(**) Luiz Salvador
PRESENTEISMO NO SERVIÇO PÚBLICO: CAUSAS, FORMAS E CONSEQÜÊNCIAS.
O
tema que nos propomos a debater - a questão do presenteísmo no Serviço Público
constitui uma reflexão complexa. Isso nos impõe traçar algumas proposições que
mostrem, - mesmo que de forma breve - a dimensão inter-relacional que envolve o
presenteísmo e as condições de trabalho. Comecemos por conceituar o seu manifesto
oposto, ou seja, o absenteísmo. Para a Organização Internacional do Trabalho –
OIT o absenteísmo consiste na “falta ao trabalho por parte do empregado”, que
pode ocorrer tanto por licença médica devido a doenças e acidentes como por
direitos legais ou licenças não programadas e até mesmo férias. Neste caso, o
absenteísmo caracteriza um “período de baixa laboral". E a doença, quando diagnosticada,
pode revelar uma incapacidade temporária para a execução do trabalho atribuído,
o que pode significar um tempo de trabalho perdido, incluindo as ausências
justificadas ou injustificadas. Aqui, falamos de temporalidade, pois o absenteísmo
não é apenas um indicador de adoecimento e sofrimento. É tempo improdutivo,
pois afeta diretamente a rotina da produção O afastamento por adoecer ou desmotivação,
quem sabe, surja como solução ao insuportável: longas jornadas, exposição aos
novos riscos, relações hierárquicas autoritárias, transbordadas por desrespeito
e não reconhecimento.
As inovações tecnológicas e os impactos decorrentes
das mudanças na organização do trabalho são percebidas como condições que, ao
alterar frequentemente a dinâmica laboral, podem afetar a saúde do trabalhador
na medida em que ultrapassam a capacidade de adaptar-se a essa nova realidade. Neste sentido, não são tão distintas as causas
do presenteísmo vs absenteísmo, mesmo quando enxergamos somente seu avesso, ou
seja, o trabalhador falta por doença. No
presenteísmo, o trabalhador comparece e
permanece além de sua jornada, apesar de adoecido.
Por que se trabalha
enfermo? Trabalha-se adoecido para não perder o emprego, por medo de entrar no
corte, de ser o próximo da lista, de ser rejeitado e descartado, de fazer parte
do bale da cadeira, de ser discriminado. E por esses motivos, vive angustiado e
converte-se em um presente que está ausente. É aqui que, curiosamente,
presenteísmo e absenteísmo apresentam aspectos comuns, ou melhor, são duas
faces da mesma moeda. Explico-me: ao afastar-se verificamos que essa ausência nem
sempre é pura e simples responsabilidade do trabalhador, mas sim das condições
de trabalho, da forma de administrar e organizar o trabalho, de distribuir as
tarefas, da falta de uma politica séria de prevenção dos riscos, quer sejam os
antigos ou emergentes. Também corresponde a uma historia vivida e aprendida ao
longo dos anos, relativo a politica hard para diminuir o absenteísmo. Todos nós
conhecemos as causam que podem levar ao absenteísmo: desde doenças do trabalho
ou comuns até praticas desmotivadoras ou mesmo pelas más condições de trabalho.
Esta dimensão nos coloca a necessidade de refletirmos e compreendermos, que trabalho,
doenças, relações laborais e emoções se interpenetram dinamicamente,
instaurando uma nova forma de viver, que muitas vezes, mostra-se catastrófica,
na medida em que hoje, temos mais doenças psicossomáticas, fibromialgias, depressão
e estresse, que há cinco anos, consequência das pressões constantes no ambiente
de trabalho.
Varias pesquisas internacionais
revelam que as perdas de produtividade por depressão e dores sofridas pelos
trabalhadores que não faltam ao trabalho já superam as perdas de produtividade
derivadas do absenteísmo.
No mesmo período, outra pesquisa foi
realizada em doze países mostra que 38% dos trabalhadores entrevistados tinham medo
de tirar férias. E por quê? 48% diziam ter medo que decisões importantes pudessem
ser tomadas durante seu período de descanso; 32% dos trabalhadores
investigados, diziam que tinham medo de ser mudado de cargo, ficar sem função
ou sem emprego, devido às reestruturações e fusões e 19% referiam o enxugamento na empresa (19%) como fator de
risco de ficar sem emprego enquanto 3% evitava tirar férias por medo que seus
colegas não se lembrassem deles.
Pensemos
um aspecto banal de alguns anos atrás: o trabalhador do setor administrativo
podia dedicar-se a outros afazeres durante sua jornada de trabalho, sem
precisar ocultar. Por exemplo, dá uma escapada para verificar seus e-mails;
pesquisar algum tema na internet – que guardasse relação com o seu trabalho, mesmo
que desnecessária naquele momento a concretização de sua tarefa. Telefonar para
amigo ou família, e até mesmo ler um jornal. Não é disso que estamos falando!
Estamos
falando do trabalhador que prolonga a jornada, que permanece na empresa para
além do estipulado, às vezes até as duas horas da manha, apesar do atestado no
bolso. Trabalhadores que estão tomados pelo medo de uma transferência, de
perder o seu posto, de ter esvaziado suas funções, de ser fritado ou colocado
na geladeira! Hoje, todos os trabalhadores têm seus e-mails controlados, têm
chips em seus celulares, capazes de dizer se estão parados ou em movimento ou
mesmo localizar a sua posição dentro ou fora da empresa. Nestes tempos de crise
e de incertezas, a presença de pessoas adoecidas trabalhando, é alarmante. No
presenteísmo, os trabalhadores comparecem e estão firmes durante toda a jornada
ou mais, constituindo o que se conhece como Síndrome da cadeira ocupada ou do
assento quente.
