O ataque da Europa à democracia grega, por Joseph
Stiglitz
Devemos ser claros: quase nenhum do enorme manancial de dinheiro emprestado
à Grécia foi verdadeiramente para lá. Foi canalizado para pagar aos credores do
setor privado – incluindo bancos alemães e franceses. O que a Grécia obteve foi
uma ninharia, mas pagou um elevado preço para preservar os sistemas bancários
desses países. Artigo de Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da Economia.
29 de Junho, 2015 - 16:43h
Prémio Nobel da Economia Joseph Stigliz na Universidade de Columbia. Foto
de Abhisit_Vejjajiva/Flickr
O crescimento
exponencial de disputa e conflitualidade no seio da Europa pode parecer a quem
está de fora como sendo o resultado inevitável do amargo fim do jogo entre a
Grécia e os seus credores. Na verdade, os líderes europeus estão finalmente a
revelar a verdadeira natureza da disputa da dívida em curso, e a resposta não é
agradável: é sobre poder e democracia muito mais do que dinheiro e economia.
Claro, a política
económica por detrás do programa que a troika (Comissão Europeia, Banco Central
Europeu e Fundo Monetário Internacional) tem impingido à Grécia há cinco anos
tem sido abismal, resultando num declínio de 25% do PIB do país. Não consigo
pensar em nenhuma depressão que alguma vez tenha sido tão deliberada e que
tenha tido tais consequências catastróficas: a taxa de desemprego entre os
jovens da Grécia, por exemplo, já ultrapassa os 60%.
É surpreendente
que a troika se tenha recusado a aceitar a responsabilidade por alguma coisa
destas ou admitir o quão maus tenham sido as suas previsões e modelos. Mas, o
que é ainda mais surpreendente é que os líderes europeus não tenham sequer
aprendido. A troika ainda exige que a Grécia alcance um excedente orçamental
primário (excluindo o pagamento de juros) de 3,5% do PIB em 2018.
Economistas de
todo o mundo condenaram essa meta como punitiva, porque exigi-la resultará
inevitavelmente numa recessão mais profunda. Na verdade, mesmo que a dívida da
Grécia seja reestruturada para além de qualquer coisa imaginável, o país
permanecerá em depressão se os eleitores se comprometerem com a meta da troika
no referendo, a ser realizado sob pressão este fim de semana.
No que respeita a
transformar um grande défice primário num excedente, poucos países fizeram algo
parecido com o que os gregos alcançaram nos últimos cinco anos. E, embora o
custo em termos de sofrimento humano tenha sido extremamente elevado, as propostas
recentes do governo grego fizeram um longo caminho para serem atendidas as
exigências dos seus credores.
Devemos ser
claros: quase nenhum do enorme manancial de dinheiro emprestado à Grécia foi
verdadeiramente para lá. Foi canalizado para pagar aos credores do setor
privado – incluindo bancos alemães e franceses. O que a Grécia obteve foi uma
ninharia, mas pagou um elevado preço para preservar os sistemas bancários
desses países. O FMI e os outros credores “oficiais” não precisam do dinheiro
que está a ser exigido. Num cenário business-as-usual, o dinheiro recebido,
provavelmente, serviria para ser novamente emprestado à Grécia.
Mas, novamente, o
que interessa não é o dinheiro. É sobre usar "prazos" para forçar a
Grécia a ceder e aceitar o inaceitável - não apenas medidas de austeridade, mas
outras políticas regressivas e punitivas.
Mas por que é que
a Europa está a fazer isto? Por que é que os líderes da União Europeia estão a
resistir ao referendo e a recusar-se a estender, por alguns dias, o prazo de 30
de junho para o próximo pagamento da Grécia ao FMI? Não foi a Europa toda
formada em cima da ideia da democracia?
Em janeiro, os
cidadãos da Grécia votaram por um governo comprometido em acabar com a
austeridade. Se o governo estivesse simplesmente a cumprir as suas promessas
eleitorais, já teria rejeitado a proposta. Mas queria dar aos gregos uma
hipótese para refletirem sobre esta questão, tão determinante para o bem-estar
futuro do seu país.
Esta preocupação
com a legitimidade popular é incompatível com a política da zona euro, que
nunca foi um projeto muito democrático. A maioria dos seus governos não
procurou aprovação do seu povo quando entregou a soberania monetária ao BCE.
Quando a Suécia o fez, os suecos disseram não. Entenderam que o desemprego
subiria se a política monetária do país fosse estabelecia por um banco central
que incidisse única e exclusivamente sobre a inflação (e também que houvesse
uma atenção insuficiente para com a estabilidade financeira). A economia
sofreria, porque o modelo subjacente à zona euro se baseou em relações de poder
desfavoráveis aos trabalhadores.
E, com certeza, o
que estamos a ver agora, 16 anos após a zona euro ter institucionalizado essas
relações, é a antítese da democracia: muitos líderes europeus querem ver o fim
do governo de esquerda do primeiro-ministro Alexis Tsipras. Afinal de contas, é
extremamente inconveniente ter na Grécia um governo que é tão contrário aos
tipos de política que tanto fizeram para aumentar a desigualdade em muitos
países avançados, e que é tão empenhado em reduzir o poder desenfreado da
riqueza. Parecem acreditar que podem, eventualmente, derrubar o governo grego
forçando-o a aceitar um acordo que viola o seu mandato.
É difícil
aconselhar os gregos a como votar a 5 de julho. Nenhuma alternativa – aceitação
ou rejeição dos termos da troika – vai ser fácil, e ambos carregam enormes
riscos. Um voto sim significa depressão quase sem fim. Talvez um país
empobrecido – que já vendeu todos os seus ativos e cujo povo jovem brilhante
emigrou – poderá finalmente conseguir um perdão da dívida; talvez, depois de se
ter transformado numa economia de rendimento médio, a Grécia poderá finalmente
receber apoio do Banco Mundial. Tudo isto pode acontecer na próxima década, ou
talvez na década seguinte.
Por contraste, um
voto não abre, pelo menos, a possibilidade de a Grécia, com a sua forte
tradição democrática, pegar no destino pelas suas próprias mãos. Os gregos
poderão ganhar a oportunidade de moldar um futuro que, embora não tão próspero
quanto o passado, é muito mais esperançoso que a inconcebível tortura do
presente.
Eu sei como
votaria.
Tradução
de Fabian Figueiredo para esquerda.net.
Artigo
publicado em Project Syndicate.
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