sábado, 15 de agosto de 2015

Margarida Barreto e Luiz Salvador discorrem sobre o presenteísmo nas relações de trabalho








      


















(**) Luiz Salvador

PRESENTEISMO NO SERVIÇO PÚBLICO: CAUSAS, FORMAS E CONSEQÜÊNCIAS.

O tema que nos propomos a debater - a questão do presenteísmo no Serviço Público constitui uma reflexão complexa. Isso nos impõe traçar algumas proposições que mostrem, - mesmo que de forma breve - a dimensão inter-relacional que envolve o presenteísmo e as condições de trabalho. Comecemos por conceituar o seu manifesto oposto, ou seja, o absenteísmo. Para a Organização Internacional do Trabalho – OIT o absenteísmo consiste na “falta ao trabalho por parte do empregado”, que pode ocorrer tanto por licença médica devido a doenças e acidentes como por direitos legais ou licenças não programadas e até mesmo férias. Neste caso, o absenteísmo caracteriza um “período de baixa laboral". E a doença, quando diagnosticada, pode revelar uma incapacidade temporária para a execução do trabalho atribuído, o que pode significar um tempo de trabalho perdido, incluindo as ausências justificadas ou injustificadas. Aqui, falamos de temporalidade, pois o absenteísmo não é apenas um indicador de adoecimento e sofrimento. É tempo improdutivo, pois afeta diretamente a rotina da produção O afastamento por adoecer ou desmotivação, quem sabe, surja como solução ao insuportável: longas jornadas, exposição aos novos riscos, relações hierárquicas autoritárias, transbordadas por desrespeito e não reconhecimento.

As inovações tecnológicas e os impactos decorrentes das mudanças na organização do trabalho são percebidas como condições que, ao alterar frequentemente a dinâmica laboral, podem afetar a saúde do trabalhador na medida em que ultrapassam a capacidade de adaptar-se a essa nova realidade. Neste sentido, não são tão distintas as causas do presenteísmo vs absenteísmo, mesmo quando enxergamos somente seu avesso, ou seja, o trabalhador falta  por doença. No presenteísmo, o trabalhador  comparece e permanece além de sua jornada, apesar de adoecido.

Por que se trabalha enfermo? Trabalha-se adoecido para não perder o emprego, por medo de entrar no corte, de ser o próximo da lista, de ser rejeitado e descartado, de fazer parte do bale da cadeira, de ser discriminado. E por esses motivos, vive angustiado e converte-se em um presente que está ausente. É aqui que, curiosamente, presenteísmo e absenteísmo apresentam aspectos comuns, ou melhor, são duas faces da mesma moeda. Explico-me: ao afastar-se verificamos que essa ausência nem sempre é pura e simples responsabilidade do trabalhador, mas sim das condições de trabalho, da forma de administrar e organizar o trabalho, de distribuir as tarefas, da falta de uma politica séria de prevenção dos riscos, quer sejam os antigos ou emergentes. Também corresponde a uma historia vivida e aprendida ao longo dos anos, relativo a politica hard para diminuir o absenteísmo. Todos nós conhecemos as causam que podem levar ao absenteísmo: desde doenças do trabalho ou comuns até praticas desmotivadoras ou mesmo pelas más condições de trabalho. Esta dimensão nos coloca a necessidade de refletirmos e compreendermos, que trabalho, doenças, relações laborais e emoções se interpenetram dinamicamente, instaurando uma nova forma de viver, que muitas vezes, mostra-se catastrófica, na medida em que hoje, temos mais doenças psicossomáticas, fibromialgias, depressão e estresse, que há cinco anos, consequência das pressões constantes no ambiente de trabalho.  

Varias pesquisas internacionais revelam que as perdas de produtividade por depressão e dores sofridas pelos trabalhadores que não faltam ao trabalho já superam as perdas de produtividade derivadas do absenteísmo.

No mesmo período, outra pesquisa foi realizada em doze países mostra que 38% dos trabalhadores entrevistados tinham medo de tirar férias. E por quê? 48% diziam ter medo que decisões importantes pudessem ser tomadas durante seu período de descanso; 32% dos trabalhadores investigados, diziam que tinham medo de ser mudado de cargo, ficar sem função ou sem emprego, devido às reestruturações e fusões e 19% referiam o  enxugamento na empresa (19%) como fator de risco de ficar sem emprego enquanto 3% evitava tirar férias por medo que seus colegas não se lembrassem deles.

Pensemos um aspecto banal de alguns anos atrás: o trabalhador do setor administrativo podia dedicar-se a outros afazeres durante sua jornada de trabalho, sem precisar ocultar. Por exemplo, dá uma escapada para verificar seus e-mails; pesquisar algum tema na internet – que guardasse relação com o seu trabalho, mesmo que desnecessária naquele momento a concretização de sua tarefa. Telefonar para amigo ou família, e até mesmo ler um jornal. Não é disso que estamos falando!

Estamos falando do trabalhador que prolonga a jornada, que permanece na empresa para além do estipulado, às vezes até as duas horas da manha, apesar do atestado no bolso. Trabalhadores que estão tomados pelo medo de uma transferência, de perder o seu posto, de ter esvaziado suas funções, de ser fritado ou colocado na geladeira! Hoje, todos os trabalhadores têm seus e-mails controlados, têm chips em seus celulares, capazes de dizer se estão parados ou em movimento ou mesmo localizar a sua posição dentro ou fora da empresa. Nestes tempos de crise e de incertezas, a presença de pessoas adoecidas trabalhando, é alarmante. No presenteísmo, os trabalhadores comparecem e estão firmes durante toda a jornada ou mais, constituindo o que se conhece como Síndrome da cadeira ocupada ou do assento quente.