Atrás
do presenteísmo, há uma organização que pune quando tem mais de três faltas,
quando vai muito a medico, quando retorna da previdência. Por trás do controle,
há uma organização que exige; que pressiona por metas, que impõe múltiplas
tarefas, que captura as emoções e subjetividades; que não reconhece o saber
fazer dos trabalhadores. Igualmente há um homem ou uma mulher que trabalha por
múltiplos outros, dá conta de varias tarefas que não é sua, que dedica seu
tempo a empresa enquanto reduz sua presença em família, por medo de perder o
emprego. Uma trabalhadora me disse entre lagrimas que seu chefe conseguia
deixar o ambiente de trabalho pesado, pois não se podia falar, sorrir,
argumentar, sugerir ou até mesmo ir a toalete. Essa presença adoecida revela-nos
a importância da dimensão psicossocial e, em especial, ao pensarmos no “que
fazer”, nas medidas preventivas e as
estratégias que o coíbam.
Na
primeira quinzena de maio deste ano, a Espanha apresentou este mês, o resultado
de uma ampla pesquisa realizada em de Sevilha e Andaluzia, pela Confederación Sindical de Comisiones Obreras (CCOO
2013)[1].
O universo pesquisado corresponde a 2.500 trabalhadores/as, visando
estabelecer o mapa de saúde dos trabalhadores de media e pequenas empresas.
Resultado: do universo pesquisados, 76,6% admitiu que a reforma trabalhista e o impacto da
crise, tem afetado a saúde dos trabalhadores, e que os danos estão relacionados
com as condições de trabalho. Reconhecem que a situação pode agravar-se, como
resultado da política de bloqueio permanente dos empregadores a negociação com
os trabalhadores. A média de
idade foi de 44 anos, mais de 75% eram homens e menos de 25% de mulheres. Quanto aos entrevistados, 44% afirmaram
ter medo de perder seus empregos, enquanto 43,6% relataram que seus salários
foram reduzidos em nome da crise. A pesquisa deixa evidente que é o
temor à demissão ante um cenário de reestruturações, reformas e demissões, a
causa fundamental do presenteísmo.
Anteriormente,
entre 2008 e 2009, pesquisa realizada pela empresa holandesa de Recursos
Humanos Randstad, com mais de 1.000 trabalhadores, revelou que 45% dos
trabalhadores praticavam o presenteísmo, por medo do descarte. Essa empresa de recursos humanos, mostra que enquanto
o absenteísmo reduziu acentuadamente, o presenteísmo vem crescendo em toda a
Comunidade europeia. Ás causas, segundo a pesquisa, estão relacionadas à nova
conjuntura econômica e financeira aliada ao crescente número de insolvências e
às elevadas taxas do desemprego que afetaram mais intensamente a Grécia, 27% (mais que o dobro da media
europeia); Espanha com 23,6%; Portugal,
17,7%; Itália, 9,3%; e Chipre, 9,7%. Outros países têm sido afetados, a exemplo
da Áustria, Holanda, Luxemburgo e Alemanha, sendo a juventude a mais
prejudicada. Como o absenteísmo pode
subsistir?
Em
nosso país, nestes últimos dez anos, não tem sido diferente e assim, passamos
do absenteísmo ao presenteísmo. Não porque as condições de trabalho melhoraram ou
porque a empresa privilegia a prática da qualidade de vida de seus
trabalhadores com enfoque na organização do trabalho. Ao contrário, o
privilegio passou a ser a busca desenfreada pela produtividade, centrada na competitividade ante um mercado global e consumista.
Enquanto isso, os programas qualidade de vida (QVT), continuam enfocando o
fumo, consumo de álcool, sedentarismo e obesidade. Nenhuma palavra ou ação para
modificar a organização do trabalho
Outro
aspecto que as pesquisas na Europa nos apresentam, referem-se as reformas laborais
que, além de diminuir o emprego, tornou-o mais precarizado, na medida em que as
terceirizações se multiplicaram, os trabalhadores foram remanejados ou
demitidos, deixando os que ficaram, sobrecarregados, com menores salários e constantemente
pressionados para “dar conta” daquilo que caberia a dois ou mais trabalhadores.
De
uma forma geral, estamos vivendo uma sociedade de trabalhadores “faz tudo”,
“cadeira quente”, Bombril (mil e uma utilidades). No Reino Unido, os
trabalhadores ultraflexíveis, que não tem qualquer vinculo com a
empresa ou contrato firmado, sem salario e sem garantias, surgem com força. Essa situação favorece a degradação
das condições de saúde do conjunto dos trabalhadores, sendo responsável pelo
surgimento coletivo de ansiedade, de angustias, de insegurança, de depressão e
desanimo e ate mesmo, aumento dos suicídios. Não é surpresa que a perda de
produtividade e criatividade, seja a consequência natural. Recordemos que o
“banco de horas” na década de noventa, instituiu a jornada flexível porem mortificadora
à saúde, com promessa de recompensas e equilíbrio do tempo trabalhado!
Outro
aspecto que não devemos esquecer: em tempos de crises, desemprego e reformas,
pode ocorrer que somente um membro da família trabalhe ou que haja alguém
adoecido nesta família, o que demanda maiores cuidados e consequentemente,
maiores gastos. Esta situação contribui para o presenteísmo secundário, por
pavor de perder o mais importante: seu emprego. Aqui, mais uma vez, a
instabilidade leva ao medo que os fazem trabalhar mais, na tentativa de garantir
sua permanência.
Assim,
perguntamos: como podemos ter saúde em um entorno que nada garante, exceto
insegurança e desconfiança; que impõe o medo, que administra por ameaças, que
exerce cotidianamente o autoritarismo e abuso de poder? O sofrimento é sempre e
antes de tudo, um sofrimento do corpo, engajado no mundo e nas relações com os
outros (Dejours). Para quem não assistiu, vale a pena vê filme “O CORTE” de
Costa Grava.
