Dilma,
Vargas e o zepelim
Dilma
apanhou da direita durante todo o ano de 2014. Teve dificuldades para aprovar
qualquer coisa no Congresso, viu o ministro Gilmar Mendes acusar o
bolivarianismo e boa parte de sua base aliada migrar para a candidatura de
Aécio Neves (PSDB). Sofreu um massacre midiático escandaloso durante a campanha
eleitoral. E, mais que tudo, viu parte da elite econômica que tanto ganhou nos
governos petistas segurar investimentos e fazer a bolsa oscilar a cada pesquisa
de intenção de voto.
Ganhou
as eleições, num clima de mobilização social e com um discurso mais à esquerda.
Os comícios do segundo turno mobilizaram uma base social e militante em defesa
de mudanças e contra o retrocesso. Dilma, em vez de apoiar-se nesta base para
propor mudanças progressivas, decidiu fazer a vontade dos derrotados e encarnar
o retrocesso.
Acreditou
que apaziguaria a direita dando-lhe boa parte dos ministérios e entregando a
gestão da economia ao Bradesco. Caiu no conto da Geni. A posição da maior parte
da mídia contra seu governo permanece intacta, e o Congresso Nacional irá
extorqui-la a cada votação até o limite. Sem contar a ameaça real de eleger o
deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) presidente da Câmara na próxima semana, o que
tornará sua "governabilidade" ainda mais conservadora.
Deveria
ter aprendido com o trágico fim de Getúlio Vargas. Vargas retornou à
presidência em 1951 após eleições com grande mobilização popular no ano
anterior. Mas diante de um parlamento hostil –como Dilma– optou por
desmobilizar as forças que o elegeram e compor um ministério ao agrado das
elites mais atrasadas.
A
pretensão de apaziguamento fracassou. Carlos Lacerda tramava um golpe por dia,
usando a imprensa a seu favor. O parlamento e seu próprio ministério
inviabilizaram o programa de governo.
E
quando decidiu, em 1953, romper o cerco com medidas populares –criação da
Petrobras e Eletrobras, limitação da remessa de lucros e aumento de 100% no
salário mínimo–, já não podia mais contar com sua base de apoio, desmobilizada
por ele próprio. Atacado por todos os lados, restou-lhe o suicídio em 24 de
agosto de 1954.
O
que esteve em questão, tanto em 1950 quanto em 2014, foi a atuação de uma elite
que não tolera concessões e quer sempre mais. Não aceita regulamentar seus
privilégios, mesmo que os mantenha. Não aceita mobilidade social, mesmo
permanecendo no topo. Não aceita que alguém governe por ela, mesmo que em nome
de seus interesses. A denúncia lacerdista do "mar de lama" é sua
política, ontem e hoje. O monopólio da mídia e a chantagem parlamentar são seus
instrumentos.
Pontuemos
bem os fatos. Dilma não deu uma guinada da esquerda para a direita. Os governos
petistas, de Lula a Dilma, nunca foram propriamente de esquerda. "Menas",
disse ela na campanha quando confrontada com palavras de ordem socialistas de
seus apoiadores. Em momento algum dos últimos 12 anos foram pautadas as
reformas necessárias para combater as desigualdades estruturais da sociedade
brasileira.
Mas
mesmo uma tímida política social e algumas pitadas de desenvolvimentismo na
economia são inaceitáveis para esta elite financeira e seus aliados. Querem
mais. Querem neoliberalismo puro sangue, aumento da taxa Selic todo mês e
superavits estratosféricos para pagar os credores da dívida, diga-se de
passagem, eles próprios.
Querem
um plano para privatizar a Caixa Econômica Federal e reduzir direitos
trabalhistas. Querem também um ajuste fiscal rigoroso que corte investimentos
sociais.
Em
três meses pós-eleições, Dilma fez ou anunciou tudo isso. Se pretendeu com isso
buscar um ponto de Arquimedes e ganhar segurança para alavancar futuros avanços
políticos, faltou-lhe a memória da tragédia de Vargas. A elite brasileira vai
querer sempre mais. Sempre haverá um novo direito a atacar, um novo corte a
fazer e 0,5% de juros a aumentar. Sempre haverá um Eduardo Cunha e ameaças de
CPIs como chantagem.
O
cerco permanecerá firme e forte, insaciável. Na história política brasileira,
um passo atrás não costuma ser seguido de dois à frente, mas sim de novos
recuos. Que o diga Geni com suas pedradas.
Guilherme Boulos, 32, é formado
em filosofia pela USP, professor de psicanálise e membro da coordenação
nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto). Também atua na Frente
de Resistência Urbana e é autor do livro "Por que Ocupamos: uma Introdução
à Luta dos Sem-Teto".
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