Atrás do presenteísmo, há uma organização que pune quando tem mais de três faltas, quando vai muito a medico, quando retorna da previdência. Por trás do controle, há uma organização que exige; que pressiona por metas, que impõe múltiplas tarefas, que captura as emoções e subjetividades; que não reconhece o saber fazer dos trabalhadores. Igualmente há um homem ou uma mulher que trabalha por múltiplos outros, dá conta de varias tarefas que não é sua, que dedica seu tempo a empresa enquanto reduz sua presença em família, por medo de perder o emprego. Uma trabalhadora me disse entre lagrimas que seu chefe conseguia deixar o ambiente de trabalho pesado, pois não se podia falar, sorrir, argumentar, sugerir ou até mesmo ir a toalete. Essa presença adoecida revela-nos a importância da dimensão psicossocial e, em especial, ao pensarmos no “que fazer”, nas medidas preventivas e  as estratégias que o coíbam.

Na primeira quinzena de maio deste ano, a Espanha apresentou este mês, o resultado de uma ampla pesquisa realizada em de Sevilha e Andaluzia, pela Confederación Sindical de Comisiones Obreras (CCOO 2013)[1]. O universo pesquisado corresponde a 2.500 trabalhadores/as, visando estabelecer o mapa de saúde dos trabalhadores de media e pequenas empresas. Resultado: do universo  pesquisados, 76,6% admitiu que a reforma trabalhista e o impacto da crise, tem afetado a saúde dos trabalhadores, e que os danos estão relacionados com as condições de trabalho. Reconhecem que a situação pode agravar-se, como resultado da política de bloqueio permanente dos empregadores a negociação com os trabalhadores. A média de idade foi de 44 anos, mais de 75% eram homens e menos de 25% de mulheres. Quanto aos entrevistados, 44% afirmaram ter medo de perder seus empregos, enquanto 43,6% relataram que seus salários foram reduzidos em nome da crise. A pesquisa deixa evidente que é o temor à demissão ante um cenário de reestruturações, reformas e demissões, a causa fundamental do presenteísmo.

Anteriormente, entre 2008 e 2009, pesquisa realizada pela empresa holandesa de Recursos Humanos Randstad, com mais de 1.000 trabalhadores, revelou que 45% dos trabalhadores praticavam o presenteísmo, por medo do descarte. Essa  empresa de recursos humanos, mostra que enquanto o absenteísmo reduziu acentuadamente, o presenteísmo vem crescendo em toda a Comunidade europeia. Ás causas, segundo a pesquisa, estão relacionadas à nova conjuntura econômica e financeira aliada ao crescente número de insolvências e às elevadas taxas do desemprego que afetaram mais intensamente a  Grécia, 27% (mais que o dobro da media europeia); Espanha com 23,6%;  Portugal, 17,7%; Itália, 9,3%; e Chipre, 9,7%. Outros países têm sido afetados, a exemplo da Áustria, Holanda, Luxemburgo e Alemanha, sendo a juventude a mais prejudicada.  Como o absenteísmo pode subsistir?

Em nosso país, nestes últimos dez anos, não tem sido diferente e assim, passamos do absenteísmo ao presenteísmo. Não porque as condições de trabalho melhoraram ou porque a empresa privilegia a prática da qualidade de vida de seus trabalhadores com enfoque na organização do trabalho. Ao contrário, o privilegio passou a ser a busca desenfreada pela produtividade, centrada na  competitividade ante um mercado global e consumista. Enquanto isso, os programas qualidade de vida (QVT), continuam enfocando o fumo, consumo de álcool, sedentarismo e obesidade. Nenhuma palavra ou ação para modificar a organização do trabalho

Outro aspecto que as pesquisas na Europa nos apresentam, referem-se as reformas laborais que, além de diminuir o emprego, tornou-o mais precarizado, na medida em que as terceirizações se multiplicaram, os trabalhadores foram remanejados ou demitidos, deixando os que ficaram, sobrecarregados, com menores salários e constantemente pressionados para “dar conta” daquilo que caberia a dois ou mais trabalhadores.

De uma forma geral, estamos vivendo uma sociedade de trabalhadores “faz tudo”, “cadeira quente”, Bombril (mil e uma utilidades). No Reino Unido, os trabalhadores  ultraflexíveis, que não tem qualquer vinculo com a empresa ou contrato firmado, sem salario e sem garantias, surgem com força. Essa situação favorece a degradação das condições de saúde do conjunto dos trabalhadores, sendo responsável pelo surgimento coletivo de ansiedade, de angustias, de insegurança, de depressão e desanimo e ate mesmo, aumento dos suicídios. Não é surpresa que a perda de produtividade e criatividade, seja a consequência natural. Recordemos que o “banco de horas” na década de noventa, instituiu a jornada flexível porem mortificadora à saúde, com promessa de recompensas e equilíbrio do tempo trabalhado!

Outro aspecto que não devemos esquecer: em tempos de crises, desemprego e reformas, pode ocorrer que somente um membro da família trabalhe ou que haja alguém adoecido nesta família, o que demanda maiores cuidados e consequentemente, maiores gastos. Esta situação contribui para o presenteísmo secundário, por pavor de perder o mais importante: seu emprego. Aqui, mais uma vez, a instabilidade leva ao medo que os fazem trabalhar mais, na tentativa de garantir sua permanência.
Assim, perguntamos: como podemos ter saúde em um entorno que nada garante, exceto insegurança e desconfiança; que impõe o medo, que administra por ameaças, que exerce cotidianamente o autoritarismo e abuso de poder? O sofrimento é sempre e antes de tudo, um sofrimento do corpo, engajado no mundo e nas relações com os outros (Dejours). Para quem não assistiu, vale a pena vê filme “O CORTE” de Costa Grava.