Se
o absenteísmo vem diminuindo, chegando a casos de 90% de redução, não é motivo
para comemorarmos, na medida em que o presenteísmo vem se impondo. O quadro é
mais assustador, quando pensamos que o trabalhador evita afastar-se do posto de
trabalho por um medo oceânico de vir a perdê-lo. Deste modo, o presenteísmo
aumenta na medida em que cresce a degradação das relações laborais, as reestruturações
e flexibilização. Em que desapareceu a solidariedade, a generosidade, os laços
de camaradagem. Por outro lado, na medida em que a gestão por injuria, toma
conta do cenário, começam a perpassar as duplas mensagens, o disse-que-disse,
as discriminações e tantas outras situações, que podem destruir os
trabalhadores, como por exemplo, o caso de uma empresa em nosso país que
administrava aos gritos e sua politica de estímulo à produção era
"agressiva e humilhante", na medida em que o gerente dividia os trabalhadores
em três grupos: o dos "bambambam", que produziam mais; o dos
"meiabocas" e o das "tartarugas". Esta prática de exigir
metas utópicas, causa danos à integridade emocional e saúde dos trabalhadores
além de disseminar o terror e constituir uma pratica ofensiva a todos os
trabalhadores. São formas desumanas e aética de administrar e de excluir o
diferente, de tirar-lhes qualquer sonho de ascensão, pois não ultrapassou o
estabelecido. Esses eventos rompem com a normalidade do espaço, o silencio dos
órgãos e a temporalidade ética da vida-que-se-vive no trabalho. Ressalto que
ser ético, pressupõe aquele que sabe o que faz, que conhece as causas e os fins
de sua ação, o significado de suas intenções e de suas atitudes no trabalho. Devemos nos perguntar: qual a atitude ética
que existe em certos gestores?
Passemos
a dimensão conceitual do que é saúde mental. Segundo a Organização Mundial de
Saúde (OMS) e Organização Internacional do Trabalho (OIT), a saúde mental é o
estado de bem-estar no qual o trabalhador:
- Realiza as suas capacidades;
- Pode fazer face
ao estresse normal da sua vida;
- Pode trabalhar
de forma produtiva e frutífera; e
- Pode contribuir
para a comunidade em que se insere
Sentir
bem-estar é estar e ter harmonia no meio ambiente de trabalho; é ter autonomia
e ser reconhecido, pois o bem-estar revela um estado dinâmico da mente com as
necessidades e expectativas do trabalhador e seu meio ambiente. Todos nós
estamos expostos a tensões e conflitos, o que vai demandar em sentidos e
significados que contemplam tanto
o corpo biológico como o histórico-social; o existencial; as relações de poder
e hierarquias, a dimensão ético-afetivo. Portanto, ter
saúde é uma maneira de abordar a existência com uma sensação não apenas de
possuidor ou portador, mas também, se necessário, de criador de valor, de
instaurador de normas vitais (Canguilhem, 1995). Quando se trabalha em um ambiente
transversado por paixões tristes, em que prevalece o controle e
disciplinarização do corpo, falta de reconhecimento e desvalorizações, autoritarismo
e abuso de poder, esse ambiente gera doenças e desordens do estado de ânimo e
medo do devir. Certamente, causa sofrimento que na maior parte das vezes, é
invisível. Aqui, estamos diante de uma anomia, na medida em que as paixões
tristes ou alegres são indicadores, em boa parte, da vida-viva-e-vivida pelos
trabalhadores em seu local de trabalho. Anuncia falta de autonomia e
criatividade, esgarçamento dos laços de camaradagem o que os levam a sentir-se vazio e inútil. Neste sentido, os afetos
constituem variáveis importantes para definirmos um estado de bem-estar. Cabe
perguntarmos: é possível que as novas mudanças do mundo do trabalho interfiram
no presenteismo e consequentemente, na saúde mental dos trabalhadores?
Lembramos
que o trabalho não produz somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao
trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato,
mercadorias em geral (Marx, 2004). Expondo de outro jeito: hoje, quanto mais o
trabalhador produz, menos tem para consumir. Quanto mais cria valores, mas sem
valor e indigno ele se torna; quanto mais aperfeiçoado o seu produto, mais
deformado ele fica; quanto mais civilizado o seu objeto, mais bárbaro o
trabalhador; quanto mais poderoso o trabalho, mais impotente o trabalhador se
torna; quanto mais rico de espirito o trabalho, mais pobre de espirito e servo
da natureza se torna o trabalhador (Marx, 2004).
Do
mesmo modo, o componente técnico organizacional coligado à precarização e intensificação
do trabalho condiciona ao aparecimento de vários distúrbios relacionados ao
trabalho, a exemplo das alterações musculoesqueléticas e dos transtornos
psicológicos. Aqui, poderíamos afirmar que as reestruturações não somente geram
desemprego e ideação suicida, mas é responsável por diversos transtornos que
podem levar a morte de si, por suicídio.
Se
por um lado, a crise global tem justificado as demissões massivas por outro
lado, tem sido pretexto para o aumento das terceirizações, como forma de
diminuir gastos e aumentar a produtividade e lucratividade. Perante este
panorama de mudanças e crises, a mundialização
da economia, a dimensão global dos negócios e os avanços tecnológicos levaram,
de forma direta, a profundas transformações na organização do trabalho e relações
laborais. Isto significa que os processos de trabalho mudaram, a produtividade
tornou-se onipresente e onipotente, refletindo o retrato contemporâneo das
organizações. O processo de terceirizações e quarteirizações ampliou a fratura
nos direitos dos trabalhadores o que significa a “transferência
de atividades empresariais consideradas secundárias para outra empresa, que
intermedeia a prestação de serviços em prol do tomador, a fim de permitir que
os destinatários finais do labor prestado atenham-se à sua atividade principal”
(Dutra, 2013). Estes trabalhadores
externos a empresa, sugerem uma franja de insegurança no trabalho, revelando uma
fotografia precarizante dos novos servos.
