
caso o fizesse — governos capitalistas nas condições de crise estrutural do
capital devem adequar-se aos parâmetros sociorreprodutivos da ordem burguesa.
Tendo em vista as novas tendências demográficas, redução da base contributiva e
aumento da expectativa de vida, o capital tende a pressionar pelo aumento da
faixa etária para a aposentadoria e aumento da alíquota de contribuição, ao
mesmo tempo, que reduz progressivamente benefícios e direitos para os novos (e
precários) trabalhadores assalariados — principalmente do setor público. É uma
tendência mundial do novo capitalismo flexível: precarizar as condições de vida
e trabalho de jovens e idosos que cada vez mais não conseguem se liberar do trabalho
estranhado. O aumento da expectativa de vida, que poderia ser considerado uma
conquista civilizatória para a humanidade, nas condições do capitalismo do século XXI,
quando o tempo de vida se reduz cada vez mais a tempo de trabalho, tende a
tornar-se um flagelo humano, pois não implica em qualidade de vida
principalmente num país como o Brasil, que não está preparado no campo da saúde
pública para dar conta do aumento de idosos que trabalham, submetido às novas
condições de superexploração da força de trabalho, com impactos na saúde da
pessoa que trabalha.
IHU On-Line - Como recebeu a notícia
de que o aumento salarial despencou no Brasil e ficou abaixo da média mundial,
considerando o aumento progressivo que vinha sendo feito desde o governo Lula?
Esse aumento foi sustentável?
Giovanni Alves -
Não acredito que o aumento salarial tenha
despencado no Brasil, ficando abaixo da média mundial. Em
10 anos ocorreu a valorização do salário mínimo e mesmo no governo Dilma
preservaram-se os rendimentos salariais médios. Muitas categorias assalariadas
fizeram acordos coletivos com reposição salarial acima da inflação. Mas como
salientamos, para o Brasil, como economia capitalista, a chave é o crescimento
do PIB, que não ocorreu porque o gasto público não foi acompanhado do
investimento privado; além disso, tivemos os constrangimentos nada desprezíveis
da economia mundial salientados acima. Pela lógica do capital, apenas com o
crescimento da economia e a melhoria da produtividade do trabalho, os aumentos
salariais serão sustentáveis, dinamizando, deste modo, o mercado de consumo
interno e produzindo um ciclo virtuoso — na perspectiva da acumulação de
capital.
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"O
governo Dilma tenta contornar, no mar revolto da economia global, a profunda
crise dos mercados, procurando manter – e inclusive ampliar - programas
sociais e, ao mesmo tempo, manter o crescimento - mesmo que mínimo - da
economia brasileira"
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Como dissemos, a conjuntura da economia mundial
da década de 2010
inverteu-se totalmente. Nos governos Lula, a conjuntura
mundial era totalmente outra — o preço das commodities no mercado mundial
estava elevado e as contas do governo estavam melhor organizadas. Ao eleger-se
em 2010, Dilma elege-se sob o estigma da crise mundial e
seu aprofundamento na década de 2010. O governo Dilma tenta
contornar, no mar revolto da economia global, a profunda crise dos mercados,
procurando manter — e inclusive ampliar — programas sociais e, ao mesmo tempo,
manter o crescimento — mesmo que mínimo — da economia brasileira. Ao mesmo
tempo, acirra-se a ofensiva política da direita reacionária e conservadora.
Poderíamos dizer que o governo Dilma, por adotar
um lulismo sem Lula, buscava
conciliar interesses antagônicos entre o Capital e o Trabalho num cenário de
conflito distributivo por conta das taxas medíocres de crescimento do PIB.
Entretanto, manter gastos públicos em cenário de desaceleração da economia e
boicote do investimento privado desajustou as contas públicas do país (em 2014,
o Brasil não conseguiu cumprir a meta do superávit primário), assustando
investidores e ameaçando a credibilidade do país nas agências de rating. Para
evitar um ataque especulativo contra o real, o governo Dilma
recém-eleito rende-se à macroeconomia ortodoxa no Ministério da Fazenda (Joaquim
Levy, homem das finanças), mas sem deixar de colocar contrapeso
na Secretaria do Planejamento (Nelson Barbosa,
economista de perfil desenvolvimentista). É um jogo complexo de equilíbrio
dinâmico buscando navegar por águas turvas.