Se o absenteísmo vem diminuindo, chegando a casos de 90% de redução, não é motivo para comemorarmos, na medida em que o presenteísmo vem se impondo. O quadro é mais assustador, quando pensamos que o trabalhador evita afastar-se do posto de trabalho por um medo oceânico de vir a perdê-lo. Deste modo, o presenteísmo aumenta na medida em que cresce a degradação das relações laborais, as reestruturações e flexibilização. Em que desapareceu a solidariedade, a generosidade, os laços de camaradagem. Por outro lado, na medida em que a gestão por injuria, toma conta do cenário, começam a perpassar as duplas mensagens, o disse-que-disse, as discriminações e tantas outras situações, que podem destruir os trabalhadores, como por exemplo, o caso de uma empresa em nosso país que administrava aos gritos e sua politica de estímulo à produção era "agressiva e humilhante", na medida em que o gerente dividia os trabalhadores em três grupos: o dos "bambambam", que produziam mais; o dos "meiabocas" e o das "tartarugas". Esta prática de exigir metas utópicas, causa danos à integridade emocional e saúde dos trabalhadores além de disseminar o terror e constituir uma pratica ofensiva a todos os trabalhadores. São formas desumanas e aética de administrar e de excluir o diferente, de tirar-lhes qualquer sonho de ascensão, pois não ultrapassou o estabelecido. Esses eventos rompem com a normalidade do espaço, o silencio dos órgãos e a temporalidade ética da vida-que-se-vive no trabalho. Ressalto que ser ético, pressupõe aquele que sabe o que faz, que conhece as causas e os fins de sua ação, o significado de suas intenções e de suas atitudes no trabalho.  Devemos nos perguntar: qual a atitude ética que existe em certos gestores?

Passemos a dimensão conceitual do que é saúde mental. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização Internacional do Trabalho (OIT), a saúde mental é o estado de bem-estar no qual o trabalhador:
-    Realiza as suas capacidades;
-    Pode fazer face ao estresse normal da sua vida;
-    Pode trabalhar de forma produtiva e frutífera; e
-    Pode contribuir para a comunidade em que se insere

Sentir bem-estar é estar e ter harmonia no meio ambiente de trabalho; é ter autonomia e ser reconhecido, pois o bem-estar revela um estado dinâmico da mente com as necessidades e expectativas do trabalhador e seu meio ambiente. Todos nós estamos expostos a tensões e conflitos, o que vai demandar em sentidos e significados que  contemplam tanto o corpo biológico como o histórico-social; o existencial; as relações de poder e hierarquias, a dimensão ético-afetivo. Portanto, ter saúde é uma maneira de abordar a existência com uma sensação não apenas de possuidor ou portador, mas também, se necessário, de criador de valor, de instaurador de normas vitais (Canguilhem, 1995). Quando se trabalha em um ambiente transversado por paixões tristes, em que prevalece o controle e disciplinarização do corpo, falta de reconhecimento e desvalorizações, autoritarismo e abuso de poder, esse ambiente gera doenças e desordens do estado de ânimo e medo do devir. Certamente, causa sofrimento que na maior parte das vezes, é invisível. Aqui, estamos diante de uma anomia, na medida em que as paixões tristes ou alegres são indicadores, em boa parte, da vida-viva-e-vivida pelos trabalhadores em seu local de trabalho. Anuncia falta de autonomia e criatividade, esgarçamento dos laços de camaradagem o que os levam a sentir-se  vazio e inútil. Neste sentido, os afetos constituem variáveis importantes para definirmos um estado de bem-estar. Cabe perguntarmos: é possível que as novas mudanças do mundo do trabalho interfiram no presenteismo e consequentemente, na saúde mental dos trabalhadores?

Lembramos que o trabalho não produz somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias em geral (Marx, 2004). Expondo de outro jeito: hoje, quanto mais o trabalhador produz, menos tem para consumir. Quanto mais cria valores, mas sem valor e indigno ele se torna; quanto mais aperfeiçoado o seu produto, mais deformado ele fica; quanto mais civilizado o seu objeto, mais bárbaro o trabalhador; quanto mais poderoso o trabalho, mais impotente o trabalhador se torna; quanto mais rico de espirito o trabalho, mais pobre de espirito e servo da natureza se torna o trabalhador (Marx, 2004).

Do mesmo modo, o componente técnico organizacional coligado à precarização e intensificação do trabalho condiciona ao aparecimento de vários distúrbios relacionados ao trabalho, a exemplo das alterações musculoesqueléticas e dos transtornos psicológicos. Aqui, poderíamos afirmar que as reestruturações não somente geram desemprego e ideação suicida, mas é responsável por diversos transtornos que podem levar a morte de si, por suicídio.

Se por um lado, a crise global tem justificado as demissões massivas por outro lado, tem sido pretexto para o aumento das terceirizações, como forma de diminuir gastos e aumentar a produtividade e lucratividade. Perante este panorama de mudanças e crises, a mundialização da economia, a dimensão global dos negócios e os avanços tecnológicos levaram, de forma direta, a profundas transformações na organização do trabalho e relações laborais. Isto significa que os processos de trabalho mudaram, a produtividade tornou-se onipresente e onipotente, refletindo o retrato contemporâneo das organizações. O processo de terceirizações e quarteirizações ampliou a fratura nos direitos dos trabalhadores o que significa a “transferência de atividades empresariais consideradas secundárias para outra empresa, que intermedeia a prestação de serviços em prol do tomador, a fim de permitir que os destinatários finais do labor prestado atenham-se à sua atividade principal” (Dutra, 2013). Estes trabalhadores externos a empresa, sugerem uma franja de insegurança no trabalho, revelando uma fotografia precarizante dos novos servos.