Sabemos que em uma ‘sociedade industrial, o papel
integrador do trabalho se destaca entre os demais elementos fundantes de
identidades coletivas, como, por exemplo, as formas de integração e
reconhecimento estabelecidas em diferentes vizinhanças e que transcorrem os posto
de trabalho, os diferentes setores e ramos da economia, as afinidades eletivas,
a raça e etnia, dentre outras. Por outro lado, no “contexto de uma sociedade
salarial é por meio do lugar ocupado no mercado de trabalho que o indivíduo se
inscreve e amplia redes de sociabilidade[2]
alcançando patamares razoáveis de integração social” (Dutra, 2013). Aqui, cabe perguntamos:
com a heterogeneização, fragmentação, complexificação do processo de trabalho e
da classe trabalhadora, quais as consequências que esse novo tecido traz a vida
e saúde dos trabalhadores? Desistir do emprego ou trabalhar adoecidos?
Qual o sentido da vida, onde não há solidariedade e tempo
para tecer amizades, ajudar o outro em dificuldades, criar e ter autonomia, ser
reconhecido e respeitado naquilo que faz, enfim, construir uma identidade
coletiva? Quem sofre, necessita de apoio, ombro amigo, compreensão e ajuda. Do
ponto de vista histórico, o avanço das politicas neoliberais, que demanda o
recuo da intervenção estatal nas empresas, teve (e tem) contribuído para o abuso
de poder, desmandos e aumento da violência laboral, o que significa violação
sistemática dos direitos fundamentais dos trabalhadores e trabalhadoras.
Paradoxalmente, embora as
empresas tenham usado e abusado de novas estratégias gerenciais, seu corpo de
comando – alta gerencia e profissionais técnicos - não estão preparadas para
compreender a "turbulência emocional" e problemas que têm causado a
milhares de trabalhadores/as com as suas novas formas de organizar e
administrar o trabalho. As pressões e constrangimentos constantes por metas utópicas,
impostas de forma unilateral e associadas
as avaliações subjetivas e individuais, tem gerado uma constelação de inquietudes,
que levam a perda de prazer e interesse, sensação de vazio, apatia, isolamento,
concentração rebaixada, indecisão, pessimismo,
pensamento suicidas, dores
corporais variadas como cefaleias, lombalgias, dores articulares e sintomas
viscerais da ordem do sistema gastrintestinais e cardiovasculares. Sem falar na
perda do emprego que constitui em um "grande golpe", na medida em que
cria problemas econômicos e causa estragos a estima e autoimagem da pessoa,
interferindo em sua identidade e subjetividade. Quantos demitidos que ao
recordar seu trabalho, relembram que deram seu sangue pela empresa? Estar presente e atormentado, não significa produzir além de sua capacidade. Ao
contrario: produz de forma insuficiente, sem prazer e fragmentada, mesmo quando
sabemos que é necessário sobreviver; é preciso crer em algo.
Há
mais de 100 anos Freud dizia:
"Não posso imaginar que uma vida sem trabalho seja capaz de trazer
qualquer espécie de conforto. A imaginação criadora e o trabalho para mim andam
de mãos dadas; não retiro prazer de nenhuma outra coisa. Esta seria uma receita
para a felicidade, se não fosse a idéia terrível de que a produtividade da
gente depende inteiramente de nosso modo de sentir”
É difícil nos
reconhecermos em um tecido de incertezas, perplexidades e frustrações. Um trabalhador
me disse em consulta:
“Acabaram com minha vida. Sou vitima de um monopólio.
Sofri duramente nas mãos de uma multinacional. Fui transferido de cidade e
levei minha família. Quando retornei fui demitido. Motivos? Eu era maior que a
empresa. E ela, não tinha como me pagar. Minha família se desestruturou. Minha
vida ficou de cabeça pra baixo. Perdi tudo. Recomecei e tenho medo de perder o
emprego e por isso trabalho sabendo que estou doente”.
Talvez por situações
como esta, muitos trabalhadores prefiram ignorar o estado real das sobrecargas
e exigências desumanas, usando como estratégia a defesa de negação ("comigo
não vai acontecer isso"; "aqui não vai passar") e continuam
trabalhando mesmo adoecidos. A negação serve de “amortizador”
para reduzir o estresse, a fadiga, o medo que todo ato de violência leva
consigo.
Diz o provérbio popular: “Cabeça que não pensa... coração que não sente”. Enquanto o presenteísmo aumenta,
a empresa reafirma a ideologia do
CRIMESTOP, ou seja, estimula-se uma estupidez protetora que vai se conformando
ante os circuitos de televisão, as normas, os novos discursos e a nova
linguagem associados a flexibilização do tempo e perda dos direitos de seus colaboradores
em missão de pertencimento). O que importa é crescer sob a batuta dos olhares
vigilantes que tentam controlar corpos e mentes.
Antes
de continuar, é preciso pôr em relevo alguns pressupostos.
Na esfera da saúde do trabalhador, o estudo das
enfermidades ditas psicossomáticas, procura compreender as formas particulares
do adoecer em cada categoria profissional, considerando o processo de trabalho,
as práticas gerenciais e a relação destas doenças com os novos riscos
emergentes e desenvolvimento tecnológico. Envolve alterações orgânicas nem sempre mensuráveis
e quantificáveis, mas que trazem consequências à saúde, na medida em que traz a
cena novas patologias como os distúrbios de voz, as lesões da corda vocal; os
distúrbios neuróticos; as alterações psico-orgânicas como as alterações
gastrointestinais, miccionais, as alterações do ciclo menstrual, os aborto relacionadas
frequentemente as humilhações e discriminações ou mesmo as punições e
ridicularizações por não alcançar as metas, ao impedimento de fazer suas
necessidades fisiológicas, a motivações sexualizadas e até racistas, para
aumentar a produção, a fadiga mental devido as jornadas extenuantes e
sobrecarga de trabalho; os distúrbios de comportamento e sintomas neuróticos presentes
em especial, nos setores de cal-center, telemarketing e informática em geral.
