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Gebrim: Enfrentar um cerco na
defensiva é derrota certeira; é preciso uma saída política
Por Ricardo Gebrim, especial para Escrevinhador
A afirmação de
que se formava um verdadeiro cerco político do governo pelas forças de direita
foi várias vezes acusada de um exagero retórico quando apresentada no começo do
ano passado. Desde então, tratava-se de construir uma alternativa política para
o conjunto das forças populares enfrentarem o cerco. Recordar o ensinamento de
que, diante de um cerco, permanecer apenas na defensiva costuma ser fatal.
Daí a proposta
de uma Constituinte Exclusiva do Sistema Político, apresentada inicialmente
pela presidenta Dilma ante às manifestações de junho de 2013, possibilitando
uma alternativa política para romper o cerco.
Agora, já não
resta dúvida de sua dimensão e a maioria das análises se dá conta do perigo que
estamos enfrentando, reconhecendo, por vezes atônita, um cerco político cada
vez mais nítido.
No entanto, como
costuma ocorrer quando surge uma proposta política que oferece uma alternativa
ao campo popular, emerge uma resistência que concentra-se em três argumentos
para negar ou desqualificar a Constituinte Exclusiva do Sistema Político.
Buscando
polemizar, vou classificá-los em “pragmáticos”, “defensivos” e “economicistas”,
tentando respondê-los.
Antes, vamos
verificar o que mudou na conjuntura desde o início de ano.
O
Começo de 2015
A vitória
eleitoral de Dilma, por uma pequena margem, contou com o papel reconhecidamente
decisivo de uma militância, especialmente jovem, em grande parte não
pertencente a nenhuma organização, que se engajou voluntariamente ao se dar
conta da natureza do embate e suas conseqüências. Um elemento novo, promissor
que demarcou ideologicamente a chamada “juventude de junho de 2013″.
Porém, o
começo do governo Dilma gera grandes frustrações com efeitos desmobilizadores
que a cada dia vão abalando a militância e apoiadores que atuaram de forma
decisiva nas eleições.
A opção de
repetir a mesma movimentação do governo Lula em 2003, nomeando uma equipe
econômica avalizada pelo mercado financeiro e a escolha de ministros cuja
simbologia conservadora sequer possibilitou evitar a trágica derrota na eleição
da Câmara dos Deputados, vão erodindo uma parcela importante da base de apoio
do governo, quando mais se necessita de mobilizações. O equívoco de tentar
repetir uma velha receita em outras circunstâncias históricas abala a
confiança.
Os movimentos
sociais e centrais sindicais, corretamente se opõem às medidas do ajuste
fiscal, especialmente ás que retiram ou reduzem direitos previdenciários,
exigindo medidas que não recaiam sobre os trabalhadores. Isso coloca um difícil
dilema. Como estimular necessárias mobilizações contra medidas do governo,
quando este enfrenta um forte cerco?
A divulgação
de denúncias seletivas da “Operação Lava-Jato”, voltadas claramente contra o PT
e bases do governo, alimenta o cerco político, mantendo o governo na defensiva,
empurrado cada vez mais para as medidas impopulares do ajuste, num cenário de
desaceleração econômica, possibilidades de retomada gradativa da inflação e
desemprego. Um quadro recessivo despontando. Em resumo, as opções políticas do
início do segundo governo Dilma abrem flancos perigosos para potencializar,
ainda mais, o cerco da direita.
Neste cenário,
“sangrar o governo Dilma” parece ser a opção preferencial das forças de
direita. A proposta de Impeachment é brandida muito mais como um balão de
ensaio, visando reunir forças, enquanto a grande mídia vai intensificando a
fritura. Evidente que um processo como este, envolvendo vários agentes
políticos não é controlável e, se surgir um pretexto contundente não vacilarão
na lógica golpista.
Por mais que a
divulgação seletiva de denúncias da mídia dirija-se contra o governo e o PT, o
desgaste crescente das lideranças e partidos políticos se generaliza, atingindo
inclusive a oposição de direita, por mais que seja poupada dos holofotes
midiáticos.
A
desmoralização do Congresso Nacional, com inúmeros parlamentares implicados na
Operação Lava-Jato e a vitória de Eduardo Cunha na presidência da Câmara dos
Deputados deixa claro que nada se pode esperar deste Congresso.
Mobilizar-se
contra as iniciativas golpistas, a defesa da Petrobrás e, simultaneamente,
exigir um outro ajuste fiscal que não recaia sobre a classe trabalhadora,
outras medidas econômicas e a manutenção de direitos que são ameaçados pelo
próprio governo, passa a ser o desafio central das forças de esquerda e
movimentos populares. Uma conjugação desafiadora.
Num cenário
como este, o que significa apenas empunhar a bandeira defensiva do “não” e qual
a importância de uma saída política de interesse popular para enfrentar uma
crise que vai se desenhando?
Voltemos ao
debate com os que se contrapõem à Constituinte.