Sabemos que em uma ‘sociedade industrial, o papel integrador do trabalho se destaca entre os demais elementos fundantes de identidades coletivas, como, por exemplo, as formas de integração e reconhecimento estabelecidas em diferentes vizinhanças e que transcorrem os posto de trabalho, os diferentes setores e ramos da economia, as afinidades eletivas, a raça e etnia, dentre outras. Por outro lado, no “contexto de uma sociedade salarial é por meio do lugar ocupado no mercado de trabalho que o indivíduo se inscreve e amplia redes de sociabilidade[2] alcançando patamares razoáveis de integração social” (Dutra, 2013). Aqui, cabe perguntamos: com a heterogeneização, fragmentação, complexificação do processo de trabalho e da classe trabalhadora, quais as consequências que esse novo tecido traz a vida e saúde dos trabalhadores? Desistir do emprego ou trabalhar adoecidos?

Qual o sentido da vida, onde não há solidariedade e tempo para tecer amizades, ajudar o outro em dificuldades, criar e ter autonomia, ser reconhecido e respeitado naquilo que faz, enfim, construir uma identidade coletiva? Quem sofre, necessita de apoio, ombro amigo, compreensão e ajuda. Do ponto de vista histórico, o avanço das politicas neoliberais, que demanda o recuo da intervenção estatal nas empresas, teve (e tem) contribuído para o abuso de poder, desmandos e aumento da violência laboral, o que significa violação sistemática dos direitos fundamentais dos trabalhadores e trabalhadoras.

Paradoxalmente, embora as empresas tenham usado e abusado de novas estratégias gerenciais, seu corpo de comando – alta gerencia e profissionais técnicos - não estão preparadas para compreender a "turbulência emocional" e problemas que têm causado a milhares de trabalhadores/as com as suas novas formas de organizar e administrar o trabalho. As pressões e constrangimentos constantes por metas utópicas,  impostas de forma unilateral e associadas as avaliações subjetivas e individuais, tem gerado uma constelação de inquietudes, que levam a perda de prazer e interesse, sensação de vazio, apatia, isolamento, concentração rebaixada, indecisão, pessimismo,  pensamento suicidas,  dores corporais variadas como cefaleias, lombalgias, dores articulares e sintomas viscerais da ordem do sistema gastrintestinais e cardiovasculares. Sem falar na perda do emprego que constitui em um "grande golpe", na medida em que cria problemas econômicos e causa estragos a estima e autoimagem da pessoa, interferindo em sua identidade e subjetividade. Quantos demitidos que ao recordar seu trabalho, relembram que deram seu sangue pela empresa? Estar presente e atormentado, não significa produzir além de sua capacidade. Ao contrario: produz de forma insuficiente, sem prazer e fragmentada, mesmo quando sabemos que é necessário sobreviver; é preciso crer em algo. 

Há mais de 100 anos Freud dizia: 

"Não posso imaginar que uma vida sem trabalho seja capaz de trazer qualquer espécie de conforto. A imaginação criadora e o trabalho para mim andam de mãos dadas; não retiro prazer de nenhuma outra coisa. Esta seria uma receita para a felicidade, se não fosse a idéia terrível de que a produtividade da gente depende inteiramente de nosso modo de sentir”

É difícil nos reconhecermos em um tecido de incertezas, perplexidades e frustrações. Um trabalhador me disse em consulta: 

“Acabaram com minha vida. Sou vitima de um monopólio. Sofri duramente nas mãos de uma multinacional. Fui transferido de cidade e levei minha família. Quando retornei fui demitido. Motivos? Eu era maior que a empresa. E ela, não tinha como me pagar. Minha família se desestruturou. Minha vida ficou de cabeça pra baixo. Perdi tudo. Recomecei e tenho medo de perder o emprego e por isso trabalho sabendo que estou doente”. 

Talvez por situações como esta, muitos trabalhadores prefiram ignorar o estado real das sobrecargas e exigências desumanas, usando como estratégia a defesa de negação ("comigo não vai acontecer isso"; "aqui não vai passar") e continuam trabalhando mesmo adoecidos. A negação serve de “amortizador” para reduzir o estresse, a fadiga, o medo que todo ato de violência leva consigo.
Diz o provérbio popular: “Cabeça que não pensa... coração que não sente”. Enquanto o presenteísmo aumenta,  a empresa reafirma a ideologia do CRIMESTOP, ou seja, estimula-se uma estupidez protetora que vai se conformando ante os circuitos de televisão, as normas, os novos discursos e a nova linguagem associados a flexibilização do tempo e perda dos direitos de seus colaboradores em missão de pertencimento). O que importa é crescer sob a batuta dos olhares vigilantes que tentam controlar corpos e mentes.

Antes de continuar, é preciso pôr em relevo alguns pressupostos.

Na esfera da saúde do trabalhador, o estudo das enfermidades ditas psicossomáticas, procura compreender as formas particulares do adoecer em cada categoria profissional, considerando o processo de trabalho, as práticas gerenciais e a relação destas doenças com os novos riscos emergentes e desenvolvimento tecnológico.  Envolve alterações orgânicas nem sempre mensuráveis e quantificáveis, mas que trazem consequências à saúde, na medida em que traz a cena novas patologias como os distúrbios de voz, as lesões da corda vocal; os distúrbios neuróticos; as alterações psico-orgânicas como as alterações gastrointestinais, miccionais, as alterações do ciclo menstrual, os aborto relacionadas frequentemente as humilhações e discriminações ou mesmo as punições e ridicularizações por não alcançar as metas, ao impedimento de fazer suas necessidades fisiológicas, a motivações sexualizadas e até racistas, para aumentar a produção, a fadiga mental devido as jornadas extenuantes e sobrecarga de trabalho; os distúrbios de comportamento e sintomas neuróticos presentes em especial, nos setores de cal-center, telemarketing e informática em geral.