Aqui chegamos aos fatores
psicossociais que são riscos não visíveis da organização do trabalho. É consenso entre os organismos
internacionais (OIT e OMS) que os fatores psicossociais são decisivos tanto em
relação às causas como prevenção de doenças e promoção à saúde dos
trabalhadores. Patologias que são
ocasionadas em especial pelo processo de trabalho, as novas formas de organizar
o trabalho e administra-lo. Entre as mais frequentes, destacamos as fadigas, o
estresse, os transtornos psíquicos como esgotamento profissional ou burnout; o
estresse pós-traumático, o aumento do uso de fármacos para suportar as demandas
e a dependência as drogas.
Quando falamos de riscos laborais pensamos sempre
nos fatores físico, (cortes. caídas, golpes…), assumindo um conceito de saúde
muito simples e esquecemos dos riscos psicossociais e com isso, nos perdemos a
dimensão psicológica e social que abarca a nossa saúde. Independente das
características individuais das pessoas, existem condições de trabalho
derivadas da organização do trabalho. Existem estudos internacionais e em nosso
país, o suficiente para mostrar que esses fatores psicossociais prejudicam a
saúde dos trabalhadores e trabalhadoras. Portanto, os fatores psicossociais tanto podem desencadear doenças
ou agravar uma patologia pré-existente, constituindo sua concausa, como pode
contribuir no tempo de uma reabilitação e promover a saúde dos trabalhadores,
via novas praticas.
Lembro que a
alma e o Corpo constituem uma só e mesma substancia que é concebida, ora sob o
atributo do Pensamento, ora sob o da Extensão (Espinosa). Deste modo, os distúrbios psicofisiológicos,
as doenças, os acidentes, a morte precoce, os suicídios têm elos fortes com os processos
históricos de trabalho, a cultura organizacional, o que significa que os danos
orgânicos e psíquicos estão intimamente entrelaçados (Seligmann-Siva, 2011). As
defesas e estratégias desenvolvidas pelos trabalhadores como, por exemplo, a
negação individual tem como causa a organização do trabalho, os modos e condições
de trabalho nocivas; e como efeito, teremos o sofrimento psíquico, os
distúrbios e transtornos.
Quando a rede de relações laborais em uma dada
empresa é integrada, quando a coesão social é forte e, as pessoas se consideram
como parte vital desta empresa, e não se sentem socialmente isoladas ou dominadas
pela competitividade, individualismo e solidão, como se tivessem sido esquecidas,
constatamos que este tipo de organização social constitui um obstáculo para as
enfermidades e o suicídio" (PitirimSorokin).
Cabe uma pergunta: como vou prevenir o presenteísmo e adoecimento, se não
conheço o processo de trabalho? Sempre há saídas, soluções.
Não é difícil perceber que o trabalho em que há
abuso de poder, atos de violência continuada e cotidiana, o trabalho
materializa-se como dor moral, sofrimento psíquico, isolamento, doenças, acidentes
e até mesmo mortes. Como exemplo, citamos o que ocorreu no mês de fevereiro
deste ano quando oito trabalhadores/as denunciaram ao Consulado Geral no
Itamaraty, o cônsul brasileiro em Sydney – Austrália e seu adjunto – por praticar
assédio moral e sexual, homofobia, discriminação e abuso de poder. Houve oito
pedidos de demissões.
Esse mal-estar generalizado dos
trabalhadores está relacionado ao modo de administrar aos gritos, palavrões e
ameaças; assedio sexual e laboral, o que
banaliza a violência, transformando o ambiente de trabalho no lugar de
metabolização da barbárie. Não há espaço para afetividade ética; as agressões e
discriminações aumentam; a competitividade torna o ambiente desagradável e individualista;
as pressões por metas cada vez maiores imperam, a violência psicológica
torna-se a arma dos gestores que também são pressionados o que geram um
ambiente de mal-estar coletivo.
Mas, onde se articulam presenteísmo e trabalho? Se deve principalmente,
ao aumento das tensões laborais, a impossibilidade de controlar o trabalho ou
dá conta do exigido o que desencadeia um sentimento de impotência que se
expressa na temporalidade (meu futuro é incerto; tenho medo de ser demitido);
na desmotivação (já não tenho forças; sinto-me cansado; estou desanimado); no desvalor
(sinto-me inútil; não sei o que fazer para melhorar; trabalho tanto e não
consigo dar conta). Muitos homens ante essa situação não se retira no silencio
do abatimento, isolamento e afastamento; mas no ruído da violência, no consumo
de psicofármacos ou outras drogas, enfim, na presença de padecimento.
Essas situações vividas e vivenciadas no trabalho levam a perturbações
dos vínculos, das identidades, dos projetos pessoais e coletivos (Hornstein,
2008) ante uma cultura do sucesso e ação individual em que é necessário ser o
primeiro para não ser o último. São os caminhos e descaminhos do adoecer:
perde-se o sentido do saber-fazer na medida em que não se é reconhecido e
sequer respeitado. O mal-estar instaurado apresenta três dimensões paradoxais e
simultaneamente, causais:
A. Qual a contradição que está oculta na politica do êxito,
sucesso e participação individual.
O trabalhador é cada vez mais convocado a realizar-se como individuo e contribuir
com o sucesso e crescimento da empresa; cumprir com os desígnios de sua vida em
consonância com a missão da empresa, ou seja, proporcionar um ambiente de trabalho favorável para gerar
novos negócios e novas perspectivas de carreira. Paradoxalmente, o trabalhador encontra cada
vez mais dificuldades para tal realização devido a difícil relação entre os três
níveis: o perfil de profissional exigido, as estruturas de decisão das empresas
e o nível de um ambiente de trabalho cada vez mais complexo, difuso e competitivo, o que torna quase
impossível delimitar e ver sua própria
contribuição e ascensão por meios éticos.
