30/06/15 - “Mundo produtivo destrói corpo produtivo”: Ricardo Antunes,
em debate no Unificados
O sociólogo Ricardo Antunes afirmou que “O mundo
produtivo, no capitalismo, destrói o corpo produtivo”, ao fazer a relação entre
a exploração por cada vez mais produção e menos direitos nas empresas, com o
crescente número de trabalhadores acidentados, lesionados e mortos no exercício
de suas atividades. E ele garante que, se aprovado o projeto de liberação total
da terceirização, a situação irá se agravar em muito. Estas declarações foram
feitas em debate entre o professor Antunes, da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) com trabalhadores, dirigentes sindicais e interessados no
assunto, na manhã de hoje (30), na Regional Campinas do Sindicato Químicos
Unificados.
O interior das empresas, o chamado
“chão de fábrica”, segundo o professor Antunes, é dominado totalmente pelo
autoritarismo. “Ao trabalhador, só resta obedecer e adoecer”, afirmou Antunes,
exemplificando um dos principais pontos causadores de doenças entre a classe
trabalhadora.
Destruição de direito, um projeto
mundial
Antunes afirmou que a crise
capitalista desde 2008 foi intensificada, pois ela atingiu, ao mesmo tempo,
todos os países do Hemisfério Norte (Estados Unidos, Europa…) e também o Japão.
Com ela, alastrou-se a tendência mundial para transformar os trabalhadores
(todo o proletariado) em informais, sem quaisquer direitos ou garantias
contratuais.
Desde então, busca-se a destruição de
direitos do trabalho em escala mundial. E que o projeto de terceirização no
Brasil encaixa-se neste contexto.
Mais exploração… mais doenças…
suicídios
Para o professor Antunes, ainda em escala
mundial, foram ampliados os mecanismos de exploração da mais-valia (termo usado
para designar a disparidade entre o salário pago e o valor do trabalho
produzido/necessário). Sob esta lógica, “há a destruição da saúde do
trabalhador, envenenamentos, transtornos psíquicos, envelhecimento precoce e
até suicídios.
O sistema de metas inatingíveis,
implantado em várias empresas, afeta a dignidade humana por provocar a
concorrência entre os próprios trabalhadores, com um cobrando do outro maior
produção, inclusive com humilhações, e, ironicamente, em benefício do
capitalista que alimenta e se aproveita desta concorrência entre companheiros e
companheiras de classe, disse Antunes.
Fragilização
Em quadro de superexploração no
trabalho e de crise, segundo Antunes, os primeiros afetados pela demissão e
pelo desemprego são os mais jovens, os que já apresentam fragilização por
doenças (inclusive adquiridas nas próprias empresas) e os mais idosos. Antunes
conta que esteve ainda neste mês na Espanha, onde o desemprego entre os jovens
é de aproximadamente 55%.
Terceirização, “retorno à escravidão”
O professor Antunes é duro crítico em
relação ao projeto que libera a terceirização. Ele garante que trata-se de
“regressão à escravidão no trabalho, versão século XXI.”
Sandra (da Regional Osasco), Glória e
André (ambos da Regional Campinas), dirigentes do Unificados na abertura dos
trabalhos
A terceirização, defende Antunes, burla a
legislação mínima que os trabalhadores têm em sua defesa e, para além, quebra a
organização de defesa destes direitos com a pulverização dos sindicatos e a
impossibilidade de organizar a categoria e as lutas em razão do grande número
de terceiras diversas atuando no interior das fábricas, tudo isso somado à
altíssima rotatividade que ela irá provocar.
Abaixo, artigo de Ricardo Antunes sobre a
terceirização, publicado no jornal Folha de São Paulo em 05 de junho.
A servidão involuntária
Ricardo Antunes
Desde os primórdios da humanidade a
luta pela dignidade do trabalho tem sido prometeica. No Brasil, se o trabalho
indígena foi um exercício comunal, a saga europeia do colonizador nos impôs o
trabalho compulsório, inicialmente dos aborígenes e depois dos africanos.