Aqui chegamos aos fatores psicossociais que são riscos não visíveis da organização do trabalhoÉ consenso entre os organismos internacionais (OIT e OMS) que os fatores psicossociais são decisivos tanto em relação às causas como prevenção de doenças e promoção à saúde dos trabalhadores.  Patologias que são ocasionadas em especial pelo processo de trabalho, as novas formas de organizar o trabalho e administra-lo. Entre as mais frequentes, destacamos as fadigas, o estresse, os transtornos psíquicos como esgotamento profissional ou burnout; o estresse pós-traumático, o aumento do uso de fármacos para suportar as demandas e a dependência as drogas.

Quando falamos de riscos laborais pensamos sempre nos fatores físico, (cortes. caídas, golpes…), assumindo um conceito de saúde muito simples e esquecemos dos riscos psicossociais e com isso, nos perdemos a dimensão psicológica e social que abarca a nossa saúde. Independente das características individuais das pessoas, existem condições de trabalho derivadas da organização do trabalho. Existem estudos internacionais e em nosso país, o suficiente para mostrar que esses fatores psicossociais prejudicam a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras. Portanto, os fatores psicossociais tanto podem desencadear doenças ou agravar uma patologia pré-existente, constituindo sua concausa, como pode contribuir no tempo de uma reabilitação e promover a saúde dos trabalhadores, via novas praticas.

Lembro que a alma e o Corpo constituem uma só e mesma substancia que é concebida, ora sob o atributo do Pensamento, ora sob o da Extensão (Espinosa). Deste modo, os distúrbios psicofisiológicos, as doenças, os acidentes, a morte precoce, os suicídios têm elos fortes com os processos históricos de trabalho, a cultura organizacional, o que significa que os danos orgânicos e psíquicos estão intimamente entrelaçados (Seligmann-Siva, 2011). As defesas e estratégias desenvolvidas pelos trabalhadores como, por exemplo, a negação individual tem como causa a organização do trabalho, os modos e condições de trabalho nocivas; e como efeito, teremos o sofrimento psíquico, os distúrbios e transtornos. 

Quando a rede de relações laborais em uma dada empresa é integrada, quando a coesão social é forte e, as pessoas se consideram como parte vital desta empresa, e não se sentem socialmente isoladas ou dominadas pela competitividade, individualismo e solidão, como se tivessem sido esquecidas, constatamos que este tipo de organização social constitui um obstáculo para as enfermidades e  o suicídio" (PitirimSorokin). Cabe uma pergunta: como vou prevenir o presenteísmo e adoecimento, se não conheço o processo de trabalho? Sempre há saídas, soluções.

Não é difícil perceber que o trabalho em que há abuso de poder, atos de violência continuada e cotidiana, o trabalho materializa-se como dor moral, sofrimento psíquico, isolamento, doenças, acidentes e até mesmo mortes. Como exemplo, citamos o que ocorreu no mês de fevereiro deste ano quando oito trabalhadores/as denunciaram ao Consulado Geral no Itamaraty, o cônsul brasileiro em Sydney – Austrália e seu adjunto – por praticar assédio moral e sexual, homofobia, discriminação e abuso de poder. Houve oito pedidos de demissões.

Esse mal-estar generalizado dos trabalhadores está relacionado ao modo de administrar aos gritos, palavrões e ameaças; assedio sexual e laboral, o que  banaliza a violência, transformando o ambiente de trabalho no lugar de metabolização da barbárie. Não há espaço para afetividade ética; as agressões e discriminações aumentam; a competitividade torna o ambiente desagradável e individualista; as pressões por metas cada vez maiores imperam, a violência psicológica torna-se a arma dos gestores que também são pressionados o que geram um ambiente de mal-estar coletivo.

Mas, onde se articulam presenteísmo e trabalho? Se deve principalmente, ao aumento das tensões laborais, a impossibilidade de controlar o trabalho ou dá conta do exigido o que desencadeia um sentimento de impotência que se expressa na temporalidade (meu futuro é incerto; tenho medo de ser demitido); na desmotivação (já não tenho forças; sinto-me cansado; estou desanimado); no desvalor (sinto-me inútil; não sei o que fazer para melhorar; trabalho tanto e não consigo dar conta). Muitos homens ante essa situação não se retira no silencio do abatimento, isolamento e afastamento; mas no ruído da violência, no consumo de psicofármacos ou outras drogas, enfim, na presença de padecimento.

Essas situações vividas e vivenciadas no trabalho levam a perturbações dos vínculos, das identidades, dos projetos pessoais e coletivos (Hornstein, 2008) ante uma cultura do sucesso e ação individual em que é necessário ser o primeiro para não ser o último. São os caminhos e descaminhos do adoecer: perde-se o sentido do saber-fazer na medida em que não se é reconhecido e sequer respeitado. O mal-estar instaurado apresenta três dimensões paradoxais e simultaneamente, causais:

A. Qual a contradição que está oculta na politica do êxito, sucesso e participação individual.

O trabalhador é cada vez mais convocado a realizar-se como individuo e contribuir com o sucesso e crescimento da empresa; cumprir com os desígnios de sua vida em consonância com a missão da empresa, ou seja, proporcionar um ambiente de trabalho favorável para gerar novos negócios e novas perspectivas de carreira.  Paradoxalmente, o trabalhador encontra cada vez mais dificuldades para tal realização devido a difícil relação entre os três níveis: o perfil de profissional exigido, as estruturas de decisão das empresas e o nível de um ambiente de trabalho cada vez mais complexo,  difuso e competitivo, o que torna quase impossível  delimitar e ver sua própria contribuição e ascensão por meios éticos.