A
resistência dos “Pragmáticos” à proposta da Constituinte
São três os argumentos principais. O primeiro deles é que uma Constituinte do
Sistema Político nesta conjuntura certamente seria ganha pela direita. Afinal,
revelou tanta força nas últimas eleições parlamentares, vem incidindo cada vez
mais nas redes sociais, vem tentando construir mobilizações. Está claramente na
ofensiva política. Parece óbvio que também ganharia as eleições para uma
Constituinte, que se converteria num verdadeiro “tiro no pé”.
A primeira
questão que se coloca para responder um argumento que aparenta uma lógica
impecável é responder se estamos diante de um descenso da capacidade de luta de
massas ou se estamos diante de um ascenso cuja frustração não enxerga nem no
governo, nem nas forças populares uma alternativa?
Não é uma
duvida secundária e tampouco abstrata neste debate.
Se a conclusão
é o descenso, sem dúvida a proposta da Constituinte não seria um “tiro” apenas
no “pé”. Aliás, seria habilmente encampada pela direita. E, num cenário de
cerco político, com iniciativas de cunho golpista, nossa margem de atuação é
mínima, somente nos restando o recuo político crescente. Neste caso, a saída
inevitável seria ceder e ganhar tempo.
No entanto,
não é isso que se constata. O número de greves – importante indicativo nas
sociedades industriais da capacidade de lutas – após se igualar em 2013 com o
patamar histórico da década de 80, segue crescendo. E a capacidade de
mobilização popular, de compreender a luta social como uma forma concreta de
solução de seus problemas,segue ampliando.
Ascenso é a
compreensão subjetiva de que lutando coletivamente posso enfrentar meus
problemas. Isto vem ocorrendo crescentemente em todas as regiões do país. Mas,
disposição e capacidade de lutar não significa enxergar nas forças de esquerda
a solução para a frustração política.
Como vimos em
junho de 2013 estamos diante de uma disputa política e ideológica desta
disposição de luta. Se o inimigo aproveita-se da frustração para manipular
interesses populares e desmoralizar o governo e forças de esquerda, isso não
pode ser compreendido como descenso. Potencial de luta de massas não pode ser
confundido com a capacidade política das forças de esquerda de serem vistas
como alternativa.
Não estamos
mais no descenso que marcou a década de 90 e o começo do século XXI. Porém, sem
nos colocarmos como uma alternativa, capaz de enfrentar os problemas
estruturais historicamente enfrentados pelo nosso povo, este “ascenso” não se
traduzirá no reconhecimento e fortalecimento de um projeto popular.
Aprisionados
num sistema político, que impõe recuo e concessão como únicas alternativas para
enfrentar problemas econômicos, este “ascenso” não só não enxergará o governo e
mesmo o restante da esquerda enquanto uma alternativa, como será disputado pela
manipulação da classe dominante que potencializa e busca dirigir sua
frustração.
O segundo
argumento “pragmático” é que o “tiro no pé” da proposta da Constituinte
interessa na verdade à classe dominante. Será?
A resposta
virulenta da grande mídia, dos partidos de direita, da burguesia em suas várias
frações, quando a presidenta Dilma lançou publicamente a proposta de um
plebiscito oficial da Constituinte do sistema político mostra exatamente o
contrário.
Aliás, o
silêncio deliberado como trataram o Plebiscito Popular, a entrega dos
resultados e a fala da presidenta no curso de nossas eleições mais disputadas,
deixa cristalino que sequer aceitam tratar o tema.
A questão é
simples. Eles sabem que tem muito mais a perder do que a ganhar. Capitaneados
por Eduardo Cunha na Câmara dos Deputados aceleram ao máximo a famigerada “PEC
da Corrupção” para constitucionalizar a doação empresarial que somente não foi
derrubada pelo Supremo Tribunal Federal pela atitude escandalosa de retenção
dos autos pelo Ministro Gilmar Mendes. Querem acelerar uma contra reforma
política para calar o tema que sabem ter um enorme apelo popular. Constituinte,
nem pensar. Exclusiva jamais! Portanto, para enfrentar este argumento basta
verificar como as classes dominantes lidam com essa proposta.
Finalmente, o
terceiro argumento é o mais pragmático em sua essência. Para que empunhar uma
proposta que não será aprovada com a composição deste Congresso Nacional?
Alguns chegam até mesmo a expor uma lógica gradualista. É uma boa proposta, mas
estratégica, agora nos limitemos às reformas possíveis e a projetos mais
palatáveis.
O velho
caminho de enxergar o futuro como a continuidade linear do presente. A política
como “arte do possível” e não como a “arte do tornar possível o que se aparenta
impossível”. Sobre essa linha de argumentação existe um farto debate nos
clássicos do pensamento transformador do século XX.
Neste momento,
para construir a unidade com os que se baseiam nestas concepções, o melhor caminho
é devolver-lhes a questão. Por que não podemos combinar a luta por propostas de
reforma política que sejam mais “palatáveis” com a manutenção da proposta da
Constituinte Exclusiva do Sistema Político?
Evidente que
qualquer avanço, ainda que pontual, em nosso sistema político deve ser apoiado.