Com a abolição da escravatura, o
imigrante branco foi escolhido para o mundo industrial, excluindo-se os negros
que povoavam a produção rural. E o trabalho negro, especialmente o das
mulheres, foi empurrado para o emprego doméstico, perpetuando a herança servil
da nova casa-grande urbana.
Foi a partir de 1930 que a
modernização capitalista do país obrigou, depois de décadas de lutas operárias,
a se pensar em uma legislação social protetora do trabalho.
De modo conflituoso e contraditório,
nasceu a CLT, que tinha a aparência da dádiva, mas resultava de uma real
impulsão operária. Converteu-se na verdadeira constituição do trabalho no
Brasil, ainda que seus direitos excluíssem os assalariados do campo.
Hoje estamos à frente de um novo
vilipêndio em relação aos direitos do trabalho, cujo significado e consequência
têm requintes comparáveis à escravidão, ainda que em sua variante moderna.
Descontentes com os direitos conquistados pela classe trabalhadora, neste
contexto de crise, os capitais exigem a terceirização total, conforme consta do
projeto de lei nº 4.330/04, agora rebatizado no Senado como projeto de lei da
Câmara nº 30/2015.
Em nome da falaciosa “melhoria da
qualidade do produto ou da prestação de serviço”, o projeto elimina de uma só
vez, a limitada disjuntiva existente entre atividades-meio e atividade-fim.
Uma empresa poderá recorrer a outra,
para contratar trabalhadores, eliminando a relação direta entre empregador e
assalariado. Como na escravidão. Neste passe de mágica, todas as modalidades de
trabalho poderão ser terceirizadas. Até os pilotos de aeronaves.
Com um Congresso lépido e faceiro nas
práticas negociais, impulsionado pela lógica volátil do capital financeiro, uma
nova servidão involuntária está sendo urdida.
Dinheiro gerando mais dinheiro, na
ponta fictícia do sistema financeirizado global e respaldado em uma miríade de
formas pretéritas de trabalho (precarizado, flexibilizado, terceirizado,
informalizado, “cooperado”, escravo e semiescravo) na base da produção.
As falácias presentes no projeto de
lei são todas conhecidas: em vez de criar empregos, ela desemprega, uma vez que
os terceirizados trabalham mais tempo e ainda percebendo menores salários.
Em vez de “qualificar” e
“especializar”, temos o contrário, pois são nas atividades terceirizadas que se
ampliam ainda mais os acidentes, as mutilações, os adoecimentos, os assédios,
as mortes e os suicídios. Basta lembrar a indústria petrolífera e de energia
elétrica.
Assim, o projeto de lei da Câmara não
quer regulamentar os terceirizados, mas de fato desregulamentar o trabalho em
geral. Se o quisesse, era só alterar seu o artigo 2º, eliminando a
possibilidade de terceirização em “qualquer de suas atividades” e mantendo a
regulamentação dos terceirizados que atuam nas atividades-meio. Simples assim,
mas isso desmascara o real objetivo do famigerado projeto de lei.
O que motiva os seus defensores é de
fato a redução salarial, de custos e de direitos da totalidade da classe
trabalhadora, pejotizando ainda mais as relações de trabalho.
Já está mais do que hora de dizer –em alto e bom som– que a terceirização avilta o trabalho em todas as suas formas e deve, por essa razão, ser combatida por todos.
Já está mais do que hora de dizer –em alto e bom som– que a terceirização avilta o trabalho em todas as suas formas e deve, por essa razão, ser combatida por todos.
É preciso acrescentar, porém, que o
que está na pauta hoje é o risco iminente da terceirização total, inclusive das
atividades-fim, que deve ser obstada para que não se gere ainda mais trabalho
aviltado.
RICARDO ANTUNES, 62, é professor titular de sociologia da
Unicamp. É autor de “Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil III” (Boitempo) e
de “The Meanings of Work” (os sentidos do trabalho), publicado na Índia pela
editora Aakar Books.
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