B. Podemos falar em valor próprio?.

A empresa procura trabalhadores qualificados, excelentes, que não adoeça, não falte ao trabalho, tenha elasticidade espiritual. Exige do trabalhador conhecimento, habilidade e que sejam flexíveis no cumprimento das jornadas. Enfim, um verdadeiro guerreiro da produção e que hoje denominamos “Millennials” que, segundo o empresariado, é a geração que está mudando o mundo dos negócios.  Mudando ou já entram formatados ao novo modelo de gestão, sabedores que não durarão muito tempo na empresa? Na dinâmica do sistema  liberal, o trabalhador deve centrar-se na sua própria subjetividade, sua individualidade e assim orientar suas ações e sua vida para o melhoramento do seu Eu. Entretanto, como fortalecer esse Eu em um ambiente de competição e no qual predomina o esgarçamento dos laços afetivos com os pares? Como fortalecer esse Eu, quando constantemente ronda o medo de ser demitido? Sabemos que a individualidade humana é uma construção histórica. E cada individualidade humana conserva em si e para si uma historia de vida/história do trabalho. Todo ser humano caracteriza-se pela individualidade, subjetividade e alteridade. A subjetividade do homem que trabalha expressa seu modo de ser, fala dos modos de andar a vida. Mas, na medida em que não se realiza enquanto ser para si mesmo, torna-se ser-para-os-outros. E a alteridade expressa o ser com o outro, com os seus pares no ambiente de trabalho. Como ter reconhecido o seu valor em um ambiente competitivo, egoísta e individualista quando sabemos que  o olhar do outro constitui uma dimensão importante da construção da identidade, da expressão da alteridade e subjetividade? Produzindo mais e mais e não se preocupando com aquele que está ao seu lado. A luta pela preservação do emprego degrada frequentemente aquele que vive do trabalho. Reduz os sonhos, sequestra a confiança no futuro, captura a subjetividade (Giovanni Alves), desagrega as relações laborais, dissemina e naturaliza o mal estar da consciência intranquila e amedrontada. É um viver que esmaga, pois não se pode viver e trabalhar de qualquer forma, no susto e no absurdo das humilhações e medos!

C. Existe autonomia quando a subjetividade foi capturada?

Ou seja, o trabalhador vive em corporações que estimula de forma direta a ultrapassagem diária das metas, não importa como. Está é a formula que garante a manutenção do emprego. Exemplo, o setor bancário que muitas vezes, pede a família ou amigos quem comprem produtos em suas mãos como forma de manter o emprego e cumprir a meta. Pergunto: como ser um trabalhador que ganhe dinheiro rápido, faça sucesso, tenha autonomia se esse mesmo trabalhador se sente cada vez mais vigiado, controlado, atarefado, sobrecarregado, pressionado, solitário e impotente? Se sente cada vez mais incapaz de influenciar e contribuir para um sistema dominado por imperativos externos e uma tecnologia que aliena e escraviza?
O individuo se vê cada vez, mas incapaz de realizar-se e por sua vez se sente cada vez menos reconhecido e, mas incapaz de reconhecer seus pares e reconhecer-se no coletivo. Sente-se menos autônomo e menos capaz de mudar as coisas. Vê menos chances de ascensão profissional, exceto se aceitar determinadas praticas que envolvem corrosão do caráter, corrupção e mentiras.
Por outro lado, nada é mais revelador que o ideal de gestor para a empresa. Deve apresentar comportamento e qualidades segundo as necessidades impostas, ou seja, ter uma boa performance, ser inflexível no mando dos subalternos, não reclamar, não ouvir, exigir dos subordinados mais produção, amedrontar e pressionar por maior produção e maiores metas. Esse é o drama do sofrimento psíquico no trabalho que leva a muitos não se tratar, queixar-se da falta de tempo; a queixar-se do volume de trabalho, mesmo sabendo que não está produzindo como antes e sente-se desgostoso. Neste contexto, não causa estranheza constatar que o trabalhador fica preocupado, sente dificuldades para conversar sobre o que está ocorrendo ou como se sente; sente-se inseguro quanto a permanência no emprego se falar como se sente; aumento de uso de psicofármacos para aguentar o trabalho; se falha ou produz menos, receia ser motivo de fofocas, intrigas, discriminações, praticas racistas e outros atos de violência. Portanto, o presenteísmo expõe o meio ambiente e condições de trabalho; as relações laborais e formas de gestão. A produtividade aquém da exigida ou à custa do adoecimento e transtornos mental do coletivo de trabalhadores. Esta nos parece uma dimensão trágica na medida em que causa uma tensão interior em todos os trabalhadores e consequentemente, clama por soluções.

Façamos uma rápida retrospectiva na Comunidade Europeia após o inicio da crise em 2008 e, teremos um quadro assustador durante as reestruturações: na Espanha ocorrem mais de 8 suicídios ao dia, sendo a media de 6 homens. A interação social no suicídio é maior no local de trabalho do que no entorno familiar. Na França, entre 2009 - 2010 vários suicídios ocorreram na France Telecom e em um ano e meio, ocorreram mais de 80 suicídios.  Os bilhetes deixados, diziam:

“Suicido-me por causa de France Telecon. E a única causa de minha morte voluntária. Não suporto mais com a pressão permanente. O trabalho excessivo, a ausência de formação, a desorganização total da empresa. Os gestores praticam uma gestão de terror. A maneira de trabalhar e a exigência de produtividade desorganizou a minha vida Essa forma de trabalhar me perturba. Me converti em um nada, uma ruína, um dejeto humano. Prefiro acabar. Por fim a minha vida”.