IHU On-Line - Quais serão os
principais desafios do governo Dilma em relação à manutenção ou aumento do
emprego, e aumento do salário mínimo, tendo em vista a estagnação econômica e o
baixo crescimento para o próximo ano?
Giovanni Alves - O
desafio é crescer o PIB. A estagnação da economia brasileira significa
impossibilidade de manter o estoque de emprego, o que significa aumento do
desemprego total; e também impossibilidade de manter a valorização do salário mínimo.
Enfim, o desafio do novo governo Dilma é fazer
omeletes sem quebrar ovos, isto é, fazer o proclamado ajuste fiscal sem reduzir
significativamente o gasto público e degradar programas sociais. Por um lado,
recuperar a confiança dos investidores e fazê-los investir; e, ao mesmo tempo,
promover a recuperação do gasto público visando à retomada do crescimento do
PIB em 2016 ou 2017, às vésperas da próxima eleição presidencial. Pode-se supor
que Dilma deixe para seu sucessor, em 2018, a economia
brasileira com fundamentos macroeconômicos mais sólidos do que ela recebeu no
final de seu primeiro governo. Mas o cenário mundial não é nada desprezível. A
economia brasileira está bastante integrada no mercado mundial.
Como salientamos acima, a economia mundial voltou a apresentar instabilidades
sistêmicas — queda de investimentos produtivos, aumento da capacidade
industrial ociosa, aumento do endividamento público, etc. — e os efeitos sobre
países capitalistas ditos “emergentes" são
deveras difíceis.
A direita reacionária e conservadora no Brasil
não dará trégua ao segundo governo Dilma.
O cerco midiático será permanente. Por um lado, apostam no golpismo
do impeachment da presidente Dilma Rousseff,
caso a crise econômica e social se aprofunde; e, por outro lado, investem no
sangramento paulatino do PT visando debilitá-lo como direção política,
degradando, ainda mais, sua identidade de classe, isolando, deste modo, o
governo refém de sua tibieza pragmática. Não me iludo: a precariedade do mundo
do trabalho deve aumentar por conta das pressões empresariais pela ampliação da terceirização
— o que significa que aumentará a pressão parlamentar pela corrosão de diretos
trabalhistas e pelo esvaziamento da Justiça do Trabalho. O governo mantém-se
indiferente ao lobby empresarial no Congresso pela ampliação da terceirização.
A situação de crise da economia brasileira coloca dificuldades para a
negociação coletiva no setor privado — e principalmente no setor público. Não
vai ser fácil atender reivindicações dos trabalhadores que implique aumento do
gasto público com pessoal.
IHU On-Line - Deseja acrescentar
algo?
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" O
último governo Dilma opera nos limites do neodesenvolvimentismo, gerando um
verdadeiro mal-estar"
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Giovanni Alves -
Deve-se entender que o último governo Dilma opera
nos limites do neodesenvolvimentismo, gerando um verdadeiro
mal-estar. Limite não é esgotamento, mas dificuldades crescentes para cumprir o
programa social do neodesenvolvimentismo; o
governo encontra-se cada vez mais refém do Estado neoliberal;
o governo é refém
de si mesmo, incapacidades do reformismo e a reposição contínua da direita
voltar diante da incompetência da esquerda social-democrata. A saída é um salto
de qualidade na organização sindical e popular e na capacidade de luta política
e ideológica disputando a hegemonia social numa nova frente política e social
de esquerda visando ao aprofundamento da democracia.
Nesse momento de crise do neodesenvolvimentismo,
torna-se mais clara a necessidade crucial da Reforma Política
como patamar de nova institucionalidade democrática capaz de traduzir
politicamente as demandas sociais e a luta de classes do trabalho. Faz falta ao
Brasil uma institucionalidade democrática sensível às demandas populares, assim
como faz falta partidos e movimentos sociais capazes de expô-las
hegemonicamente. A Reforma Política
é a mãe de todas as reformas de base, embora, mais importante do que ela, é a
capacidade de resgatar o partido político capaz de representar os interesses da
classe trabalhadora. Ao lado do pessimismo da razão temos o otimismo da
vontade. Enfim, é importante continuar avançando apesar das dificuldades da
nova conjuntura de ofensiva do capital no plano mundial.
(Por Patricia Fachin)
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