MT: Assédio Moral reflete lógica
da competitividade no trabalho, afirma Roberto Heloani
Mais de três horas de debate e, se
dependesse do público, poderia ter sido até mais. Foi assim a palestra sobre
Assédio Moral, ministrada pelo professor da Unicamp, José Roberto Heloani, no
dia 09/09, na Adufmat-Ssind, em Cuiabá, MT.
Por Luana Soutos / Assessoria de Imprensa
do Comando Local de Greve da Adufmat-Ssind
Há 17 anos estudando o tema, Heloani falou
com muita propriedade sobre diversos casos de assédio moral, sexual, violência
no trabalho e outros instrumentos de abuso de poder, a partir de pesquisas com
diversos profissionais de serviços públicos e privados.
O eixo do debate foi o que motiva práticas
de abuso de poder e assédio no trabalho: a lógica da competitividade. Reflexo
do modelo liberal de organização do trabalho, a necessidade de cumprimento de
metas em busca do lucro teria, segundo o professor, esfacelado espíritos de
solidariedade e coletividade nos ambientes de trabalho.
“Assédio moral tem relação direta com a
forma que se organiza o trabalho. O grande problema do modo gerencial de
produção é destruir o coletivo de trabalho. Um hospital obedece, hoje, as
mesmas regras de qualquer fábrica de automóveis”, disse.
As relações de trabalho nas universidades
públicas também têm sido violentas. “A universidade já foi um espaço fraterno,
já teve um coletivo poderoso. Hoje não. Universidade não é mais um espaço de
solidariedade. Nós arrebentamos o coletivo. As pessoas estão preocupadas com
seu lattes, com produtivismos”, relatou o palestrante.
De acordo com ele, os dados obtidos nas
pesquisas são, por vezes, “impublicáveis”. Dentre as ações mais recorrentes, há
relatos de boicote a professores de diversas maneiras, como extravio proposital
de material, transferência para outras unidades ou setores com menor
visibilidade, exclusão das reuniões, incentivo a conflitos com estudantes e até
perseguição por resistência à corrupção.
Um destaque interessante, feito por
Heloani, apontou que em alguns espaços, como a universidade, as práticas de
assédio moral tendem a ser mais “sofisticadas”, cínicas. Com, por exemplo,
elogios seguidos de insinuações negativas.
Diferentemente de conflitos rotineiros, o
assédio moral é caracterizado por ações frequentes, que visam denegrir,
desqualificar e humilhar o trabalhador. Devido ao sofrimento emocional, provoca
o isolamento da pessoa assediada, além de doenças somáticas e psicossomáticas.
De acordo com a Organização Internacional
do Trabalho (OIT) e Organização Mundial da Saúde (OMS), o transtorno mental,
que inclui casos de depressão severa em função do trabalho, já é a segunda
causa de afastamento do trabalho nesta década.
Na maioria das vezes, o assédio ocorre
contra pessoas que não admitem a usurpação de certos direitos, que se colocam
contrárias às práticas de autoritarismo, dirigentes sindicais ou pessoas mais
conscientes politicamente. “Essas pessoas são consideradas perigosas. Elas
incentivam o desenvolvimento da consciência, que não é interessante para a
lógica gerencial”, afirmou.
Além de incentivar a concorrência até mesmo
no serviço público, a lógica neoliberal, que se aprofundou no Brasil a partir
da década de 1990, se esforça em fragilizar os próprios direitos sociais de
competência do Estado. A partir do ideal “Estado Mínimo”, os governos atacam
serviços básicos e universais, como saúde, educação e previdência, reduzindo
investimentos e desenvolvendo mecanismos para entregá-los à iniciativa privada.
“Os programas sociais estão sendo detonados
pelo projeto neoliberal conservador, a partir da ideia de que Estado é oneroso,
que os tributos são demais. Assim, promove-se a precarização dos serviços
públicos, fortalecendo essa imagem no imaginário da população. Por exemplo, a
previdência é superavitária e vende-se outra ideia para apavorar a população”,
pontuou Heloani.
Além do afastamento do trabalho, doenças
diversas, consumo excessivo de medicamentos, as relações violentas de trabalho
motivam, ainda, muitos casos de suicídio. Muitos deles, de acordo com o
professor, ocultados pelas empresas e pela mídia.
Reações ao assédio
A melhor reação ao assédio é coletiva,
afirma o professor. “Não é possível combater assédio moral individualmente.
Essa é uma questão de classe, uma questão coletiva, só vai poder ser resolvida
assim. Não dá pra ir sozinho. Tem de ter apoio psicológico e coletivo”.
Até porque, segundo Heloani, ao enfrentar
atos de assédio, o trabalhador corre o risco de passar de vítima a réu.
Normalmente, o assediador tenta justificar seus atos a partir do comportamento
da pessoa que sofre assédio. Esse será mais um golpe que o trabalhador terá de
se recuperar nessa batalha.
“Assédio moral não é uma questão que possa
ser resolvida sem consciência política. Quando se fala em assédio moral,
fala-se em Estado, conceito de Estado, de servidor público. É muito difícil
enfrentar todo esse contexto político sozinho”, concluiu o palestrante.
(fonte, acesso em 18/09/2015)
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