Claro que a aprovação de um Plebiscito oficial da Constituinte somente será
possível num processo de intensa mobilização social ou numa crise política (ou
na combinação das duas hipóteses).
Por que então
não conjugar as iniciativas progressistas de mudanças no sistema eleitoral com
a bandeira da Constituinte. Por que não aprofundar nossa unidade contra o
inimigo comum que é a PEC da Corrupção, a verdadeira contra reforma política?
Alguns
desanimam com a campanha pelo Plebiscito Oficial da Constituinte do Sistema
Político quando se deparam com a força do conservadorismo do Congresso
Nacional. É exatamente o contrário. Quanto mais o Congresso Nacional deixa
claro que sua opção será a contra reforma, mais o desgaste e a frustração serão
canalizadas para uma Constituinte, que sendo exclusiva, não será composta pelos
atuais parlamentares.
A
resistência dos “defensivos” à proposta da Constituinte
Outro pólo de
resistência à proposta da Constituinte do Sistema Político vem de setores que
se empenharam na última década na tentativa de construir uma “oposição de
esquerda” ao governo do PT.
Na realidade,
apenas algumas dessas correntes se contrapõem e outras participaram da
construção do plebiscito popular e seguem na campanha pelo plebiscito oficial.
Os contrários
à Constituinte costumam associar a proposta ao governo do PT e entendem que ela
somente favoreceria o governo Dilma. Ledo engano!
Sem adentrar
no mérito do debate se alguma alternativa “mais a esquerda” emergiria de uma
derrota profunda do governo petista, podemos afirmar com grande convicção que
nenhuma proposta de esquerda será capaz de promover mudanças estruturais
enquanto convivermos com o atual sistema político, herdado da ditadura.
Superar a
crise política que vai se desenhando, com uma alternativa que aprofunde a
democratização não é uma bandeira de interesse apenas do governo. Achar que a
Constituinte seria apenas uma “tábua de salvação” do governo, sem compreender
seu significado para a luta popular é uma miopia política grave.
A
resistência “economicista” à proposta da Constituinte
É obvio que a
palavra de ordem “Constituinte” não surgirá espontaneamente da luta de massas.
Nenhuma bandeira política surge desta forma. O que mobiliza são as contradições
concretas, imediatas, enfrentadas em cada coletivo humano. Em geral, lutas
econômicas e reivindicativas.
Os que
criticam a proposta da Constituinte por esta linha de argumentos geralmente
sustentam que “o povo” não quer lutar por isso. Nosso papel é sistematizar e
organizar as lutas que o povo percebe, se identifica e quer travar.
Sim. Este é um
papel dos lutadores populares. Mas, apenas isso? Não apontamos saídas políticas
quando elas se colocam? Nos nivelamos apenas às propostas que traduzem as
contradições econômicas e sociais?
Palavras de
ordem de natureza política somente tem capacidade mobilizadora em
circunstancias históricas muito especificas. Nosso grande exemplo é a luta
pelas “Diretas Já”.
Porém, nenhuma
proposta de saída política se constrói se os lutadores populares não se
empenharem neste processo. As “Diretas Já” não emergiram espontaneamente. Foram
pacientemente construídas por forças que perceberam sua capacidade de
convertê-la em “meta-síntese” da luta contra ditadura.
O papel dos
lutadores populares é desenvolver a habilidade e criatividade de vincular as
lutas imediatas, reivindicativas, com uma resposta no campo na política. Isso
nunca é fácil.
É o momento de
manter firme a proposta da Constituinte e apostar que a conjuntura a fortaleça!
Cumprimos o
caminho mais difícil que foi popularizar a proposta da Constituinte através do
Plebiscito Popular, recolocá-la na pauta dos movimentos e obter os apoios
parlamentares necessário para propor projetos de Decreto Legislativo na Câmara
e no Senado.
O ano de 2014
rendeu, envolvendo milhares de ativistas em todo o país nesta proposta.
Ação gera
reação. Agora enfrentamos argumentos “pragmáticos”, “defensivos” e
“economicistas” para abandonarmos esta bandeira.
É preciso
seguir “firme no leme”, propagandeando e agitando a proposta da Constituinte
Exclusiva do Sistema Política em todos os momentos. Não podemos abrir mão desta
bandeira, nem mesmo em nome da tão preciosa e necessária unidade das forças de
esquerda. Unidade não se constrói com capitulação política.
Enfrentar um
cerco político meramente na defensiva é derrota certeira. É preciso construir
uma saída política que enfrente o cerco onde ele é mais frágil – o
desmoralizado sistema político.
Crises são
sempre oportunidades de avançar. E uma crise política impõe uma resposta
política. Vamos defender a Petrobrás, lutar pelos direitos da classe
trabalhadora, enfrentar o golpismo, mas sempre com uma resposta política: a
Constituinte.
* Ricardo
Gebrim, militante da Consulta Popular integrante da Campanha da Constituinte
Exclusiva e Soberana do Sistema Político.
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