B. Podemos falar em valor próprio?.
A empresa procura trabalhadores qualificados, excelentes, que não
adoeça, não falte ao trabalho, tenha elasticidade espiritual. Exige do
trabalhador conhecimento, habilidade e que sejam flexíveis no cumprimento das jornadas.
Enfim, um verdadeiro guerreiro da produção e que hoje denominamos “Millennials” que,
segundo o empresariado, é a geração que está mudando o mundo dos negócios. Mudando ou já entram formatados ao novo modelo
de gestão, sabedores que não durarão muito tempo na empresa? Na dinâmica do sistema
liberal, o trabalhador deve centrar-se na sua própria subjetividade, sua
individualidade e assim orientar suas ações e sua vida para o melhoramento do
seu Eu. Entretanto, como fortalecer esse Eu em um ambiente de competição e no
qual predomina o esgarçamento dos laços afetivos com os pares? Como fortalecer
esse Eu, quando constantemente ronda o medo de ser demitido? Sabemos que a
individualidade humana é uma construção histórica. E cada individualidade
humana conserva em si e para si uma historia de vida/história do trabalho. Todo
ser humano caracteriza-se pela individualidade, subjetividade e alteridade. A
subjetividade do homem que trabalha expressa seu modo de ser, fala dos modos de
andar a vida. Mas, na medida em que não se realiza enquanto ser para si mesmo,
torna-se ser-para-os-outros. E a alteridade expressa o ser com o outro, com os
seus pares no ambiente de trabalho. Como ter reconhecido o seu valor em um
ambiente competitivo, egoísta e individualista quando sabemos que o olhar do outro constitui uma dimensão
importante da construção da identidade, da expressão da alteridade e subjetividade?
Produzindo mais e mais e não se preocupando com aquele que está ao seu lado. A
luta pela preservação do emprego degrada frequentemente aquele que vive do
trabalho. Reduz os sonhos, sequestra a confiança no futuro, captura a
subjetividade (Giovanni Alves), desagrega as relações laborais, dissemina e
naturaliza o mal estar da consciência intranquila e amedrontada. É um viver que
esmaga, pois não se pode viver e trabalhar de qualquer forma, no susto e no
absurdo das humilhações e medos!
C. Existe autonomia quando a subjetividade foi
capturada?
Ou seja, o trabalhador vive em corporações que estimula de forma direta a
ultrapassagem diária das metas, não importa como. Está é a formula que garante
a manutenção do emprego. Exemplo, o setor bancário que muitas vezes, pede a
família ou amigos quem comprem produtos em suas mãos como forma de manter o
emprego e cumprir a meta. Pergunto: como ser um trabalhador que ganhe dinheiro
rápido, faça sucesso, tenha autonomia se esse mesmo trabalhador se sente cada
vez mais vigiado, controlado, atarefado, sobrecarregado, pressionado, solitário
e impotente? Se sente cada vez mais incapaz de influenciar e contribuir para um
sistema dominado por imperativos externos e uma tecnologia que aliena e escraviza?
O individuo se vê cada vez, mas incapaz de realizar-se e por sua vez se
sente cada vez menos reconhecido e, mas incapaz de reconhecer seus pares e
reconhecer-se no coletivo. Sente-se menos autônomo e menos capaz de mudar as coisas.
Vê menos chances de ascensão profissional, exceto se aceitar determinadas
praticas que envolvem corrosão do caráter, corrupção e mentiras.
Por outro lado, nada é mais revelador que o ideal de gestor para a
empresa. Deve apresentar comportamento e qualidades segundo as necessidades
impostas, ou seja, ter uma boa performance, ser inflexível no mando dos
subalternos, não reclamar, não ouvir, exigir dos subordinados mais produção, amedrontar
e pressionar por maior produção e maiores metas. Esse é o drama do sofrimento psíquico
no trabalho que leva a muitos não se tratar, queixar-se da falta de tempo; a
queixar-se do volume de trabalho, mesmo sabendo que não está produzindo como
antes e sente-se desgostoso. Neste contexto, não causa estranheza constatar que
o trabalhador fica preocupado, sente dificuldades para conversar sobre o que
está ocorrendo ou como se sente; sente-se inseguro quanto a permanência no
emprego se falar como se sente; aumento de uso de psicofármacos para aguentar o
trabalho; se falha ou produz menos, receia ser motivo de fofocas, intrigas,
discriminações, praticas racistas e outros atos de violência. Portanto, o
presenteísmo expõe o meio ambiente e condições de trabalho; as relações
laborais e formas de gestão. A produtividade aquém da exigida ou à custa do
adoecimento e transtornos mental do coletivo de trabalhadores. Esta nos parece
uma dimensão trágica na medida em que causa uma tensão interior em todos os
trabalhadores e consequentemente, clama por soluções.
Façamos uma
rápida retrospectiva
na Comunidade Europeia após o inicio da crise em 2008 e, teremos um quadro
assustador durante as reestruturações: na Espanha ocorrem mais de 8 suicídios ao
dia, sendo a media de 6 homens. A interação social no suicídio é maior no local
de trabalho do que no entorno familiar. Na França, entre 2009 - 2010 vários
suicídios ocorreram na France Telecom e em um ano e meio, ocorreram mais de 80 suicídios. Os bilhetes deixados, diziam:
“Suicido-me por causa de France Telecon. E a única causa de minha morte voluntária. Não suporto mais com a pressão permanente. O trabalho excessivo, a ausência de formação, a desorganização total da empresa. Os gestores praticam uma gestão de terror. A maneira de trabalhar e a exigência de produtividade desorganizou a minha vida Essa forma de trabalhar me perturba. Me converti em um nada, uma ruína, um dejeto humano. Prefiro acabar. Por fim a minha vida”.