Em fevereiro  de 2012, um diretor de la Poste francesa (Correios) de 28 anos de idade, saltou do  quarto andar do Palácio do Comercio de Rennes, na presença de  centenas de pessoas. Decidiu acabar com sua vida saltando de uma sala de reuniões do local onde trabalhava. Este jovem deixou uma carta explicando as razões de seu gesto. Sua esposa a leu para prensa.  Dias antes  em Vitrolle outro trabalhador  de la Poste, de 56 anos que se suicidou deixando  uma carta para sua esposa dizendo que seu ato estava relacionado com sua situação laboral  por não suportar a  reorganização da empresa que apresentava uma gestão direcionada para a produtividade e lucratividade da fabrica.

 "Meu trabalho não parece ser valorizado, sou questionado de forma constante, nada que faço parece estar certo e isso vem ocasionando uma falta de confiança terrível em mim mesmo, o que gera uma ansiedade crescente. Prefiro não viver em um ambiente opressivo como este. Tenho tudo para ser feliz, uma esposa que gosta de mim. Uma filha adorável, porem essa ansiedade profissional que me foi imposta, está acima de minha vida privada e de minha força”.

Sua esposa acrescenta: 

“Ele tinha sonhos, queria ter êxito, porém a sua hierarquia o humilhava e menosprezava constantemente. Ele sentia que já não valia mais nada. Isso o que causou sua morte”.

Na China, vários suicídio na Foxconn Technology (junho de 2010), ultrapassando a casa dos 18 suicídios de jovens trabalhadores. No Brasil, a época das fusões e reestruturações agressiva da rede bancaria, ocorreram mais de 180 suicídios. Entre as causas dos suicídios e mal estar no trabalho a tese mais difundida e aceita internacionalmente (sociólogo V. de Gaulejac) é que há um mal-estar generalizado dos trabalhadores. Sofrimento que se deve ao modo atual de administrar e  forma de organizar o  trabalho.

Em 21/05/2013 um trabalhador de Caxambu após cinco anos trabalhando em uma empresa de transporte de passageiros, adoeceu e se afastou, por alguns meses, em licença médica. Depois de passar por perícia e ser considerado apto pela Previdência Social, apresentou-se à empresa. Mas a empregadora não permitiu seu retorno ao seu posto de trabalho e sequer lhe passou qualquer trabalho; e não pagou seus salários, a partir da alta previdenciária. 

O comportamento do médico do trabalho da empresa foi considerado calcada na lógica do corporativismo, que não raro é o responsável por lamentáveis violações éticas. Ficou nessa situação por seis meses, sendo colocado à disposição da empregadora, na garagem da empresa, sem que lhe fosse atribuída qualquer função. Perguntamos: como não adoecer??

Poderíamos perguntar inspirados no médico gaúcho Álvaro Melro, o que faz um trabalhador sofrer e adoecer? A resposta está no conflito permanente entre a qualidade do trabalho esperado e a quantidade a produzir; a densificação do trabalho: supressão dos tempos mortos e micropausas; a frustração por não poder fazer um trabalho de qualidade; a discriminações e humilhações no trabalho.

Os trabalhadores não desejam sofrer acidentes, ficar transtornados, ficar afastados dos seus pares; ter alterado seus pensamentos, pensar em suicídio, se aposentar precocemente ou afastar-se do trabalho por doenças. Recentemente, um gestor contou-nos que seu trabalho se caracterizava por acúmulo de serviços, grande demanda e excessivo fluxo de clientes, falta de pessoal qualificado no atendimento, grande fluxo de dinheiro sob a sua responsabilidade, falta de ar condicionado, o faziam ficar sob tensão e estresse que tornaram-se  uma constante no seu dia-a-dia, com reflexos em seu ambiente familiar, o que lhe causava sérios conflitos conjugais. Após um tempo, já não conseguia dormir a noite, passando então a sofrer com crises maníaco-depressivas e síndrome do pânico, passando inclusive a ter visões e ouvir vozes. Foi diagnosticado como portador de Transtorno Afetivo Bipolar. Foi afastado do trabalho para tratamento de saúde e acabou aposentado, após a constatação, que os seus distúrbios psíquicos haviam apresentado evolução e progressividade, restando um quadro clínico crônico irreversível. Resta duvida da causalidade de seu adoecer?  

Reafirmamos: o presenteísmo leva o trabalhador a permanecer em seu posto de trabalho, mesmo desmotivado, sem condições psíquicas/físicas para trabalhar, ultrapassando a sua jornada. Para ele, o trabalho torna-se o tudo: não pelo prazer, mas pelo medo. Necessita que sua presença seja notada pelos colegas e em especial, a chefia.  Em sua atitude, quer mostrar ao outro que não faz corpo mole, apesar de sobrecarregado e que produz. Que aguenta, apesar de exaurido. Que trabalha e dá duro, apesar de adoecido. Nesta conjuntura, o que vemos é o presenteísmo aumentar, na medida em que aumenta o desemprego, fato que aumenta a insegurança, mantendo o circulo vicioso. Recebemos por outro lado, muitos relatos  de trabalhadores que lhe são exigidas condutas que não concorda, quer por que fere seus principio e crenças morais, seja pela inutilidade da tarefa. Muitas vezes, ha trabalhadores se veem forçados a agir contra seus princípios por medo da perda de emprego. Esta situação causa-lhe angustia, confusão de pensamentos, vontade de abandonar a empresa, porem, pela necessidade e medo, permanece. Aqui, devemos perguntar: como falar em qualidade de vida no trabalho ante esse contexto de exigências e adoecimentos?