Em fevereiro de 2012, um diretor
de la Poste francesa (Correios) de 28 anos de idade, saltou do quarto andar do Palácio do Comercio de
Rennes, na presença de centenas de
pessoas. Decidiu acabar com sua vida saltando de uma sala de reuniões do local
onde trabalhava. Este jovem deixou uma carta explicando as razões de seu gesto.
Sua esposa a leu para prensa. Dias
antes em Vitrolle outro trabalhador
de la Poste, de 56 anos que se suicidou deixando uma carta para sua esposa dizendo que seu ato
estava relacionado com sua situação laboral por não suportar a reorganização da empresa que apresentava uma
gestão direcionada para a produtividade e lucratividade da fabrica.
"Meu
trabalho não parece ser valorizado, sou questionado de forma constante, nada
que faço parece estar certo e isso vem ocasionando uma falta de confiança
terrível em mim mesmo, o que gera uma ansiedade crescente. Prefiro não viver em
um ambiente opressivo como este. Tenho tudo para ser feliz, uma esposa que
gosta de mim. Uma filha adorável, porem essa ansiedade profissional que me foi
imposta, está acima de minha vida privada e de minha força”.
Sua esposa acrescenta:
“Ele tinha
sonhos, queria ter êxito, porém a sua hierarquia o humilhava e menosprezava
constantemente. Ele sentia que já não valia mais nada. Isso o que causou sua
morte”.
Na China, vários suicídio na Foxconn Technology
(junho de 2010), ultrapassando a casa dos 18 suicídios de jovens trabalhadores.
No Brasil, a época das fusões e reestruturações agressiva da rede bancaria,
ocorreram mais de 180 suicídios. Entre as causas dos suicídios e
mal estar no trabalho a tese mais difundida e aceita internacionalmente (sociólogo
V. de Gaulejac) é que há um mal-estar generalizado dos trabalhadores. Sofrimento
que se deve ao modo atual de administrar e
forma de organizar o trabalho.
Em 21/05/2013 um trabalhador de Caxambu após cinco anos trabalhando em uma empresa de transporte de
passageiros, adoeceu e se afastou, por alguns meses, em licença médica. Depois
de passar por perícia e ser considerado apto pela Previdência Social,
apresentou-se à empresa. Mas a empregadora não permitiu seu retorno ao seu
posto de trabalho e sequer lhe passou qualquer trabalho; e não pagou seus
salários, a partir da alta previdenciária.
O comportamento do
médico do trabalho da empresa foi considerado calcada na lógica do
corporativismo, que não raro é o responsável por lamentáveis violações éticas. Ficou nessa situação por seis meses, sendo colocado à
disposição da empregadora, na garagem da empresa, sem que lhe fosse atribuída
qualquer função. Perguntamos: como não adoecer??
Poderíamos perguntar inspirados no médico gaúcho
Álvaro Melro, o que faz um trabalhador sofrer e adoecer? A resposta está no conflito
permanente entre a qualidade do trabalho esperado e a quantidade a produzir; a
densificação do trabalho: supressão dos tempos mortos e micropausas; a frustração
por não poder fazer um trabalho de qualidade; a discriminações e humilhações no
trabalho.
Os trabalhadores não
desejam sofrer acidentes, ficar transtornados, ficar afastados dos seus pares; ter
alterado seus pensamentos, pensar em suicídio, se aposentar precocemente ou
afastar-se do trabalho por doenças. Recentemente, um gestor contou-nos
que seu trabalho se caracterizava por acúmulo de serviços, grande demanda e
excessivo fluxo de clientes, falta de pessoal qualificado no atendimento,
grande fluxo de dinheiro sob a sua responsabilidade, falta de ar condicionado, o
faziam ficar sob tensão e estresse que tornaram-se uma constante no seu dia-a-dia, com reflexos
em seu ambiente familiar, o que lhe causava sérios conflitos conjugais. Após um
tempo, já não conseguia dormir a noite, passando então a sofrer com crises
maníaco-depressivas e síndrome do pânico, passando inclusive a ter visões e
ouvir vozes. Foi diagnosticado como portador de Transtorno Afetivo Bipolar. Foi
afastado do trabalho para tratamento de saúde e acabou aposentado, após a
constatação, que os seus distúrbios psíquicos haviam apresentado evolução e
progressividade, restando um quadro clínico crônico irreversível. Resta duvida
da causalidade de seu adoecer?
Reafirmamos: o presenteísmo leva
o trabalhador a permanecer em seu posto de trabalho, mesmo desmotivado, sem
condições psíquicas/físicas para trabalhar, ultrapassando a sua jornada. Para
ele, o trabalho torna-se o tudo: não pelo prazer, mas pelo medo. Necessita que
sua presença seja notada pelos colegas e em especial, a chefia. Em sua atitude, quer mostrar ao outro que não
faz corpo mole, apesar de sobrecarregado e que produz. Que aguenta, apesar de
exaurido. Que trabalha e dá duro, apesar de adoecido. Nesta conjuntura, o que
vemos é o presenteísmo aumentar, na medida em que aumenta o desemprego, fato
que aumenta a insegurança, mantendo o circulo vicioso. Recebemos por outro
lado, muitos relatos de trabalhadores que lhe são exigidas condutas
que não concorda, quer por que fere seus principio e crenças morais, seja pela
inutilidade da tarefa. Muitas vezes, ha trabalhadores se veem forçados a agir
contra seus princípios por medo da perda de emprego. Esta situação causa-lhe
angustia, confusão de pensamentos, vontade de abandonar a empresa, porem, pela
necessidade e medo, permanece. Aqui, devemos perguntar: como falar em qualidade de
vida no trabalho ante esse contexto de exigências e adoecimentos?
Para a ABB
(Asea Brown Boveri), a qualidade de vida, deve estar embasada em cinco pilares:
respeito à vida, rejeição à violência, generosidade, ouvir para compreender e
redescoberta da solidariedade. Pergunto: existe este ambiente? O que ainda vemos,
são programas voltados para o controle de peso, do fumo, do sedentarismo, da
hipertensão e etc. Mas, se o presenteísmo é essencialmente um problema de organização
do trabalho e gestão de pessoas, como esses programas irão de fato, resolver e
eliminar as causas do presenteísmo? Sabemos
que ao serviço médico compete a “promoção da saúde, assistência integral e
eficaz, além de um registro prático e ético” (Souto, 1980). Ou seja, qualquer
programa de prevenção, deve levar em consideração tanto as condições objetivas
da organização do trabalho quanto as condições subjetivas das relações
hierárquicas e abuso de poder. A prevenção do presenteísmo diz respeito aos
gestores, aos Recursos Humanos, a área de saúde e segurança do trabalho. Estes
profissionais devem ter autonomia para propor mudanças e que estas, sejam
acatadas e compreendidas pela alta gestão. Sei que ouvir e acolher o
trabalhador respeitosamente é fundamental. Mas importante é pensar conjuntamente,
em estratégias preventivas que controlem os riscos psicossociais e gerem
bem-estar aos trabalhadores.
Uma sugestão
necessária é refletir as jornadas prolongadas, tarefas monótonas,
repetitivas e densas. Essas jornadas prolongadas
e exaustivas, trazem prejuízos tanto para a empresa como trabalhadores, qual
seja: a baixa produtividade. Suspender
ou impedir as reuniões pós jornada de trabalho, ou seja - noturnas - pois uma permanecia a mais na empresa, impedindo ou
retardando o termino da jornada, causa
insônia ou sono insuficiente ademais de interferir na relação afetiva do casal e filhos que muitas
vezes, apresenta mal desempenho escolar devido a falta de convivência com os
país. Saibam senhores e senhoras que os fatores capazes de influir na
qualidade e quantidade do trabalho é da ordem do psicológico, ou seja, do
respeito e reconhecimento; da perda do sentimento por parte do trabalhador, da
obrigação em relação a tarefa a ser realizada, cordialidade nas relações hierárquicas
e manter uma certa autonomia de decisão aos trabalhadores. Uma logica voltada exclusivamente
para custos, metas e lucratividade não combina com os
sentimentos, desejos e olhar dos
trabalhadores.
Todos que trabalham desejam
ser respeitados e reconhecidos ao invés de serem submetidas a um largo processo
de duvidas, interrogações, incoerências, ameaças, pressões que torturam e
causam erosão das emoções. Nenhum de nós, aspira a dor, mesmo quando sabemos
que ela nos constitui. A chave da resistência é estabelecer um estilo de direção e governança que não seja
autoritário e indiferente as necessidades elementares dos trabalhadores
enquanto seres humanos. Se a logica do sistema econômico, não privilegia o bem
estar dos trabalhadores, sequer reconhece o saber-fazer. Quase
ao final, reafirmo que a precarização, a pressão por metas impostas e nunca
fixas, o excesso de trabalho e extensão
da jornada, pelo medo de perder o emprego ou mesmo a conduta sistemática de
trabalhar com um atestado no bolso evitando afastar-se pelo medo de um outro seja
colocado em seu lugar, tem gerado
consequências negativas para a saúde de todo os trabalhadores. Para a
Organização Internacional do Trabalho, a falta de prevenção adequada das
doenças ocupacionais tem ocasionado efeitos negativos profundos sobre os
trabalhadores, suas famílias e também na sociedade em consequência do enorme
custo que gera, em particular no que se refere a perda de produtividade e sobrecarga
do sistema previdenciário.
Finalizamos com uma carta de um trabalhador grego que se
suicidou em dezembro de 2012, após
reestruturações que culminou com varias demissões:
Violência
é trabalhar 40 anos por una miséria e não saber se algum dia,
chegarás a se aposentar. Violência são os bônus do Estado, as pensões roubadas,
a fraude da bolsa. Violência é estar
obrigado a obter um empréstimo hipotecário que finalmente pagas a preço de ouro. Violência é o direito do diretor de te
despedir em qualquer momento. Violência é o desemprego, a precariedade,
os 700 euros com ou sem seguro social. Violência
são os "acidentes" laborais, porque os patrões limitam seus gastos às
custas da segurança dos trabalhadores. Violência
é tomar psicofármacos e vitaminas para fazer frente aos horários
extenuantes. Violência é ser uma
imigrante, viver com o medo de que em qualquer momento vão te jogar fora do
país e experimentar constantemente a insegurança. Violência é ser ao mesmo tempo assalariada, dona de casa e mãe. Violência é o quanto te fodem o cu no
trabalho e te dizem: “Sorria, tampouco é para tanto” (METOIKIDIS, 2012).
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[1] La reforma laboral y la crisis en
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[2] CASTEL,
Robert. As metamorfoses da questão social. Rio de Janeiro: Vozes,
1998. p 24.
(*) Margarida Barreto, é Médica com especialização em Medicina do Trabalho e Higiene Industrial, Mestra e Doutora em Psicologia Social Pontifícia Universidade Católica de São Pulo e Coordenadora da Rede Nacional de combate ao Assédio Laboral e outras manifestações de violência no trabalho, Email: guidabarreto@ig.com.br
(**) Luiz Salvador é advogado trabalhista, Ex-Presidente da ABRAT (www.abrat.adv.br), Vice-Presidente da ALAL (www.alal.com.br), assessor jurídico de entidades de trabalhadores, membro integrante, do corpo técnico do Diap, do corpo de jurados, do TILS – Tribunal Internacional de Liberdade Sindical (México), do TMLS – Tribunal Mundial de Liberdade Sindical (Colômbia) e membro integrante da Comissão de “juristas” responsável pela elaboração de propostas de aprimoramento e modernização da legislação trabalhista instituídas pelas Portarias-MJ 840, 1.787, 2.522/08 E 3105/09, E-mail: luizsalv@terra.com.br, site: www.salvadoreolimpio.com.br
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