Para a ABB (Asea Brown Boveri), a qualidade de vida, deve estar embasada em cinco pilares: respeito à vida, rejeição à violência, generosidade, ouvir para compreender e redescoberta da solidariedade. Pergunto: existe este ambiente? O que ainda vemos, são programas voltados para o controle de peso, do fumo, do sedentarismo, da hipertensão e etc. Mas, se o presenteísmo é essencialmente um problema de organização do trabalho e gestão de pessoas, como esses programas irão de fato, resolver e eliminar as causas do presenteísmo?  Sabemos que ao serviço médico compete a “promoção da saúde, assistência integral e eficaz, além de um registro prático e ético” (Souto, 1980). Ou seja, qualquer programa de prevenção, deve levar em consideração tanto as condições objetivas da organização do trabalho quanto as condições subjetivas das relações hierárquicas e abuso de poder. A prevenção do presenteísmo diz respeito aos gestores, aos Recursos Humanos, a área de saúde e segurança do trabalho. Estes profissionais devem ter autonomia para propor mudanças e que estas, sejam acatadas e compreendidas pela alta gestão. Sei que ouvir e acolher o trabalhador respeitosamente é fundamental. Mas importante é pensar conjuntamente, em estratégias preventivas que controlem os riscos psicossociais e gerem bem-estar aos trabalhadores.

Uma sugestão necessária é refletir as jornadas prolongadas, tarefas monótonas, repetitivas e densas.  Essas jornadas prolongadas e exaustivas,  trazem prejuízos  tanto para a empresa como trabalhadores, qual seja: a baixa produtividade. Suspender ou impedir as reuniões pós jornada de trabalho, ou seja - noturnas - pois uma  permanecia a mais na empresa, impedindo ou retardando o termino da jornada,  causa insônia ou sono insuficiente ademais de interferir  na relação afetiva do casal e filhos que muitas vezes, apresenta mal desempenho escolar devido a falta de convivência com os país. Saibam senhores e senhoras que os fatores capazes de influir na qualidade e quantidade do trabalho é da ordem do psicológico, ou seja, do respeito e reconhecimento; da perda do sentimento por parte do trabalhador, da obrigação em relação a tarefa a ser realizada, cordialidade nas relações hierárquicas e manter uma certa autonomia de decisão aos trabalhadores. Uma logica voltada exclusivamente para custos,  metas e lucratividade não combina com os sentimentos, desejos e olhar dos  trabalhadores.

Todos que trabalham desejam ser respeitados e reconhecidos ao invés de serem submetidas a um largo processo de duvidas, interrogações, incoerências, ameaças, pressões que torturam e causam erosão das emoções. Nenhum de nós, aspira a dor, mesmo quando sabemos que ela nos constitui. A chave da resistência é estabelecer  um estilo de direção e governança que não seja autoritário e indiferente as necessidades elementares dos trabalhadores enquanto seres humanos. Se a logica do sistema econômico, não privilegia o bem estar dos trabalhadores, sequer reconhece o saber-fazer. Quase ao final, reafirmo que a precarização, a pressão por metas impostas e nunca fixas,  o excesso de trabalho e extensão da jornada, pelo medo de perder o emprego ou mesmo a conduta sistemática de trabalhar com um atestado no bolso evitando afastar-se pelo medo de um outro seja colocado em seu lugar,  tem gerado consequências negativas para a saúde de todo os trabalhadores. Para a Organização Internacional do Trabalho, a falta de prevenção adequada das doenças ocupacionais tem ocasionado efeitos negativos profundos sobre os trabalhadores, suas famílias e também na sociedade em consequência do enorme custo que gera, em particular no que se refere a perda de produtividade e sobrecarga do sistema previdenciário.

Finalizamos com  uma carta de um trabalhador grego que se suicidou em dezembro de 2012, após  reestruturações que culminou com varias demissões:


Violência é trabalhar 40 anos por una miséria e não saber se algum dia, chegarás a se aposentar. Violência são os bônus do Estado, as pensões roubadas, a fraude da bolsa. Violência é estar obrigado a obter um empréstimo hipotecário que finalmente pagas a preço de ouro. Violência é o direito do diretor de te despedir em qualquer momento.   Violência é o desemprego, a precariedade, os 700 euros com ou sem seguro social. Violência são os "acidentes" laborais, porque os patrões limitam seus gastos às custas da segurança dos trabalhadores. Violência é tomar psicofármacos e vitaminas para fazer frente aos horários extenuantes. Violência é ser uma imigrante, viver com o medo de que em qualquer momento vão te jogar fora do país e experimentar constantemente a insegurança. Violência é ser ao mesmo tempo assalariada, dona de casa e mãe. Violência é o quanto te fodem o cu no trabalho e te dizem: “Sorria, tampouco é para tanto” (METOIKIDIS, 2012).

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[1] La reforma laboral y la crisis en las empresas empeoran la salud de las personas trabajadoras
[2]  CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. p 24.

(*) Margarida Barreto, é Médica com especialização em Medicina do Trabalho e Higiene Industrial, Mestra e Doutora em Psicologia Social Pontifícia Universidade Católica de São Pulo e Coordenadora da Rede Nacional de combate ao Assédio Laboral e outras manifestações de violência no trabalho, Email: guidabarreto@ig.com.br

(**) Luiz Salvador é advogado trabalhista, Ex-Presidente da ABRAT (www.abrat.adv.br), Vice-Presidente da ALAL (www.alal.com.br), assessor jurídico de entidades de trabalhadores, membro integrante, do corpo técnico do Diap, do corpo de jurados, do TILS – Tribunal Internacional de Liberdade Sindical (México), do TMLS – Tribunal Mundial de Liberdade Sindical (Colômbia) e membro integrante da Comissão de “juristas” responsável pela elaboração de propostas de aprimoramento e modernização da legislação trabalhista instituídas pelas Portarias-MJ 840, 1.787, 2.522/08 E 3105/09, E-mail: luizsalv@terra.com.br, site: www.salvadoreolimpio.com.br



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